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EDUCAÇÃO E TRABALHO AULA 2 Prof. Rui Valese 2 CONVERSA INICIAL Nesses estudos, iniciaremos refletindo sobre as perspectivas para o estudo de história que adotamos como orientações epistemológicas para as nossas reflexões sobre trabalho e educação. Apesar de que, em tese, essa reflexão poderia ter sido feita anteriormente, optamos primeiro por fazer a reflexão do conteúdo e, em seguida, apresentarmos algumas das nossas fundamentações. Feito esse percurso, iniciaremos nossas reflexões sobre as relações entre o trabalho e a educação na Antiguidade, nas sociedades escravagistas, nas sociedades de servilismo, nas sociedades assalariadas e nas propostas das sociedades coletivistas, tanto aquelas que já vivenciaram/vivenciam essas práticas quanto aquelas que propõem a organização coletivista como perspectiva de organização social. TEMA 1 – O TRABALHO E A EDUCAÇÃO NA ANTIGUIDADE Dividiremos esse primeiro tópico em dois momentos. No primeiro, trataremos dos fundamentos epistemológicos pelos quais nos orientamos para as reflexões que estamos realizando aqui. E, em segundo lugar, trataremos das relações entre educação e trabalho nas sociedades antigas. Esse segundo tópico, já deixamos claro, é bastante extenso do ponto de vista histórico, como social. Assim, não pretendemos tratar de todas as questões que estão relacionadas, mas aquelas que consideramos fundamentais para as reflexões que estamos desenvolvendo. 1.1 Perspectivas para o estudo de história Desde que a História se constituiu como uma área de conhecimento humano, diferentes perspectivas se apresentaram como epistemologias de investigação/reflexão. Para não nos estendermos em demasia aqui, até porque não é esse o nosso objetivo, iremos pontuar duas perspectivas que consideramos relevantes, por uma ser contraponto à outra. A primeira perspectiva é a que chamamos tradicional. Nessa perspectiva, ora a história é tratada como obra do acaso, ora, numa perspectiva teleológica, como sendo conduzida por uma força invisível. Da mesma forma, interessa apenas os grandes feitos e acontecimentos, como estes sendo o resultado da 3 ação de determinadas pessoas, quase sempre governantes e/ou grandes líderes. Como fontes históricas, apenas os documentos oficiais e tratados é que são considerados. Já a segunda perspectiva se baseia nas reflexões de dois filósofos alemães – Karl Marx e Friedrich Engels – e, em particular uma de suas obras: Ideologia Alemã. Em síntese, para esses dois teóricos, a história é o resultado das ações de determinados sujeitos históricos que as realizam sob determinadas condições. A estrutura social e o Estado provêm constantemente do processo de vida de indivíduos determinados, mas desses indivíduos não como podem aparecer na imaginação própria ou alheia, mas sim tal como realmente são, quer dizer, tal como atuam, como produzem materialmente e, portanto, tal como desenvolvem suas atividades sob determinados limites, pressupostos e condições materiais, independentes de seu arbítrio. (Marx & Engels, 2007, p. 93) Ou seja, a história é resultado das ações humanas. Tais ações ocorrem em meio às contradições que são inerentes à mesma sociedade. A organização social de uma determinada sociedade é resultado da forma como essa se organiza para produzir e reproduzir a sua existência material e imaterial. Dessa forma de organização derivam relações políticas e sociais que são determinadas por diferentes coeficientes de poder. Isto é, nem todo mundo na sociedade tem o mesmo poder. Esse coeficiente de poder é determinado pelas relações materiais. De mesma forma, intercambiando com essas duas esferas, ao nível mental e das ideias, essa organização material e a política/social é representada simbolicamente, seja para explica-la, seja para justificá-la. Ao longo de nossos estudos, buscamos estabelecer uma reflexão que se guia por esses fundamentos, os quais vemos como mais coerentes para uma compreensão mais adequada dos fatos históricos. Por fim, cabe destacar que, como preconiza a Escola dos Annales (a Nova História, entre outras correntes), a história não é resultado da ação apenas de alguns indivíduos, nem pode ser contada apenas por uma pequena parte de documentos, mas é resultado da ação de todos os sujeitos que viveram/vivem em determinada sociedade e tempo, como também, para a compreendermos, todos os recursos materiais e imateriais contribuem para a sua compreensão. 