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Filosofia das Ciências Sociais

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FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
Paulo Augusto Seifert
Código Logístico
57351
Fundação Biblioteca Nacional
ISBN 978-85-387-6433-5
9 788538 764335
Filosofia das 
Ciências Sociais
IESDE BRASIL S/A
2018
Paulo Augusto Seifert
Todos os direitos reservados.
IESDE BRASIL S/A. 
Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 
Batel – Curitiba – PR 
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO 
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
S46f
2. ed.
Seifert, Paulo Augusto
Filosofia das ciências sociais / Paulo Augusto Seifert. - 2. 
ed. - Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2018.
184 p. : il. ; 21 cm.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-6433-5
Filosofia das ciências sociais / Paulo Augusto Seifert. - 
2. ed. - Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2018. 
18-47185
CDD: 100
CDU: 1
© 2007-2018 – IESDE BRASIL S/A. 
É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem auto-
rização por escrito do autor e do detentor dos direitos autorais.
Capa: IESDE BRASIL S/A.
Imagem da capa: DAVID, Jacques-Louis. A morte de Sócrates. 1787. 1 óleo 
sobre tela; color: 130 x 196 cm. Metropolitan Museum Art, Nova Iorque, 
Estados Unidos.
Paulo Augusto Seifert
Mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica 
do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Graduado em Filosofia 
pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 
Graduado em Teologia pelo Seminário Concórdia da Igreja 
Evangélica Luterana do Brasil. Atualmente é professor- 
-adjunto da Universidade Luterana do Brasil e editor 
associado das revistas Theophilos, Logos (Canoas) e 
Caesura. Tem experiência na área de filosofia, com ênfase 
em história da filosofia. 
Sumário
Apresentação 9
1. Conhecimento, crença e fé 11
1.1 Sabemos o que julgamos saber? 11
1.2 O que é epistemologia?  13
1.3 Noções básicas em epistemologia: conhecimento, crença 
e fé 16
2. Conhecimento e ceticismo 23
2.1 Anatomia do ceticismo 23
2.2 A dúvida cartesiana 24
2.3 Como responder ao cético? 31
2.4 Condições para o conhecimento 32
3. Teorias epistemológicas 37
3.1 Fundacionalismo 37
3.2 Coerentismo 47
3.3 Antifundacionalismo 49
3.4 A epistemologia e as ciências sociais 51
4. Relação entre ciências sociais e ciências naturais 53
4.1 Quantos tipos de ciência há? 53
4.2 Diferença de grau e de tipo 60
4.3 Naturalismo 62
4.4 Antinaturalismo 64
5. Natureza humana e liberdade 67
5.1 É possível uma ciência da natureza humana e da 
sociedade?  67
5.2 Possibilidade e necessidade 69
5.3 Tipos de liberdade 74
6. Determinismo, indeterminismo e ciência 81
6.1 O problema 81
6.2 Determinismo 83
6.3 Indeterminismo 89
7. Explanação científica 91
7.1 Explanação e leis 91
7.2 Indutivismo 92
7.3 Esclarecimentos conceituais 96
7.4 Dedutivismo 98
8. Holismo e individualismo 103
8.1 Totalidades e partes 103
8.2 Entes sociais e indivíduos 104
8.3 Holismo metodológico 105
8.4 Individualismo metodológico 107
9. Causalidade e realidade 113
9.1 O que significa dizer que A causou B? 113
9.2 Critérios de causação 116
9.3 Condições necessárias e suficientes 118
9.4 Ciência e realidade 119
10. O sujeito e o objeto 127
10.1 Objetividade e subjetividade 127
10.2 Sobre o que é e o que deve ser 129
10.3 A origem dos valores 132
10.4 Os valores e os estudos sociais 140
11. O comportamento significativo 143
11.1 Peter Winch e a ideia de uma ciência social 143
11.2 A organização da sociedade 145
11.3 Motivos, razões e propósitos 150
12. Estudo de caso: a teoria da ciência de Lakatos 155
12.1 Falsificacionismo dogmático 156
12.2 Falsificacionismo metodológico 158
12.3 Falsificacionismo sofisticado 161
Gabarito 167
Referências 181
9
Apresentação
Ciência é hoje sinônimo de conhecimento, não só etimológica, 
mas também descritivamente. Nós nos acostumamos a considerar 
que as explicações que provêm da ciência são melhores e mais 
verdadeiras do que aquelas do senso comum. Ou, por outro 
lado, que a ciência comprova aquilo que já se sabia de maneira 
empírica ou intuitiva, e, assim fazendo, atesta o conhecimento 
popular. Como na sentença, por vezes utilizada em meios de 
comunicação, a ciência provou aquilo que nossas avós sabiam. 
Embora isso seja também um elogio ao conhecimento das avós, a 
força da sentença se encontra no sujeito e no verbo. Ora, o termo 
ciência, nesses contextos, designa uma atividade organizada, 
metódica, experimental, executada por pessoas treinadas em 
determinadas áreas e metodologias. Essa confiança na ciência e 
nos cientistas é relativamente recente na história da humanidade, 
data de aproximadamente 500 anos, e vem crescendo desde o 
surgimento do que se chama ciência moderna. Parte significativa 
da confiança está relacionada com os efeitos práticos, com os 
sucessos obtidos por diversas ciências em melhorar a vida das 
pessoas. Não podemos duvidar, sensatamente, que a vida é, em 
geral, melhor hoje do que era há mil anos ou mais. Por outro 
lado, problemas gerados pelo desenvolvimento científico, como 
poluição, aquecimento global, novas doenças, serão resolvidos, 
pensam muitos, com mais ciência.
Desde o século XIX, costuma-se dividir as diversas 
ciências em naturais e sociais. Se ciência, então, é sinônimo de 
conhecimento, ciências sociais são aquelas que nos possibilitam 
um conhecimento mais preciso da sociedade, isso é, das 
instituições e dos fenômenos sociais. Vivemos, e precisamos 
10
viver, em sociedade; para tanto, saber como agir e interagir com 
os outros é fundamental, e todos temos, em maior ou menor 
grau, saberes sociais. Nesta obra, consideramos o saber social 
organizado nas ciências sociais de uma perspectiva filosófica. 
Nosso assunto é justamente se e em que medida as ciências 
sociais fornecem conhecimento confiável sobre a sociedade. 
A estrutura aqui observada é a seguinte: inicialmente, 
há considerações gerais sobre teoria do conhecimento, 
que ocupam os Capítulos 1 a 3; a partir do Capítulo 4, a 
especificidade das ciências sociais é levada em conta. Nesse 
capítulo, apresentamos as duas concepções gerais acerca da 
relação entre ciências sociais e ciências naturais. Os Capítulos 
5 e 6 tratam de questões filosóficas e metafísicas que dizem 
respeito aos seres humanos, a saber, se somos livres em 
nossas ações. Dos Capítulos 7 a 10, tópicos importantes 
para as ciências sociais são considerados: como explicações 
científicas são produzidas (Capítulo 7); a relação entre 
indivíduos e sociedade (Capítulo 8); a relação entre ciência e 
realidade (Capítulo 9); a relação entre quem conhece e aquilo 
que é conhecido (Capítulo 10). Para finalizar, nos dois últimos 
capítulos, discutimos duas visões contrastantes de como fazer 
ciência social: a de que o conhecimento da realidade social 
exige uma epistemologia e metodologias exclusivas, diferentes 
das aplicadas nas ciências naturais (Capítulo 11); e a de que 
a epistemologia e o método científico são basicamente os 
mesmos, independentemente do objeto estudado (Capítulo 12). 
Esperamos que você tenha, por meio destes textos, contato 
inicial com um conjunto de questões, algumas simples e outras 
extremamente complexas, mas todas interessantes acerca da 
possibilidade e necessidade de um conhecimento científico da 
realidade humana e social.
1
Conhecimento, crença e fé
1.1 Sabemos o que julgamos saber?
O famoso filósofo grego Platão conta, em seu livro intitulado 
A república, uma história conhecida como o Mito da Caverna. 
De acordo com essa alegoria, um grupo de pessoas vivia pre-
so dentro de uma caverna e, em razão de certas circunstân-
cias, tudo o que eram capazes de ver se restringia às sombras 
projetadas no fundo da caverna. Essas sombras eram de seus 
próprios corpos, bem como de objetos e dos corpos de outras 
pessoas que viviam fora da caverna. As imagens desses obje-
tos e corpos eram projetadas no fundo da caverna em razão 
de uma fogueira que se encontrava na entrada dela. Como 
as pessoas lá dentro só viam tais sombras, elas julgavam que 
as sombras correspondiam ao real,e aquilo lhes parecia ver-
dadeiro. Quando uma delas consegue se libertar e sair da 
caverna, fica inicialmente aturdida pela luz do sol e pela visão 
dos objetos reais. À medida que se acostuma, percebe então 
serem as coisas que ela vê fora da caverna o verdadeiramente 
real, e aquilo que via quando estava dentro da caverna eram 
apenas sombras.
Essa alegoria sugere que nem sempre aquilo que acre-
ditamos ser verdadeiro realmente o é, e podemos estar 
enganados naquilo que nos parece óbvio. Todos nós julga-
mos que sabemos certas coisas, especialmente aquelas que 
nos são familiares, aquelas das quais temos experiências 
constantes, repetidas, cotidianas. Tais experiências nos 
parecem confiáveis. Mas será que elas realmente são? Um 
Vídeo
12 Filosofia das Ciências Sociais
exemplo simples pode nos mostrar que talvez não, ou que, pelo menos 
em algumas situações, tal confiabilidade pode ser posta em dúvida. 
Aprendemos que há boas razões científicas para dizer que, contrá-
rio às aparências, o Sol não se move em torno da Terra, mas o inverso é 
verdadeiro. A Terra des creve um movimento elíptico ao redor do Sol. 
Mas não é isso o que percebemos. Percebemos que o Sol ora está em 
um lugar, ora em outro. Quanto à Terra, não vemos nem sentimos que 
ela se move. Contudo, como a ciência nos ensina, aquilo que vemos 
é falso, e aquilo que nem vemos e sentimos é, nesse caso, verdadeiro. 
Não deveríamos nos fixar em nossas próprias percepções e nelas acre-
ditar? Acreditar somente naquilo que podemos ver ou sentir?
Acontece que nós temos também experiência de que nossos sen-
tidos nos enganam e que, por vezes, vemos coisas que não estão 
realmente ali, ou nos enganamos sobre as características dos objetos 
que percebemos. Quem já não passou pela experiência de, no en-
tardecer, julgar que certo objeto visto era um pequeno animal (um 
cachorro, digamos) e, ao se aproximar, perceber que era um arbusto? 
