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EA D 4 Um Estudo de Sociologia: o que torna possível a Convivência Humana 1. OBJETIVOS • Identificar o conhecimento como uma forma desenvolvi- da pelos seres humanos por meio do processo de sociali- zação para transmitir cultura de uma geração para outra. • Adotar uma atitude de curiosidade, ou seja, de vontade de procurar outras formas de compreensão para as ques- tões propostas no texto. 2. CONTEÚDOS • Aprender a ser um membro da sociedade. • Culturas humanas: respostas aos problemas de com- preensão de mundo. © Sociologia Geral90 3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir: 1) Consulte os significados dos conceitos explicitados no Glossário, pois isto facilitará sua compreensão sobre os temas abordados no texto desta unidade. 2) Nesta unidade de estudo, encontram-se referências so- bre a importância das formas de linguagem na comuni- cação humana. Por isso, sugerimos a você que recorra ao manual Filosofando, de autoria de Maria Lúcia de Ar- ruda Aranha e de Maria Helena Pires Martins no qual há um capítulo intitulado Linguagem, conhecimento, pensamento, que apresenta uma breve e interessante dimensão da linguagem verbal como atividade humana. Vale a pena realizar essa leitura para complementar as ideias expostas no texto. 3) Temos, também, a linguagem cinematográfica, que, por ser transdisciplinar, mantém-se atualíssima e contribui para ampliar o campo de nossa compreensão. Por essa razão, é importante, no momento em que cuidamos de nossa formação profissional, estabelecermos um diá- logo mediante a linguagem cinematográfica. Há filmes clássicos que envolvem o tema da socialização, assunto tratado nesta unidade de estudo. O enigma de Kaspar Hauser, dirigido por Werner Herzog, é um bom exemplo. 4) Outro filme que apresenta uma perspectiva interessante da socialização é Nell, dirigido por Michael Apted. Há, ainda, o também clássico de François Truffaut, O garoto selvagem. 5) Para ilustrar com a linguagem cinematográfica os estudos sobre o tema da cultura, uma sugestão é o filme Os deuses devem estar loucos, com direção de Jamie Uys, que trata, sa- tiricamente, do choque entre culturas, partindo do apareci- mento de uma garrafa de Coca-Cola entre nativos africanos. 6) Um homem chamado cavalo, do diretor Elliot Silverstein, é um filme que aborda a questão cultural sob o ângulo das diferentes maneiras pelas quais as sociedades humanas veem o mundo. Não descarte a possibilidade de assisti-lo. Claretiano - Centro Universitário 91© U4 - Um Estudo de Sociologia: o que torna possível a Convivência Humana 4. INTRODUÇÃO À UNIDADE Nesta unidade, conduziremos a iniciação ao estudo científi- co da Sociologia, um conteúdo que tem como objeto de pesquisa as interações sociais organizadas pelos seres humanos mediante formas culturalmente padronizadas. Interações sociais são os modos pelos quais os seres huma- nos se relacionam e interagem uns com os outros, reforçando ou estabelecendo novas regras, novas normas e novos valores sociais. São esses modos que caracterizam o estudo sistemático da Socio- logia e que constituem os processos sociais, conceito esse que se refere "às transformações amplas, contínuas, de longa duração, de figurações formadas por seres humanos", conforme propõe o so- ciólogo Norbert Elias (2006, p. 27). Por que é importante voltar a atenção para as interações so- ciais e para os processos sociais? A resposta é simples: porque estes são conceitos sociológicos fundamentais. Toda ciência – e a Sociologia é uma ciência – se organiza em função de conceitos, que são as representações de um obje- to traduzidas pelo pensamento, considerando suas características gerais. Os conceitos são definições, isto é, formulações de ideias por meio de palavras. A expressão “interação social”, por exemplo, representa um dos conceitos básicos de Sociologia, assim como “processo social”. Iniciaremos a compreensão desses conceitos tomando como base as várias espécies animais que vivem na terra, as quais de- senvolvem formas de vida, de convivência e de sociabilidade que permitem a reprodução e a sobrevivência. Para que isto ocorra, elas estabelecem modelos de vida, sistemas de acasalamento, alo- jamento, migração, defesa e alimentação. Um exemplo de vida social altamente organizada é o das for- migas e o das abelhas, que têm vida social bem definida: divisão de trabalho, cooperação, intercomunicação e ajuda mútua. © Sociologia Geral92 Os seres humanos, que são uma dentre as várias espécies existentes, também desenvolvem processos de reprodução, aca- salamento, alojamento, migração, defesa e alimentação; são ativi- dades instintivas, isto é, ações e reações desenvolvidas de forma mecânica que, por essa razão, dispensam o aprendizado. Embora seja possível constatar semelhanças quanto às ati- vidades instintivas entre as demais espécies animais e os seres humanos, a vida social destes não pode depender, apenas, dos pa- drões de comportamento instintivos. É preciso, também, adaptar- -se a novas e variadas condições e situações. O fato é que, seja por características próprias da espécie, seja pelos desafios impostos pela natureza, os seres humanos desenvolveram habilidades que dependem de aprendizado, ou seja, precisamos aprender, comer, beber, dormir, brincar, obedecer, trabalhar, governar, administrar etc. Isto significa que desenvolvemos, também, atitudes identifi- cadas como padrões de comportamento social. 5. APRENDER A SER UM MEMBRO DA SOCIEDADE Podemos ver uma sociedade de formigas em funcionamento e constatar, como já foi descrito anteriormente, que a maioria das formigas cede alimento umas às outras, regurgitando um líquido nutritivo na boca da companheira. É um comportamento que não foi inventado por elas; resulta de impulsos inatos, naturais, geneti- camente estabelecidos. Mas isto não significa que os animais não humanos não tenham capacidade de aprender. Há de se conside- rar que espécies e ambientes alternam um ao outro de maneira recíproca. Esses animais não são participantes passivos, pois há uma troca entre organismos e ambiente. Mas, mesmo ocorren- do a troca, o comportamento dos animais não humanos continua predominantemente marcado pelo instinto transmitido pela he- rança biológica, enquanto o comportamento dos seres humanos é aprendido pela comunicação simbólica. Claretiano - Centro Universitário 93© U4 - Um Estudo de Sociologia: o que torna possível a Convivência Humana Todas as características biológicas próprias do ser humano constituem a condição necessária para o desenvolvimento de um modo de viver em grupo, mas elas não bastam para o desenvolvi- mento da sociabilidade. O ser humano não nasce social: ele adqui- re maneiras de se comportar tipicamente humanas por meio do processo de socialização. Como nos explicam Peter Berger e Brigitte Berger (2000) no texto Socialização: como ser um membro da sociedade, embora o recém-nascido não saiba estabelecer a distinção entre os com- ponentes sociais e não sociais de suas vivências, sua experiência social começa com o nascimento, momento a partir do qual passa a desenvolver uma interação social com outros seres humanos. Estudos de Sociologia indicam que interação social é um dos conceitos básicos para a compreensão da vida social. Refere- -se a uma maneira de se comunicar face a face, agir e interagir com outras pessoas. Seu aspecto mais relevante é que, quando ocorre a interação social, se estabelece um contato, e, a partir do contato, ocorre a comunicação, que resulta em uma mudança de comportamento dos indivíduos envolvidos. Em contato social com os alunos em sala de aula, por exemplo, o professor estabelece uma comunicação. Quando o aluno aprende, seu comportamento sofre uma modificação, e o comportamento do professor tambémse modifica: procura diferentes explicações para diferentes classes e revê sua ideias partindo de discussões com os alunos, ou seja, o professor influencia e sofre influências. Nessas circunstâncias, existe uma interação social, porque ocorre uma influência recípro- ca entre os participantes. É importante registrar que o simples contato físico não ca- racteriza uma interação social, como nos casos de pessoas que viajam sentadas lado a lado no metrô, sentam-se lado a lado no cinema, permanecem em uma fila ou estão juntas em uma arqui- bancada de estádio de futebol. © Sociologia Geral94 Diferentemente das demais espécies, os seres humanos ne- cessitam de aprendizado para adotar as formas de comportamen- to padronizadas, e isto ocorre com base no processo de socializa- ção, durante o qual se aprende como deve ser a interação social entre os membros de uma determinada sociedade. Isto explica o fato de pessoas formarem filas nos bancos, nos cinemas e nos su- permercados, de ficarem em silêncio durante uma palestra e de comerem à mesa utilizando pratos e talheres, por exemplo. Peter e Brigitte Berger (2000) consideram que todos os pro- cessos de socialização se realizam na interação face a face com outras pessoas e que a socialização nunca chega ao fim. Ela inicia- -se com a socialização primária, que envolve o microcosmo do indivíduo e tem continuidade com a socialização secundária, que envolve o macrocosmo do indivíduo. Para esses autores, a socialização primária é o processo me- diante o qual a criança se transforma em um membro participante da sociedade e ela refere-se à fase de formação da identidade. A socialização secundária envolve a vida posterior, quando as pes- soas são introduzidas em espaços sociais específicos, como cursar uma faculdade para a formação profissional, por exemplo. Contudo, é durante a infância e a adolescência que a sociali- zação é mais intensa, mas como isto se trata de um processo per- manente e como todas as sociedades estão em constantes trans- formações, os indivíduos, ao mudarem de grupo