4 1.2 Educação na antiguidade Iniciemos agora falando das relações entre educação e trabalho nas sociedades antigas. Antes de continuarmos, é fundamental esclarecermos que, por antiguidade, estamos falando não somente de um vasto tempo histórico, como também de sociedades que viveram em territórios completamente distintos. Como delimitação do período que estamos chamando de Antiguidade, tomaremos o surgimento da escrita sistematizada: cerca de 3500 a.C. e vai até o século V d.C. Nessa periodização, podemos apontar um problema: os pontos de referência estão ligados à história indo-europeia. Algo que se repetirá na maioria dos livros de história e com o qual precisamos lidar. Por exemplo: os estudos consolidados sobre a origem da escrita a datam por volta de 3 mil a 4 mil a.C, na região conhecida por Mesopotâmia. Porém, algumas descobertas recentes apontam para a possibilidade do surgimento pelo menos dois mil anos antes, em território chinês. Estamos falando de um período histórico bastante extenso, onde se desenvolveram algumas das civilizações que deixaram suas marcas, tais como: China – 6500 a.C., Egito – 3100 a.C., Mesopotâmia – 4000 a.C. e Índia – 3.200 a.C. Essas civilizações possuíam alguns traços em comum como: deram origem aos primeiros centros urbanos; nelas, predominava a atividade agrícola começo e, depois, desenvolveram o comércio, as manufaturas e a metalurgia; como forma de organização política, predominavam os Estados teocráticos e a propriedade estatal dos bens – o governante controlava a economia, a política, as forças armadas e a religião. Para tanto, contava com o auxílio de uma maior ou menor burocracia, a qual tinha acesso a alguma forma de instrução. Dominar a leitura e a escrita eram vistas como atividades sagradas e misteriosas. A maioria da população era completamente excluída de qualquer forma de instrução. Por fim, podemos dizer que a instrução/educação nessas sociedades era duplamente dualista. Em sentido vertical, havia uma instrução/educação para manter a estrutura social hierarquizada e, em sentido horizontal, havia uma distinção entre a instrução/educação direcionada para homens e mulheres na sociedade. 5 No tópico seguinte, trataremos um pouco mais da educação na última etapa do que consideramos como Sociedade Antiga, ao tratarmos das sociedades escravagistas das relações entre educação e trabalho nelas. TEMA 2 – O TRABALHO E A EDUCAÇÃO NAS SOCIEDADES ESCRAVAGISTAS Antes de tratarmos da educação nas sociedades escravagistas, é necessário abordarmos algumas questões importantes sobre o que é escravidão e as diferentes formas que existiram ao longo da história e das sociedades. Por escravidão entendemos a prática social em que um sujeito se apropria do outro como mercadoria, como sua propriedade. Nessa relação, a vida do escravo passa a pertencer ao seu dono, seu senhor. Trata-se de uma forma de alienação absoluta, pois a posse se dá sobre a pessoa na sua totalidade e sobre o que ela produz. No entanto, quando falamos de escravidão, é necessário esclarecer que, ao longo da história, tivemos pelos menos três tipos bem distintos de escravidão: o escravismo antigo, o moderno e o contemporâneo. O que chamamos de escravismo antigo foi uma prática econômica e social comum às mais variadas sociedades antigas, desde o Egito Antigo, Babilônia,Grécia Antiga, Império Romano, China Antiga, entre os povos originários das Américas – para não nos estendermos muito. Mesmo entre os povos nórdicos essa também era uma prática comum. E o que a escravidão nessas sociedades tinham em comum? Principalmente a origem: quase sempre, eram transformados em escravos os que haviam sido derrotados em guerras ou capturados para alimentar o comércio de escravos de uma determinada sociedade. Por exemplo: entre os séculos XIV e XVI, vilarejos finlandeses eram atacados e crianças de 6 a 13 anos, de preferência loiras e de olhos azuis, eram revendidas na região do Mar Negro. Outra razão pela qual alguém poderia ser transformado em escravo era por empréstimos contraídos e não pagos. Desta forma, a dívida era para paga por meio de uma determinada quantidade de tempo. Já o que entendemos como escravismo moderno foi o praticado, principalmente, por portugueses, espanhóis, ingleses