Cada um de nós pode lembrar diferentes momentos em que nos en-
ganamos quanto a sensações que tivemos; pode-se lembrar ainda da 
experiência de sonhos ou pesadelos intensos, de cujo caráter ilusório 
só nos damos conta ao despertarmos. 
E, se a situação é assim no que diz respeito a sensações 
comuns, fica ainda mais complicado quando se trata de teorias 
científicas, seja em ciências naturais ou em ciências sociais. 
Por exemplo, se tomarmos uma ciência social como a história, 
podemos estender essa dúvida da qual estávamos falando e 
perguntar: como saber o que aconteceu em um passado distante 
(Antiga Roma, por exemplo) se dependemos dos testemunhos de 
outras pessoas, e de seu testemunho escrito, já que não mais estão 
vivas, e testemunhas não são muito confiáveis, e textos podem ter 
sido adulterados, e assim por diante?
Conhecimento, crença e fé 13
1.2 O que é epistemologia? 
1.2.1 Epistemologia geral
Questões como as anteriores são tratadas pela epistemologia. 
Quando são questões gerais que se referem a qualquer área da ciência, 
da moral, da religião, da Filosofia, constitui o que se pode chamar 
de epistemologia geral. Por exemplo, a questão acerca da natureza 
e dos limites de nosso conhecimento (o que podemos saber?; o 
que podemos provar?) é desse tipo. Os filósofos costumeiramente 
distinguem três tipos básicos de conhecimento, relacionados à 
forma como usamos o termo conhecer ou saber: (1) conhecimento 
proposicional ou conhecimento de que algo é assim ou assado. 
Quando alguém diz: “eu sei que Jesus Cristo era judeu”, está usando 
o verbo saber em seu sentido proposicional1; (2) conhecimento 
direto ou por familiaridade, conhecimento esse ligado geralmente à 
observação de algo. Se alguém diz: “Eu conheço Salvador”, está nos 
dizendo, mesmo que indiretamente, que lá esteve, visitou a cidade, 
e assim por diante. Aqui, o termo conhecer é usado em sentido 
não proposicional; (3) conhecimento como habilidade, aquele 
relacionado com a capacidade de fazer algo. Se eu digo “sei nadar”, 
estou afirmando possuir uma certa habilidade. Essas são formas 
diferentes de conhecimento. Como se relacionam? Um desses tipos 
é mais fundamental, dele dependendo os outros?
1 Proposição é o termo usado pelos filósofos para distinguir uma certa espécie de 
sentença de outras, a saber, proposição é aquela sentença passível de atribuição de 
um valor de verdade. Pode-se dizer de uma proposição que ela é verdadeira ou falsa; 
aplica-se a ela o princípio do terceiro excluído. Assim, uma sentença como “Está cho-
vendo agora” pode ser verdadeira ou falsa; é, portanto, uma proposição. Já a sentença 
“Feche a janela” não pode ser verdadeira nem falsa, pois é uma ordem, não afirma nem 
nega algo; é, portanto, uma sentença não proposicional. Da mesma forma, quando 
expressamos sentimentos, estamos usando a linguagem de modo não proposicional. 
Por exemplo, quando o enamorado diz à amada: “você partiu meu coração em peda-
ços”, essa sentença não é verdadeira nem falsa.
14 Filosofia das Ciências Sociais
Mesmo que não se assuma explicitamente que o chamado 
conhecimento proposicional é o mais fundamental, geralmente 
as discussões epistemológicas giram em torno desse tipo. E se faz 
especialmente uma distinção em dois subtipos: conhecimento 
proposicional a priori e conhecimento proposicional a posteriori. 
O conhecimento a posteriori é o conhecimento empírico, aquele 
dependente da experiência perceptual. Embora não se possa 
simplesmente equiparar percepção com sensação (pense na alegação de 
que há percepção extrassensorial ou de que há intuição), a experiência 
sensorial é tida, nesse contexto, como o modelo privilegiado de 
experiência e fundamento do conhecimento empírico. 
Assim, por exemplo, quando se pede pelas evidências de que 
algo é verdadeiro, a pessoa frequentemente está solicitando que se 
apresentem elementos ligados às sensações, como algo que se viu, 
ou ouviu, ou se tocou, e assim por diante. O conhecimento a priori 
é o conhecimento racional independente da percepção, aquele co-
nhecimento cuja comprovação não precisa fazer referência alguma 
a uma experiência sensorial ou de outro tipo, se houver. Aquilo que 
nós sabemos antes (no sentido lógico) de qualquer experiência, ou, 
como alguns preferem dizer, o conhecimento inato em nós. 
Um dos mais importantes debates na epistemologia ocorre em 
referência a essa distinção entre o a priori e o a posteriori, ou, como 
também é chamado, as verdades de razão e as verdades de fato. 
Um exemplo de verdade de razão é “algo é igual a si mesmo”; 
um exemplo de verdade de fato é “Machado de Assis escreveu 
Dom Casmurro”. Esse debate opõe os empiristas aos racionalistas. 
Segundo o empirismo, todo e qualquer conhecimento depende, em 
última análise, da experiência sensorial. Se não for possível, em re-
lação a qualquer fato ou objeto que se diz conhecer, apontar para 
alguma experiência a ele relacionado, tal suposto conhecimento é 
ilusório ou fantasioso. 
Conhecimento, crença e fé 15
As verdades de razão não são inatas, mas adquiridas, e consis-
tem em relações de ideias, não em um saber acerca da realidade. 
Já para o racionalismo nem todo conhecimento depende da expe-
riência sensorial; pelo contrário, as verdades mais fundamentais so-
bre a realidade são não sensoriais, e as percepções devem ser julgadas 
por meio dessas verdades, ou desses conhecimentos fundamentais. 
Assim, em oposição aos empiristas, os racionalistas concebem as 
verdades de razão como inatas, e elas se referem à realidade tal como 
é, e não apenas às nossas ideias. O que significa que podemos obter 
algum conhecimento sobre o mundo também raciocinando, sem 
necessidade de ter experiências ou fazer experimentos. A mesma 
distinção é expressa em outros pares de opostos, como verdades 
necessárias/verdades contingentes, juízo analítico/juízo sintético.
1.2.2 Epistemologia aplicada
Quando questões como as mencionadas são tratadas em rela-
ção a alguma área específica das ciências, ou a um tópico específico 
de uma ciência determinada, constitui o que podemos chamarde 
epistemologia aplicada. Por exemplo, a questão acerca do papel da 
memória no conhecimento histórico, ou o assunto deste livro, epis-
temologia das ciências sociais. A epistemologia aplicada não difere 
essencialmente, portanto, da epistemologia geral, nem aplicada aqui 
significa algo técnico. Apenas que há problemas epistemológicos 
que afetam qualquer área de conhecimento e outros que dizem res-
peito a determinadas áreas, mas não a outras. Há uma diferença, por 
exemplo, no que se refere à epistemologia da matemática e no que 
se refere à epistemologia da religião. Uma importante questão diz 
respeito a se existe alguma diferença epistemológica, e qual é, no que 
se refere às ciências naturais (como a Física, a Química, a Biologia) 
e às ciências sociais (como a Sociologia, a História, a Antropologia).
16 Filosofia das Ciências Sociais
1.2.3 Episteme e doxa
Epistemologia é um termo que provém do grego e pode 
ser traduzido por discurso sobre o conhecimento ou teoria do 
conhecimento2. A palavra grega episteme significa conhecimento, 
mas em um sentido forte (como era usual para os gregos, mas não 
o é para nós), o que hoje chamaríamos de conhecimento absoluto, 
aquele do qual somente um tolo duvidaria. Os gregos usavam esse 
termo para diferenciá-lo de um outro tipo de saber, aquele que 
chamavam de doxa, termo cuja tradução apropriada é opinião. 
E justamente, desde lá, consiste a tarefa fundamental da epistemologia, 
seja geral ou aplicada, em determinar a diferença entre conhecimento 
(episteme) e opinião (doxa), especialmente opinião verdadeira. Os 
gregos perceberam que ter uma opinião que corresponde aos fatos 
não é necessariamente conhecer os fatos. Como assim?
1.3 Noções básicas em epistemologia: 
conhecimento, crença e fé
Para um melhor entendimento do que se discute em epistemo-
logia, convém diferenciar inicialmente as noções ligadas aos ter-
mos conhecimento, crença e fé. As distinções e relações que seguem 
não são exaustivas nem pretendem cobrir todo o espectro do uso e 
significado de tais termos, mas somente esclarecer alguns pontos 
importantes e fundamentais para que possamos adequadamente di-
ferenciar ciência e opinião.
1.3.1 Crença e conhecimento
O termo crença pode ser usado em um sentido lato (amplo) e/ou 
em um sentido estrito. No sentido lato, inclui o conhecimento; no 
estrito, frequentemente é usado em contraposição a conhecimento. 
Quando digo que conheço algo (por exemplo, que sei que 3 . 3 = 9), 
2 Composto de duas outras palavras: episteme + logos.
Conhecimento, crença e fé 17
então é também verdade que acredito nisso. Não faz sentido dizer 
que sei que 3 . 3 = 9, mas ao mesmo tempo dizer que não acredito 
que 3 . 3 = 9. Por outro lado, faz sentido dizer que acredito que Maria 
tem menos de 30 anos, mas não o sei, ou, como algumas pessoas 
também se expressam, que não tenho certeza. Qual a diferença?
Segundo muitos filósofos, quando digo que sei que uma cer-
ta sentença é verdadeira, três elementos pelo menos devem estar 
presentes: primeiro, que eu penso ser ela verdadeira; segundo, que 
ela é de fato verdadeira; e terceiro, que há evidência suficiente para 
produzir o assentimento de qualquer pessoa racional (a quem as 
mesmas evidências estejam disponíveis). Por exemplo, se digo que 
sei que Maria tem menos de 30 anos e apresento como evidências 
sua certidão de nascimento, o testemunho de seu pai, sua carteira de 
identidade e outras provas similares, então qualquer pessoa racional 
deveria concordar comigo. Isso, entretanto, não exclui a possibilida-
de de que eu esteja errado. 