ou de posição social (de solteiros para casados, de emprego ou ao aposentarem- -se, por exemplo), precisam adaptar-se às novas situações sociais, que requerem assimilação de novos padrões de comportamento. Daí submetem-se à socialização secundária. É fundamental termos em conta que o desenvolvimento da socialização não é resultante de uma relação unilateral entre a so- ciedade e o indivíduo. O indivíduo assimila seus papéis sociais com a família, com os amigos, com a escola, com os meios de comuni- cação, como resultante das pressões entre as situações sociais e a Claretiano - Centro Universitário 95© U4 - Um Estudo de Sociologia: o que torna possível a Convivência Humana sua consciência. Não se pode subestimar a potencialidade dos se- res humanos para as mudanças sociais. Por essa razão, é adequa- do que, na Figura 1, encontremos uma interrogação, e não uma afirmação diante da situação retratada. Figura 1 Novas formas de socialização primária ou socialização secundária precoce? A Figura 1 também nos remete à questão da comunicação, da linguagem; assim, ela nos oferece a oportunidade de abordar um ponto fundamental: é na linguagem que está o princípio da so- cialização. É a linguagem que habilita o indivíduo a ligar-se a outros indivíduos, para que, posteriormente, ele seja capaz de estabele- cer contato com um universo social, com um macrocosmo. Com o sentido de reiterar a importância da linguagem no processo de socialização, destaca-se o texto a seguir. Linguagem: veículo primordial da socialização –––––––––––– É apenas pelo domínio da linguagem que aprendemos a transmitir e a reter os significados socialmente reconhecidos. É pelo domínio da linguagem que adqui- rimos a capacidade de pensar abstratamente, conseguimos ir além da situação imediata e adquirimos capacidade de refletir. A linguagem é um sistema de símbolos socialmente aprendidos que se relacio- nam para que possamos comunicar nosso pensamento. Ela oferece aos seres humanos a possibilidade de conduzir suas ações conforme as situações, as pes- soas e os objetos, bem como de acordo com acontecimentos, permitindo, além disso, a aquisição e a transmissão de conhecimentos. Norbert Elias (2006, p. 25) considera que “sem o aprendizado de uma determina- da língua especificamente social, os seres humanos não seriam capazes de se © Sociologia Geral96 orientar no seu mundo”. Ele complementa afirmando que um “ser humano adulto, que não teve acesso aos símbolos da língua e do conhecimento de determinado grupo humano permanece fora de todas as figurações humanas e, portanto, não é propriamente um ser humano”. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Embora o processo de socialização seja único, para socieda- des diferentes, ele produz resultados diferentes de socialização, dada a diversidade de costumes dos grupos humanos. As atitu- des que aprendemos por meio da socialização se relacionam com sistemas de amplos significados. Assim, o mundo social, com sua multiplicidade de significados, interioriza-se em nossa consciência da seguinte forma: o que era experimentado como alguma coisa existente fora de nós passa a ser experimentado como algo dentro de nós. Em termos dos diferentes resultados da socialização, as prá- ticas alimentares constituem um exemplo interessante porque têm grande número de variações não somente de uma sociedade para outra, mas também de uma classe social para outra no inte- rior de uma mesma sociedade. As práticas alimentares constituem uma das diversas facetas do processo por meio do qual o indivíduo aprende a ser um membro da sociedade. Para ilustrar essa questão, pensemos nas práticas alimenta- res na infância. O universo do recém-nascido está diretamente re- lacionado às pessoas com quem ele convive, um microcosmo cir- cunscrito, que, no entanto, se entrosa com um macrocosmo, que define e molda, antecipadamente, as experiências alimentares com as quais o bebê se depara: amamentação ao seio ou em ma- madeira, amamentação segundo um horário regular ou segundo o "pedido" do bebê, amamentação exclusiva ou com complemento alimentar, desmama em quatro meses, em seis meses, em um ano ou em dois anos – são todas condições que dependem do que as mães ou os responsáveis interiorizaram sobre o que o meio social em que vivem estabelece como formas adequadas de alimentar os bebês. Claretiano - Centro Universitário 97© U4 - Um Estudo de Sociologia: o que torna possível a Convivência Humana É preciso registrar, também, que a socialização é um proces- so recíproco. A criança, desde o início de sua vida social, não é um agente passivo da socialização, ou seja, participa, resiste ou cola- bora de variadas formas. A socialização é um processo recíproco porque afeta o indivíduo a ser socializado e os membros sociali- zantes, conforme já se registrou com o exemplo da ação de profes- sores e de alunos. Há algumas situações que pautam a Sociologia em suas ar- gumentações sobre os significados da vida em grupo. Tratam-se de situações que descrevem os casos de crianças deixadas em ex- tremo isolamento do convívio humano, sendo algumas delas co- nhecidas como "crianças-lobo", conforme poderemos observar na leitura do texto em destaque. Casos de Crianças Isoladas do Convívio Humano ––––––––– 1º caso: em 1798, é encontrado, em meio a um bosque na França, um menino que aparentava ter entre 10 e 11 anos. Ele estava nu e sujo e era incapaz de proferir uma única palavra. O menino foi levado para o Instituto Nacional para surdos e loucos em Paris e lá batizado de Victor de Aveyron pelos funcionários. Seu caso foi aceito pelo Doutor Itard, um médico que se dedicava à sua integra- ção na sociedade. Ninguém jamais o procurou. Exames médicos realizados não detectaram qualquer deficiência física ou mental. O fato de o menino não parecer humano se atribui à circunstânciade que, até ser encontrado no bosque, perma- necera isolado da convivência com outros seres humanos. Ele ficou conhecido como “o menino selvagem de Aveyron” (RISCHBIETER, 2009). 2º caso: em 1954, Ramu foi encontrado na estação ferroviária de Luckhow. Seus membros estavam deformados. Morreu no hospital de Luckhow em 1968. Ele foi chamado de “menino-lobo” porque supostamente foi criado em uma alcateia e re- colhido por pessoas que o encontraram quando tinha, aproximadamente, 10 anos de idade. O menino morreu em uma instituição dirigida por Madre Teresa de Cal- cutá. Ramu chegou a aprender a tomar banho e a vestir-se sozinho, mas continuou a andar de quatro e a se alimentar de carne crua. Ele nunca aprendeu a falar e jamais deu sinais de querer se integrar socialmente (RISCHBIETER, 2009). 3º caso: Amala e Kamala, duas meninas indianas, foram capturadas em 1921, nas vizinhanças de Midnapore, ao oeste de Calcutá. Para achá-las, foi organiza- da uma expedição de aldeões liderada pelo reverendo Jal Singh, um missionário anglicano. Na captura, a mãe-loba foi abatida e as crianças receberam os nomes de Amala e Kamala; elas deveriam ter entre dois e oito anos. Singh as descreve da seguinte forma: caninos alongados, queixo retraído, olhos que brilhavam na escuridão. Amala, a mais nova, não resistiu à nova vida e morreu em um ano. Ka- mala sobreviveu até 1929, tempo em que aprendeu a comer cozidos, andar ereta e falar cerca de 50 palavras. Ambas apresentavam hábitos alimentares bastante diferentes dos nossos. Como normalmente fazem os animais, elas cheiravam © Sociologia Geral98 a comida antes de tocá-la, dilacerando os alimentos com os dentes e poucas vezes fazendo uso das mãos como instrumento para beber e comer. Possuíam aguda sensibilidade auditiva e desenvolvimento do olfato para carne. Para se lo- comover, apoiavam-se sobre as mãos e os pés, adotando a marcha quadrúpede, como faziam seus antigos companheiros, os lobos. Kamala, por exemplo, levou seis anos para utilizar a marcha ereta. Ela não se sentia à vontade na companhia de outras pessoas, preferindo os animais, que se entendiam bem com ela, jamais se espantando quando de sua aproximação (OLIVEIRA, 2007). 4º caso: “[...] Frederico II, imperador do Sacro Império Romano-Germânico, efe- tuou um experimento para determinar que língua as crianças falariam quando crescessem, se jamais tivessem ouvido uma única palavra falada. Falariam he- braico – que então se julgava ser a língua mais antiga – grego, latim, ou a língua de seu país? Deu instruções às amas e mães adotivas para que alimentassem as crianças e lhes dessem banho, mas que sob hipótese nenhuma falassem com elas ou perto delas. O experimento fracassou porque todas as crianças morre- ram” (HORTON; HUNT apud OLIVEIRA, 2007, p. 17). 5º caso: este remete ao exemplo citado por Cristina Costa (2005), que menciona o caso verídico de Kaspar Hauser, um garoto que foi criado até os 18 anos, apro- ximadamente, trancado sozinho em um quarto, privado da convivência humana, até que é levado e deixado na praça pública de uma cidade alemã. O assunto foi estudado pelo psiquiatra Itard e retratado no filme do cineasta alemão Werner Herzog, intitulado O enigma de Kaspar Hauser. O filme mostra como um ser humano criado longe de outros seres de sua espécie é incapaz de se humanizar, revelando, apenas, características genéticas. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Os casos apresentados indicam que o comportamento de Vic- tor de Aveyron, de Ramu, de Amala, de Kamala e de Kaspar Hauser se distancia do comportamento dos seres humanos. São condutas que demonstram que, sem contato com o grupo social, o ser huma- no dificilmente pode desenvolver características humanizadas. Elas demonstram, ainda, que a vida em grupo nos é indispensável. É na vida em grupo que os indivíduos da espécie humana se tornam hu- manos. O indivíduo socializa-se ao participar da vida em sociedade, na qual ele assimila normas, valores, costumes e passa a se compor- tar conforme essas normas, esses valores e esses costumes. Desse modo, para tornarmo-nos humanos, precisamos aprender com nossos semelhantes atitudes socializadoras que se- riam impossíveis desenvolvermos no isolamento social. Viver em grupo é essencial para nossa humanização. O homo sapiens é a única espécie que não só pensa no que significam as coisas, mas também atribui significados às experiên- Claretiano - Centro Universitário 99© U4 - Um Estudo de Sociologia: o que torna possível a Convivência Humana cias vividas criando sistemas de símbolos, isto é, transformando a experiência vivida em um discurso que será transmitido aos seus semelhantes por meio da comunicação simbólica. Os símbolos são convenções que estão presentes em todas as circunstâncias da vida humana, eles substituem alguma coisa com- plexa e têm seu valor atribuído pelas pessoas que os utilizam. No entanto, não basta atribuirmos significados a um objeto para que ele se torne um símbolo: é preciso que ele seja aceito socialmente. Então, uma cor, um hino, uma bandeira, uma roupa, uma aliança, uma palavra, os números, o triângulo, as pedras, as plantas, os ani- mais, todos os objetos naturais, todas as coisas feitas pelos seres humanos e todas as formas abstratas podem assumir significados simbólicos. Desse modo, a cruz tornou-se um objeto que simboliza o cristianismo, assim como a suástica simboliza o nazismo. A pomba e a cor branca têm sido adotadas como símbolos da paz. Assim, surgem os critérios de medidas, os quadros do tempo (como os calendários), os cálculos matemáticos, a linguagem, os gestos, as danças e os cantos, as expressões de luto, os festejos em geral (como o carnaval, os aniversários ou os casamentos), os modos de namorar e de fazer declarações, as bandeiras, as decora- ções, os monumentos, os santos, os heróis, os gênios etc. Ao pensar, ao ser capaz de projetar, de ordenar, de prever e de interpretar, o ser humano estabelece com o mundo uma rela- ção capaz de avaliar. Nessas circunstâncias, seu conhecimento do mundo – organizado, comunicado, compartilhado e transmitido às gerações – transforma-se no que chamamos de cultura. 6. CULTURAS HUMANAS: RESPOSTAS AOS PROBLE- MAS DE COMPREENSÃO DO MUNDO A capacidade humana de transformar experiências vividas em símbolos sociais fez que os seres humanos recriassem, inicial- mente, o mundo, de acordo com suas necessidades e seus pontos © Sociologia Geral100 de vista, e, depois, o traduzisse sob forma de informação ou de conhecimento. Os obstáculos, os desafios e os problemas enfrentados tive- ram como resposta a sobrevivência, a defesa e a perpetuação da espécie, mas, antes de satisfazerem os anseios humanos, provo- caram buscas por compreensão e desejo de encontrar explicações sobre si mesmo e sobre o mundo. À medida que essas explicações foram organizadas, elas se projetaram para a formulação de justificativas para as atitudes, para os acontecimentos e para os comportamentos, gerando o de- senvolvimento de nossa capacidade simbólica. Os símbolos sociais têm o caráter mediador, criam soluções para as necessidades da vida e da sobrevivência e mantêm-se en- quanto forem operantes, isto é, enquanto responderem às neces- sidades da vida e da sobrevivência humana. Há uma parte dos símbolos sociais diante da qual a Sociolo- gia procede uma análise crítica, utilizando critérios inteiramente empíricos. Assim ocorre com relação aos símbolos mágicos e reli- giosos, aos símbolos morais, aos símbolos jurídicos, aos símbolos estéticos, aos símbolos do conhecimento, aos símbolos educati- vos, bem como com relação aos símbolos enganadores e mentiro- sos, como os preconceitos, as imagens que excitam a imaginação, as falsificações. Mas quais são as correlações entre os conceitos de símbolos sociais e de culturas humanas? A referência ao nível simbólico da realidade social, quando se trata das culturas humanas, é importante, porque a maioriados planos superpostos que formam a realidade social – e o plano cul- tural é um deles – depende dos símbolos sociais que têm como ta- refa funcionar como uma espécie de "para-raios social" no sentido de impedir os desníveis entre os mencionados planos superpostos que formam a realidade social. Claretiano - Centro Universitário 101© U4 - Um Estudo de Sociologia: o que torna possível a Convivência Humana Desse modo, apresentar algumas dentre as inúmeras defini- ções de cultura, possivelmente facilitará a compreensão das corre- lações entre os significados de símbolos sociais e de cultura. Na linguagem do senso comum, a linguagem do cotidiano, o termo “cultura” é empregado em mais de uma circunstância. Ele pode indicar grande soma de conhecimentos, isto é, erudição. Nesse caso, diz-se: “tal pessoa tem cultura”. Ele pode manter, tam- bém, o sentido agrícola original: cultura de milho, de café, de fei- jão etc. No entanto, a palavra “cultura” pode apresentar-se com o sentido sociológico que vai além dessas acepções, embora ela não exclua nenhum desses significados. No sentido sociológico, “cultu- ra” é tudo aquilo que resulta da criação humana, compreenden- do ideias e ações; cultura é um complexo de circunstâncias que abrange conhecimentos, costumes, crenças, artes, moral, leis, as- sim como todas as capacidades adquiridas pelos seres humanos. Tornou-se habitual distinguir dois setores da cultura. Um de- les se refere à cultura material, que compreende todos os artefa- tos e objetos produzidos por uma dada sociedade. São exemplos de bens materiais: utensílios, ferramentas, máquinas, moradias, móveis, meios de comunicação, meios de transporte, assim como vestuários, adereços, entre outros. O domínio das ideias, da ética, das crenças, dos conhecimentos, das técnicas, dos valores sociais, das normas, das regras e das leis fica no segmento da cultura não material. É importante ressaltar que a cultura não depende da he- rança biológica dos seres humanos, mas, sim, de capacidades desenvolvidas mediante o convívio social. Nesse sentido, apenas os seres humanos desenvolvem cultura. A aquisição, a perpetua- ção e a transmissão da cultura resultam de aprendizagem, e, por essa razão, cada sociedade precisa transmitir às novas gerações a herança social que recebeu, o que ocorre mediante o processo global de socialização. Aqui se retoma o conceito de socialização, © Sociologia Geral102 entendido como o processo global que concretiza os projetos de “ensinar-e-aprender” no campo da sociedade e no campo da indi- vidualidade, garantindo o que é necessário para que cada um seja reconhecido como seu membro integrante. Embora todos os seres humanos possuam cultura e a trans- mitam à geração seguinte, não possuem, todos, uma cultura igual. Há inúmeras culturas diferentes, com hábitos, tradições e valores muito diversos e expressos por uma incontável diversidade cultu- ral. Tomemos como exemplo os brinquedos e os modos de brincar. O brincar com bonecas pode contribuir para que tanto as meninas ocidentais quanto as meninas árabes se familiarizem com hábitos e ideias bastante diferentes no que diz respeito ao modo como uma mulher pode e deve vestir-se e ao lugar que uma mulher pode e deve ocupar na sociedade, o que é ilustrado na Figura 2. Figura 2 Bonecas com vestuários femininos que representam a cultura ocidental e a cultura árabe. Ao contrário do que muitas vezes se afirma quando se diz que algum indivíduo não tem cultura, esta não é exclusiva deste ou daquele grupo, pois todos os seres humanos partilham conheci- mentos, costumes e crenças, bem como todas as sociedades orga- nizam seu modo de vida e seu modo próprio de convívio. Todas as sociedades têm cultura, mesmo aquelas que não possuem escrita. A cultura é a condição para a sobrevivência dos grupos humanos. Claretiano - Centro Universitário 103© U4 - Um Estudo de Sociologia: o que torna possível a Convivência Humana Reinaldo Dias (2007) propõe, no texto Cultura, que uma das possibilidades de compreender melhor o conceito de cultura é considerar que ela tem cinco características essenciais: 1) A cultura é transmitida por herança social, e não por herança biológica. Ela é adquirida ao longo da vida por meio de participação no processo de socialização. Ad- quirimos cultura por meio da interação social e a conso- lidamos no exercício da convivência com outras pessoas. 2) A cultura compreende a totalidade das criações huma- nas. Isto significa que ela inclui ideias, valores, manifes- tações artísticas de todos os tipos, crenças, instituições sociais, conhecimentos, vestuário, práticas alimentares, animais domésticos etc. 3) A cultura é característica exclusiva das sociedades huma- nas. As demais espécies animais são incapazes de criar cultura, embora algumas delas adquiram alguns rudi- mentos de cultura ao serem domesticadas. 4) A cultura interfere na forma como a pessoa vê o mundo, isto é, na forma como ela percebe as coisas. Cada indiví- duo é criado em uma cultura determinada, e os valores que este adquiriu o fazem emitir juízos de valor sobre as coisas, o que permite que o mundo seja visto de dife- rentes maneiras pelas sociedades humanas. A mudança de espaços e o passar do tempo em função do processo de socialização faz que o indivíduo modifique sua com- preensão e interpretação de fatos e de acontecimentos. 