e franceses, seja com os povos originários das Américas, inicialmente, mas, depois, principalmente, com os povos africanos. O escravismo moderno se diferencia do antigo, principalmente, por sua origem. No escravismo moderno, as pessoas eram transformadas em escravas por conta de sua condição étnica: os europeus 6 escravizavam os africanos e os povos originários. Se, na antiguidade, a guerra era utilizada como justificativa moral da escravidão, na modernidade, as ideias de civilização, cultura e religião eram utilizados como argumentos para justificar e legitimar a escravidão. No tocante à religião, por exemplo, um dos principais argumentos utilizados era de que tanto os povos originários quanto os africanos não possuíam alma. Um exemplo de argumentação nesse sentido é o utilizado pelo Padre Vieira ao afirmar que, num de seus sermões feito para uma confraria de escravos, deveriam agradecer o fato de terem sido arrancados de sua terra natal, trazidos até as colônias como escravos para serem convertidos à fé que salva. Essa forma de escravidão se estendeu do século XV até o século XIX. Da mesma forma, essa forma de escravidão conviveu com a de modelo antigo, que continuou existindo até o século XX em algumas regiões da Europa. Talvez o caso mais emblemático é o da Suíça que, até a década de 1950 aceitavam as “verdingkinders” – crianças sob contrato. Trata-se de uma prática realizada por autoridades públicas que retiravam crianças de famílias pobres e mães solteiras e as vendiam para proprietários rurais e de fábricas, para quem deveriam realizar trabalhos forçados. Já o escravismo contemporâneo tem vinculação com o tráfico humano com vistas tanto à exploração econômica quanto sexual e tráfico de órgãos. O fato que relatamos no parágrafo anterior sobre a Suíça enquadra-se no que entendemos por escravismo contemporâneo. A lista de países que ainda mantém condições de escravidão é bastante extensa e abrange todos os continentes. A escravidão ainda é uma prática em países como a Índia, a China, a Nigéria, a Etiópia, a Rússia, a Tailândia, Bangladesh e o Brasil. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Global Slavery Index, estima- se que cerca de 30 milhões de pessoas vivam em condições de escravidão. Feitos esses esclarecimentos, passemos agora a tratar das relações entre trabalho e educação nas sociedades escravistas antigas, em particular, Grécia e Roma. As duas sociedades, além da escravidão como ponto em comum, eram, também, patriarcais. Nas duas sociedades, eram comuns os castigos físicos. Da mesma forma, havia a desvalorização do trabalho manual e valorização do trabalho intelectual. Ainda que restrita, a educação grega integral, isto é, objetiva a formação do corpo e da mente. A palavra escola vem de Scholé – lugar do ócio. Desta forma, era destinada apenas aos cidadãos e seus filhos, como aos 7 filhos dos ricos comerciantes. Porém, por ser uma sociedade patriarcal, há distinção entre a educação destinada aos homens e às mulheres. Enquanto aos homens eram destinados a educação para o viver publicamente, às mulheres a educação tinha por objetivo formar para os afazeres domésticos. Na Grécia Antiga, duas cidades-estados rivalizavam não somente pelo poder geopolítico, mas pelo modelo de sociedade adotado. Enquanto Esparta era militarista, Atenas estava mais voltada para as atividades comerciais, políticas e culturais. Em comum, o fato de o Estado assumir a educação das crianças a partir dos sete anos. Se em Esparta a educação militar acontecia a partir dos 12 anos, em Atenas havia uma divisão um pouco mais complexa. Enquanto a menina permanece no gineceu, o menino será alfabetizado, fará educação física e musical. A educação estava dividida em três etapas: elementar, onde aprenderá leitura e escrita; secundária, destinada aos filhos das famílias nobres, onde terá educação física, musical e literária, e, após os 16 anos, receberá a educação militar; e superior que, com abolição do serviço militar, aprendem filosofia e literatura. Já na sociedade romana, a formação é pragmática e voltada para aspectos do cotidiano. Da mesma forma que a grega, a educação da menina é diferente da do menino. No seu surgimento, tinha por objetivo perpetuar os valores patrícios. Assim, o menino aprendia a ler, escrever, contar, manejar armas e lutar. Na República, as