Se restringirmos a aplicação do termo conhecimento tão somente 
àquelas sentenças em relação às quais é impossível logicamente que 
estejamos errados, pouca coisa poderíamos dizer que as conhece-
mos. Por exemplo, consideremos a sentença: e penso, existo; ou, na 
sua formulação clássica: penso, logo existo. Para qualquer um que 
afirma uma tal sentença, é impossível, sob qualquer circunstância 
imaginável ou concebível, que ele esteja errado; pois não há como 
alguém dizer “penso, mas não existo”. Ao dizer isso, a pessoa se con-
tradiz, isto é, diz algo e logo após diz o contrário do que disse. Isso 
não faz sentido. É como se nada dissesse. Contudo, tal peculiaridade 
não ocorre com a maioria das coisas que dizemos ou nas quais acre-
ditamos. Quando digo “Maria tem menos de 30 anos”, isso pode ser 
falso, ou poderia ser diferente, ou pode ter sido verdadeiro no passa-
do, mas agora não é mais. Em suma, posso estar enganado.
Assim, se evidências posteriores alterarem a situação, eu não 
poderia continuar dizendo que sei, ou sabia, que Maria tem menos 
18 Filosofia das Ciências Sociais
de 30 anos, mas deveria então dizer que, dadas as evidências 
disponíveis naquele momento, eu estava justificado em dizer que 
sabia. Por exemplo, se alguém mostrar que a certidão de nascimento 
de Maria é falsificada, e que o testemunho de seu pai depende do 
testemunho de sua mãe, já falecida (pois ele só veio a conhecer a 
menina quando já crescida, digamos, com um ano e meio), então 
teria eu agora evidências que excluem as anteriores nas quais 
baseava minha crença, mesmo que seja efetivamente verdadeiro 
e objetivamente considerado que Maria tem menos de 30 anos. 
Esse importante aspecto evidencia como o segundo elemento 
mencionado antes (a saber, que, quando dizemos saber algo, que 
esse algo seja realmente verdadeiro) é problemático.
A diferença fundamental, portanto, entre conhecimento e crença 
(no sentido estrito) está no grau de evidência disponível. Uma cren-
ça não é necessariamente algo em que acredito sem ter nenhuma 
razão para tal, mas algo em que acredito sem possuir evidências su-
ficientes (e estou disso ciente) para compelir ao assentimento qual-
quer pessoa racional. Daí ser adequado falar em graus de crença. 
Esses graus de crença seriam estabelecidos de acordo com sua rela-
ção às evidências, o que se chama de princípio de proporcionalidade. 
Repetindo, o grau de uma crença, isto é, a força probatória que a 
sustenta, está em proporção direta com as evidências, com as razões 
que são apresentadas em seu favor, e inversamente proporcional às 
contraevidências, as razões apresentadas contra ela. Quanto maior a 
evidência a favor, mais forte (objetivamente) a crença.
Agora, nem todas as crenças podem ou devem ser provadas; nem 
todas as crenças exigem evidências. Porque, se fosse necessário pro-
var cada uma de nossas crenças, essa seria uma tarefa infinita: seria 
necessário apresentar a prova de uma crença, a prova da prova, a 
prova da prova da prova, e assim por diante, sem fim. 
O que fazer então? Parece haver três alternativas possíveis. 
Primeiro, manter que há crenças autoevidentes, isto é, cuja verdade é 
Conhecimento, crença e fé 19
conhecida por si mesma e não necessita, portanto, de prova alguma. 
Já mencionamos um exemplo: “penso, logo existo”. Alguns filósofos 
argumentaram que somente quando nossas crenças se baseiam em 
tais verdades autoevidentes podem elas ser consideradas conheci-
mento, no sentido próprio do termo. Ou, como preferem alguns, na 
esteira da concepção grega, conhecimento absoluto. Somente nesses 
casos especiais não haveria diferença entre crer e conhecer.
A segunda alternativa consiste em, numa certa altura do pro-
cesso de prova, simplesmente nos darmos por satisfeitos com as 
evidências apresentadas, e aceitar a crença mesmo não tendo cer-
teza absoluta de que é verdadeira. Essa aceitação pode se dar de 
dois modos: ou se aceita a crença plenamente, ou se aceita a crença 
provisoriamente3. Se a crença for aceita plenamente, julga-se que 
ela é verdadeira e confiável, e somente se volta a considerá-la se 
alguém apresentar uma contraevidência forte. Muitas das crenças 
que as pessoas têm são desse tipo: crenças acerca das propriedades 
dos objetos (de que cor são, que cheiro têm, qual seu tamanho etc.), 
crenças baseadas na memória (o que ocorreu ontem, o que os outros 
disseram etc.), crenças baseadas no costume(que o Sol aparecerá 
novamente, que o leite alimenta, que o fogo queima etc.). 
Se a crença for aceita provisoriamente, não se recusa a crença, 
mas se julga que há necessidade de investigá-la mais, mesmo se 
ela própria é tomada como ponto de partida da investigação. 
Nesse caso, é possível proceder de duas maneiras: (1) buscar 
ativamente contraevidências, isto é, provas de que a crença está 
errada; (2) buscar ativamente novas evidências a favor da crença. As 
teorias científicas são normalmente, ou pelo menos inicialmente, 
desse tipo. Por exemplo, quando os astrônomos no século XVI 
passaram a aceitar a teoria copernicana (o heliocentrismo), a 
crença em tal teoria era inicialmente provisória. Usando elementos 
3 Conforme a classificação proposta por Mikael Stenmark, no texto “Racionalidade 
e compromisso religioso”, publicado na revista Numen, v. 2, n. 2, jul. dez. 1999.
20 Filosofia das Ciências Sociais
da própria teoria no processo de investigação, os cientistas 
encontraram poucas contraevidências e muitas evidências novas 
a favor da teoria; assim, a crença em tal teoria passou a ser plena. 
Isso é o que os filósofos chamam de conhecimento provável ou 
conhecimento probabilístico.
A terceira alternativa possível diante da questão acerca dos 
fundamentos de nossa crença consiste em simplesmente reconhecer 
que algumas crenças não têm fundamento nem são autoevidentes: 
ou as consideramos verdadeiras ou as consideramos falsas. Alguns as 
chamam de crenças fundamentais, e se justificam somente por fé. Um 
exemplo desse tipo de crença é a de que existem objetos físicos reais, 
independentes da forma como os percebemos, e com características 
realmente similares àquelas que as nossas sensações desses objetos 
nos fazem crer. Isso se chama crença na existência do mundo exterior. 
Há filósofos que, ao considerar o valor epistemológico dessa crença, 
argumentaram que ela não pode ser provada nem é autoevidente. 
Logo, concluíram que aceitamos tal crença porque temos fé na 
sua verdade.
1.3.2 Crença e fé
Conforme o argumento anterior, fé seria um tipo de crença. 
Mas precisamos estar atentos aqui, especialmente tendo em vista 
as associações usuais com o termo fé. Esse contexto pode levar a 
ambiguidades epistemologicamente indesejáveis; mas, mesmo 
assim, ele é apropriado, bastando que tenhamos certos cuidados. Por 
fé muitas vezes se entende aquela crença que envolve intensidade no 
assentimento, e liga-se emocionalmente à pessoa, de modo que, se 
estiver errada ou se for atacada, provocará sério desapontamento. 
Geralmente, o termo está ligado a crenças religiosas, mas não é 
exclusivo delas. 
Conhecimento, crença e fé 21
Levando em consideração o que foi dito até aqui, sendo a fé uma 
forma de crença, embora mais intensa, não se deve julgar de ime-
diato que fé é algo irracional. Esse tópico, sobre a racionalidade ou 
irracionalidade da fé (e, quando é discutido, geralmente os filósofos 
estão se referindo à fé religiosa), é complexo, pois o termo fé é nor-
malmente aplicado a um conjunto bastante amplo de sentenças (por 
exemplo, quando se fala na fé cristã), e pode ser o caso de serem 
algumas dessas sentenças racionais e outras irracionais. Se conside-
rarmos o conceito de fé de um ponto de vista estritamente epistemo-
lógico, e no contexto da discussão feita aqui, a fé não é racional nem 
irracional. No limite, uma crença seria irracional se a pessoa que a 
mantém não fosse capaz de produzir evidência alguma em seu favor, 
e há diversas contraevidências disponíveis. Mas uma crença pode 
ser racional sem que seja aceita por todas as pessoas racionais que a 
discutem. Ela não constituiria assim um conhecimento, a não ser em 
um sentido derivado.
Considerações finais
Podemos, então, concluir que uma das tarefas principais da epis-
temologia consiste em esclarecer o uso da ideia de conhecimento, 
quais os critérios que precisamos utilizar para não confundi-lo com 
crença em sentido estrito ou com fé, quais os seus componentes, 
como obtemos conhecimento e qual o seu alcance. Não devemos su-
por, no entanto, que as respostas a essas questões serão exatamente 
correspondentes em qualquer área de conhecimento. Por essa razão, 
quando procuramos compreender epistemologicamente as ciências 
sociais, sem dúvida temos de considerar questões epistemológicas 
gerais, mas não precisamos supor previamente que não há diferen-
ças importantes entre essa e outras áreas de conhecimento.
22 Filosofia das Ciências Sociais
Atividades
1. Considerando o que você viu até o momento sobre episte-
mologia, explique que uso ou aplicação pode ter tal estudo.
2. Faça uma lista de 20 crenças que você aceita, das quais 
10 você julga ter conhecimento e 10 você aceita por fé. 
Discuta sobre essa lista com outras pessoas para verificar 
semelhanças e diferenças.
3. Por que é importante ter uma definição de conhecimento?
2
Conhecimento e ceticismo
Vídeo
2.1 Anatomia do ceticismo
Ceticismo não deve ser confundido com discordância 
de opiniões, embora o cético discorde daquele que afirma 
saber algo. A discordância de opiniões pode existir sem o 
menor vestígio de ceticismo. A certeza da falsidade de uma 
crença ou explicação baseada na certeza da veracidade de 
uma crença ou explicação oposta constitui antes um tipo 
de dogmatismo. Ocorre que a coexistência de dogmatismos 
excludentes suscita dúvida em relação à possibilidade mes-
ma de se alcançar a verdade acerca do tópico, como mostra, 
por exemplo, a história da cosmologia no mundo grego ou 
a história das religiões nas sociedades em que o pluralismo 
religioso é permitido.Situação similar ocorreu no início da 
Idade Moderna, em que se verificavam diversos conflitos em 
áreas diferentes: na religião, os movimentos reformistas; na 
ciência, a disputa entre geocentrismo e heliocentrismo; na 
Filosofia, a disputa entre os defensores da Filosofia praticada 
na época (cujo método fora elaborado no período medieval) 
e os proponentes da nova Filosofia. 