5) A cultura é, também, um mecanismo de adaptação. A sobrevivência das comunidades humanas está direta- mente relacionada com a cultura porque ela baseia-se na capacidade de evolução, de mudança e de adaptação dos seres humanos. O ser humano consegue sobreviver quando é capaz de superar as dificuldades impostas pela natureza e as dificuldades impostas pela própria cultura, ou seja, consegue sobreviver quando faz cultura. Na linguagem sociológica, não há culturas superiores ou in- feriores; há culturas diferentes. Cada cultura é uma realidade au- tônoma e só pode ser compreendida a partir dessa realidade. © Sociologia Geral104 Extraímos um trecho da carta citada por Carlos Rodrigues Brandão no livro O que é educação, que aborda com propriedade o item Culturas humanas: respostas aos problemas de compreensão do mundo e ilustra, sobretudo, a referência às diferenças culturais. Conta o autor que, quando os governantes dos Estados de Virgínia e Maryland, nos Estados Unidos, assinaram um tratado de paz com os índios das Seis Nações, mandaram cartas fazendo um convite para que enviassem seus jovens à escola dos brancos. Os chefes indígenas responderam com agradecimentos e recusa. Uma forma de rnsinar-e-aprender a compreensão do mundo ––– “Nós estamos convencidos, portanto, que os senhores desejam o bem para nós e agradecemos de todo o coração. Mas aqueles que são sábios reconhecem que diferentes nações têm concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os senhores não ficarão ofendidos ao sa- ber que a vossa idéia de educação não é a mesma que a nossa. Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas do Norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando eles voltavam para nós, eles eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes de suportarem o frio e a fome. Não sabiam como caçar o veado, matar o inimigo e construir uma cabana, e falavam a nossa língua muito mal. Eles eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros, como caçadores ou como conselheiros. Ficamos extremamente agradecidos pela vossa oferta e, embora não possamos aceitá-la, para mostrar nossa gratidão oferecemos aos nobres senhores de Vir- gínia que nos enviem alguns dos seus jovens, que lhes ensinaremos tudo o que sabemos e faremos deles, homens” (BRANDÃO, 1993, p. 8-9). –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Para concretizar o estudo em torno do tema do processo de socialização e do tema da cultura, tentando "sentir o como vive- rame vivem em nós as culturas interdependentes e sucessivas de que somos portadores, intérpretes, agentes e reagentes no tempo e no espaço", nada melhor do que conhecer e apreciar a obra do brasileiro Luís da Câmara Cascudo, embasada em pesquisas pro- fundas sobre os "usos e costumes de nossa gente comparando-os com os de outros povos" (CASCUDO, 2000, p. XV). Com a publicação de Alma patrícia, em 1921, Luís da Câmara Cascudo inicia uma bibliografia composta de, aproximadamente, Claretiano - Centro Universitário 105© U4 - Um Estudo de Sociologia: o que torna possível a Convivência Humana 120 obras, que tratam das lendas, dos mitos, das superstições, da indumentária, das danças, dos cantos, das estórias contadas, das bebidas e comidas tradicionais, dos santos favoritos, dos folclo- ristas e da linguagem médica popular do Brasil. Os resultados das pesquisas desse pensador brasileiro são registrados com erudição e merecem ser estudados porque traduzem a valorização de nos- sa cultura espontânea – a cultura popular brasileira, que marca a "existência do permanente na memória coletiva" (CASCUDO, 2000, p. XXII). Podemos concluir nossas reflexões com a ideia de que a evolução do ser humano só foi possível devido à sua capacidade de pensar e de lutar pela superação de suas necessidades. Nesse processo de evolução, a utilização das mãos e o desenvolvimento da linguagem foram decisivos e não se deram de modo isolado. Foram conquistas que ocorreram mediante um processo educati- vo no qual os seres humanos aprenderam juntos a construir meios para sua sobrevivência. 7. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Conforme procedemos nas unidades anteriores, vamos, no- vamente, fazer uma pausa para você fixar os conceitos abordados nesta unidade. Esta fase é importante para que você possa reto- mar algumas informações que não tenham ficado tão claras. Agora é só testar seus conhecimentos! 1) Qual é a importância da vida em grupo para os seres humanos? 2) O que é o processo de socialização? 3) Como podemos definir “cultura”? 4) Explique esta afirmação: “tudo que existe criado e disponível em uma cultu- ra como conhecimento que se adquire por meio da experiência pessoal com o mundo e com o outro, tudo que se aprende de um modo ou de outro, faz parte do processo por meio do qual um grupo social socializa os seus mem- bros como sujeitos sociais em sua cultura”. © Sociologia Geral106 8. CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTEÚDO DO TEXTO Nesta unidade, apresentamos algumas ideias de como a orga- nização das sociedades humanas se distingue das várias organizações de espécies animais existentes na Terra; distinção essa que se dá pelo fato de os seres humanos serem capazes de ampliar seu controle so- bre a natureza por meio da criação e da consolidação de um ambiente cultural que se mantém e se transforma mediante o processo de so- cialização, sendo transmitido de geração para geração. Esperamos que a compreensão dos conceitos de socialização e de cultura se constitua como uma ponte para o entendimento da dinâmica da sociedade em que vivemos e que ela ofereça uma perspectiva do porque da necessidade de encontrar explicações em bases científicas para a sociedade resultante de um período de rupturas históricas, como aquele traduzido pela Revolução Indus- trial e pela Revolução Francesa. Pensemos: essas revoluções provocaram transformações pro- fundas no campo das relações sociais, pois elas decorreram de um desequilíbrio nas estruturas que estavam estabelecidas até então. Foram transformações que se originaram a partir da economia e da política, dando novos impulsos à ciência e à tecnologia, e deram base à formação das Ciências Sociais – dentre elas, a Sociologia, que voltou os “olhares sociológicos” de Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber para o quê? Justamente, para as tensões na socialização geradas pelas novas formas de organizações sociais, tensões essas que ainda reverberam nesta primeira década do século 21. 9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Pretendemos que este item estimule aqueles que desejam, no período de sua formação profissional, cultivar a conduta de pes- quisador por meio da consulta às fontes bibliográficas. Com esse intuito, reforçamos a indicação de algumas referências bibliográfi- Claretiano - Centro Universitário 107© U4 - Um Estudo de Sociologia: o que torna possível a Convivência Humana cas citadas no decorrer do texto e indicamos outras, mantendo o princípio de que se tratam de leituras introdutórias à Sociologia. Boa leitura! ARANHA, M. L. de A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Moderna, 1993. BERGER, P. Perspectivas sociológicas. Petrópolis: Vozes, 1975. BERGER, P.; BERGER, B. Socialização: como ser um membro da sociedade. In: FORACCHI, M. M.; MARTINS, J. de S. Sociologia e sociedade: leituras de introdução à Sociologia. Rio de Janeiro: LTC, 2002. CASCUDO, L. da C. Dicionário do folclore brasileiro. 9. ed. rev., atual. e ilustr. São Paulo: Global, 2000. ______. Civilização e cultura: pesquisas e notas de Etnografia Geral. São Paulo: Global, 2004. CHAUI, M. A cultura. In: ______. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 1994. p. 288-296. COSTA, C. Introdução. In: ______. Sociologia: uma introdução à ciência da sociedade. 3. ed. rev e ampl. São Paulo: Moderna, 2005. DIAS, R. Cultura. In: ______. Introdução à Sociologia. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2007. ELIAS, N. Os estabelecidos e os outsiders. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. MEKSENAS, P. O processo de humanização da natureza. In: ______. Sociologia. São Paulo: Cortez, 1991. p. 32-41. OLIVEIRA. P. S. Introdução à Sociologia: série brasil. 25. ed. São Paulo: Moderna, 2007. SANTOS, J. L. O que é cultura. São Paulo: Brasiliense, 1986 (Coleção Primeiros Passos). 10. E-REFERÊNCIAS Lista de figuras Figura 1 – Novas formas de socialização primária ou socialização secundária precoce? Disponível em: <http://cadernosociologia.blogspot.com>. Acesso em: 10 mar. 2009. Figura 2 – Bonecas com vestuários femininos que representam a cultura ocidental e a cultura árabe: disponível em <cadernosociologia.blogspot.com/2009_01_01_arc...> Acesso em: 2 de jun. 2010. Site pesquisado RISCHBIETER, L. A triste história das crianças lobo ou Nem só de genes e cérebro vive o homem. Disponível em: <http://www.educacional.com.br/articulistas/luca_ bd.asp?codtexto=220>. Acesso em: 16 mai. 2009. Claretiano - Centro Universitário EA D 5 Sociologia Contemporânea: Velhas e Novas Questões Sociais 1. OBJETIVOS • Identificar tendências da sociedade contemporânea. • Compreender o teor das questões sociais que se apresen- tam para análises e explicações sociológicas. • Cultivar a atitude de pesquisador. 2. CONTEÚDOS • A desigualdade social. • A questão da pobreza. 3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir: © Sociologia Geral110 1) Uma das questões sociais que será objeto de suas refle- xões no decorrer da leitura compreensiva é a pobreza. Para que você tenha acesso à linguagem literária sobre a pobreza, temos, no Brasil, a obra clássica de Graciliano Ramos Vidas Secas, que é fundamental e, por essa ra- zão, precisa ser reconhecida. Há, também, o filme Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos, inspirado na obra. Temos, ainda, o filme Morte e vida Severina, de Zelito Viana, que merece ser assistido. 