escolas elementares ensinavam a ler e escrever. O contato com os gregos leva a uma educação literária. Durante o Império, a educação torna-se burocratizada e tinha por formar sujeitos para administrar o Império. É nessa época que o Estado assume o controle da educação. TEMA 3 – O TRABALHO E A EDUCAÇÃO NAS SOCIEDADES DE SERVILISMO A servidão é um sistema de organização econômica, política e social que foi característico da sociedade europeia, tendo surgimento com a desintegração do Império Romano e começado a desaparecer a partir do século XVI/XVII com o surgimento das primeiras manufaturas até o seu quase completo desaparecimento com a Revolução Industrial. Alguns historiadores afirmam que o regime de servidão também existiu em países como Índia, China, Tibet e Japão. Porém, outros afirmam que, em tais sociedades, apesar de haver uma certa proximidade com a servidão europeia, alguns fundamentos são distintos, como a posse da terra. Na Europa, o regime de servidão coexistiu com o de 8 escravidão, mas era distinto desse. Vejamos, agora, algumas características do regime de servidão e como a educação estava organizada nessas sociedades. Havia, basicamente, duas classes sociais. Os senhores feudais, constituído pelos nobres e pelo alto clero, e os servos, que estavam presos ao feudo e deviam prestar serviços ao seu senhor. Diferentemente dos escravos, os servos não eram comprados e vendidos, com algumas exceções na Inglaterra e na Rússia. No entanto, não podiam sair do feudo sem o consentimento de seu senhor, mas, também, não podiam ser expulsos por estes. A servidão era uma condição hereditária. Da mesma forma, ao terem a troca de senhor, eles passavam a pertencer ao novo proprietário do feudo. Na Europa Medieval, a posse da terra determinava a posição social. Diferentemente da escravidão, onde a relação é unilateral, na servidão a relação é bilateral, isto é, tanto o senhor quanto o servo tinham direitos e deveres, ainda que em desvantagem para o servo. Este, por exemplo, deveria trabalhar alguns dias da semana nas terras senhoriais – o manso senhorial – mas também recebia um lote onde poderiam morar e cultivar para a sua subsistência e a de sua família – o manso servil. Parte da produção, no entanto, deveria ser paga como arrendamento da terra. Além disso, o servo ainda outras obrigações para com seu senhor: construir pontes, estradas e servir como peões em guerras em que o senhor estava obrigado a participar. Outra característica da sociedade feudal europeia era o forte poder e influência religiosa,econômica e política da Igreja Católica. Desde que Teodósio Magno tornara o cristianismo a religião oficial do Império Romano no século IV, o cristianismo foi se tornando cada vez mais hegemônico não somente nos territórios do Império Romano, como também em boa parte da Europa. Com a queda do Império Romano do Ocidente, no entanto, o poder da Igreja Católica não diminuiu. Muito pelo contrário, passou a determinar cada vez mais a vida social naquele continente. Alguns historiadores chegam a afirmar que o catolicismo era o cimento que sustentava toda a sociedade feudal europeia. Além da religião, o catolicismo influenciava e determinava comportamentos culturais e morais. A perspectiva teológica predominante negava o corpo e valorizava o espírito. Isto porque, nesse período, o que importava era a vida após a morte. Os mosteiros e conventos conservavam os saberes e as obras greco-latinas. Da mesma forma, a educação estava restrita 9 a uma minoria da sociedade e, ainda assim, destinada à formação religiosa. Já o povo era educado por meio das cerimônias religiosas e a arte sacra das igrejas. Carlos Magno, no final do século VIII, havia conseguido reunificar parte do Império romano do Ocidente. Como forma de retomar os valores culturais latinos, construiu escolas objetivando retomar a literatura e as artes liberais. Essas escolas ficaram conhecidas como escolas palatinas, assim chamadas por se localizarem junto à corte e ao palácio real. O objetivo era instruir os leigos nas setes artes liberais: o Trivium, constituído de gramática, retórica e dialética, e o Quadrivium, geometria, aritmética, astronomia e música. Ao longo da Idade Média, também, podemos falar de três outras formas de escolas, mais voltadas para a vida religiosa ou atender os ofícios da Igreja Católica: as escolas