Quando concepções céticas se apresentam, especial-
mente se a dúvida é argumentada, e não apenas fruto de um 
desespero teórico, é preciso aceitá-las ou responder a elas. 
Pois não são apenas dúvidas particulares (por exemplo, se 
o objeto que vejo sobre a mesa é uma caneta ou um lápis), 
mas dúvidas gerais sobre a confiabilidade das maneiras pe-
las quais adquirimos, testamos e raciocinamos sobre nos-
sas crenças (por exemplo, se nossos sentidos nos dão acesso 
24 Filosofia das Ciências Sociais
direto à realidade). Uma das formas históricas mais interessantes e 
influentes de considerar o desafio cético encontramos na epistemo-
logia de Descartes.
2.2 A dúvida cartesiana
René Descartes (1596-1650), cientista e filósofo francês, é con-
siderado por muitos historiadores como o fundador da Filosofia 
moderna. Uma das principais razões para lhe atribuir tal designativo 
está justamente na ênfase posta por ele no problema epistemológico. 
Embora não fosse um cético, Descartes fez uso sistemático da dúvi-
da no intuito de obter conhecimento seguro. Aqui mostra sua origi-
nalidade: diferente de seus predecessores, que procuraram refutar as 
dúvidas céticas por meio de argumentos contrários, ele propõe levar 
o princípio cético até suas últimas consequências e reconhecer como 
conhecimento seguro somente aquilo que resiste a qualquer dúvida 
possível, e assim fundamentar a ciência em solo seguro e inabalável. 
Em uma de suas principais obras, intitulada Meditações (1641), ele 
apresenta seu plano filosófico e diz: 
Há já algum tempo eu me apercebi de que, desde meus pri-
meiros anos, recebera muitas falsas opiniões como verda-
deiras, e de que aquilo que depois eu fundei em princípios 
tão mal assegurados não podia ser senão mui duvidoso e 
incerto; de modo que me era necessário tentar seriamente, 
uma vez em minha vida, desfazer-me de todas as opiniões a 
que até então dera crédito, e começar tudo novamente des-
de os fundamentos, se quisesse estabelecer algo de firme e 
constante nas ciências.(DESCARTES, 1983, p. 85)
Na consecução de tal propósito, Descartes elabora um méto-
do que ficará conhecido na história do pensamento como dúvida 
cartesiana ou método da dúvida. Consiste ele em testar nossas pre-
tensões de conhecimento contra o pano de fundo de hipóteses de 
dúvida, hipóteses essas que colocariam em evidência, especialmente, 
as fontes (ou princípios) por meio das quais nós justificamos nosso 
conhecimento, e não aspectos particulares daquilo que se supõe ou 
Conhecimento e ceticismo 25
afirma saber. Questionar cada uma de nossas opiniões particulares 
sobre cada objeto ou evento particular seria uma tarefa infinita e 
impossível, caso necessária. 
Contudo, como bem percebe e argumenta o filósofo francês, tal 
procedimento é desnecessário, pois, se formos capazes de mostrar 
que as fontes ou os princípios de nossas opiniões são duvidosos ou 
seguros, todo o restante que deles decorre ou neles se fundamenta 
seguirá o resultado dessa investigação. Por exemplo, se alguém não 
está certo de que o objeto que vê a uma certa distância é uma bicicleta 
ou uma motocicleta, essa é uma dúvida particular, cuja resolução 
usualmente supõe que, no geral, o sentido da visão nos fornece 
informações confiáveis sobre a realidade, e que pode, conforme 
o caso, ser auxiliado por algum outro sentido (do tato, digamos). 
Uma dúvida mais ampla seria aquela acerca da confiabilidade da 
visão como tal; ou, ainda mais geral, dos sentidos (já que a visão é 
apenas um deles).
Para que nós entendamos adequadamente o que Descartes 
pretendeu fazer, três pontos são importantes. Primeiro, os 
argumentos que ele apresenta são nada mais que hipóteses de dúvida. 
Não está ele afirmando ou supondo que isso é realmente o caso. 
Segundo, as hipóteses de dúvida são abrangentes e referem-se não 
a conhecimentos particulares, mas aos princípios do conhecimento. 
Terceiro, constituem uma dúvida metódica, dirigida a entender em 
que nossas opiniões se baseiam ou como se justificam, e não uma 
dúvida prática, relacionada a nossas ações. Quanto a estas, Descartes 
adota uma postura prudencial, julgando conveniente orientar as 
ações pelos usos e costumes da sociedade em que se vive.
Como ele constrói essas hipóteses de dúvida? O procedimento é 
relativamente simples: usar como ponto de partida algo geralmente 
aceito, acrescentando algumas modificações, conforme necessário, 
para o propósito da dúvida metódica, e então ampliar o alcance da 
situação inicial. O único limite para essa experiência de pensamento 
26 Filosofia das Ciências Sociais
(ou experimento mental) está na admissibilidade lógica da supo-
sição, por mais absurda que possa parecer ao senso comum ou do 
ponto de vista moral. 
Importa também perceber que uma hipótese de dúvida, assim 
construída, não é um argumento positivo, que efetivamente preten-
de estabelecer uma conclusão. Se assim fosse, o propósito mesmo da 
dúvida metódica seria de início abortado, pois, em lugar de estender 
a dúvida o mais longe possível para verificar quais crenças resis-
tem, já começaria apresentando algumas crenças como certas, isto 
é, aquelas propostas na hipótese de dúvida. Assim, quando lemos as 
suposições cartesianas, não devemos nos deixar levar pela ideia de 
que Descartes estaria realmente afirmando que, por exemplo, tudo é 
um sonho; basta que seja possível. Essa é outra diferença significati-
va entre o método por ele utilizado e a forma em que o ceticismo se 
apresentou anteriormente na história da epistemologia.
2.2.1 Hipótese do engano dos sentidos
Essa é a hipótese cética mais usual e relacionada à experiência 
comum. Em algum momento, todos nós passamos pela experiên-
cia de crer, mesmo momentaneamente, em algo que subsequente-
mente se mostrou ser uma ilusão sensorial. Não nos enganamos 
muitas vezes quando julgamos acerca do tamanho dos objetos que 
se encontram distantes de nós? E quanto à sua cor? Não ouvimos 
por vezes palavras que não foram ditas? E, conforme as condições 
ambientais ou de nosso corpo, não sentimos os objetos ora de uma 
forma, ora de outra? Aquilo que sob uma luminosidade nos parece 
preto, sob outra nos aparece azul. Aquilo que, conforme nossas 
disposições corporais, parece-nos doce em uma ocasião, em outra 
nos parece amargo. E assim por diante. A hipótese do engano dos 
sentidos consiste em ampliar essa experiência comum e indagar: se 
os sentidos nos enganam algumas vezes, o que nos garante que não 
nos enganam sempre ou na maioria das vezes?
Conhecimento e ceticismo 27
Além do mais, a ciência física que estava sendo elaborada 
a partir do século XVI, e da qual Descartes é um dos criadores e 
defensores, mostrava com clareza que a confiabilidade posta nos 
sentidos, e a crença nas informações sobre o mundo deles derivadas, 
parecia equivocada; muitas das teorias e dos desenvolvimentos na 
astronomia e na óptica, por exemplo, explicavam os fenômenos 
por meio de descrições que contrariam nossos sentidos. Uma 
importante distinção, reconhecida largamente, ainda hoje, foi feita 
entre as qualidades secundárias e as qualidades primárias dos objetos 
físicos. Aquelas propriedades dos objetos diretamente acessíveis 
à percepção, às propriedades sensoriais imediatas (especialmente 
as ligadas a um único sentido), foram sendo desqualificadas como 
propriedades essenciais explicativas dos objetos. 
As qualidades secundárias são as cores, as sensações táteis, 
os cheiros, os sons, os gostos, que deixam de ser considerados 
propriedades intrínsecas das coisas para serem concebidos como 
uma espécie de ação exercida pelas coisas sobre nós, seres sencientes. 
Assim, por exemplo, quando vejo um objeto azul (um sofá, 
digamos), o azul que vejo não se encontra no sofá, mas na interação 
dos elementos que o compõem com a minha estrutura perceptiva. 
Para muitos dos pensadores da Idade Moderna, tal interação é 
explicada como uma forma de ação causal exercida pelo objeto 
sobre nossa sensibilidade. E, se nenhum ser percipiente existisse, 
não haveria cores, sons, sabores etc. 
Segundo Galileu Galilei (1987), muitas sensações, que são 
qualidades de objetos, possuem existência somente em nós. 
Galileu utiliza como exemplo a sensação de calor, e argumenta que 
o calor não é uma propriedade real do fogo, mas a ação de suas 
propriedades reais (como figura, número, movimento) sobre nós. 
“Mas que exista, além da figura, número, movimento, penetração e 
junção, outra qualidade no fogo, e que esta qualidade seja o calor, 
28 Filosofia das Ciências Sociais
eu não acredito; considero que o calor seja uma característica tão 
nossa que, deixado de lado o corpo animado e sensitivo [no caso, 
o corpo humano], o calor torna-se simplesmente um vocábulo” 
(GALILEI, 1987, p. 121). Essas propriedades reais foram chamadas 
de qualidades primárias, sendo as principais a figura, o número e o 
movimento, e somente essas podem ser estudadas cientificamente. 
Não que as conhecemos independentemente dos sentidos, mas 
temos delas noção mais clara em razão do exercício de reflexão e 
argumentação sobre os dados sensoriais.
Apesar de a hipótese do engano dos sentidos pôr em dúvida 
muito do que consideramos verdadeiro em relação aos objetos fí-
sicos, permanecem ainda confiáveis aquelas sensações mais próxi-
mas, como a que tenho ao ver minhas mãos digitando este texto no 
computador. Além do mais, sobra todo o conhecimento relativo às 
qualidades primárias e o relativo ao que independe dos sentidos, 
como as verdades lógicas e as verdades matemáticas.
2.2.2 Hipótese do sonho
Assim como a hipótese anterior, a do sonho é extraída de uma 
experiência comum. Há sonhos cuja intensidade faz parecer durante 
algum tempo que o sonhado, mesmo depois de acordarmos, real-
mente ocorreu; em alguns casos, permanece uma sensação corporal 
relacionada a algum evento no sonho. Somos, no entanto, capazes 
de fazer a distinção entre a vigília e o sonho, pelo menos para pro-
pósitos da vida usual. Contudo, conforme a intensidade e repetição 
de alguns sonhos,podem esses exercer uma influência importante 
sobre a vida desperta, que pode ser positiva ou perniciosa. Essa força 
dos sonhos fez com que se julgasse serem alguns deles mensagens 
divinas ou premonições, antecipações do real. O que mostra que 
a separação entre o sonho enquanto fantasia e a vida cotidiana en-
quanto realidade não é radical. E, quando refletimos sobre o sonho, 
percebemos que aquilo que acontecia enquanto sonhávamos era, 
Conhecimento e ceticismo 29
dentro do próprio sonho, real. Se nos damos conta de que é um so-
nho, já estamos pelo menos semidespertos.
