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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPIRITO SANTO CENTRO CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS DEPARTAMENTO DE DIREITO JOÃO PEDRO ALCANTARA DA SILVA; PEDRO LUIZ TEIXEIRA PROCESSO COLETIVO: MODELO BRASILEIRO VITÓRIA 2015 JOÃO PEDRO ALCANTARA DA SILVA; PEDRO LUIZ TEIXEIRA Processo Coletivo: Modelo Brasileiro Trabalho apresentado ao Departamento de Direito da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para aprovação na Disciplina de Processual Civil VI. Orientador: Professor Pós-Doutor Hermes Zanetti Júnior. VITÓRIA 2015 RESUMO A tutela dos direitos coletivos pelo ordenamento jurídico brasileiro reúne características o que diferencia dos modelos de tutelas destes direitos em outros países. As ações coletivas revelam-se como um meio célere e eficaz de acesso à justiça. O interesse existente nas ações coletivas ultrapassa a barreira do proveito individual para alcançar o anseio das comunidades e da sociedade. Este artigo pretende analisar características deste modelo de tutela. PALAVRAS-CHAVE Ação coletiva. Direitos coletivos. class actions. Padronização decisória. Resolução coletiva de conflitos. ABSTRACT The guardianship of the collective rights by the Brazilian legal order combines unique characteristics which differentiates it from other guardianships of these same rights in other countries. The collective actions are revealed as a fast and effective means of access to justice. The interest in the class actions goes beyond the barrier of the individual advantage to achieve the communities and society wishes. This article analyses features of this tutelage model. KEYWORDS Collective suits. Collective rights. Class actions. Standardization of decisions. Collective conflict resolution. SUMÁRIO 1. Introdução - 2. Características processo coletivo - 2.1. Interesse público primário - 2.2. Legitimação distinta - 2.3. Direitos Coletivos Lato Sensu 2.4. Coisa julgada - 2.4.1. Limites subjetivos - 2.4.2. Coisa julgada nas ações que tratam de direitos difusos - 2.4.3. Coisa julgada nas ações que tratam de direitos coletivos strictu sensu - 2.4.4. Coisa julgada nas ações que tratam de direitos individuais homogêneos - 2.4.5. Transporte in utilibus do conteúdo da sentença - 2.5. Maior Amplitude de Cognição - 3. As diferenças entre a tutela dos direitos coletivos no Brasil e nos modelos das Class Actions estadunidenses e Verbandsklagen (Ações Associativas) - 3.1. Tutela de direitos coletivos nas Class Actions estadunidenses e o modelo brasileiro - 3.1.1 Tutelas atípicas e não taxativas - 3.1.2. Legitimidade ope iudicis - 3.1.3. Coisa julgada pro et contra - 3.1.4. Adequada notificação - 3.1.5. - Amplo controle do juiz na condução do processo - 3.2. Verbandsklagen (ações associativas alemãs) - 3.2.1. Legitimação ativa exclusiva - 3.2.2. Distanciamento da tutela dos direitos individuais - 3.2.3. Formas de tutela - 3.2.4. Tutela inibitória ou injuncional - 4. Incidente de resolução de demandas repetitivas - 5. Incidente de conversão da ação individual em coletiva - 6. O procedimento trifásico dos direitos individuais homogêneos - 7. Conclusão - 8. Referências bibliográficas 4 1. Introdução Estamos entrando em um novo tempo na tutela dos direitos no Brasil, transitando da perspectiva individual do processo para uma visão cada vez mais coletiva, sendo, esta visão, inclusive, abordada pelo Novo Código de Processo Civil, um diploma historicamente marcado pelo seu cariz individualista. Considerando a relevância e atualidade do tema em questão, o presente trabalho acadêmico tem por finalidade examinar a tutela dos direitos coletivos pelas ações coletivas no ordenamento jurídico brasileiro, apresentando suas principais características e realizando uma breve incursão sobre as class actions estadunidenses e sobre as ações associativas alemãs (verbandsklagen). Também intenta abordar dois institutos do Novo Código de Processo Civil que tratam da solução coletiva de litígios, o incidente de resolução de demandas repetitivas e o incidente de conversão da ação individual em coletiva (vetado). 2. Características processo coletivo Segundo Didier e Zanetti, o processo coletivo brasileiro é marcado pelas as seguintes características, são elas: “o interesse público primário; a legitimação para agir; a afirmação de uma situação jurídica coletiva: direito coletivo lato sensu, no pólo ativo (ação coletiva ativa), ou dever ou estado de sujeição coletivo lato sensu, no pólo passivo (ação coletiva passiva); extensão subjetiva da coisa julgada” 1 , e maior amplitude de cognição 2 . Iremos examiná-las brevemente: 2.1. Interesse público primário O interesse público é uma das bases constitucionais da atuação de todo aparato estatal, trata-se de um conceito de arriscada definição, cuja simplória conceituação em “sobreposição do interesse da coletividade ao interesse individual” se mostra assaz inseguro, sujeito às mais variáveis considerações, o administrativista José dos Santos Carvalho Filho aponta o seguinte norte para determinação do objeto: “A despeito de não ser um conceito exato, aspecto que leva a doutrina em geral a configurá-lo como conceito jurídico indeterminado, a verdade é que, dentro da análise específica das situações administrativas, é possível ao intérprete, à luz 1 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil. Processo coletivo. 8ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2013. vol. 4. p.44. 2 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil. Processo coletivo. 8ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2013. vol. 4. p.392. 5 de todos os elementos do fato, identificar o que é e o que não é interesse público. Ou seja: é possível encontrar as balizas do que seja interesse público dentro de suas zonas de certeza negativa e de certeza positiva. Portanto, cuida-se de conceito determinável” 3 . A definição de Carvalho Filho nos ajuda a compreender melhor este amplíssimo interesse público, o qual pode ser mais bem caracterizado quando lançamos mão da distinção entre o que seria o interesse público primário que deriva do interesse coletivo/social (finalidade) e aquele interesse público secundário (instrumental). Seguindo o raciocínio, o interesse coletivo primário é aquele caracterizado como o próprio interesse do coletivo, social, é o interesse que se abstrai dos anseios da coletividade, “Num primeiro significado temos o interesse público propriamente dito, ou interesse público primário, que é normalmente definido como sendo o interesse geral da sociedade, o bem comum da coletividade. Nessa acepção, o interesse público é sinônimo de interesse geral e de interesse social” 4 . Do outro lado temos o interesse da Administração Pública, o interesse público secundário, conquanto seja um instrumento da ultima ratio da existência da própria Administração Pública, com ela não se confunde, sendo estes interesses restritos “[...] à esfera interna do ente estatal” 5 , agindo a Administração Pública como um sujeito qualquer de direitos podendo perquirir em juízo os interesses e direitos que o ordenamento lhe garante. Zanetti e Didier ressaltam que o vasto campo abrangido pelo que seria interesse público primário, ou interesse social, abarca “[...] os direitos coletivos latu sensu e também os direitos individuais indisponíveis caracterizados como interesses de ordem social e pública pela legislação ou pela Constituição” 6 . Nesse sentido, Teori Zavascki destaca que o interesse público primário é umas das características que anima o processo coletivo, por se cuidar efetivamente um direito: “[...] tratando-se de interesses tuteladosjuridicamente, aptos inclusive a serem defendidos em juízo, eles, na verdade, se revestem da condição de genuínos 3 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2011. p. 55. 4 ANDRADE, Adriano; MASSON, Cleber; ANDRANDE, Landolfo. Interesses difusos e coletivos esquematizado. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2013. p. 38. 5 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo. Tutela de Direitos Coletivos e Tutela Coletiva de Direitos. 6ª. ed. São Paulo: RT, 2014. p. 45. 6 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil. Processo coletivo. 8ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2013. v.4. p. 38. 6 direitos” 7 , deflui-se do pensamento do autor aí reside a natureza dos interesses sociais que, “[...] constituem categoria jurídica suscetível de defesa jurisdicional própria [...]” 8 . 2.2. Legitimação distinta A legitimação é o atributo conferido a determinado sujeito para que pleiteie um direito em juízo (legitimação ad causam), é a legitimação para agir. Cássio Scarpinella Bueno nos adverte que “[...] a noção de legitimidade para a causa deve ser extraída do plano material, transformando a titularidade da relação de direito material em realidade processual e os envolvidos em uma dada relação jurídica material em parte, entendida, pela doutrina dominante, como aquela que pede ou em face de quem se pede algo em juízo” 9 . Desta feita, em geral temos que a parte detentora do direito subjetivo é a mesma que o demanda em juízo, este é o paradigma geral da legitimação ad causam ordinária disciplinada pelo Código de Processo Civil 10 , o qual dispõe que: “Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico” 11 . Em grande parte das ocasiões temos a coincidência de identidade entre o detentor do direito material com a da parte que o pleiteia em juízo, contudo, o próprio ordenamento, autoriza que o direito material seja perquirido por um sujeito que não é seu detentor, trata-se da legitimação extraordinária (ou substituição processual). No que tange à legitimação para processo coletivo, Didier e Zanetti entendem que esta é “[...] extraordinária: autoriza-se um ente a defender, em juízo, situação jurídica de que é titular um grupo ou uma coletividade. Não há coincidência entre o legitimado e o titular da situação jurídica discutida. Quando não há essa coincidência, há legitimação extraordinária - esta é a posição adotada por este Curso, que de resto parece ser a majoritária na jurisprudência brasileira, muito embora ainda não tenha sido pacificada na doutrina” 12 . 