catedrais, monacais e paroquiais. As primeiras tinham por função principal a formação de corais para as igrejas. As segundas tinham por objetivo, inicialmente, a formação de monges. Mais tarde, abriram-se para a educação dos filhos de reis e altos funcionários das cortes. Já as escolas paroquiais eram dirigidas por sacerdotes dessas paroquias e tinha por objetivo a formação religiosa, com base na Bíblia. A partir dos séculos X e XI, a Europa central passará por uma série de transformações, fruto das Cruzadas iniciadas no mesmo período que, de expedições militares e religiosas, transformaram-se em expedições comerciais e cultural. Com isso, provocará o renascimento das cidades e do comércio. Nesse contexto, as escolas seculares passaram a ter uma maior importância, principalmente pela atuação da classe social que começa a emergir e vê na educação uma forma de consolidar seus negócios e seu status social. As filhas da nobreza aprendiam a ler, escrever, realizar trabalhos manuais e as artes liberais. Já nos mosteiros, as meninas recebiam uma educação mais aprofundada. Por outro lado, os meninos, quase sempre, recebiam a formação nas corporações de ofício. O menino era encarregado a um mestre de ofício e este ensinaria a profissão, o alimentaria, hospedaria e educaria. Em troca, o menino aprendiz ajudava na oficina. Após um determinado tempo e, dependendo da idade e dos conhecimentos adquiridos, poderia prestar uma prova pública perante outros mestres de ofício e, se aprovado, estabelecer sua própria oficina. Outra alternativa de formação era a militar. 10 O renascimento comercial e urbano da Idade Média na Europa Central marca, também, o surgimento das primeiras universidades europeias: Bolonha, Oxford (XI) e Paris (XII) são as primeiras a aparecerem. A estrutura de ensino das primeiras universidades tem uma forte influência romana, bem como da educação praticada nos mosteiros pelas ordens religiosas. O Trivium e Quadrivium eram a base dos programas e inicialmente atendiam mais aos interesses de formação mercantil, dada a influência da burguesia mercantil nascente. Além disso, formavam para a atuação em Direito e Medicina. Além disso, também havia a formação religiosa em cursos de Teologia. Já o servo por conta de sua condição social é analfabeto pois o que interessava aos senhores feudais, sejam nobres ou o clero, é que apenas trabalhasse. Desta forma, qualquer formação escolar era entendida como sendo desnecessária. TEMA 4 – O TRABALHO E A EDUCAÇÃO NAS SOCIEDADES ASSALARIADAS O processo que levou à instalação e consolidação do capitalismo como sistema econômico, político e social remonta às transformações provocadas pelas Cruzadas dos séculos XI e XII da Europa até o Oriente Médio. Porém, os maiores impactos que transformaram a Europa definitivamente são a expansão marítima principalmente portuguesa e espanhola dos séculos XV e XVI; o Renascimento realizando o resgate das culturas greco-latinas e a mudança da mentalidade teocêntrica para uma mentalidade antropocêntrica; da reforma protestante, que contribuiu para a consolidação da burguesia como classe social; da contra reforma e da revolução científica que, aos poucos, irá desencantando o mundo que, assim como os gregos haviam feito às vésperas do nascimento da filosofia na Grécia Antiga, vão substituindo as explicações baseadas em crenças e superstições, por investigações racionais, lógicas e de caráter científico. Da mesma forma, do ponto de vista econômico, a riqueza deixa de ser vista como vinculada à posse da terra e passa a ser relacionada ao trabalho. Isto é, a origem da riqueza não estava na posse da terra, mas no trabalho, inclusive de cultivo da própria terra. O trabalho que, nas sociedades escravagistas e mesmo no sistema servil, era visto como degradante e, principalmente, o trabalho manual como sendo de menor importância é ressignificado e adquire o status de gerador de riqueza. Ainda que, com a Revolução Industrial, novamente 11 a divisão entre trabalho manual e intelectual seja reafirmada e o segundo valorizado em detrimento do primeiro. A produção artesanal começa a ser substituída pelas primeiras manufaturas, que deram origem às primeiras fábricas. O artesão começa a ser expropriado de seu saber e, aos poucos, assim como os camponeses que vão sendo expulsos aos poucos do campo, constituirão a