2) O cinema brasileiro recente produziu uma série de fil- mes e documentários que tratam da pobreza. Filmes tão diversos como Notícias de uma guerra particular (1999), Palace II (2000), Cidade de Deus (2002), O invasor (2003), Ônibus 174 (2003), Cidade dos homens (2003), entre ou- tros, e recentemente Falcão, meninos do tráfico (2006), documentário concebido e dirigido por MV Bill e Celso Athayde, moradores de Cidade de Deus. Todos eles são alguns exemplos de obras de ficçãoou documentário que acentuaram a presença visual de cidadãos pobres, negros, moradores de favelas e de bairros de periferia no cinema e na televisão brasileiros. Nessa periferia pouco acostumada à exposição, a visibilidade estimulou uma reação crítica contundente. Marcinho VP, persona- gem incógnita do filme de João Salles, Notícias de uma guerra particular, disse aos jornalistas que cobriam sua prisão: “eu sou o monstro que vocês criaram”. A frase revela sensibilidade crítica para o jogo de espelhos que define personalidades mais ou menos estereotipadas e que Guy Debord, cineasta e filósofo francês, definiu como sociedade do espetáculo. Todas essas indicações são fundamentais para complementar o que será abor- dado nesta unidade. 3) Falcão, meninos do tráfico, documentário dirigido pelo rapper MV Bill e por seu empresário, Celso Athayde, exi- bido no programa Fantástico em 19 de março de 2006, indicado anteriormente, chocou o país. Gravado ao lon- go de anos em diversas periferias brasileiras, o docu- mentário foge da expressão limpa, direta e bem acabada Claretiano - Centro Universitário 111© U5 - Sociologia Contemporânea: Velhas e Novas Questões Sociais que vem caracterizando a produção de filmes sobre o assunto. Vale um empenho para assisti-lo. 4) Sugerimos, também, dois filmes internacionais: Hotel Ruanda, dirigido por Terry George, e Crash – No Limite, dirigido por Paul Haggis. 5) Para aprofundar seus conhecimentos sobre a pobreza e suas relações com a educação sugerimos a leitura da entrevista concedida por István Mézáros à Folha de São Paulo. As suas colocações ampliam nosso campo de re- flexão em torno do tema que será estudado. A entrevis- ta encontra-se disponível no seguinte endereço eletrô- nico: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ ult305u15857.shtml>. Acesso em: 10 jun. 2010). 4. INTRODUÇÃO À UNIDADE Na unidade anterior, foi possível compreendermos como a questão social colocou a sociedade no plano da análise científica. Nesta unidade, considerando que as questões sociais já estavam postas pela sociedade capitalista quando do advento da Sociolo- gia, estaremos diante de velhas e novas questões sociais. Parti- remos de uma questão social que está na origem da organização científica do pensamento social e que continua presente como um desafio para a Sociologia contemporânea: a desigualdade social. Exercitando nossa capacidade de compreensão, lembremo- -nos de que, na Unidade 2, fizemos o registro da preocupação com a pobreza, como desigualdade social, resultante da ignorância e da exploração humanas, constituindo uma das fontes do pensamento sociológico que dá origem ao levantamento social, uma das técnicas de excelência na pesquisa sociológica, também utilizada na Economia. Quando saímos às ruas ou mesmo quando, em casa, ligamos a televisão, notamos entre as pessoas aquelas que se assemelham a uma grande maioria, ou seja, revelam semelhanças entre si e, em contrapartida, deparamo-nos, também, com pessoas que se diferenciam da grande maioria e que constituem uma minoria. As © Sociologia Geral112 diferenças que notamos à primeira vista se vinculam ao vestuário, à condução que utilizam. Existem, porém, outras diferenças que não são tão visíveis, as quais estão ligadas à religião, aos conheci- mentos, ao gênero, à raça, à opção sexual, que provocam a desi- gualdade social. Um olhar mais atento vai nos conduzir a visões de favelas e mansões, de pessoas desnutridas e de pessoas que se alimentam em excesso, de sujeitos analfabetos e aqueles que têm formação escolar completa. Enfim, cada sociedade gera formas de desigual- dades resultantes dos modos de organização social. As desigual- dades assumem características diferenciadas entre si porque se constituem a partir de elementos políticos, econômicos e sociais próprios de cada sociedade. Essas concepções são resultados de estudos sociológicos que tomaram pobreza como objeto de estudo, compreendida como um resultado da ignorância e da exploração humana, ou seja, não mais aceita como um castigo da natureza ou da providência divina. Nas sociedades industriais, a pobreza, como forma de desigualda- de social, já não é considerada um fenômeno natural. A expressão “desigualdade social” é constituída como uma referência a uma condição na qual os membros de uma mesma so- ciedade possuem quantias diferentes de bens, poder ou prestígio. No combate à desigualdade, busca-se a equidade social, ou seja, busca-se o direito de as pessoas participarem da atividade econômica e política, de contarem com os meios de subsistência e o direito de acesso aos serviços públicos que permitam manter um nível adequado de vida. Estamos vivendo na primeira década do século 21, e uma das maiores preocupações da humanidade é a desigualdade que existe em várias partes do mundo. Globalmente, a concentração de rique- za tem aumentado, gerando novos tipos de desigualdade: o conhe- cimento produzido é incorporado apenas por pequenos grupos que passam a ter maior controle dos processos de produção de riqueza. Claretiano - Centro Universitário 113© U5 - Sociologia Contemporânea: Velhas e Novas Questões Sociais Os Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) divulgados pela Organização das Nações Unidas (ONU) demonstram que um dos aspectos mais cruéis da desigualdade é a concentração de pobres nas zonas urbanas, vivendo em favelas. Se considerarmos aqueles que vivem em situação de pobreza extrema, o quadro apresenta-se mais grave, com um número de pobres maior do que as favelas revelam. A situação de desigualdade mundial constitui-se ao longo dos últimos 500 anos com o processo de uma economia mundial. 5. DESIGUALDADE SOCIAL O processo histórico tem revelado como uma tendência mar- cante a diferenciação e a crescente complexidade da sociedade. Da pequena diferenciação social existente nas sociedades tribais, as sociedades foram passando por processos que as levaram a for- mar os mais diferentes grupos que começaram a se distinguir por nacionalidade, por religião, por profissão, por etnia e, de modo mais acentuado, por classe social. O mundo contemporâneo assiste ao resultado desse proces- so histórico de formação de uma civilização complexa e diferencia- da, na qual diversos grupos procuram monopolizar seus privilégios e possibilidades de acesso à produção de bens e aos mecanismos de distribuição desses bens na sociedade. Diante dessas colocações, surge uma pergunta: terá havido, em algum momento da história da humanidade, uma sociedade igualitária? Evidências históricas indicam que as culturas humanas, em todos os tempos e lugares, se organizaram a partir da ideia da dis- tinção, da diferenciação entre grupos sociais. Mesmo naquelas so- ciedades simples, consideradas homogêneas, existiam diferenças de sexo e idade, o que levava à atribuição de diferentes funções, parcelas de poder, determinados direitos e deveres. © Sociologia Geral114 Temos como exemplo o patriarcado, que existiu desde as mais remotas civilizações e que garantia aos homens o poder so- bre a família e seus bens. Bem, se considerarmos que, desde a Antiguidade histórica, as sociedades apresentaram diferentes formas de organização so- cial, nas quais a distribuição de bens era desigual, podemos nos perguntar: por que a pobreza é tão chocante e tão pouco aceitável contemporaneamente? A partir do momento em que foi engendrada a ideia de hu- manidade como conceito capaz de conter todos os seres humanos do planeta, as desigualdades sociais tornaram-se cada vez mais evidentes. Ao defender-se o princípio de que todos têm os mes- mos direitos e são iguais perante a lei, fica cada vez mais difícil justificar as desigualdades sociais. Se todos possuem os mesmos direitos, como podem existir grupos que não têm acesso ao mínimo de bens produzidos pela sociedade? A pertinênciae a permanência dessa pergunta indicam a contradição em relação aos valores que defendemos em nossa forma de organização social, e é por essa razão que na sociedade moderna e contemporânea a desigualdade social assume o cará- ter de privilégio de alguns e de injustiça para com outros. É essa nova consciência que torna a riqueza tão incômoda. 6. A QUESTÃO DA POBREZA A pobreza pode ser encarada como uma condição em que a pessoa não pode manter-se sozinha de acordo com o padrão de vida do grupo e, por isso, é incapaz de atingir a eficiência mental e física que lhe permita atuar de maneira útil nesse grupo. Ricos e pobres são sempre encontrados em qualquer lugar no qual um ser humano possa adquirir ou controlar maior quanti- dade de bens do que o outro. Claretiano - Centro Universitário 115© U5 - Sociologia Contemporânea: Velhas e Novas Questões Sociais Historicamente, a existência simultânea da riqueza e da po- breza somente se constituiu como uma questão social após o apa- recimento de um sistema de trocas e de uma escala de valores. Foi com a expansão do comércio em escala internacional, com a grande acumulação de riqueza e sua distribuição desigual e com o estabelecimento de padrões de vida definidos nos usos e costumes que a pobreza começou a surgir como um problema social. Pela comparação das diferenças de status econômico, os membros de uma sociedade tornaram-se conscientes dessas di- ferenças e passaram a considerar a si próprios e aos outros como ricos e pobres em diferentes graus. Mas em que momento a pobreza passa a ser reconhecida e identificada como um problema social? A partir do momento em que se estabelecem diferenças evi- dentes de status econômico entre os membros de uma sociedade e se fazem comparações e avaliações dessas diferenças, a pobreza passa a ser identificada como um problema; caso contrário, mes- mo a vida sendo muito precária, não há problemas de desigualda- de social na falta de diferenças. Os povos primitivos viveram em um estado de mais ou me- nos privação. A falta de alimentos suficientes e outras