7 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo. Tutela de Direitos Coletivos e Tutela Coletiva de Direitos. 6ª. ed. São Paulo: RT, 2014. p. 47. 8 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo. Tutela de Direitos Coletivos e Tutela Coletiva de Direitos. 6ª. ed. São Paulo: RT, 2014. p. 44. 9 BUENO, Cassio Scarpinella, Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil. 8ª ed. São Paulo : Saraiva, 2014. v. 3. p. 381. 10 As remissões feitas ao CPC sem ressalvas estão relacionadas ao Código de Processo Civil de 2015, Lei nº 13.105/2015. As referências ao Código de Processo Civil de 1973 serão expressas. 11 Art. 18 do CPC. 12 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil. Processo coletivo. 8ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2013. v. 4. p. 205. 7 Seguindo as linhas gerais traçadas nos parágrafos anteriores, a legitimação ativa para os processos coletivos advém de expressa previsão legal 13 , pois: “Tratando-se de direitos difusos ou coletivos (= sem titular determinado), a legitimação ativa é exercida invariavelmente, em regime de substituição processual: o autor da ação defende, em nome próprio, direito de que não é titular” 14 . Decorre, então, que a legitimação coletiva ad causam será concedida na forma de substituição processual, devendo a lei explicitar os casos em que se admita que um sujeito discuta os direitos de uma coletividade, é a legitimação ope legis. Antonio do Passo Cabral explicita as diretrizes que levam o legislador a eleger determinados substitutos processuais nas relações jurídicas: “Essa sistemática leva em consideração valores como a celeridade, eficiência e amplitude ao acesso à justiça, ao mesmo tempo em que pratica e promove a igualdade entre pequenos litigantes e grandes réus. De fato, especialmente quando se trata de coletividades carentes e de baixo nível de instrução, freqüentemente os membros da classe não estariam preparados financeira e culturalmente para ingressar em juízo, chegando alguns autores a apontar o formato das regras tradicionais de legitimidade ordinária como opressor e elitista, e a técnica da substituição processual como libertária” 15 . O ordenamento Pátrio atribuiu a legitimidade coletiva ativa a entes públicos e pessoas jurídicas de direito privado e cidadãos: “Conclui-se, portanto, que nosso sistema é misto ou pluralista, em que tanto entes públicos como privados (associações) estão legitimados a agir” 16 . Exemplos dessa política eclética que preza pela diversidade de legitimados podem ser encontrados na Lei de Ação Civil Pública que estatui em seu artigo 5º: “Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: I - o Ministério Público; II - a Defensoria Pública; III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; V - a associação”. Também é representante desta ampla gama de legitimados para ação coletiva a autorização dada ao cidadão para ajuizamento de ação popular (Lei nº 4.717/1965). 13 Art. 18 do CPC: “Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico”. 14 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo. Tutela de Direitos Coletivos e Tutela Coletiva de Direitos. 6ª. ed. São Paulo: RT, 2014. p. 64. 15 CABRAL, Antonio do Passo. O Novo Procedimento-Modelo (Musterverfahren) Alemão: Uma Alternativa Às Ações Coletivas. In:____ Revista de Processo. Vol. 147. São Paulo: Ed. RT, jun. 2007. p.2. 16 ANDRADE, Adriano; MASSON, Cleber; ANDRANDE, Landolfo. Interesses difusos e coletivos esquematizado. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2013. p. 81. 8 Apesar da opção pela substituição processual no processo coletivo, por si só essa característica não trazia a segurança e cautela necessárias a garantir uma eficaz escolha do substituto processual, tendo em vista essa questão, o legislador permitiu que os legitimados pudessem agir de modo concorrente 17 , sendo assim, qualquer dos entes autorizados pode propor a ação, não há exclusividade nem ordem de preferência entre eles. Também é garantido à autonomia entre os entes, cada um deles podem conduzir o processo de acordo com suas próprias diretrizes, estando autorizados a facultativamente a “[...] habilitar-se como litisconsortes de qualquer das partes” 18 . Os professores Zanetti e Didier também ressaltam o caráter autônomo e exclusivo da legitimação por substituição processual. No que tange ao cariz autônomo da legitimação extraordinária no processo coletivo, Geovana Specht Vital da Costa aponta que “Ocorre a legitimação subordinada, quando a presença do legitimado extraordinário está subordinada à presença do legitimado ordinário. Em outras palavras, há a obrigatoriedade da presença do titular do direito material em juízo para validar a legitimação da parte” 19 , contrario sensu, a legitimação autônoma deflui da prescindibilidade do ingresso do titular do direito subjetivo na ação para autorizamento do substitutoprocessual. Quanto ao aspecto da exclusividade do legitimado extraordinário, este deriva da impossibilidade da impossibilidade do titular do direito material ingressar no processo. Segundo Didier e Zanetti, o litisconsórcio entre o titular individual e substituto processual somente “[...] é possível quando estiverem sendo discutidos direitos individuais homogêneos (art. 94 do CDC) [...]” 20 , deste modo, a regra é a impossibilidade de litisconsórcio entre titular do direito individual e o substituto processual tratando-se de direitos difusos e coletivos. Por fim cabe ressaltar que, apesar de toda a construção ope legis feita acerca da legitimação extraordinária, Zanetti e Didier defende que a utilização exclusiva deste modelo não coaduna com o princípio da adequada representação, tão caro ao processo coletivo. Por conseguinte, os 17 Art. 82 do Código de Defesa do Consumidor: “Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrente”. Grifo Nosso. 18 Art. 5º da Lei de Ação Civil Pública. 19 COSTA, Geovana Specht Vital da. Das espécies de legitimidade ativa na tutela dos interesses difusos. Processos Coletivos. Porto Alegre, vol. 4, n. 1, 01 jan. 2012. Disponível em: <http://www.processoscoletivos.net/1184-das-especies-de-legitimidade-ativa-na-tutela-dos-interesses-difusos>. Acesso em: 23 mar. 2015. 20 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil. Processo coletivo. 8ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2013. v. 4. p.211. 9 autores se posicionam em favor do controle ope iudicis da legitimação, a “legitimação conglobante”. De acordo com este pensamento, a análise da legitimação (mais especificamente da legitimação conglobante) deve ser feita levando em consideração se a representação está em conformidade com os preceitos do ordenamento jurídico e a com finalidade da tutela coletiva 21 . Como exemplo da aplicação da legitimação conglobante Zanetti e Didier admitem a legitimação ad causam do Ministério Público para ajuizamento de mandado de segurança coletivo. “A legitimidade é uma capacidade que se atribui a um sujeito de direito tendo em vista a relação que ele mantém com o objeto litigioso do processo (a situação jurídica afirmada na demanda). Para que se saiba se a parte é legítima, é preciso investigar o objeto litigioso do processo, a situação concretamente deduzida pela demanda. Não se pode examinar a legitimidade a priori, independentemente da situação concreta que foi submetida ao Judiciário [...]Assim, o texto constitucional não cuida, nem poderia cuidar, de legitimidade ad causam para o mandado de segurança coletivo. A legitimidade para o mandado de segurança coletivo será aferida a partir da situação litigiosa nele afirmada, ou seja, ope judicis” 22 . 2.3. Direitos Coletivos Lato Sensu A doutrina considera os direitos coletivos são direitos que pertencem a uma coletividade cujos titulares não são determinados (daí serem chamados de transindividuais), é também característica dos direitos coletivos a indivisibilidade. Segundo Teori Zavascki, são direitos “[...] tutelados em juízo invariavelmente em regime de substituição processual” 23 , justamente em função dessa indeterminabilidade e indivisibilidade. Dentro desse espectro de direitos pertencentes a uma coletividade, direitos coletivos lato sensu, há três espécies, quais sejam: a dos direitos difusos, e dos direitos coletivos strictu sensu e dos direitos individuais homogêneos. 2.3.1. Direitos difusos 21 ZANETTI, Hermes Júnior. A Legitimação Conglobante Nas Ações Coletivas: A Substituição Processual Decorrente Do Ordenamento Jurídico. In:____ VIDERE, v. 2, n. 3, p. 101-116, 2010. p.113. 22 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil. Processo coletivo. 8ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2013. v. 4. p. 226. 23 RE 631.111/GO, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Plenário do STF, Repercussão Geral. 