A hipótese do sonho consiste em ampliar o alcance dessa expe-
riência e indagar: o que me garante que não estou agora, ou sempre, 
sonhando? O que garante a você, leitor, que isto o que está fazendo 
agora (lendo este texto) não seja parte de um sonho? Pois mesmo 
as coisas comuns que fazemos no cotidiano são muitas vezes tam-
bém sonhadas. Assim como no cotidiano vejo mesas, livros, canetas, 
computador, também vejo as mesmas coisas em alguns de meus so-
nhos. Então, como eu sei que agora estou desperto, e não sonhando?
Se penso cuidadosamente nisso, diz Descartes, não há critérios 
suficientemente claros para distinguir a vigília do sono. Digamos que 
acordo, e isso me permite fazer a diferença; mas pode ser também 
ilusório, e esse despertar faz parte de um sonho maior, e dentro 
desse sonho maior temos sonhos menores e aparência de vigília. 
Essa hipótese não é absurda, logicamente considerada; é perfei-
tamente possível que seja verdadeira. O cinema contemporâneo, 
graças aos recursos tecnológicos hoje disponíveis, tem produzido 
filmes que trabalham essa possibilidade, como Matrix. 
No famoso romance O mundo de Sofia, a personagem principal, 
Sofia, descobre em um determinado momento que não é uma me-
nina que realmente existe (como achava até aquele momento), mas 
uma personagem em uma história. Essa descoberta não faz com que 
ela se torne uma pessoa real, mas faz com que ela procure meios de 
sair de dentro da história. E se esse fosse o caso de cada um de nós? 
Como tal descoberta afetaria nossas crenças?
Admitindo-se a hipótese do sonho, embora muitas de nossas 
crenças comuns (especialmente aquelas relativas ao que conside-
ramos que seja a realidade sensível do cotidiano) sejam abaladas, 
permanecem ainda garantidas as crenças relacionadas às quali-
dades primárias, às crenças matemáticas, às regras do raciocínio. 
Por exemplo, o sonho deixa intacta a crença de que 3 x 3 = 9; mesmo 
30 Filosofia das Ciências Sociais
que eu admita a possibilidade de que esteja agora sonhando, e não 
posso então estar seguro de que os objetos físicos ao meu redor têm 
as características que me parecem ter, ou mesmo que existam, o meu 
conhecimento matemático não se altera, e uma multiplicação não 
muda sua regra, esteja eu acordado ou sonhando.
2.2.3 Hipótese do Gênio Maligno
Essa hipótese é construída com base em uma determinada con-
cepção de Deus, a concepção teísta. De acordo com o teísmo, Deus 
é um Ser existente, infinito, onisciente, onipotente, onibenevolen-
te, que criou e mantém todos os demais seres. Imagine-se, sugere 
Descartes, que haja um Ser que corresponda a essa descrição com 
exceção de um atributo: o da veracidade. 
Assim, imaginemos que haja um Deus onisciente, onipotente, 
onipresente, que se deleita em nos enganar. Toda vez que julgamos 
saber algo, esse Gênio Maligno (Descartes assim o chama) está a nos 
iludir. Dessa forma, se pensamos que a árvore que vemos é verde, 
é o Gênio Maligno que produz esse pensamento em nós, enquanto 
na realidade a árvore é azul; se pensamos que os objetos físicos pos-
suem dimensão, é o Gênio Maligno que produz em nós esse pensa-
mento, e não há realmente objetos físicos; se pensamos que 4 x 4 = 
16, esse pensamento é em nós produzido pelo Gênio Maligno, com 
o propósito de nos enganar, e o resultado correto poderia ser 14 ou 
18. E assim por diante, em relação a cada tipo de conhecimento, seja 
das propriedades secundárias ou das propriedades primárias dos 
objetos, da existência mesma dos objetos, da verdade das relações 
matemáticas. De todos esses conhecimentos podemos nos sentir se-
guros e não perceber onde estaria o erro. Contudo, se a hipótese do 
Gênio Maligno é possível (logicamente falando), essa certeza é fútil.
Essa hipótese de dúvida é mais abrangente que as anteriores. Será 
que ela é total e de nada é possível haver conhecimento? O que resta? 
Resta o sujeito que está pensando nessas coisas. Será que o Gênio 
Conhecimento e ceticismo 31
Maligno é tão poderoso a ponto de me fazer crer que penso e existo, 
quando na verdade não existo nem penso? Aqui, Descartes julga 
ter encontrado a primeira verdade, indubitável, resistente a qual-
quer argumento cético: “Penso, logo existo” (sentença conhecida 
na história como o Cogito, em razão de sua versão em latim: Cogito, 
ergo sum). Essa verdade não pode ser enganação do Gênio Maligno, 
pois, para ser enganado, preciso1 pensar que algo é verdadeiro, e, se 
penso, pelo menos enquanto penso, existo. A isso se acrescentam os 
pensamentos outros que tenho. Isto é, se penso que a árvore é verde, 
posso estar certo de que penso que a árvore é verde, embora não de 
que a árvore é verde. 
O problema dessa descoberta, por mais interessante que seja, 
está em sua limitação. A certeza aqui adquirida não vai além do 
pensar presente e da minha existência enquanto penso. Mesmo a 
memória de haver tido um pensamento há pouco (pensei há pou-
co que a árvore é verde) está sob influência do Gênio Maligno. 
Como isso nos ajudaria em relação ao conhecimento da realida-
de, às ciências? Como sair do pensamento para o mundo real, 
como construir uma ponte entre esses dois mundos? Embora a 
solução proposta por Descartes não tenha sido largamente acei-
ta, a forma como ele colocou o problema estabeleceu o pano de 
fundo das investigações epistemológicas durante muito tempo 
(REID, 2002) e ainda exerce influência.
2.3 Como responder ao cético?
O cético merece uma resposta, não apenas porque aquele que crê 
deve estar preparado a dar as razões de sua crença a quem o ques-
tiona, mas porque, em certo sentido, o cético somos nós mesmos. 
A resposta dependerá de que tipo de ceticismo se trata; contudo, 
1 Aqui se usa a primeira pessoa do singular, mas não é uma referência pessoal. É 
um eu abstrato, aplicável a qualquer indivíduo que refaça esse argumento.
32 Filosofia das Ciências Sociais
o que não devemos fazer é repetir dogmaticamente nossa crença. 
O dogmatismo (a afirmação convicta de uma crença mesmo diante 
de objeções razoáveis) fornece alimento ao ceticismo; são ambos, 
como disse Hume (1984, p. 220), razões “da mesma espécie, embora 
contrárias em suas operações e tendências. Desse modo, quando [o 
dogmatismo] é forte, encontra no [ceticismo] um inimigo com a 
mesma força; e, como suas forças de início eram iguais, elas conti-
nuam iguais, enquanto uma das duas subsiste”.
Sem dúvida podemos propor uma resposta geral ao ceticismo, 
mostrando que, a não ser que fique calado, o cético faz uso em sua 
argumentação das regras comuns de raciocínio, pressupondo-as, 
portanto. E, ao fazê-lo, já enfraquece sua própria posição. Mas isso 
é insuficiente, como foi insuficiente, mas não inútil, a demonstração 
cartesiana do Cogito. Se quisermos responder ao cético, devemos 
considerar atentamente seu argumento, e ceder aonde for preciso 
ceder. E, se não nos tornarmos também céticos e ainda defender-
mos, como parece razoável, a possibilidade de conhecimento, que 
aprendamos a atitude cética, saudável no caminho da ciência e con-
tra a superstição, e não imaginar que sabemos o que não sabemos2.
2.4 Condições para o conhecimento
Como distinguir o conhecimento efetivo da aparência de co-
nhecimento? Se examinarmos a história da ciência, um ponto logo 
chama atenção: aquilo que era considerada uma teoria científica 
aceita em uma determinada época, em um tempo posterior foi subs-
tituída ou complementada por outrateoria. Um exemplo fácil de 
compreender, mesmo para quem não tem formação científica estri-
ta, pode ser encontrado na Astronomia. 
2 Para uma exposição detalhada e bem argumentada dos benefícios e malefícios 
do ceticismo, ver a Seção XII, “Da filosofia cética ou acadêmica”, do livro Investigação 
sobre o entendimento humano, de David Hume (1984). 
Conhecimento e ceticismo 33
Durante muito tempo, acreditava-se que a teoria geocêntrica 
descrevia o mundo tal como ele é. Não que essa crença fosse um 
mito, um preconceito popular que a ciência física viria a refutar, 
como muitos outros mitos; essa era uma teoria científica. E um de 
seus enunciados principais era: o Sol gira ao redor da Terra. No en-
tanto, como hoje se sabe, tal teoria foi substituída pelo heliocentris-
mo, no qual um dos enunciados principais é: a Terra gira ao redor do 
Sol. Esse é um caso em que há incompatibilidade básica entre duas 
teorias alternativas, pois as sentenças mencionadas não são perifé-
ricas a cada teoria respectivamente, mas fazem parte de seu núcleo 
central. Assim, se uma teoria constitui conhecimento efetivo, a outra 
constitui apenas aparência de conhecimento. Então, voltando à per-
gunta inicial, e adaptando-a ao exemplo: como determinamos que o 
heliocentrismo constitui conhecimento, enquanto o geocentrismo 
apenas aparência de conhecimento?
Uma resposta natural seria: porque sabemos agora que a teo-
ria heliocêntrica é verdadeira, ao passo que a teoria geocêntrica 
é falsa. E isso parece sensato, pois a verdade é uma das condições 
 necessárias do conhecimento. Como já se tornou usual dizer, 
para que eu possa falar “sei que p”3, e não apenas “acho que p”, 
três condições precisam ser satisfeitas: (1) “eu acredito que p” 
(crença); (2) “p é verdadeiro” (verdade); (3) “tenho razões (ou 
evidências) adequadas para crer que p” (justificação). E, à pri-
meira vista, não parece complicado estabelecer a segunda con-
dição; mais complicado seria estabelecer a terceira. Parece óbvio 
que se alguém diz “a árvore é verde” (p), p é verdadeiro se for 
realmente o caso em que a árvore é verde. Assim, o que nós de-
veríamos fazer é verificar se p é verdadeiro. Contudo, isso não 
é tão simples, especialmente quando lidamos com hipóteses e 
teorias. Além do que, a noção de verdade tem sido compreendida 
3 A letra “p” substitui uma sentença qualquer, por exemplo, ”a laranja é doce’”, “o 
valor de uma mercadoria reflete a quantidade de trabalho envolvida em sua produção”.