mão-de-obra assalariada que se aglomerará nos bairros operários ao redor das fábricas que vão surgindo nos séculos XVIII e XIX. Sobre esse processo de expropriação é interessante nos determos um pouco, pois algumas dessas transformações terão relação com a educação que vai surgindo com a nova sociedade e seus propósitos. No trabalho artesanal, o mestre de ofício, além de deter todo o conhecimento necessário para o exercício de sua profissão, era dono de seu tempo e do local de trabalho; das ferramentas utilizadas no exercício de sua profissão, bem como dos resultados de seu trabalho. Além disso, era ele quem qualificava os futuros profissionais de um determinado ofício. Porém, com o surgimento do trabalho assalariado, o operário não domina mais todo o processo produtivo, não é dono de seu tempo, nem das ferramentas que utiliza para trabalhar, muito menos do resultado de seu trabalho. É dono apenas de sua força de trabalho, que a vende a um terceiro em troca de um pagamento que é bem inferior ao que produz. Para essa nova organização econômica, social e política que surge, é necessária a formação de novos sujeitos. Nos primeiros séculos da era moderna e surgimento da era contemporânea, acontecerá a passagem de uma escola tradicional ainda inspirada, de certa forma, nos valores escolásticos, para uma escola ainda tradicional, mas que já anuncia alguns ares de modernidade. Assim é que vemos o nascimento dos primeiros colégios leigos e que tinham por objetivo educar os filhos da pequena nobreza e da burguesia nascente. A disciplina rigorosa e os castigos físicos ainda estarão presentes, ainda que surjam propostas em sentido contrário.É o caso, por exemplo, do educador suíço Johann Heinrich Pestalozzi (XVIII), que defendia o amor e os afetos como ingredientes fundamentais no processo ensino-aprendizagem. O currículo é composto pelo Trivium e Quadrivium. O Latim é a língua ainda oficial nas escolas e há um certo desprezo pelas línguas maternas. Algo que aos poucos irá mudar, a partir do momento em que surgem as primeiras críticas à escola tradicional. 12 Vale lembrar que, com a Reforma Protestante iniciada com Martin Lutero, a valorização das línguas nacionais havia sido iniciada. Porém, ainda levará mais alguns anos até a consolidação dessa nova mentalidade. Aliás, até mesma na educação Lutero revolucionava. Ele já propunha uma escola para todas, mas ainda dualista: uma escola para os filhos dos trabalhadores, com uma educação básica e, uma outra para os filhos dos nobres e burgueses, com o ensino de caráter propedêutico e universitário. A educação, no entanto, deveria ser universal e pública. Ao mesmo tempo, condenava os castigos físicos e o verbalismo. Por outro lado, a Ratio Studiorum será o contraponto ao protestantismo na educação. Dividindo o estudo em Studia Inferiora – gramática, humanidades e retórica (3 anos) e Studia Superiora – Teologia e ciências sagradas (4 anos) – a Ratio Studiorum ainda propunha um ensino tradicional e próximo do que fora a escolástica. Tanto que o Latim era a língua oficial e as obras greco-latinas eram obrigatórias. Por outro lado, novas ideias vinham propor a atualização da educação. É o caso, por exemplo, do empirismo lockeano que, fazendo o contraponto ao idealismo cartesiano, bem como à filosofia escolástica, passa a influenciar a educação. Um exemplo dessas novas ideias na educação é a Didática Magna de João Amós Comenius (XVII). Nela propõe-se uma síntese duas ideias epistemológicas predominantes no nascimento da era moderna: o idealismo cartesiano e o empirismo lockeano: se há um método para conhecer, há um método para ensinar e, a experiência é o caminho para ensinar-aprender. Da mesma forma, na nova educação, há o incentivo para a instrução das mulheres. No entanto, para além do básico, somente para aquelas que demonstrarem excepcionalidade. Nesse período, outros pensadores refletem sobre a educação do cidadão e de como essa deveria ser. É o caso, por exemplo, de Jean-Jacques Rousseau que, partindo da ideia de uma bondade original do ser humano, propõe uma educação que preserve essa bondade original. Da mesma forma, Immanuel Kant defende a educação como forma de se alcançar a maioridade por meio do esclarecimento. Outras ideias que são defendidas nesse período são: a educação como responsabilidade do Estado, a obrigatoriedade e