10 O conceito de direitos difusos pode ser extraído do Código de Defesa do Consumidor, que os define em seu art. 82, parágrafo único, I, como sendo direitos “[...] transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”, de acordo com o CDC, são características básicas 24 dos direitos coletivos difusos: a) transindividualidade: “[...] pois pertencem não a indivíduos, mas a grupos, a categorias ou a classes pessoas” 25 , podemos afirmar que os direitos difusos não são pertencidos por titulares individualmente considerados; b) indivisibilidade: são direitos que devem ser observados como um todo, não se admite o tratamento fracionário do direito difuso, decorrendo desse aspecto a oponibilidade erga omnes da coisa julgada na tutela dessa espécie; c) ligados por circunstâncias de fato: o elemento que une os indivíduos e os torna coletividade nesse caso são fatos que os atingem, não havendo reclamo de que haja uma relação jurídica entre os indivíduos desta coletividade, basta que exista uma norma de direito material que preveja este direito 26 . 2.3.2. Direitos coletivos strictu sensu A grande diferença entre os direitos difusos e os direitos coletivos strictu sensu 27 reside na existência de relação jurídica base entre os integrantes desta coletividade ou com a parte adversa, os direitos coletivos em sentido estrito também possuem os distintivos da transindividualidade e indivisibilidade, assim como os direitos difusos. 24 A professora Geisa de Assis Rodrigues acrescenta as seguintes características aos direitos difusos: “[...] a) a indeterminação de seus titulares; b) a ausência de vínculo jurídico que ligue os detentores do direito; c) a sua incindibilidade objetiva, pois não se pode separar parcelas do interesse difuso; d) a sua indisponibilidade, corolário lógico da indeterminação subjetiva e da sua natureza indivisível; e) a sua natureza extrapatrimonial, uma vez que os direitos difusos não podem ser expressos em medida monetária, o que origina, quando impossível a restituição ao estado anterior, a sua ressarcibilidade indireta; f) a sua tutela pode representar uma conflituallità massima, ou seja, os direitos difusos concorrem com outros direitos difusos e a prevalência de um deles, ou quando possível a composição entre os mesmos, ocorre pela ponderação de bens no caso concreto, como por exemplo no caso de manutenção do funcionamento de uma fábrica poluente, que gera milhares de empregos e torna pujante a economia local, em uma área que tenha novas exigências ambientais”. RODRIGUES, Geisa de Assis. Ação civil pública e termo de ajustamento de conduta : teoria e prática. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 54. 25 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo. Tutela de Direitos Coletivos e Tutela Coletiva de Direitos. 6ª. ed. São Paulo: RT, 2014. p. 37. 26 ANDRADE, Adriano; MASSON, Cleber; ANDRANDE, Landolfo. Interesses difusos e coletivos esquematizado. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2013. p. 44. 27 O art. 81, parágrafo único, II, do Código de Defesa do Consumidor dispõe que são direitos coletivos strictu sensu: “ II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base” 11 A relação jurídica base deve se dar entre os membros da coletividade ou com a parte contrária, no primeiro caso estamos falando de uma situação de fato que liga os membros de um grupo, categoria ou classes de pessoas entre si, como, por exemplo, uma cooperativa de professores. Já na segunda hipótese, tratamos, e.g., dealunos de uma determinada escola que aumenta abusivamente as mensalidades, ou seja, a relação se dá entre multiplicidade de sujeitos lesados e parte oposta. O professor Arnaldo Rizzardo afirma que a determinabilidade dos direitos coletivos strictu sensu é originada pela “[...] relação jurídica-base que associa ou vincula um grupo de indivíduos, distinguindo-os dos demais, levando a concluir que são determináveis os interesses, e viabilizando a individuação. Forma-se um grupo de pessoas marcado por uma relação comum, que as vincula ou une numa aspiração idêntica, ou num propósito igual” 28 . Tendo em vista traço do determinabilidade dos grupos, não faz sentido que a coisa julgada seja erga omnes, atingindo indivíduos além do grupo, categoria ou classe litigante. Desta feita, o legislador, limitou a irradiação dos efeitos da coisa julgada à coletividade determinada que participasse do processo (grupo, categoria ou classe de pessoas), sendo assim, podemos afirmar que, no caso de direitos coletivos strictu sensu, a coisa julgada será ultra partes. Característica que não deve ser olvidada no que tange aos direitos coletivos strictu sensu, é a precedência da relação jurídica base ao fato objeto, Didier e Zanetti exemplificam: “A relação-base forma-se entre os associados de uma determinada associação, os acionistas da sociedade ou ainda os advogados, enquanto membros de uma classe, quando unidos entre si (affectio societatis, elemento subjetivo que os une entre si em busca de objetivos comuns); ou, pelo vínculo jurídico que os liga a parte contrária, e.g. , contribuintes de um mesmo tributo, estudantes de uma mesma escola, contratantes de seguro com um mesmo tipo de seguro etc” 29 . 2.3.3. Direitos individuais homogêneos Parte da doutrina propugna: quanto aos direitos difusos e aos direitos coletivos strictu sensu há a coincidência de dois caracteres chaves de suas definições, a transindividualidade e a indivisibilidade, sendo os direitos individuais homogêneos meramente direito subjetivos 28 RIZZARDO, Arnaldo. Ação civil pública e ação de improbidade administrativa. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 113. 29 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil. Processo coletivo. 8ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2013. v. 4. p. 79. 12 individuais tratados coletivamente 30 , portanto divisíveis e individuais. Outra vertente aponta que “[...] os direitos individuais homogêneos são indivisíveis e indisponíveis até o momento de sua liquidação e execução, voltando a ser indivisíveis se não ocorrer a tutela integral do ilícito. Trata-se de procedimento trifásico de efetivação da tutela jurisdicional” 31 . Entendemos a definição mais acertada está com a corrente doutrinária que entende serem indivisíveis os direitos individuais homogêneos (até o momento de sua liquidação e execução), porquanto, seria um entendimento que foge à órbita do microssistema do processo coletivo concebê-los como meramente um litisconsórcio multitudinário, e que a mera precedência de um direito individual não desnaturaria o instituto, uma vez o mesmo a precedência do direito individual também ocorre quanto aos direitos difusos e aos coletivos strictu sensu, mesmo que de forma abstrata e não identificável, não impedindo sua tutela coletiva de forma indivisível, da igual maneira “[...] caracteriza-se a ação coletiva por interesses individuais homogêneos exatamente porque a pretensão do legitimado concentra-se no acolhimento de uma tese jurídica geral, referente a determinados fatos, que pode aproveitar a muitas pessoas” 32 . O Código de Defesa do Consumidor conceitua esses direitos como sendo: “[...] os decorridos de origem comum”, Daniel Amorim Assunção Neves, esclarece que “em termos processuais, a origem comum decorre dos dois elementos que compõem a causa de pedir: fato e fundamento jurídico” 33 , o autor entende que a origem comum da lesão não é o único requisito para tutela dessa espécie de direito coletivo, ao qual se soma a homogeneidade, que “[...] dependerá da prevalência da dimensão coletiva sobre a individual. Significa que, havendo tal prevalência, os direitos, além de terem origem comum, serão homogêneos e poderão ser tutelados pelo microssistema coletivo. Por outro lado, se, apesar de terem uma origem comum, a dimensão individual se sobrepor à coletiva, os direitos serão heterogêneos e não poderão ser tratados à luz da tutela coletiva” 34 . Seria, por exemplo, o caso em que os consumidores de determinados produto fossem lesados em centavos, mas pela proporção de 30 Nesse sentido: Hugo Nigro Mazzilli, Teori Zavascki, Daniel Amorim Assumpção Neves. 31 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil. Processo coletivo. 8ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2013. v. 4. p. 82. 32 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil. Processo coletivo. 8ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2013. v. 4. p. 82. 33 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de processo coletivo. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012. p. 130. 34 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de processo coletivo. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012. p. 130. 13 consumidores (milhares ou até milhões deles), o dano toma proporção tão ampla que passa a atingir coletividade de forma una, não só levando em consideração os prejuízos individuais, mas o alcance coletivo da ação deletéria. 2.4. Coisa julgada A coisa julgada pode ser conceituada como o impedimento a alteração da sentença, o referido instituto tem o objetivo de tornar a decisão estável, não a sujeitando a novas discussões nem mudanças posteriores, o Código de Processo Civil a define em seu art. 502: "Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso", o eminente doutrinador Humberto Theodoro Júnior, define coisa julgada com a seguinte precisão: "A res iudicata, por sua vez, apresenta-se com uma qualidade da sentença, assumida em determinado momento processual. Não é efeito da sentença, mas a qualidade dela representada pela 'imutabilidade' do julgado e de seus efeitos, depois que não seja mais possível impugná-los por meio de recurso” 35 . 