necessida- des foram muito comuns. O desconforto e o sofrimento devido a um suprimento inadequado de elementos básicos, mais do que o conforto e bem-estar, foram quase universais até muito recente- mente. Vivenciando as mesmas condições, as pessoas geralmente consideravam seu desconforto um estado natural, muito mais do que um problema que exigisse solução e, portanto, aceitavam-no sem se sentirem injustiçadas. Exceto em casos de extrema priva- ção, a pobreza não era sentida, a não ser pela indignação do indiví- duo diante de sua sorte em comparação com a dos outros. Segundo a visão de Cristina Costa (2005), no mundo moder- no, especialmente nas sociedades ocidentais, a pobreza tomou a © Sociologia Geral116 dianteira entre os problemas sociais, não devido a um aumento da miséria (as condições de vida têm melhorado constantemente), mas por causa do ressentimento. Os fatores que contribuem para o ressentimento profundo contra a pobreza são: a consciência do fracasso, o não conseguir mais do que se tem e o sentimento de injustiça diante da ordem geral das coisas. No texto a seguir, podemos constatar quais são as três for- mas diferentes de pobreza identificadas por John Friedmann e Leonie Sandercock. Os Desvalidos ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Numa sociedade complexa, em que a vida se reveste de inúmeras instâncias di- ferentes e na qual existe a consciência de a espécie humana constituir uma tota- lidade, a questão da pobreza se reveste de inúmeros aspectos. John Friedmann e Leonie Sandercock, especialistas em planificação urbana, em artigo intitulado Os desvalidos, publicado em maio de 1995 pelo Correio da Unesco, identificam três diferentes formas de pobreza, além da clássica carência de bens materiais e de recursos à sobrevivência. 1) A despossessão psicológica diz respeito a um sentimento de autodesvalo- rização das populações pobres em relação às ricas, ou de um país pobre em relação a um país rico. 2) A despossessão social, que se manifesta pela completa impossibilidade de parcelas da população terem acesso aos mecanismos de êxito social, de atingirem o mínimo de prestígio e manterem relações sociais estruturadas e permanentes. 3) A despossessão política é outro lado da pobreza contemporânea e diz res- peito à incapacidade de certos grupos sociais terem qualquer participação efetiva na vida pública ou acesso aos mecanismos de interferência e ação política. À medida que se amplia nossa concepção de vida social, a questão da pobreza torna-se aguda e complexa, envolvendo não só a aquisição de bens materiais, mas também o acesso a diversos privilégios sociais, cada vez mais essenciais (COSTA, 2005, p. 251). –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Vivemos em uma sociedade mecanizada e informatizada, na qual a pobreza continua resistente aos esforços que os Estados ar- gumentam estar desenvolvendo. A esperança de vida cresce em quase todas as partes do mundo, mas o atendimento à população desvalida continua precário. As favelas multiplicam-se cada vez mais e compõem a paisagem urbana ao lado da criminalidade, da presença da mendicância. Claretiano - Centro Universitário 117© U5 - Sociologia Contemporânea: Velhas e Novas Questões Sociais Medidas de análise como analfabetismo, renda per capita, índices de nascimento, mortes, desnutrição, educação escolar e dívida externa são cada vez mais utilizadas para classificar regiões e nações. Diante dessas informações, a pobreza deixa de ser uma condição abstrata e torna-se presentificada. Pessoas, países e gru- pos sociais são considerados pobres, não apenas em relação a si próprios ou às suas dificuldades para atingir seus objetivos e me- lhorar sua condição de vida, mas também em relação aos outros grupos ou aos outros países com os quais são comparados. A pobreza passa a existir, também, em função das exigên- cias externas; são padrões globalizados, índices organizados por processos sociais distantes que criam necessidades que se chocam com valores sociais entre pessoas, grupos e nações. Essa concep- ção, em muitos momentos históricos, justificou o colonialismo, o imperialismo. As charges de Angeli, demonstradas na Figura 1 e na Figura 2, expressam a realidade do mundo hegemônico, no qual a diferença de classes é gritante. Segundo o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos (1995), no texto O norte, o sul e a utopia, o capi- talismo global causa essa desigualdade social e ela deve continuar aumentando gradativamente. © Sociologia Geral118 Figura 1 A nova ordem mundial. A existência da pobreza como uma desigualdade social é in- dicadora da existência da marginalidade, da exclusão, dos excluí- dos pela pobreza. A presença constante e próxima desses excluí- dos incomoda e deixa-nos constrangidos por várias razões: 1) demonstra a ineficiência administrativa do Estado; 2) indica o crescimento da quantidade de pessoas excluí- das; 3) traz à tona o temor da organização e ação dessa popu- lação; 4) constitui-se em uma evidência do fracasso de uma socie- dade que se crê orientada pelos direitos humanos uni- versais em prol do bem comum. Claretiano - Centro Universitário 119© U5 - Sociologia Contemporânea: Velhas e Novas Questões Sociais Figura 2 Moradias. Para a Sociologia, a má distribuição da riqueza e da renda e o funcionamento imperfeito das instituições econômicas são fatores importantes que acarretam depressões econômicas e desemprego generalizado. São considerados como os principais responsáveis pelo desajustamento econômico em nossa sociedade. O Brasil é hoje totalmente integrado pela língua, pelas co- municações de massas, pelos transportes e pelo mercado; parte da pobreza que existe é rural, localizada, sobretudo, nos estados do Nordeste e em zonas agrícolas deprimidas em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. Esse segmentoda pobreza no Brasil é constituí- do de pessoas que sobrevivem em uma economia de subsistência, extremamente precária. Em sua maioria, no entanto, a pobreza é urbana, localizada na periferia das grandes cidades, constituída por pessoas, em grande parte, originárias do campo, e é medida pelo fato de que sua integração ao mercado de consumo não tem correspondência com o mercado de trabalho. © Sociologia Geral120 Para o sociólogo brasileiro Simon Schwartzman (2004), qual- quer análise que se faça da sociedade brasileira atual mostra que, ao lado de uma economia moderna, existem milhões de pessoas excluídas de seus benefícios, assim como dos serviços proporcio- nados pelo governo para seus cidadãos. Socialmente, porém, os níveis de exclusão e desigualdade são muito maiores, estando en- tre os piores do mundo. Schwartzman (2004) explica que uma das maneiras de compreender a pobreza é considerá-la como resultado da ação dos seres humanos, sendo resultado das formas como estes pen- sam, interpretam e direcionam a construção da história, da for- ma como aceitam os padrões mínimos de sobrevivência de cada indivíduo presente na sociedade. A pobreza pode ser vista como um fenômeno social decorrente da desigualdade social, visto ser fruto da concentração da riqueza, ou seja, da não distribuição da renda. Essa situação, em vigor no Brasil e no mundo, na atualida- de, precisa ser analisada como parte de um processo econômico e político. No Brasil, a existência da pobreza não ocorre devido à fal- ta de recursos, e sim da desigual distribuição destes, entendendo que o Brasil é um país rico, porém, com um dos maiores índices de desigualdade do mundo. Como no passado, os níveis de pobre- za e exclusão continuam sendo causados por uma combinação de heranças, condições e escolhas de natureza econômica, política e cultural. É ingênuo supor que a pobreza e a desigualdade social poderiam ser eliminadas pela "vontade de alguém". 7. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Conforme procedemos nas unidades anteriores, vamos no- vamente fazer uma pausa para você fixar os conceitos abordados nesta unidade. Claretiano - Centro Universitário 121© U5 - Sociologia Contemporânea: Velhas e Novas Questões Sociais 1) Como definir a desigualdade social? 2) Como definir a pobreza? 3) Quais são as três diferentes formas de pobreza identifi- cadas por Friedmann e Leonie Sandercock, especialistas em planificação urbana? 8. CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTEÚDO DO TEXTO O mundo contemporâneo assiste ao resultado de um longo processo histórico de formação de sociedades complexas. Duran- te o caminho percorrido pela humanidade, foram-se formando grupos diferenciados. Alguns desses grupos tornaram-se privile- giados e procuram monopolizar seus privilégios, as possibilidades de acesso à produção de bens e aos mecanismos de distribuição desses bens. Na sociedade contemporânea, ao contrário da Antiguidade, que tinha a noção de que a sociedade se diferenciava por grupos inconciliáveis, exemplo das castas na Índia, desenvolveu-se a cons- ciência de humanidade, de igualdade reforçada pela expansão mundial do sistema capitalista industrial. Uma vez adotada a ideia de humanidade, conceito que en- globa todas as pessoas do planeta, as desigualdades ficaram per- ceptíveis. Se todos os seres humanos são iguais perante a lei, como justificar as diferenças sociais? A presença da pobreza vai contra os princípios que acredita- mos que deveriam pautar a existência humana: todos possuírem os mesmos direitos. Nesse sentido, a presença da desigualdade social na socie- dade contemporânea assume o caráter de injustiça para muitos e privilégio para poucos, o que evidencia contradição em relação aos valores que defendemos para nossa organização social. © Sociologia Geral122 9. E-REFERÊNCIAS Lista de figuras Figura 1 – A nova ordem mundial: disponível em: <http://sociologia2cevr.blogspot. com/2007/11/anlise-das-charges.html>. Acesso em: 13 mai. 2010. Figura 2 – Moradias: disponível em: <http://sociologia2cevr.blogspot.com/2007/11/ anlise-das-charges.html>. Acesso em: 13 mai. 2010. 