34 Filosofia das Ciências Sociais
de maneira diferente. Há três principais teorias filosóficas sobre 
a noção de verdade: (1) teoria da correspondência; (2) teoria da 
coerência; e (3) teoria pragmática. Vamos aqui apenas mencioná-
-las resumidamente.
Segundo a primeira (1), uma sentença é verdadeira se corres-
ponde aos fatos, é como uma cópia da realidade. Tal explicação, 
além de simples, concorda com o que normalmente as pessoas, 
independente de qualquer reflexão epistemológica, responderiam 
à pergunta: o que é a verdade? Então, o procedimento consiste 
em comparar aquilo que é dito com aquilo que é real. Mas fatos, 
e as coisas de que são fatos, são sempre individuais, particulares. 
E muito do que afirmamos, e que nos interessa em ciência, consti-
tui sentenças gerais, como é o caso de hipóteses e teorias. Quando 
Newton enunciou, em 1686, a terceira lei do movimento, “A uma 
ação sempre se opõe uma reação igual, ou seja, as ações de dois 
corpos um sobre o outro sempre são iguais e se dirigem a partes 
contrárias” (NEWTON, 1974, p. 20), não estava se referindo a al-
gum evento que testemunhou, mas a qualquer evento, inclusive 
àqueles que viriam a ocorrer. A comparação já não é tão simples. 
Assim, se essa teoria é correta, precisa especificar como, por meio 
de que processos, justificamos a correspondência.
Já para a segunda teoria (2), o que importa é que as sentenças (ou 
as crenças expressas pelas sentenças) sejam consistentes, isto é, pos-
sam ser verdadeiras ao mesmo tempo. Assim, o sistema de crenças, 
que inclui teorias, hipóteses, sentenças experienciais, forma um todo 
coerente. Embora surpreendente à primeira vista, expressa um pro-
cedimento também usual. Se duas afirmações opostas são apresen-
tadas, julgamos que pelo menos uma delas é falsa. Por exemplo, se 
alguém, em um discurso, afirma que “um percentual pequeno de in-
flação gera emprego” e, mais adiante, que “o desemprego se combate 
Conhecimento e ceticismo 35
eliminando a inflação”, há uma inconsistência, e pelo menos uma 
das sentenças é falsa. Por outro lado, se a verdade está na coerência 
somente, como optar entre alternativas igualmente coerentes? 
Por fim, a terceira teoria da verdade (3) admite que verdade 
significa a concordância de nossas ideias com a realidade. 
Contudo, concordar com a realidade, por sua vez, significa fazer 
diferença prática na vida, na experiência do sujeito. Deve-se 
perguntar: qual diferença concreta tal crença terá na vida de alguém? 
Ou como coloca o filósofo pragmatista William James (1981, p. 92): 
“Ideias verdadeiras são aquelas que podemos assimilar, validar, 
corroborar e verificar. Ideias falsas são aquelas que não podemos 
[fazer estas coisas]” (tradução do autor). Também essa concepção 
responde a um hábito. Quando ouvimos um discurso que parece 
nada ter a ver com a prática, tendemos a considerá-lo falso ou 
inútil. Por outro lado, como mostra a história das ciências sociais, 
ideias opostas podem ser assimiladas, validadas, corroboradas e 
verificadas. Como optar entre elas?
Cada uma dessas teorias tem sido elaborada por diferentes 
epistemólogos de maneira a tentar responder às objeções que são 
apresentadas. Em geral, procura-se incluir as outras duas como 
elementos dentro da concepção defendida, de modo que, assim 
fazendo, não sejam consideradas inconsistentes. Assim, alguém que 
sustente a teoria da verdade como coerência pode admitir que em 
alguns casos uma sentença é verdadeira se corresponde aos fatos, mas 
isso porque é consistente com outra crença mais fundamental, a saber, 
que a realidade sensível é percebida pelos sentidos. Até o momento, 
nenhuma delas se mostrou completamente satisfatória, embora 
a teoria da correspondência continue sendo a mais promissora 
e provavelmente correta, já que dá conta de procedimentos que 
normalmente usamos para distinguir a verdade da falsidade.
36 Filosofia das Ciências Sociais
Atividades
1. Conceitue a dúvida cartesiana e explique por que ela se dis-
tancia tanto da dúvida cética quanto dos argumentos de seus 
predecessores acerca dela.
2. Defina em que consiste a hipótese do sonho e mencione um 
exemplo de uma crença comum que poderia ser abalada se 
essa hipótese fosse considerada.
3
Teorias epistemológicas
Se o conhecimento difere da opinião por constituir crença ver-
dadeira justificada, uma das principais tarefas de uma teoria episte-
mológica, embora não a única, está em explicar como tal justificação 
se obtém e em que ela consiste. Desde o início da Filosofia moderna 
com Descartes, tal tarefa tem sido compreendida como fundamen-
tal para as ciências, especialmente em razão dos argumentos céti-
cos contra a possibilidade de haver conhecimento. E, se o cientista 
pretende apresentar uma descrição verdadeira da realidade que se 
oponha e substitua a qualquer forma de superstição, parece óbvio a 
uma consideração atenta da situação que há necessidade de mostrar 
não somente que as teorias científicas correspondem (de alguma 
maneira) aos fatos, mas como tal relação se estabelece. 
Historicamente, há diversas teorias epistemológicas que procu-
ram explicar a possibilidade de conhecimento, as quais diferem em 
detalhes, mas podem ser agrupadas de acordo com certas ideias 
significativas. Vamos considerar, então, três desses agrupamentos: 
o fundacionalismo, o coerentismo e o antifundacionalismo. 
3.1 Fundacionalismo1
Teorias fundacionalistas têm uma longa história no pensamento 
filosófico. Segundo tais teorias, a relação justificadoraentre crenças 
1 O termo fundacionalismo vem de fundação, no sentido arquitetônico dessa pala-
vra. Seu uso é recente na história da epistemologia. Alguns dos mais importantes fun-
dacionalistas (Aristóteles, Descartes, Leibniz, Locke) não usavam essa palavra, embo-
ra seu ponto de vista seja adequadamente expresso por ela. A palavra passou a ser 
utilizada no século XX para designar tais teorias, especialmente no âmbito linguístico 
anglo-saxão. O termo em inglês é foundationalism, que, por vezes, é também traduzido 
como fundacionismo. Ambos os termos em português são apropriados. Aqui utilizare-
mos o substantivo fundacionalismo e correlatos.
Vídeo
38 Filosofia das Ciências Sociais
tem a seguinte estrutura: algumas (ou muitas) crenças encontram sua 
evidência em outras crenças, que por sua vez se baseiam em outras 
crenças, e assim por diante. Mas não é possível ir ao infinito nessa 
estrutura; é preciso encontrar o fundamento último, a saber, crenças 
que não dependem de outras crenças, mesmo que dependam de 
alguma outra coisa. Uma metáfora frequentemente utilizada é a da 
construção de uma casa. Não é possível começar uma casa pelo teto; 
é preciso pôr antes um fundamento. E, adaptando uma sentença de 
Jesus Cristo, a casa construída sobre fundamentos instáveis (areia) 
rapidamente cairá, mas aquela construída sobre fundamentos 
firmes e seguros (rocha) permanecerá. Assim, para as teorias 
fundacionalistas, uma das tarefas primordiais da epistemologia, 
qualquer que seja o campo de conhecimento em consideração, está 
em identificar esses fundamentos firmes e seguros. Por exemplo, 
suponhamos que alguém hoje acredite que Jesus Cristo foi traído 
por Judas Iscariotes com um beijo na face. Esse é um conhecimento 
histórico. Qual o seu fundamento, como ele é justificado?
Em se tratando de uma crença quanto a um fato histórico remo-
to, não há testemunhas vivas, mas apenas relatos escritos por teste-
munhas, ou baseados em suas palavras. Quem acredita no exemplo 
anterior o faz porque acredita que os relatos são confiáveis, e os que 
produziram o relato acreditaram que as testemunhas eram confiá-
veis, e as testemunhas acreditavam nisso porque se lembravam do 
que viram. Essa sequência explicativa pode ser complexificada, e 
tem de ser quando se trata não apenas de uma sentença histórica, 
mas de uma teoria histórica. Em qualquer dos casos, entretanto, a 
sequência terá a mesma estrutura de crenças, servindo de base e 
evidência para outras crenças, até se chegar a uma crença cuja base 
não é outra crença. 
Segundo o fundacionalismo, todo conhecimento exibe esse tipo 
de estrutura. Daí que uma distinção importante é feita entre crenças 
Teorias epistemológicas 39
básicas e crenças não básicas. Uma crença não básica2 é aquela jus-
tificada por meio de outra crença, que por sua vez é justificada por 
outra crença, e assim por diante, até se atingir uma crença cuja justi-
ficação não se encontra em qualquer outra crença. Esta última é uma 
crença básica. Também as crenças básicas precisam ser justificadas; 
eu tenho a obrigação de explicar por que creio nelas. A diferença é 
que não creio nelas com base em outras crenças, mas em algo di-
ferente (como uma experiência, uma intuição, uma percepção, na 
memória etc.). 
Se a estrutura do conhecimento depende de crenças básicas, im-
porta determinar como adquirimos essas crenças básicas, e se as 
adquirimos corretamente. Não é suficiente dizer que cremos em 
algo de maneira básica, como se não fosse necessário apresentar 
razões; é preciso mostrar que essas crenças têm objetividade e não 
dependem apenas das preferências individuais ou grupais. Em razão 
dessa exi gência3, o fundacionalismo procura identificar também os 
fundamentos das crenças básicas, e, justamente nesse aspecto, apa-
recem divergências entre concepções alternativas. Os candidatos 
mais usuais são as verdades autoevidentes (favorecidas pelo racio-
nalismo) e as percepções sensoriais imediatas (favorecidas pelo em-
pirismo). Como exemplos das primeiras, temos: o todo é maior que 
a parte; algo é igual a si mesmo; tudo o que ocorre tem uma causa. 