2.4.1. Limites subjetivos Em se tratando de limites subjetivos da coisa julgada, isto é, de quem são as partes vinculadas a res iudicata, podemos afirmar que no processo individual a coisa julgada tem como regra a vinculação de seus efeitos somente entre as partes que participaram do processo (inter partes), o art. 506 do Código de Processo Civil é claro ao estatuir que: "A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros", o raciocínio que nos leva a essa conclusão é simples, não é natural que num sistema processual primado pela ampla defesa e contraditório, um terceiro que não participou do processo seja abarcado pelos efeitos da sentença. Contudo, no que diz que respeito aos limites subjetivos da coisa julgada cabe uma ressalva que nos interessa muito e que será mais bem explicada logo adiante, é a seguinte: apesar de, em regra, os efeitos da coisa julgada estarem limitados ao autor e a parte adversa, o sistema abre exceção no que toca aos substituídos processuais, pois estes não participaram da condução do processo e mesmo assim serão submetidos aos efeitos da coisa julgada. "Os substituídos são representados na demanda por sujeito que a lei ou o sistema considera apto à defesa do direito em juízo, sendo que nessa excepcional hipótese admite-se que a coisa 35 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento.Rio de Janeiro: Forense, 2014. Vol. 1. p. 767. 14 julgada atinja titulares do direito que não participaram como parte no processo” 36 . Essa consideração é importante para que tenhamos toda a dimensão do processo coletivo e como seus institutos devem comunicar-se entre si, nesse caso, uma vez admitida a possibilidade de legitimação extraordinária por substituição processual, não faria sentido limitar o alcance dos efeitos da coisa julgada ao âmbito inter partes. Hugo Nigro Mazzilli pondera a respeito do tema: "A solução do problema da coisa julgada foi uma das grandes dificuldades para instituir a defesa coletiva em juízo. De acordo com a teoria clássica, a coisa julgada significa a imutabilidade do que foi definitivamente decidido, limitadamente às partes do processo. Se a coisa julgada fica, porém, circunscrita às partes, então de que adiantariam as ações civis públicas e coletivas? Se a coisa julgada no processo coletivo ficasse classicamente limitadas às partes formais do processo onde foi proferida, então qualquer colegitimado, que não tivesse participado do processo, poderia propor novamente a mesma ação, discutindo os mesmo fatos e fazendo o mesmo pedido... Se a coisa julgada no processo coletivo não ultrapassa as barreiras formas pelas próprias partes formais do processo de conhecimento, de que adiantaria forma-se um título executivo que não iria sequer beneficiar os lesados individuais, que não foram parte no processo?" 37 . Como se depreende do exposto acima para que seja útil a tutela dos direitos coletivos é necessário que a mesma não fique aos sujeitos que tomaram parte no processo. Como apresentado acima, os limites subjetivos da coisa julgada no processo coletivo divergem dos limites inter partes estabelecido pelo processo individual, desta feita, o processo coletivo apresenta diferentes contornos ao estabelecer a coisa julgada referente a direitos difusos (erga omnes), direitos coletivos strictu sensu (ultra partes), e direitos individuais homogêneos (erga omnes). 2.4.2. Coisa julgada nas ações que tratam de direitos difusos No primeiro caso, o que se relaciona aos direitos difusos, a coisa julgada estende seus efeitos à perante todos, é a coisa julgada erga omnes, trata-se da indivisibilidade do direito coletivo, e consequentemente de sua tutela, é aquela que se impõem de forma ampla e irrestrita, todos 36 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014. p. 643. 37 MAZZILLI, Hugo Nigro. Defesa dos interesses difusos em juízo. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 602. 15 ficam vinculados à decisão, "[...] exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas" 38 . Podemos observar que a coisa julgada nas ações que tratam de direitos difusos opera de acordo com a regra secundum eventum probationis, dependem de que o juiz não decida improcedente o pedido por falta de elementos probatórios que o permitam aprofundar no mérito do processo para decidi-lo. Didier e Zanetti ressaltam que "A opção pela coisa julgada secundum eventum probationis revela o objetivo de prestigiar o valor justiça em detrimento do valor segurança, bem como preservar os processos coletivos do conluio e da fraude processual” 39 . Os autores ressalvam que não é necessário (ainda que desejável) que o juiz decida expressamente que o pedido é improcedente por falta de provas, mas que essa deficiência probatória seja a causa da improcedência e que isso decorra logicamente da decisão. 2.4.3. Coisa julgada nas ações que tratam de direitos coletivos strictu sensu Nos casos de ações coletivas que tratam de direitos coletivos strictu sensu, a sentença se torna estável de forma ultra partes, o que significa que a coisa julgada se estenderá além das partes, “[...] mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas” 40 . A regra trazida pelo Código de Defesa de Consumidor agora limita a incidência da coisa julgada a um grupo restrito, não mais de forma ampla, perante todos (erga omnes). Cabe não olvidar que a coisa julgada ultra partes, nas decisões que se referem a direitos coletivos strictu sensu, se forma secundum eventum probationis, permitindo que a ação seja reproposta por qualquer legitimado, inclusive o mesmo fundamento, porém, valendo de nova prova 41 , “[...] desde que demonstre ao juiz que essa nova prova mostra-se suficiente para eventualmente resultar na procedência do pedido. Aprova suficiente é um requisito específico das ações coletivas” 42 . O art. 103, §1º, do Código de Defesa do Consumidor ressalva que “Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da 38 Art. 103, I, do Código de Defesa do Consumidor. 39 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil. Processo coletivo. 8ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2013. v. 4. p. 389. 40 Art. 103, II, do Código de Defesa do Consumidor. 41 Art. 103, I, do Código de Defesa do Consumidor. 42 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil. Processo coletivo. 8ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2013. v. 4. p. 389. 16 coletividade, do grupo, categoria ou classe”, quer dizer, nas decisões que tratam de direitos transindividuais, a eventual improcedência da ação, mesmo por outro motivo que não seja a falta de provas, não irá vincular os titulares dos direitos individuais, que poderão livremente repropor a ação. 2.4.4. Coisa julgada nas ações que tratam de direitos individuais homogêneos No que concerne às ações que tratam de direitos individuais homogêneos, o art. 103, III, do Código de Defesa do Consumidor, determina sua incidência erga omnes, apenas na hipótese de procedência do pedido, quer dizer, a coisa julgada só irá vincular dos titulares de direitos individuais para beneficiá-los, contudo, isso não significa que a coisa julgada não se forma pro et contra, mas somente que, no caso de sentença favorável aos lesados individuais, haverá a extensão da coisa julgada para o plano individual, não ocorrendo óbice para que a ação seja reproposta individualmente nos casos de improcedência 43 , exceção àqueles que voluntariamente tiverem intervindo no processo como litisconsortes, os quais obviamente não serão beneficiado, em virtude da característica unitária deste litisconsórcio. Uma interpretação literal do art. 103, III, do CDC pode nos levar ao entendimento de que a coisa julgada nos casos dos direitos individuais homogêneos se formaria secundum eventum litis, o qual privilegiaria os interesses coletivos em detrimento da não exposição do réu a reiteradas demandas idênticas em juízo, Aluisio Gonçalves de Castro Mendes pontua: “[...] o julgamento contrário à parte que efetuou a defesa coletiva não produzirá efeitos erga omnes, o que merece ser criticado, pois viola o princípio da isonomia [...] O processo coletivo torna-se, assim, instrumento unilateral, na medida em que só encontrará utilidade em benefício de uma das partes” 44 . Sérgio Cruz Arenhart na mesma linha se posiciona: “Não obstante o nítido interesse em proteger a situação dos indivíduos, o sistema gera manifesto desequilíbrio entre as partes do processo. Como se vê da estrutura desenhada, o réu de uma ação coletiva sobre interesses individuais homogêneos nunca pode considerar-se, de fato, „vencedor‟ na demanda; ele apenas deixou de „perder‟ o litígio na sua dimensão coletiva, permanecendo, porém, sujeito a enfrentar a mesma discussão no plano individual. Para o réu, portanto, a ação 43 Art. 103, §2º do Código de Defesa do Consumidor, sobre a possibilidadede ajuizamento de nova ação em relação à tutela de direitos individuais homogêneos: “Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual”. 44 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações Coletivas e Meios de Resolução Coletiva de Conflitos no Direito Comparado e Nacional. 4ª. ed. São Paulo: RT, 2014. p.277. 