10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOTTOMORE, T. B. Problemas Sociais. In: ______. Introdução à Sociologia. 5. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1973. p. 306-318. COSTA, C. A questão da pobreza. In: ______. Sociologia: uma introdução à ciência da sociedade. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2002. p. 255-270. DEBORD, G. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2002. KOENIG, S. Problemas Sociais. In: ______. Elementos de Sociologia. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. p. 353-387. SANTOS, B. de S. Pela mão de Alice: o social, o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 1995. SCHWARTZMAN, S. Pobreza, exclusão social e modernidade: uma introdução ao mundo contemporâneo. São Paulo: Augurium, 2004. SINGER, P. Perspectivas de desenvolvimento da América Latina. Novos Estudos Cebrap, n. 44, p. 163-164, mar. 1996. EA D 6 Desigualdade Social: Grupos Minoritários, Preconceito e Discriminação 1. OBJETIVOS • Identificar tendências da sociedade contemporânea. • Compreender o teor das questões sociais que se apresen- tam para análises e explicações sociológicas. • Cultivar a atitude de pesquisador. 2. CONTEÚDOS • A desigualdade social e a questão dos grupos minoritá- rios. • O preconceito e a discriminação. 3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE 1) Para complementar o que estudaremos nesta unidade, que é referente ao preconceito e à discriminação, apre- © Sociologia Geral124 sentamos duas sugestões de filmes: Meninos não cho- ram, dirigido por Kimberly Peirce, e Filadélfia, de Jona- than Demme. 2) Há um espaço eletrônico brasileiro, cujo endereço é o <http://www.portacurtas.com.br>, dedicado a filmes de curta metragem que é imperdível. Há inúmeros filmes que abordam, em linguagem cinematográfica, os temas do preconceito e da discriminação. Vale a pena curtir! 4. INTRODUÇÃO À UNIDADE Na unidade anterior, identificamos tendências da sociedade contemporânea e procuramos entender a natureza e o objeto das questões sociais que servem de base para as análises e explicações sociológicas. Pudemos também refletir sobre questões cruciais que desafiam as sociedades contemporâneas, como é o caso das desigualdades sociais, com destaque para a pobreza. Nesta unidade, daremos continuidade às reflexões em torno das velhas e das novas questões sociais da Sociologia contempo- rânea, tentando estender a visão de desigualdade social para os grupos minoritários e refletir sobre os significados de preconceito e discriminação. Com essas ideias, encerraremos nossos estudos introdutórios ao conhecimento da Sociologia. Conforme já abordamos, embora a desigualdade social seja encontrada com diferentes roupagens em todas as sociedades, ela alcançou com o capitalismo uma das versões mais duras. A situação de extrema desigualdade social mundial resulta de um longo processo, que foi constituído nos últimos 500 anos e que foi surgindo com base em uma economia global de exploração do ser humano pelo ser humano. Mesmo aqueles países que são considerados “em desenvol- vimento” estiveram – ou ainda estão – submetidos a imposições que impedem que suas populações alcancem, de modo igualitário, as mesmas condições dos países desenvolvidos. Claretiano - Centro Universitário 125© U6 - Desigualdade Social: Grupos Minoritários, Preconceito e Discriminação Embora existam vários movimentos de tentativas de dimi- nuição das desigualdades sociais, ainda persiste uma política de dominação que tem bases no poderio econômico dos países ricos, o que dificulta, sobremaneira, a superação dessas questões. Conforme observamos em nossas incursões anteriores em torno da questão das desigualdades sociais, estas foram com- preendidas como resultantes de um processo social constituído ao longo da história. Os fundamentos, não apenas para sua per- manência, mas tambémpara sua ampliação em níveis globais, colocam-nos diante da fragilidade da ideia de que todos os seres humanos têm os mesmos direitos. Se todas as pessoas indistintamente possuem os mesmos direitos e se os direitos humanos são universais, como entende- remos a presença, sempre próxima, daqueles que não conseguem ter acesso ao mínimo necessário para viver com dignidade? O fato de prevalecer nas sociedades contemporâneas a ideia de que todos fazem parte da humanidade e, portanto, têm os mes- mos direitos torna cada vez mais difícil a justificativa para a exis- tência das desigualdades sociais. É partindo dessas considerações que abordaremos a natu- reza das questões sociais e tentaremos identificar algumas bases sociais que envolvem a existência de grupos minoritários ou mi- norias, do preconceito e da discriminação, como uma ampliação de nossas reflexões sobre as desigualdades sociais que tomaram, como questão social inicial, a pobreza. 5. A DESIGUALDADE SOCIAL E A QUESTÃO DAS MI- NORIAS Temos utilizado a expressão “questões sociais” para refe- rirmo-nos às formas de desigualdade social. Assim, a pobreza, as minorias, o preconceito e a discriminação são identificados como questões sociais. © Sociologia Geral126 Contudo, é importante esclarecermos o que são questões sociais antes de prosseguirmos com nosso estudo. Questões sociais ou problemas sociais são situações ou con- dições que são consideradas pela sociedade como ameaças ao seu bem-estar e que precisam ser eliminadas ou diminuídas. Trata-se de condições que afetam um número significativo de pessoas e pelas quais se acredita que algo possa ser feito mediante uma in- terferência. Para a Sociologia, não há uma causa única e simples para a existência de problemas sociais. Frequentemente, há uma interli- gação de várias causas que não podem ser explicadas separada- mente (KOENIG, 1975). Uma dada situação pode ser considerada problemática por uma sociedade e não ser encarada da mesma forma por outra. Devido à mudança das condições e de atitudes, o que se considera problema hoje pode não ter sido assim considerado no passado. A persistência de algumas questões sociais, como, por exemplo, a pobreza, os crimes e as guerras, revela, provavelmente, que os seres humanos tiveram que lidar, ao longo dos tempos, com os mesmos tipos de condições ambientais e sociais. Lembremos o exemplo da pobreza e as várias significações sociais que ela adqui- re ao longo do tempo. Todavia, há questões sociais permanentes e universais. A guerra, por exemplo, provavelmente revela que, diante de algu- mas circunstâncias, os seres humanos tiveram de lidar com os mesmos tipos de condições sociais. Embora a Sociologia se ocupe, primordialmente, das intera- ções sociais e embora ela esteja interessada, sobretudo, na inves- tigação dos fenômenos sociais, também estuda as questões sociais como resultados da vida em sociedade. Desse modo, a Sociologia aborda questões como: pobreza, minorias, preconceito, discrimi- nação, divórcio, conflitos raciais e religiosos, desemprego, alcoo- lismo, suicídio, desnutrição, mortalidade infantil, trabalho infantil, Claretiano - Centro Universitário 127© U6 - Desigualdade Social: Grupos Minoritários, Preconceito e Discriminação homossexualidade, pedofilia, velhice, desabrigados, violência, cri- mes, fome, saúde pública, analfabetismo etc. Diante dessas questões, o principal objetivo da Sociologia é procurar condições para a sua compreensão, bem como analisá-las, explicá-las e torná-las públicas. A Sociologia pode contribuir muito na busca de soluções eficazes, considerando que os esforços para resolver os problemas sociais só podem ser exitosos quando se baseiam em circunstâncias indiscutíveis e em uma adequada com- preensão de suas condições. Pensemos nas minorias como questão social. De onde vem a ideia de grupos minoritários ou minorias? O princípio da concepção de minorias foi engendrado com base na ideia de maioria, que, por sua vez, nasceu com a demo- cracia grega. Os gregos organizaram a legitimidade da lei funda- mentados no fato de ela representar a vontade dos cidadãos. Em Atenas, aqueles que eram considerados cidadãos selecionavam e aprovavam as leis em assembleias, e essa seleção e consequente aprovação dos cidadãos eram consideradas a manifestação numé- rica da maioria. Quem era considerado cidadão em Atenas? Os nascidos gregos, do sexo masculino, com idade superior a 18 anos e livres. Encontravam-se excluídos dessas condições os escravos, os estran- geiros, as mulheres, os artesãos, os comerciantes e os menores de 18 anos. Estes constituíam o segmento mais numeroso da popu- lação grega. Por extensão, no século 19, quando as repúblicas criaram o sistema político representativo, permaneceu o mesmo princípio da maioria. As leis votadas pela maioria dos representantes legis- lativos passaram a corresponder à vontade da nação. Com a adoção da democracia representativa, o que é oficial é tido como decisão da maioria. Assim entendido, se o governo é representativo, ele representa a maioria da população. Aqueles © Sociologia Geral128 que não concordam são considerados minorias, mesmo que cor- respondam – como no caso das mulheres – a mais da metade da população do mundo. Há outras situações que contribuíram para o estabelecimen- to da ideia de minoria. No caso da teoria sociológica organizada por Durkheim, te- mos que uma das características do fato social é a sua generalida- de, isto é, sua recorrência. Segundo essa visão, o que é discordante ou desviante foge da normalidade e da unanimidade; distancia-se da maioria e recai na minoria. O uso da Estatística também ajudou na propagação desses princípios. Quando temos números transformados em realidade, a análise quantitativa pode deformar a visão de realidade, criar semelhanças inexistentes, assim como esconder ou eliminar dife- renças, ou