Como exemplos das segundas, temos: sinto dor de cabeça; aquilo 
que parece amarelo; lembro-me de ter ido ao cinema. Geralmente, 
concorda-se que as condições para que uma crença seja básica são: 
2 A maioria de nossas crenças são não básicas. Aquilo que acreditamos porque le-
mos em jornais, vimos na televisão, mas não presenciamos nem conversamos direta-
mente com uma testemunha, constitui exemplo disso. Para a maior parte das pessoas, 
o que elas acreditam acerca de um governo, por exemplo, depende da credibilidade que 
elas depositam nos meios públicos de informação.
3 Isso é bem expresso por John Stuart Mill (1806-1873) (MILL, 1868), filósofo in-
glês e um dos principais fundacionalistas históricos. 
40 Filosofia das Ciências Sociais
não dependem de outras crenças, são indubitáveis, incorrigíveis, 
inalteráveis. Assim, por exemplo, se eu acredito que estou com dor 
de cabeça, não acredito nisso com base em alguma outra crença; 
creio diretamente. E também ninguém pode me dizer: não é verdade 
que você está com dor de cabeça4. 
Como as crenças não básicas são justificadas pelas crenças 
básicas? A resposta é que a relação de base entre esses diferentes 
tipos de crença se liga às formas possíveis de nosso raciocínio: 
a justificação pode ser dedutiva ou indutiva. Toda justificação 
epistemológica consiste em apresentar um argumento, sendo que 
um conjunto de sentenças é apresentado como exibindo um certo 
tipo de relação lógica, em que algumas servem de razão para aceitar 
outras. Conforme a amplitude do argumento, esse entrelaçamento 
de sentenças pode ser curto ou longo, mas sua estrutura será sempre 
similar. Usualmente, admite-se que há duas formas estruturais, mesmo 
que se discorde acerca da importância ou do valor de cada uma delas 
na constituição das ciências, naturais ou sociais. Essas formas são: 
a dedução e a indução.
3.1.1 Dedução
Para esclarecer os aspectos básicos da dedução como justifica-
tória, utilizemos um exemplo simples. Digamos que alguém acre-
dite que os preços dos automóveis irão cair e, perguntado por que 
acredita nisso, responde: “se a produção de qualquer bem aumenta, 
o seu preço unitário cai, e todas as montadoras aumentaram sua 
4 A não ser que a pessoa queira dizer que eu estou mentindo. Mas daí se trata 
de outra situação. O ponto aqui é que não é possível estar enganado quanto a sentir 
uma dor de cabeça como é possível estar enganado acerca da cor de um certo objeto. 
Esse tipo de percepção sensorial, tida pelos empiristas como fundamento privilegiado 
de crenças básicas, é também chamada de experiência imediata (às vezes, também 
de intuição), isto é, refere-se a nossas próprias sensações internas, independente se 
a elas correspondem objetos físicos externos. Um argumento fundacionalista típico 
consiste em concluir que minha crença na existência de objetos físicos depende de 
minhas crenças acerca dessas sensações imediatas.
Teorias epistemológicas 41
produção”. Aqui temos um exemplo de argumento dedutivo, que 
pode ser assim reformulado:
• (1) Se a produção de qualquer bem aumenta, o seu preço uni-
tário cai.
• (2) A produção de automóveis aumentou.
• (3) Logo, os preços dos automóveis irão cair.
Em lógica, as sentenças (1) e (2) são chamadas premissas, e a 
sentença (3) é chamada conclusão. As premissas são as razões para 
aceitar a conclusão. O que caracteriza qualquer argumento dedutivo 
válido é a relação de implicação entre as premissas e a conclusão. 
Dizer que uma sentença implica outra significa que, se uma é verda-
deira, a outra também é5. Não há como afirmar uma e negar a outra. 
Considere o exemplo na nota 5: a sentença “ela é uma adolescente” 
(A) implica a sentença “ela tem menos de 20 anos” (B), isto é, se 
alguém disser “ela é uma adolescente e fez 25 anos ontem” (A e não 
B), essa pessoa está se contradizendo, ou não sabe o significado da 
palavra adolescente.Compare com o que ocorre se nós invertermos 
a relação entre as duas sentenças. A sentença “ela tem menos de 20 
anos” não implica a sentença “ela é uma adolescente”; aqui, B não 
implica A. Por que não? Porque é possível que ela tenha menos de 20 
anos e não seja uma adolescente; por exemplo, se tiver 5 anos; nesse 
caso, é verdade que tem menos de 20 e não é verdade que seja uma 
adolescente, pois é uma criança. 
Importa observar, contudo, que há aqui, entre B e A, uma outra 
relação importante: a consistência. Duas sentenças são consistentes 
quando podem ser verdadeiras ao mesmo tempo. Assim, para que 
haja implicação, é preciso haver antes consistência: se uma sentença 
5 Cuide-se para não fazer confusões linguísticas. No discurso lógico, não se fala 
que “algo implica em...” ou, menos ainda, que “implica com...”. Nenhuma dessas pre-
posições é adequada aqui. Diz-se simplesmente, “A implica B”, em que A substitui uma 
sentença qualquer, assim como B. Por exemplo, “ela é uma adolescente” implica “ela 
tem menos de 20 anos”. 
42 Filosofia das Ciências Sociais
deve ser verdadeira porque outra o é, então ambas podem ser verda-
deiras ao mesmo tempo, mas o inverso não ocorre necessariamente: 
duas sentenças podem ser consistentes e não terem mesmo relação 
alguma6. Aplicando esses conceitos ao argumento, não se pode acei-
tar as premissas (crer nelas) e recusar a conclusão, pois as premis-
sas implicam a conclusão; por outro lado, a negação da conclusão é 
inconsistente com as premissas. A saber, se ela crer o oposto de (3), 
que “os preços dos automóveis não irão cair”, (1) ou (2), ou ambas, 
devem ser falsas.
Contudo, nem todo argumento dedutivo possui essa relação de 
implicação. No parágrafo anterior, falou-se de argumento dedutivo 
válido. Há também argumentos dedutivos inválidos, isto é, aqueles 
em que se pretende haver uma relação de implicação, mas não há. 
Mas como fazer a diferença? A diferença está na forma do argumento, 
não no conteúdo. Para saber se o argumento é válido, temos de 
prestar atenção em sua forma lógica. Frequentemente nós intuímos 
a forma lógica de um argumento, e sabemos se é válido ou não. 
Se queremos, porém, fazer e compreender hipóteses e teorias 
científicas, precisamos ter um treino mais adequado; parte desse 
treino pode ser providenciado pela lógica. O procedimento que 
melhor nos educa nesse assunto é a simbolização, como ocorre na 
Matemática. Sabemos calcular melhor e mais rápido em razão da 
notação matemática (1, 2, 3, 4...), independente do que está sendo 
calculado. No exemplo de dedução apresentado, isso é fácil de fazer. 
Se nós substituirmos cada sentença simples7 por uma letra, teremos 
o seguinte:
6 Por exemplo, a sentença “Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil” e a sentença 
“inflação alta produz desemprego” são consistentes, mas uma e outra não tem qual-
quer outro tipo interessante de relação.
7 Sentença simples é uma sentença que não pode ser decomposta em duas ou 
mais sentenças. Por exemplo, “a laranja é doce”. Sentença complexa é aquela que 
pode ser decomposta em uma ou mais sentenças. Por exemplo: “a laranja é doce, mas 
muito cara”, que pode ser decomposta em: “a laranja é doce’” e “a laranja é cara”.
Teorias epistemológicas 43
• p = a produção de automóveis aumentou (ou a produção de 
qualquer bem aumenta).
• q = os preços dos automóveis irão cair (ou o seu preço unitá-
rio cai).
As sentenças em parênteses têm o mesmo significado, no 
contexto, que as outras às quais se referem; portanto, não é necessário 
simbolizá-las diferentemente. Feito isso, podemos reformular o 
argumento usando os símbolos e teremos:
• (1) Se p, então q.
• (2) q.
• (3) Logo, p.
Dessa forma, podemos ver claramente o que significa dizer que as 
premissas implicam a conclusão, ou, conforme outra maneira de se 
expressar, que a conclusão se segue necessariamente das premissas. 
Pois a primeira premissa diz: se p é verdadeiro, então q também é 
verdadeiro; e a segunda premissa diz: q é verdadeiro. Daí, a única 
conclusão possível é: p também é verdadeiro. O esquema simbólico 
anterior é a forma lógica do argumento. Essa é uma das formas 
lógicas mais básicas, que usamos constantemente no cotidiano e 
nas ciências; seu nome é modus ponens (afirmação do antecedente)8.
Para mostrar um argumento inválido, podemos usar o mesmo 
exemplo, apenas invertendo a segunda premissa e a conclusão, 
colocando uma no lugar da outra. Teremos, então, o seguinte: 
• (1) Se a produção de qualquer bem aumenta, o seu preço 
unitário cai;
• (2) Os preços dos automóveis caíram;
• (3) Logo, aumentou a produção de automóveis.
8 Em qualquer proposição hipotética, do tipo “se... então”, a sentença que vem 
após o “se” e antes do “então“ é chamada antecedente, e a que vem depois do então é 
chamada consequente.
44 Filosofia das Ciências Sociais
Nesse caso, a forma lógica desse argumento é: se p, então q; 
q; logo, p. É chamada de afirmação do consequente. O argumento 
é inválido, pois, mesmo sendo as premissas verdadeiras, a con-
clusão pode ser falsa; (3) também pode ser verdadeira, mas, se 
for, não o será devido a (1) e (2), o que seria necessário para o 
argumento ser válido. Pois podemos perfeitamente especificar 
outras razões para os preços terem caído sem que haja produção 
maior. Por exemplo, pode ser que ninguém estivesse comprando 
automóveis novos, e, para acabar com o estoque, as montadoras 
resolveram abaixar os preços. 
Outra técnica que nos permite mostrar que essa forma lógica é 
inválida é a técnica da substituição. Se a forma for válida, qualquer 
substituição sensata resultará em uma conclusão verdadeira, 
admitidas as premissas. Se a conclusão nos parecer falsa ou 
inaceitável, teremos que negar uma ou todas as premissas. Mas, nas 
formas inválidas, podemos manter as premissas e negar a conclusão. 
Considere o seguinte exemplo: “se alguém é mãe, então é mulher” 
(se p, então q); essa pessoa é uma mulher (q); logo, essa pessoa é mãe 
(p). É fácil de ver que a conclusão não se segue das premissas, pois 
sabemos que há mulheres que não são mães.