17 coletiva (sobre direitos individuais homogêneos) é sempre um risco desproporcional e inútil, pois as suas consequências são ou a sucumbência ou a postergação da discussão para instâncias individuais” 45 . Não obstante o posicionamento dos doutrinadores acima, Zanetti e Didier entendem que o art. 103, III, do CDC não disciplinou o modo de produção da coisa julgada, mas somente sua extensão (no caso, secundum eventum litis), deixando uma lacuna normativa sobre o tema. Isto posto, deve a comaltação da lacuna referente ao modo de produção da coisa julgada ser buscada no próprio microssistema de tutela dos direitos coletivos e, sendo a ação para tutela dos direitos individuais homogêneos também uma ação coletiva, a ela deve ser aplicada os mesmo modo de produção da res iudicata previsto para os direitos difusos e coletivos em sentido estrito, o qual seria a formação da coisa julgada secundum eventum probationis, evitando uma reexposição desmedida do réu à posteriores ações e protegendo os direitos da coletividade de forma justa. 2.4.5. Transporte in utilibus do conteúdo da sentença Em relação à extensão erga omnes nos casos de procedência das ações que versam sobre direitos individuais homogêneos, conforme já dito, ela somente ocorrerá nos casos de procedência do pedido, e nessa situação a extensão erga omnes advém da possibilidade de que indivíduo que não ingressou no processo, possa utilizar da sentença de procedência do pedido da ação coletiva em seu favor: “[...] o indivíduo, poderá valer-se da coisa julgada coletiva para proceder à liquidação dos seus prejuízos e promover a execução da sentença” 46 . O transporte in utilibus da coisa julgada pode advir tanto das sentenças cíveis quanto das penais 47 e estará sempre limitado aos contornos do pedido da ação coletiva 48 . Aluisio Gonçalves de Castro Mendes esmiúça o tema: “[...] semelhante ao que passa com a sentença penal condenatória [...] se formaria também um título judicial executivo, em favor da(s) vítima(s), a ser liquidado e executado, no caso em concreto, em benefício dos interesses 45 ARENHART, Sérgio Cruz. Coisa julgada e coletivização de interesses individuais. Processos Coletivos, Porto Alegre, vol. 4, n. 4, 01 out. 2013. Disponível em: <http://www.processoscoletivos.net/index.php/revista- eletronica/59-volume-4-numero-4-trimestre-01-10-2013-a-31-12-2013/1401-coisa-julgada-e-coletivizacao-de- interesses-individuais>. Acesso em: 26 abr. 2015. 46 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil. Processo coletivo. 8ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2013. v. 4. p. 392. 47 ANDRADE, Adriano; MASSON, Cleber; ANDRANDE, Landolfo. Interesses difusos e coletivos esquematizado. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2013. p. 81. 48 MAZZILLI, Hugo Nigro. Defesa dos interesses difusos em juízo. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 607. 18 individuais homogêneos reflexamente afetados em razão do dano individualmente considerado e objeto do processo originário” 49 . O transporte in utilibus da coisa julgada das sentenças condenatórias (em direitos difusos e coletivos em sentido estrito) “[...] segue o padrão da liquidação da sentença genérica envolvendo direitos individuais homogêneos, com a necessidade de identificação do valor a ser executado e o titular do crédito” 50 para que se possa efetivar execução individual. 2.5. Maior Amplitude de Cognição Outra característica do processo coletivo é que atividade cognitiva pode estender-se para além do processo matriz (coletivo), conforme explicado acima, o transporte in utilibus da sentença, prevista no art. 103,§3º do Código de Defesa do Consumidor, “[...] é a possibilidade de aproveitar os efeitos de uma sentença transitada em julgado em favor de uma pretensão que não fora deduzida no mesmo processo, bastando, para tanto, que o titular da pretensão a invoque, proceda à sua liquidação e à execução do respectivo crédito” 51 . Também em homenagem à maior amplitude de cognição dos processos coletivos, Teori Zavascki afirma que a sentença de procedência no processo coletivo tem o mesmo efeito da sentença penal condenatória, já que faz “certa a obrigação do réu de indenizar os danos individuais decorrentes do ilícito civil objeto da demanda, permitindo aos respectivos titulares do direito à reparação (vítimas e seus sucessores) a imediata liquidação e execução, independentemente de nova sentença condenatória” 52 , é o efeito secundário da sentença e resultado da ampla cognição à que estão submetidos os processos coletivos, estendendo os efeitos da sentença de procedência para fora do processo. 3. As diferenças entre a tutela dos direitos coletivos no Brasil e nos modelos das Class Actions estadunidenses e Verbandsklagen (Ações Associativas) 49 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações Coletivas e Meios de Resolução Coletiva de Conflitos no Direito Comparado e Nacional. 4ª. ed. São Paulo: RT, 2014. p. 287. 50 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil. Processo coletivo. 8ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2013. v. 4., p. 409. 51 ANDRADE, Adriano; MASSON, Cleber; ANDRANDE, Landolfo. Interesses difusos e coletivos esquematizado. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2013, p. 38. 52 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo. Tutela de Direitos Coletivos e Tutela Coletiva de Direitos. 6ª. ed. São Paulo: RT, 2014. p. 67. 19 Com o intuito de enriquecer os estudos dos instrumentos de tutela dos direitos coletivos faremos uma breve análise das diferenças entre a tutela de direitos coletivos no Brasileiro e nos modelos das Class Actions estadunidenses e Verbandsklagen (Ações Associativas). 3.1. Tutela de direitos coletivos nas Class Actions estadunidenses e o modelo brasileiro O sistema jurídico estadunidense tem origem na common law, e por ele é predominantemente regido nos dias atuais, “[...] estando, por conseguinte, bastante calcado nos precedentes judiciais, embora o direito escrito, assim como em outros países, venha assumindo paulatinamente um papel de crescente relevância” 53 , neste sentido, é assaz complexa a tradução dos institutos das class actions, para o direito brasileiro, cuja matriz remonta à tradição romano-germânica. De acordo com Zanetti, além de sua matriz na common law, também podem ser observadas as seguintes 54 característica na tutela de direitos coletivos nas class actions: a) tutelas atípicas e não-taxativas; b) legitimidade ope iudicis; c) formação da coisa julgada pro et contra; d) adequada notificação do grupo; e) amplo controle do juiz na condução do processo. Examinemos brevemente cada item. 3.1.1. Tutelas atípicas e não taxativas Segundo o autor Antônio Gidi, a tutela de direitos coletivos pelas class actions está fundamentada em três pilares principais que orientam o objetivo da aplicação das regras que decorrem da observação destes preceitos, são eles: “a economia processual, o acesso à justiça e aplicação voluntária e autoritativa do direito material” 55 , como observa Gidi, o direito norte americano está menos preocupado com as elucubrações técnicas do que com a tutela efetiva dos direitos. Aponta Zanetti que as class actions são direcionadas para “[...] fins pragmáticos, sem a necessidade de umconceito de direitos subjetivos (remedies precede rights), com tutelas atípicas e não-taxativas, no qual o direito subjetivo do cidadão em face da administração 53 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações Coletivas e Meios de Resolução Coletiva de Conflitos no Direito Comparado e Nacional. 4ª. ed. São Paulo: RT, 2014. p. 65. 54 ZANETI JR, Hermes. “Três Modelos de Processo Coletivo no Direito Comparado: Class Actions, Ações Associativas/Litígios Agregados e o 'Processo Coletivo: Modelo Brasileiro'”. Processos Coletivos, v. 5, p. 1, 2014. <http://www.processoscoletivos.net/revista-eletronica/63-volume-4-numero-3-trimestre-01-07-2014-a-30- 09-2014/1460-tres-modelos-de-processo-coletivo-no-direito-comparado-class-actions-acoooes-associativas- litigios-agregados-e-o-processo-coletivo-modelo-brasileiro> Acesso em: 18 mar. 2015. 55 GIDI, Antonio. A Class Action como Instrumento de Tutela Coletiva dos Direitos. São Paulo: RT, 2007. p. 25. 20 pública não necessariamente é objeto de class actions, mas podem ser igualmente veiculados através de uma mais ampla gama de civil actions e outras formas de litígios complexos, como a citzen action e a parens patrie doctrine” 56 . Pode-se constatar que o modelo brasileiro também protege os direitos coletivos de forma não taxativa, almejando alcançar a maior amplitude possível para tutela dos direitos coletivos, de forma similar à feita pelas class actions, como se depreende do disposto no art. 1º, I, da Lei de Ação Civil Pública, que dispõe que ação coletiva poderá tutelar “a qualquer outro interesse difuso ou coletivo”. No o art. 83, do Código de Defesa do Consumidor, o legislador dirige-se para disponibilização de todos os tipos de tutela para a proteção dos direitos coletivos, dispondo que “Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela”. Nesse ponto também há uma aproximação do modelo brasileiro com as class actions, permitindo a aplicação dos diversos tipos de tutela jurisdicionais cabíveis em nosso sistema: “[...] o princípio da não taxatividade também deve abranger as diferentes espécies de tutela jurisdicional, sendo possível por meio do processo coletivo a obtenção de tutelas condenatórias – de fazer, não fazer, entregar, pagar –, constitutivas, meramente declaratórias, executivas, cautelares, executivas lato sensu e mandamentais. E dizer que todas essas espécies de tutela jurisdicional podem ser obtidas no processo coletivo significa que todas as diferentes espécies de ação, veiculando os mais diversificados pedidos, serão admitidas no plano do processo coletivo” 57 . 