seja, mascarar resultados. Para exemplificar, façamos a seguinte suposição: uma pes- quisa estatística que constatar que, em uma dada população, a metade dos indivíduos consome 200 gramas de queijo por dia enquanto a outra metade dos indivíduos não consome nenhuma quantidade desse produto, partindo dos mesmos dados, ao elabo- rar os resultados, pode optar pelo consumo médio da população e concluir que ele é de 100 gramas de queijo por dia, por indivíduo, o que representará resultados tendenciosos das noções de maio- ria e minoria. Nesse caso, os resultados vêm mascarados, pois são escon- didas as diferenças e criadas aproximações inexistentes: toda a po- pulação consome uma quantidade de queijo. A complexidade da vida social e o uso político da ideia de maioria e minoria tornam cada vez mais difícil o estabelecimento de definições sobre o que seria uma maioria real. Nesse contexto, é possível expressar que as minorias têm se deparado com difí- Claretiano - Centro Universitário 129© U6 - Desigualdade Social: Grupos Minoritários, Preconceito e Discriminação ceis situações, que resultam de sua desconsideração nos regimes representativos, nos levantamentos estatísticos e diante de deter- minados interesses políticos. Foram essas razões que levaram as minorias à luta mediante manifestações, reivindicações e formas de organização, que pretendem denunciar preconceitos e influen- ciar na mudança de certas formas de comportamento. Para a Sociologia, um grupo minoritário define-se por ser so- cialmente dominado por outro. É minoritário o grupo que, em de- corrência do preconceito e da discriminação, tem sua participação social comprometida em função do poder, da influência, do autori- tarismo dos membros do grupo ou dos grupos dominantes. Trata- -se de um grupo cujos membros têm menos controle sobre suas vidas quando comparados aos membros do grupo dominante. As minorias têm poder relativo menor se comparadas ao grupo majoritário,independentemente do seu número de com- ponentes. As mulheres formam, numericamente, a maioria da po- pulação brasileira, segundo os resultados do Censo 2000, apresen- tado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. No entanto, elas são tratadas como minoria porque não têm muitas limitações nas alternativas de tipos de trabalhos de expressão po- lítica e de expressão cultural quando comparadas aos homens. Daí o motivo de serem definidas e tratadas como minoria. A Sociologia tem voltado grande parte de seus estudos para pesquisas que têm como objeto os grupos minoritários que se di- ferenciam pelo tipo de orientação sexual, pela cor de pele, pela educação, pela nacionalidade, pela religião, pelo gênero, entre outros. Grupos esses que, em muitas situações, são reconhecidos como maioria ou minoria por sua capacidade de reivindicar e de fazer pressão social. A força da ação política pode tornar as ques- tões minoritárias em majoritárias, dependendo do esforço para revelar as contradições, as injustiças e os privilégios característicos de algumas parcelas sociais. © Sociologia Geral130 6. O PRECONCEITO E A DISCRIMINAÇÃO Quando optamos por apresentar o tema das desigualdades sociais, fundamentamo-nos nas ideias de que ele fornece elemen- tos para apontar a necessidade de entendimento de sociedades distintas e das formas de desigualdade que lhes são equivalentes. Trata-se de circunstâncias que oferecem possibilidades para uma reflexão sobre as condições de produção e reprodução das desi- gualdades sociais em sociedades como a brasileira. Desses prin- cípios, decorre a opção de incluir reflexões sobre o preconceito e a discriminação, porque, sobretudo, após o nazismo, estes estão entre os temas básicos de Sociologia entendidos como formas de exclusão social, desde as mais sutis até as mais amplas, que pre- gam, abertamente, o extermínio de grupos. No caso do Brasil, os dados censitários do IBGE, consideran- do que a realidade brasileira registra qualidades de vida diferen- tes para alguns grupos, sobretudo aqueles cujos componentes são identificados como pretos e pardos, indicam a existência do pre- conceito racial, condições que, por si só, justificam estudos, refle- xões e análises em torno dessa questão. Se analisarmos, historicamente, a questão das desigualda- des sociais no Brasil, nas quais o preconceito e a discriminação estão entranhados, perceberemos que, além da pobreza (que é a desigualdade básica), outros indicadores poderiam ser exaus- tivamente citados para exemplificar a situação, tais como: fome, saúde pública, educação, moradia, transporte público, violência, desemprego etc. Preconceito e discriminação são formas de exclusão social que, embora ocorram juntas, têm significados diferentes. O pre- conceito refere-se a um sentimento, um pensamento, uma ideia previamente concebida, sem o reconhecimento da situação à qual se refere. Discriminação é o comportamento manifesto, baseado em atitude, em ideia preconceituosa. Claretiano - Centro Universitário 131© U6 - Desigualdade Social: Grupos Minoritários, Preconceito e Discriminação O preconceito está ligado aos significados de um julgamento prévio e negativo sobre um determinado indivíduo ou grupo, efe- tuado antes de um exame ponderado e completo e, muitas vezes, mantido rigidamente, mesmo diante de provas que o contradizem. Há um livro de Silva Queiroz (1996), cujo título é muito sugestivo: Não vi e não gostei, que trata de modo objetivo o fenômeno do pre- conceito e apresenta boa perspectiva para se debater o tema; um outro exemplo é o livro de Marcos Bagno, Preconceito lingüístico: o que é, como se faz, que, embora apresente um aspecto específi- co do preconceito ligado à língua portuguesa brasileira, oferece ao leitor uma excelente fundamentação conceitual para o preconceito. A Figura 1 ilustra alguns tipos de preconceitos que ocorrem frequentemente. Fonte: disponível em: <www.educarede.org.br/educa/index. cfm?pg=oassu...>. Acesso em: 10 jun. 2010. Figura 1 12 Faces do Preconceito, de Jaime Pinsky. © Sociologia Geral132 Precisamos ficar atentos para o fato de que o termo precon- ceito tem um alcance amplo e diversificado e adquire conotações complexas, o que pede que ele seja sempre interpretado levando em consideração o contexto em que é utilizado. Nas Ciências Sociais, de modo geral, e na Sociologia, de modo específico, seu significado refere-se a julgamentos categóri- cos, antecipados, carregados de componentes afetivos, como, por exemplo, a antipatia e a aversão; e de componentes cognitivos, tais como as crenças e os estereótipos; bem como de componen- tes avaliatórios, como as políticas públicas. As pesquisas em Ciências Sociais concentraram as atitudes rotuladas de preconceito como aquelas orientações desfavoráveis dirigidas a grupos ou categorias. As provas acumuladas por essas pesquisas estabeleceram um grande número de generalizações empíricas referentes ao precon- ceito. Dentre as mais importantes conclusões, segundo o Dicionário do pensamento social do século XX (1996), estão as seguintes: 1) Os preconceitos, embora generalizados, não são univer- sais. 2) O preconceito não é monopólio desta ou daquela socie- dade nem desta ou daquela cultura. 3) O preconceito não é inato, é aprendido. 4) Os preconceitos em relação a diferentes grupos tendem a andar juntos: as pessoas que manifestam preconceito para com um grupo étnico mostram, tipicamente, atitu- des semelhantes para com outros “grupos de fora”. 5) Os indivíduos variam muito na intensidade e na espécie de seus preconceitos. 6) Os preconceitos encorajam os comportamentos discri- minatórios e as orientações dadas às políticas públicas e são gerados por eles. 7) Preconceito e comportamento não precisam ser con- gruentes, uma vez que situações específicas podem con- sideravelmente afetar a conduta, apesar de as atitudes serem generalizadas. Claretiano - Centro Universitário 133© U6 - Desigualdade Social: Grupos Minoritários, Preconceito e Discriminação O preconceito é uma tendência de comportamento que não necessariamente envolve uma ação em si. É possível ser pre- conceituoso e não manifestar o preconceito em forma de ação discriminatória. A discriminação envolve uma ação deliberada e intencional, mas o inverso também pode ocorrer: um ato de discri- minação sem o sentimento de preconceito. Outro aspecto a ser considerado sobre o preconceito é que ele não pode ser controlado por meios legais, enquanto a discrimi- nação, que é uma manifestação pública do preconceito, é passível de obter um controle legal. Considerar pessoas negras pouco confiáveis é um precon- ceito; impedi-las de abrir um crediário sem qualquer consulta aos serviços de proteção ao crédito é uma discriminação. Ninguém nasce com preconceito. Ele é aprendido no decor- rer do processo de socialização. As pessoas adquirem-no dos pais e dos familiares, na escola, na igreja, na convivência com amigos, nos livros que leu ou nos filmes que assistiu. O preconceito torna-se um problema quando um prejulga- mento se mantém o mesmo depois que fatos demonstrem que ele está incorreto. O racismo, por exemplo, baseia-se na crença de que características herdadas são sinais de inferioridade. Mesmo após estudos científicos comprovarem sua inconsistência, essa crença continua justificando um tratamento discriminatório das pessoas que carregam essa herança. O preconceito e a discriminação levam à exclusão, restrin- gem a participação e a integração das pessoas e dos grupos per- tencentes às minorias. Dadas essas condições, a partir da última década do século 20, passaram a ser implementadas no Brasil po- líticas públicas e privadas para combater todas as formas de discri- minação. A essas políticas, damos o nome de ações afirmativas. Elas foram estabelecidas, inicialmente, nos Estados Unidos e as- seguravam
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