3.1.2 Indução
Em argumentos indutivos, a relação entre as premissas e a con-
clusão não é de implicação, mas de probabilidade. Diferente da ideia 
de implicação (ou implica, ou não implica), probabilidade vem em 
graus: uma conclusão pode ser mais ou menos provável em relação 
às premissas que a sustentam. Isso porque a conclusão excede o que 
está contido nas premissas. A razão para tal se encontra no objetivo 
de obter uma conclusão a partir da qual se possam fazer previsões, ge-
ralmente por meio, então, de um argumento dedutivo, o que mostra a 
conexão entre essas duas formas de raciocínio. Se voltarmos ao exem-
plo utilizado no tópico sobre dedução, essa conexão se torna visível. 
Teorias epistemológicas 45
Consideremos a premissa hipotética (1): “se a produção de qual-
quer bem aumenta, o seu preço unitário cai”. No argumento deduti-
vo, ela é suposta verdadeira. Mas e se perguntarmos: como sabemos 
disso? A resposta a essa pergunta, acerca da justificação daquela pre-
missa hipotética, pode ser encontrada em um argumento indutivo, 
construído como segue e tendo em mente que a proposição hipoté-
tica pode ser formulada categoricamente9: “sempre que aumenta a 
produção de um bem, seu preço unitário cai”.
• (1) Em 1974, a produção de automóveis aumentou e, em razão 
disso, as montadoras diminuíram o preço;
• (2) Em 1984, a produção de automóveis aumentou e, em razão 
disso, as montadoras diminuíram o preço;
• (3) Em 1994, a produção de automóveis aumentou e, em razão 
disso, as montadoras diminuíram o preço;
• (4) Em 2004, a produção de automóveis aumentou e, em razão 
disso, as montadoras diminuíram o preço;
• (5) Logo, sempre que aumenta a produção de um bem, seu 
preço unitário cai.
Se quiséssemos reforçar essa conclusão, poderíamos acrescentar 
outras premissas, relativas a outros tipos de bens, em que a rela-
ção aumento de produção e queda de preço foi também observada. 
Assim, por exemplo:• (1”) Em 1995, o aumento na produção de computadores fez o 
seu preço unitário cair;
• (2”) Em 2005, o aumento na produção de computadores fez 
seu preço unitário cair;
9 Uma proposição categórica é aquela formulada afirmativa ou negativamente: “todos 
os homens são mortais”; “nenhum político é corrupto”. Uma proposição hipotética é aque-
la formulada condicionalmente: “se os homens são animais, então são mortais”.
46 Filosofia das Ciências Sociais
• (5) Logo, sempre que aumenta a produção de um bem, seu 
preço unitário cai.
O acréscimo de (1”) e (2”) torna (5) mais provável do que antes. 
Mesmo assim, a conclusão tem uma generalidade que vai muito 
além do observado nas premissas e se refere não só a casos do pas-
sado e do presente que não chegaram a ser observados, mas também 
a casos futuros. Assim, não carrega ela a certeza que uma conclusão 
de um argumento dedutivo válido possui, e basta acrescentar uma 
outra premissa verdadeira, não oposta às já existentes, para destruir 
o argumento. Por exemplo, se acrescentarmos:
• (3”) Em 2000, o aumento da produção de hortigranjeiros oca-
sionou sua subida de preço unitário.
Essa sentença não é o oposto de qualquer uma das outras 
premissas, mas seu acréscimo no argumento falsifica a conclusão. 
Tal fato não acontece na dedução: o acréscimo de qualquer outra 
premissa, desde que não oposta a uma já presente no argumento, 
não altera o valor de verdade da conclusão. Compare com o seguinte 
argumento dedutivo simples: todos os homens são mortais; Sócrates 
é homem; logo, Sócrates é mortal. Qualquer outra proposição 
que eu acrescente, desde que não seja oposta a uma das premissas 
(não poderia ser Sócrates é um deus), em nada altera a conclusão. 
Por exemplo, se acrescentarmos: o anjo Gabriel é imortal, ou cachor- 
ros são mortais, ou Platão é homem; nada disso afeta a conclusão.
Considerando a plausibilidade inicial de uma explicação funda-
cionalista, e sua tentativa de satisfazer um de nossos desejos mais 
profundos – o de estarmos certos sobre algo –, sofre ela de uma séria 
desvantagem: a de que, usando dedução e/ou indução com base em 
crenças básicas (indubitáveis), pouca coisa se poderia saber, e muito 
daquilo que justamente recebe o nome de ciência nada mais seria 
que adivinhação. 
3.2 Coerentismo
Teorias epistemológicas 47
Teorias coerentistas procuram justificar a aceitabilidade de uma 
crença sem sair do sistema de crenças e sem estabelecer entre elas 
diferença quanto a seu papel na justificação do conhecimento. Uma 
metáfora frequentemente utilizada é a da rede, em que os diversos 
pontos estão entrelaçados em um todo, não havendo um ponto 
que sirva de suporte a outro ponto sem, por sua vez, ser suportado 
por outro ponto, e assim por diante até chegar ao primeiro ponto 
considerado. Também não importa por onde se começa. Assim, a 
distinção entre crenças básicas e crenças não básicas, tão importante 
para o fundacionalismo, perde sentido. Todas as crenças, do ponto 
de vista de seu lugar na estrutura cognitiva, têm o mesmo estatuto. 
O que as valida é sua compatibilidade mútua, sua coerência.
Embora reflitam um elemento importante da maneira como 
nós avaliamos aquilo que nos é proposto como verdadeiro, teorias 
coerentistas não encontram muitos defensores. O elemento é a 
ideia de que a verdade está, de algum modo, ligada à consistência. 
Considere o caso de uma investigação policial. Suponha que tenha 
ocorrido um crime na rua A, e é perguntado ao vigia do prédio B, 
localizado naquela rua perto do local do crime, se viu alguma coisa e 
se conhecia a vítima. Ele nega ambas as informações. Posteriormente, 
o detetive recebe a informação, do garçom de um restaurante a duas 
quadras do prédio B, que o vigia e a vítima ali jantaram juntos uma 
vez por mês, regularmente, durante o último ano. De imediato, o 
detetive se dará conta de que há uma inconsistência entre os dois 
relatos, o do vigia e o do garçom, e não é possível crer em ambos. 
Não sabe ele, neste momento, qual dos relatos é falso, e pode ser 
que ambos o sejam; contudo, sabe que não podem ambos serem 
verdadeiros, pois são inconsistentes. Aqui a coerência é utilizada 
como critério negativo para a aceitabilidade de uma crença.
Como critério negativo, a coerência é geralmente tida como 
condição necessária para a justificação; procedemos assim no senso 
48 Filosofia das Ciências Sociais
comum, e o fundacionalismo concorda com tal procedimento. O 
coerentismo, contudo, pretende que a coerência seja também um 
critério positivo, que seja suficiente para justificar uma crença. 
Assim, mesmo mantendo-se que algumas crenças são dependentes 
de outras em razão de serem delas inferidas por meio de um proces-
so dedutivo ou indutivo, o que as justifica não é essa dependência, 
mas sua coerência mútua. Dessa forma, para saber se aceito ou não 
uma nova ideia, hipótese ou teoria, não devo olhar para os fatos, mas 
para minhas outras crenças (ideias, hipóteses e teorias que já aceito); 
isso porque fatos são, para o coerentista, outras crenças. Além de 
ser contraintuitivo10, o coerentismo sofre de outras desvantagens 
que o tornam, como explicação epistemológica para a justificação 
do conhecimento, provavelmente falso. Entre essas desvantagens 
podemos mencionar:
• para o coerentismo, é admissível que, em um processo su-
ficientemente longo de dedução ou indução, as crenças que 
servem de premissa para uma determinada conclusão possam 
tornar-se conclusão de um outro raciocínio em que, entre as 
premissas, encontra-se a conclusão daquele argumento ante-
rior. Isso se chama de raciocínio circular, considerado vicioso 
pelos fundacionalistas, portanto, ilegítimo; 
• coerência é uma relação que se dá exclusivamente entre cren-
ças, mas, para a justificação de uma crença, não se pode de-
pender exclusivamente de sua relação com outras crenças. 
É também importante, e mesmo fundamental, a relação que 
tem com a experiência. Caso contrário, qualquer história coe-
rente estaria, em razão disso, justificada, isto é, constituiria 
10 Uma ideia é contraintuitiva quando se opõe às nossas formas naturais de pensar, 
ou ao senso comum. Mas ser contraintuitiva não é sinônimo de ser falsa, como mostra 
o caso da crença de que a Terra gira ao redor do Sol. Se não somos instruídos, ou se 
não pensamos com cuidado no assunto, naturalmente tendemos a crer que o Sol se 
move e a Terra está parada, pois isso é o que vemos e sentimos. No entanto, aqui o que 
vemos e sentimos é falso.
Teorias epistemológicas 49
conhecimento. O que é absurdo, como podemos perceber 
considerando a diversidade de romances na literatura, veros-
símeis, mas falsos. 
3.3 Antifundacionalismo
O termo antifundacionalismo é utilizado para designar um 
conjunto de teorias epistemológicas divergentes em muitos 
aspectos, mas concordantes em sua oposição ao fundacionalismo e 
ao coerentismo, combinado com a aceitação de parte do ceticismo. 
Engloba desde concepções mais radicais, como o anarquismo 
epistemológico e metodológico de Feyerabend11, até concepções 
mais moderadas, que aceitam a fragilidade da razão e da experiência 
como fontes de conhecimento, como o falibilismo de Peirce12 e o 
garantismo de Alvin Plantinga13.
Assim, em resumo, o antifundacionalismo tende a manter a 
distinção entre crenças básicas e crenças não básicas. Diferente do 
fundacionalismo, ele admite que crenças básicas possam ser 
revistas, corrigidas, alteradas, abandonando o ideal de um 
conhecimento indubitável, absolutamente seguro, ideal este que, 
na verdade, alimenta muitas objeções do ceticismo. O que, por 
sua vez, permite ampliar o seu espectro, incluindo assim crenças 
11 Paul Feyerabend (1924-1994), filósofo da ciência austríaco, defendeu a ideia de 
que tudo vale em ciência, não sendo ela mais racional que a religião ou a moral, e que 
o sucesso de uma teoria científica é antes resultado de fatores políticos e de propa-
ganda do que de sua capacidade de fornecer um conhecimento objetivo do mundo. 
Uma de

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