3.1.2. Legitimidade ope iudicis Característica sensível da class action é a espécie de legitimação conferida para o processo coletivo, trata-se de um conceito de legitimidade extraído do ordenamento estadunidense que confere a autorização para ajuizamento das ações de classe para qualquer membro do grupo que preencha os requisitos de uma adequada representação (adequacy of representation) dos demais integrantes deste grupo, segundo Jay Tidmarsh estes requisitos buscam solucionar 56 ZANETI JR, Hermes. “Três Modelos de Processo Coletivo no Direito Comparado: Class Actions, Ações Associativas/Litígios Agregados e o 'Processo Coletivo: Modelo Brasileiro'”. Processos Coletivos, v. 5, p. 1, 2014. <http://www.processoscoletivos.net/revista-eletronica/63-volume-4-numero-3-trimestre-01-07-2014-a-30- 09-2014/1460-tres-modelos-de-processo-coletivo-no-direito-comparado-class-actions-acoooes-associativas- litigios-agregados-e-o-processo-coletivo-modelo-brasileiro> Acesso em: 18 mar. 2015. 57 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de processo coletivo. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012. p.120. 21 dois problemas, um referente à qualidade do advogado representante da classe e outro de indiferença, relativo a uma conflitualidade de interesses dentro do grupo: ―‗Incompetence‘ concerns class representatives and class counsel who sincerely (whether for virtuous, deontological, altruistic, or utilitarian reasons) want to represent the interests of class members, but are incapable of effectively doing so because of insufficient financing, experience, talent, probity, or mental capacity. ‗Indifference‘ concerns egoist class representatives and class counsel who are willing to represent the interests of class members only to the extent that such representations serve their own interests” 58 . Contraposto ao sistema das class actions, o modelo brasileiro, confere a legitimação exclusiva a determinados sujeitos, “[...] o legislador teria estabelecido um rol legal taxativo de legitimados, firmando uma presunção absoluta de que seriam "representantes adequados", não cabendo ao magistrado fazer essa avaliação caso a caso. A verificação da adequacy of representation seria tarefa do legislador” 59 . Pode-se observar que o sistema brasileiro de tutela dos direitos coletivos está calcado num controle legislativo acerca da legitimidade ad causam, Antônio Gidi comenta: “[...] os entes legitimados para agir nas ações coletivas brasileiras são determinados previamente pela lei, através de critério independente da existência pessoal de interesse na controvérsia. Assim o legitimado não precisa ser, e em regra geral, não é, membro atingido pela conduta ilícita do réu” 60 . Por outro lado, a disciplina seguida pelas class actions cinge-se ao controle, feito pelo juiz, da exigência da representação adequada: “[...] os tribunais costumam aferir vários fatores. Mais do que a quantidade de litigantes presentes, para a certificação importa a qualidade da defesa dos interesses da classe. Em relação às partes representativas, são considerados o comprometimento com a causa, a motivação e o vigor na condução do feito, o interesse em jogo, as disponibilidades de tempo e a capacidade financeira, o conhecimento do litígio, honestidade, qualidade de caráter, credibilidade e, com especial relevo, a ausência de conflito de interesses” 61 . Vemos que no modelo brasileiro a legitimidade é conferida a entes 58 TIDMARSH, Jay. Rethinking Adequacy of Representation. Texas Law Review, Texas, 2009. Disponível em: <http://scholarship.law.nd.edu/law_faculty_scholarship/531>. Acesso em: 10 abr. 2015. 59 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil. Processo coletivo. 8ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2013. v. 4. p. 215. 60 GIDI, Antonio. A Class Action como Instrumento de Tutela Coletiva dos Direitos. São Paulo: RT, 2007. p. 99. 61 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações Coletivas e Meios de Resolução Coletiva de Conflitos no Direito Comparado e Nacional. 4ª. ed. São Paulo: RT, 2014. p 82. 22 estatais e particulares (associações), os quais podem ter ou não o real empenho na causa, que, por conseguinte, pode levar a uma verdadeira não representação dos substituídos. 3.1.3. Coisa julgada pro et contra Quanto ao tratamento da coisa julgada nas class actions norte americanas, a res iudicata ocorre para todo o grupo, vinculando-o independentemente do resultado do processo, é a formação da coisa julgada pro et contra, Antônio Gidi aponta que “[...] o efeito vinculante da sentença coletiva em face das pretensões individuais dos membros do grupo independe da demanda ou da suficiência do material probatório disponível ao grupo. Seja a sentença favorável ou contrária aos interesses do grupo (wheter favorable or adverse), ela estará revestida pelo manto da imutabilidade do seu comando em face dos direitos individuais e coletivos de todos os membros ausentes do grupo” 62 . O legislador brasileiro foi mais garantistaque o norte-americano neste quesito, procurando resguardar amplamente os direitos coletivos e individuais, impedindo formação da coisa julgada nos processos sobre direitos difusos e coletivos nos casos improcedência da ação por insuficiência de provas (coisa julgada secundum eventum probationis), tendo o aspecto ampliativo nos casos de procedência da demanda: “A extensão dos efeitos foi regulada, em parte, secundum eventum litis, ou seja, dependendo do resultado do julgamento. No caso de o pedido ser julgado procedente, haverá sempre a ampliação subjetiva da demanda” 63 . A modelo dos EUA prevê a possibilidade de auto-exclusão do indivíduo integrante do grupo, para que este não seja antigido pelos efeitos da class actions: “The 1966 amendments introduced a new procedure—the so-called ―opt out‖ class action authorized by Rule 23(b)(3)—which reversed the operative presumption of the original Rule by requiring class members to affirmatively request exclusion from the class in order to avoid being bound to the class judgment” 64 . Cabe ressalvar que a coisa julgada no ordenamento norte americano pode parecer mais rígida, contudo, para chegar-se a essa imutabilidade da decisão devem ser respeitados os diversos 62 GIDI, Antonio. A Class Action como Instrumento de Tutela Coletiva dos Direitos. São Paulo: RT, 2007. p. 271-272. 63 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil. Processo coletivo. 8ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2013. v. 4. p. 277. 64 Ryan C.. WILLIAMS. Due Process, Class Action Opt Outs, and the Right Not to Sue. Columbia Law Review, Nova Iorque, 2015. Disponível em: <http://columbialawreview.org/due-process-class-action-opt-outs-and-the- right-not-to-sue/>. Acesso em: 20 abr. 2015. 23 requisitos impostos e eloquentes para o deslinde da ação de classe, o professor Gidi conclui que, ainda assim “[...] o ordenamento americano dispõe de técnicas e instrumentos que tornam o processo coletivo mais adequado e flexibilizam a incidência da coisa julgada coletiva, se tais normais não forem respeitadas” 65 . 3.1.4. Adequada notificação As class actions norte americana, conforme dito acima, têm consequências muito graves e estáveis sobre a classe representada, e, com o intuito de não fazer pesar os efeitos da coisa jugada sobre pessoas que não se manifestaram e/ou tiveram a oportunidade de influenciar no julgamento do processo coletivo. De acordo com Rubenstein, o direito estadunidense utiliza- se do instrumento da notificação (notice) para que os membros do grupo possam decidir se ingressam no processo (opt in) ou se esquivam dos efeitos da coisa julgada por meio do right to opt out: “The due process clause not only governs whether notice is required, but it also imposes several requirements on the form and content of the notice […] At a minimum, the notice must provide putative class members with enough details about the case to allow them to evaluate whether to participate or opt out” 66 . No direito pátrio tal mecanismo também é previsto, conforme se observa no art. 94 do Código de Defesa do Consumidor: “Proposta a ação, será publicado edital no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte dos órgãos de defesa do consumidor”. Todavia, Antônio Gidi, pensa que a mera publicação por edital é insuficiente e não passa de uma simples ficção, não promovendo a efetiva notificação dos membros propugnada pela doutrina. O próprio autor admite que as características do modelo brasileiro de tutela dos direitos coletivos acaba por diminuir os riscos do grupo 67 em relação aos efeitos do processo, dispensando que haja uma citação pessoal de cada interessado, porém a tutela coletiva em si poderá ser fulminada por uma ação que não cuja notificação dos membros do grupo envolvido não foi adequadamente realizada. 65 GIDI, Antonio. A Class Action como Instrumento de Tutela Coletiva dos Direitos. São Paulo: RT, 2007. p. 287. 66 CHORBA, Christopher; EVANSON, Blaine H.. Other Due Process Challenges To The Class Device. American Bar Association's: A Practitioner's Guide to Class Actions. 2011. Disponível em: < http://www.gibsondunn.com/publications/Documents/ChorbaEvanson-DueProcessChallenges.pdf>. Acesso em: 30 abr. 2015. 67 GIDI, Antonio. A Class Action como Instrumento de Tutela Coletiva dos Direitos. São Paulo: RT, 2007. p. 241. 24 3.1.5. Amplo controle do juiz na condução do processo Considerando que as class actions norte americanas tem por escopo o resguardo dos interesses dos membros do grupo, os quais muitas vezes não oportunidade de serem ouvidos durante o processo, se “atribui ao juiz da causa certos deveres de controle e de proteção dos interesses dos membros ausentes” 68 , Antonio Gidi conclui que “[...] o juiz é considerado o guardião dos interesses do grupo, e sua responsabilidade perante os membros ausentes é substancial, devendo protegê-los da realização de um acordo inadequado por parte do representante” 69 , é a chamada defining function do juiz, decorrente o interesse primário em jogo 70 . Podem ser considerados exemplos desse amplo controle do juiz na condução do processo: a) juiz pode decidir de ofício sobre a certificação do grupo para a ação, ainda que não haja a motion for certification 71 ; b) atribuição ao juiz para aprovação da extinção do processo; c) controle da adequada representação, feita pelo juiz que está autorizada a tomar diversas medidas com o escopo de evitar a extinção da class action por falta de uma efetiva representação da classe; d) “[...] possibilidade de flexibilização procedimental para adaptá-lo de forma mais eficaz às necessidades do caso concreto e a suspensão dos processos individuais à espera do resultado do processo coletivo” 72 . O modelo brasileiro de processo coletivo adotou uma mais suavizada da defining function, sendo exemplos desse ativismo: a) previsão da remessa de peças ao Ministério Público no caso de conhecimento de fatos que possam ensejar a propositura de ação civil pública (art. 7º da Lei de Ação Civil Pública), sendo que seu conteúdo é reproduzido tanto pelo Estatuto do Idoso em seu art. 90 e pelo Estatuto da Criança e Adolescente em seu art. 221 73 ; b) a 68 GIDI, Antonio. A Class Action como Instrumento de Tutela Coletiva dos Direitos. São Paulo: RT, 2007. p. 310. 69 GIDI, Antonio. A Class Action como Instrumento de Tutela Coletiva dos Direitos. São Paulo: RT, 2007. p. 310. 70 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil. Processo coletivo. 8ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2013. v. 4. p.134. 71 GIDI, Antonio. A Class Action como Instrumento de Tutela Coletiva dos Direitos. São Paulo: RT, 2007. p. 94. 72 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de processo coletivo. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012. p.96. 73 GIDI, Antonio. A Class Action como Instrumento de Tutela Coletiva dos Direitos. São Paulo: RT, 2007. p.95. 25 certificação pelo juiz da natureza coletiva da ação 74 ; c) “[...] a possibilidade de flexibilização procedimental para adaptá-lo de forma mais eficaz às necessidades do caso concreto” 75 . Os autores Didier e Zanetti, pontuam que a defining function do juiz não fica restrita ao âmbito processual, desdobrando-se também “[...] no controle judicial das políticas públicas” 76 , chancelando ao judiciário atuar “[...] quando existe um direito assegurado na Constituição e na lei infraconstitucional, que regulamente a escolha do administrador”, nesse sentido, o ativismo judicial é um instrumento que visa suprir a omissão do Poder Públicono cumprimento das próprias diretrizes e políticas públicas normatizadas. 3.2. Verbandsklagen (ações associativas alemãs) As verbandsklagen é um dos meios de defesa dos interesses coletivos no direito alemão, esse modelo de ação encontra-se disperso em várias leis, não se adota um tratamento sistemático da disciplina na Alemanha, sua importância se dá “[...] principalmente no campo da luta contra a concorrência desleal das cláusulas gerais dos negócios” 77 , Mendes, observa que “[...] característica comum e básica da ação associativa alemã (Verbandsklage) é sua imprestabilidade para persecução de indenizações decorrentes de perdas e danos” 78 . São distintivos das Verbandsklagen, em relação ao modelo de tutela de direitos coletivos no Brasil, os seguintes caracteres, de acordo com Didier e Zanetti: a)legitimação ativa exclusiva das associações; b) “distanciamento da tutela dos direitos individuais”; “[...] c) duas formas de tutela são previstas para as associações, c‟) através da delegação da tarefa de representar o indivíduo, agindo a associação apenas mediante a autorização do titular da relação jurídica individual, método que mais do que uma tutela coletiva constitui apenas modalidade específica através da qual se faz valer um direito individual, c‟‟)hipóteses em que realmente a ação faz valer um direito supraindividual”; d) “[...] tutela inibitória ou injuncional” 79 . Examinemos: 74 GIDI, Antonio. A Class Action como Instrumento de Tutela Coletiva dos Direitos. São Paulo: RT, 2007. p.96. 75 GIDI, Antonio. A Class Action como Instrumento de Tutela Coletiva dos Direitos. São Paulo: RT, 2007. p.96. 76 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil. Processo coletivo. 8ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2013. v. 4. p. 135. 77 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações Coletivas e Meios de Resolução Coletiva de Conflitos no Direito Comparado e Nacional. 4ª. ed. São Paulo: RT, 2014. p.116. 78 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações Coletivas e Meios de Resolução Coletiva de Conflitos no Direito Comparado e Nacional. 4ª. ed. São Paulo: RT, 2014. p.117. 79 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil. Processo coletivo. 8ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2013. v. 4. p.58. 26 3.2.1. Legitimação ativa exclusiva O modelo de tutela dos direitos coletivos alemão é um modelo que adota a legitimação singular ad causam, ativa e exclusiva. Para atuação nas Verbandsklagen é necessário a “[...] escolha de um sujeito „supraindividual‟ para tutelar em nome próprio o direito passa a ser considerado como próprio” 80 , é uma modelo oposto ao do sistema brasileiro que adota a legitimação plúrima (mista ou eclética). 3.2.2. Distanciamento da tutela dos direitos individuais Os doutrinadores Zanetti e Didier afirmam que as Verbandsklagen se distanciam da tutela dos direitos individuais, pois “[...] toda a responsabilidade do dano volta-se para a reparação ao Estado”, nesse sentido, as ações associativas procuram tutelar o interesse público das instituições, não dos associados, afastando-se do âmbito de proteção individual do direito 81 . Os autores acrescentam que a autorização depende da constituição da associação nos moldes preconizados pelo Ministério da Administração Pública, que atendendo estes requisitos “[...] estarão aptas para o ajuizamento das Verbandsklagen, no âmbito interno, e de outras ações coletivas, perante o Poder Judiciário de outros Estados-membros” 82 , fica demonstrado uma forte presença do estado no controle das ações associativas, que acabam por afastá-la da tutela dos direitos individuais. 3.2.3. Formas de tutela As ações coletivas brasileiras tem por escopo a tutela de forma integral dos direitos coletivos lato sensu, o modelo alemão, no entanto é divido em duas espécies de tutela, uma que seria o equivalente a tutela coletiva de direitos individuais (num sentido semelhante ao proposto por Zavascki), e outra é a tutela de direitos supraindividuais, os quais ultrapassam o direito a simples soma dos vários direitos individuais. O professor Zanetti explicita que parte dos entraves na aplicação do processo e tutela coletiva no Velho Continente “[...] está ligada ao modelo constitucional adotado pelos países 80 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil. Processo coletivo. 8ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2013. v. 4. p.58.. 81 SILVA, Larissa Clare Pochmann da. Uma análise do ´estar em juízo´ na lei da Ação Civil Pública. Processos Coletivos, Porto Alegre, vol. 2, n. 3, 01 jul. 2011. Disponível em: <http://www.processoscoletivos.net/index.php/revista-eletronica/25-volume-2-numero-3-trimestre-01-07-2011- a-30-09-2011/130-uma-analise-do-estar-em-juizo-na-lei-da-acao-civil-publica>. Acesso em: 14 mar. 2015. 82 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações Coletivas e Meios de Resolução Coletiva de Conflitos no Direito Comparado e Nacional. 4ª. ed. São Paulo: RT, 2014. p. 121. 27 europeus, no qual se identifica uma radical separação de poderes e a defesa de direitos individuais como elementos do paradigma da propriedade privada” 83 . 3.2.4. Tutela inibitória ou injuncional O direito brasileiro prevê no art. 83 do Código de Defesa do Consumidor que “Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de ação capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela”. Extrai-se da norma que a tutela é ampla e são cabíveis todos os tipos de espécie de tutela jurisdicional: condenatórias, declaratórias, constitutivas, autoexecutáveis e mandamentais. O modelo alemão optou por uma abordagem bem mais contida, limitando-se a prever as tutelas inibitórias ou injuncionais, “A doutrina alemã classifica, como condenatória, do tipo fazer ou não fazer, a espécie de pretensão objeto da ação associativa” 84 , destaca Mendes. Denota-se então que as Verbansklagen estão sujeitas a um espectro bem mais restrito de tutela, Didier e Zanetti consideram essa característica como um sério déficit do modelo alemão de tutela dos direitos coletivos 85 , a qual gera “[...] uma situação absolutamente desconforme já que o titular do direito individual faz valer o seu direito ao ressarcimento do dano na via absolutamente individual com uma ação individual, ou não obtém nenhuma tutela” 86 . 4. Incidente de resolução de demandas repetitivas Trata-se de um novo instituto, previsto no Novo Código de Processo Civil, nos arts. 976-987, notadamente influenciado pelo seu precursor alemão, o Musterverfahren (processos modelo). O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) é um instrumento que tem como 83 ZANETI JR, Hermes. “Três Modelos de Processo Coletivo no Direito Comparado: Class Actions, Ações Associativas/Litígios Agregados e o 'Processo Coletivo: Modelo Brasileiro'”. Processos Coletivos, v. 5, p. 1, 2014. <http://www.processoscoletivos.net/revista-eletronica/63-volume-4-numero-3-trimestre-01-07-2014-a-30- 09-2014/1460-tres-modelos-de-processo-coletivo-no-direito-comparado-class-actions-acoooes-associativas- litigios-agregados-e-o-processo-coletivo-modelo-brasileiro> Acesso em: 18 mar. 2015. 84 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações Coletivas e Meios de Resolução Coletiva de Conflitos no Direito Comparado e Nacional. 4ª. ed. São Paulo: RT, 2014. p. 120. 85 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil. Processo coletivo. 8ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2013. v. 4. p. 59. 86 ZANETI JR, Hermes. “Três Modelos de Processo Coletivo no Direito Comparado: Class Actions, Ações Associativas/Litígios Agregados e o 'Processo Coletivo: Modelo Brasileiro'”. Processos Coletivos, v. 5, p. 1, 2014. <http://www.processoscoletivos.net/revista-eletronica/63-volume-4-numero-3-trimestre-01-07-2014-a-30-09-2014/1460-tres-modelos-de-processo-coletivo-no-direito-comparado-class-actions-acoooes-associativas- litigios-agregados-e-o-processo-coletivo-modelo-brasileiro> Acesso em: 18 mar. 2015. 28 propósito evitar a proliferação em massa de ações com o mesmo teor e que poderiam ser decididas adotando-se uma tese padrão em homenagem aos princípios da efetividade e segurança jurídica, evitando-se a proliferação de decisões contraditórias e tratamentos processuais distintos para causas idênticas. Humberto Theodoro Júnior destaca os fins perseguidos pelo Musterverfahren, “O objetivo da lei alemã foi resolver de modo idêntico e vinculante questões controversas em causas paralelas, mediante decisão-modelo dos aspectos comuns pelo Tribunal Regional (Oberlandesgericht), com possibilidade de participação dos interessados. A partir dessa decisão, julgar-se-ão as especificidades de cada caso” 87 O autor Guilherme Rizzo Amaral registra que o cenário brasileiro atual é extremamente propício para a multiplicação das ações massa, “Somadas as causas repetitivas em todo o país, o número chega à casa dos milhões. O fato de elas serem analisadas individualmente – e não em bloco – atenta seriamente contra a economia processual, valor inserido no complexo valorativo da efetividade. Ora, se a economia processual pressupõe „obter o maior resultado com o mínimo de esforço‟, e se ela pode ser analisada sob a vertente da „eficiência da administração judiciária‟, então não se pode analisá-la com o foco apenas na causa individual, devendo-se, pelo contrário, focar o sistema como um todo sob o ponto de vista da sua logicidade e economicidade” 88 . Para que seja possível a instauração do IRDR, o art. 976 do CPC requer que haja, simultaneamente, a “efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito” e “risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica”, o primeiro requisito trata da reincidência de processos que tratem da mesma questão de direito, material ou processual 89 , como, por exemplo, no caso de milhares de ações que discutam a validade de uma cláusula num contrato de adesão de uma grande operadora de telefonia. A segunda condição estabelecida é que essa multiplicidade ofereça risco à isonomia e a segurança jurídica, conforme exemplo acima, é uma grave ofensa que se julgue os diversos processos sobre a mesma questão de forma desigual, admitindo a tal cláusula contratual como válida para determinados consumidores e para outros não, nessa perspectiva “o tribunal irá considerar a existência de controvérsia que esteja ensejando a multiplicação de 87 THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco Bahia; PEDRON, Flávio Quinaud Pedron. Novo CPC – Fundamentos e sistematização. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 304. 88 AMARAL, Guilherme Rizzo. Efetividade, Segurança, Massificação e a Proposta De Um "Incidente De Resolução De Demandas Repetitivas”. In:___ Revista de Processo. Vol. 196. São Paulo: Ed. RT, jun. 2011. p.8. 89 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações Coletivas e Meios de Resolução Coletiva de Conflitos no Direito Comparado e Nacional. 4ª. ed. São Paulo: RT, 2014. p.299. 29 processos fundados em idêntica questão de direito e capaz de causar grave insegurança jurídica, decorrente de coexistência de decisões conflitantes, bem como a conveniência de adotar decisão paradigmática” 90 . A solução é de grande praticidade, já que permite que as questões de direito tenham tratamento isonômico dentro do sistema jurídico, Antônio do Passo Cabral, esmiúça o pensamento por traz do IRDR: “É a idéia de resolver coletivamente questões comuns a inúmeros processos em que se discutam pretensões isomórficas, evitando-se os problemas de mecanismos representativos de tutela coletiva como a legitimidade extraordinária e as ficções de extensão da coisa julgada. Mantêm-se os princípios e instrumentos do processo civil individual, assegurando o respeito às singularidades. Preservam-se a garantia do devido processo legal e o princípio dispositivo em sua plenitude 91 ”. A grande diferença entre o IRDR e ações coletivas é que o primeiro trata conjuntamente de várias ações individuais, resolvendo as questões comuns de direito de forma coletiva por questões de isonomia e segurança jurídica, já o segundo, busca tutelar um direito coletivo lato sensu em essência por meio de uma ficção jurídico representativa. Por fim, o Código de Processo Civil estabelece em seu art. 985, que após o julgamento do incidente, sua tese jurídica terá aplicação obrigatória nos processos individuais ou coletivos que tratem da mesma questão de direito na jurisdição do tribunal prolator da decisão, inclusive para casos futuros. 5. Incidente de conversão da ação individual em coletiva O inovador incidente de conversão da ação individual em coletiva estava previsto no art. 333 do Projeto do Novo Código de Processo Civil, porém o referido artigo foi vetado pela Presidente da República, contudo, tendo em mira o alcance inovador do instituto iremos abordá-lo. Conforme ressalta o professor Artur César de Souza, trata-se de mais um mecanismo trazido pelo novo CPC com o intuito de desafogar o judiciário de forma efetiva, prezando pela isonomia e segurança jurídica, “O legislador, ciente e consciente dos prejuízos que podem 90 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações Coletivas e Meios de Resolução Coletiva de Conflitos no Direito Comparado e Nacional. 4ª. ed. São Paulo: RT, 2014. p.302. 91 CABRAL, Antonio do Passo. O Novo Procedimento-Modelo (Musterverfahren) Alemão: Uma Alternativa Às Ações Coletivas. In:____ Revista de Processo. Vol. 147. São Paulo: Ed. RT, jun. 2007. p.4. 30 gerar as demandas repetitivas, procurou introduzir no novo CPC institutos jurídicos que impeçam a proliferação de processos similares, seja mediante a conversão de demandas, seja mediante a instituição de institutos que unificam todas essas demandas em uma só resolução de conflitos” 92 . O vetado art. 333 do CPC enumera dois requisitos para conversão da ação individual em coletiva, são eles: a) relevância social, e; b)dificuldade do litisconsórcio. O primeiro requisito diz respeito à evidência do um presumido interesse público primário na conversão da ação, que é um interesse próprio e inerente às ações coletivas, que conjectura uma situação de proveito social amplo, “A „relevância social‟ decorre dos efeitos que poderão ser produzidos pela tutela jurisdicional individual, ou seja, a amplitude de seu circulo de abrangência nas esferas sociais, na promoção geral (social) de certos valores, como, por exemplo, efetividade da tutela jurisdicional, celeridade processual, congestionamento importuno dos órgãos jurisdicionais, isonomia de conteúdo jurídico à coletividade, segurança jurídica etc” 93 , Artur César de Souza, entende que para que a demanda seja relevante para sociedade ela deve atender algum ou alguns dos valores citados, o autor ainda esclarece que determinados valores podem ser preciso para um grupo determinado e não gozar do mesmo status perante a sociedade como um todo. A segunda condição é a “dificuldade de formação do litisconsórcio”, tal requisito tem raízes nas class actions estadunidenses, especificamente na Rule 23 (a) (1), sendo que sua interpretação aqui dever feita orientada tanto pela numerosidade (numerosity) quanto pela impraticabilidade da formação do litisconsórcio, ou seja, não basta que o seja simplesmente numeroso a ponto de ensejar a aplicação do art. 113, §1º do CPC 94 , mas que ele também quando apresente “[...] dificuldade ou inconveniência de se administrar um processo com a presença de todos os interessados, em que se deve manejar um número muito grande de
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