gratuidade do ensino básico. O contexto é o do nascimento das indústrias e essas precisam de mão de obra 13 disciplinada e qualificada. Cabe, portanto, à escola educar e disciplinar essa mão-de-obra. Um dos pensadores do século XX que realizam um excelente estudo de como as escolas cumpriram esse papel foi Michel Foucault na obra Vigiar e Punir. Nela, Foucault analisa de que maneira a escola contribuiu para o processo de docilização dos corpos com vistas a educá-lo para as necessidades do novo sistema produtivo que se consolidava. TEMA 5 – O TRABALHO E A EDUCAÇÃO NAS SOCIEDADES COLETIVISTAS Primeiramente, precisamos esclarecer alguns conceitos e fundamentos sobre o que entendemos por coletivismo. Por coletivismo entendemos a ideia de que os indivíduos de uma determinada sociedade valorizam muito mais os aspectos coletivos do que os individuais. Percebe-se que há uma interpendência entre os indivíduos dessa mesma sociedade. Da mesma forma, compreendemos que o coletivismo é algo natural entre os seres vivos. Aliás, que é graças ao coletivismo que os seres vivos sobrevivem. Por exemplo, quando observamos os mais diferentes seres vivos na natureza, ainda que possamos perceber entre eles alguns indivíduos que tendem ao individualismo, o mais comum é a atuação gregária. Os estudos arqueológicos e antropológicos têm demonstrado que os primeiros seres humanos eram coletivistas. O que não impedia que existissem conflitos entre os indivíduos do grupo ou entre grupos distintos. Podemos distinguir dois tipos de coletivismo: o natural e o cultural. O primeiro acontece de forma espontânea e, podemos dizer, faz parte da própria natureza dos seres vivos. Ainda que possamos identificar entre pensadores de diferentes períodos a ideia de egoísmo entre os seres humanos, porém apontamos uma contradição interna ao próprio pensamento desses: se, por exemplo, os seres humanos fossem egoístas e individualistas, diante de tantos conflitos e guerras que realizamos, já teríamos desaparecidos como espécie. O que não significa que, nas mais diferentes sociedades, não tenham existido aqueles que eram individualistas e egoístas. Da mesma forma, há que se distinguir individualismo de individualidade. Enquanto na primeira perspectiva importa apenas os interesses egoístas do indivíduo, na segunda os interesses individuais não são esquecidos, mas, importam, inclusive dentro do contexto dos interesses coletivos. E, este, são mais importantes do que os individuais. 14 Já o coletivismo cultural é uma concepção filosófica, política e econômica que foi defendida por diferentes sociedades e em diferentes épocas. Nessa perspectiva, a ideia de coletivismo é intencionalmente proposta. Enquanto no coletivismo natural o mesmo acontece de forma espontânea, o cultural é sistematicamente pensado. Como fundamento disso, há uma ideologia1 que lhe dá suporte. No entanto, ainda que possamos identificar a ideia de igualitarismo nos sistemas coletivistas, ao longo da história tivemos algumas propostas até certo ponto coletivistas também se fundamentavam em ideologias políticas autoritárias e fascistas. É o caso, por exemplo, do nazifascismo e do stalinismo. Desta forma, podemos falar de um coletivismo que se orienta numa perspectiva vertical e, nesse caso, propõem ou são propostos por sociedades extremamente autoritárias, e de uma perspectiva horizontal, onde a ideia de equidade e autogestão são as bases ideológicas sobre as se assentam. Ao longo da história humana, podemos identificar algumas experiências coletivistas, tanto espontâneas como pensadas intencionalmente. Na Antiguidade, por exemplo, pelos estudos arqueológicos, podemos falar de sociedades coletivistas entre os primeiros seres humanos. Porém, nessas mesmas sociedades, por exemplo, já estava presente a divisão sexual do trabalho, ainda que todos os indivíduos trabalhassem para que todos pudessem se beneficiar. Mais recentemente, identificamos propostas já com intencionalidade filosófica e política, tais como o Anarquismo, o Socialismo, o Comunismo e a Democracia. Ainda que possamos identificar alguns problemas nessa proposta de sociedade, como nos referimos anteriormente, por exemplo, nas propostas dos regimes totalitários e regimes nacionalistas. Da mesma forma, um outro problema que podemos problematizar é a relação indivíduo-sociedade, onde está supervalorizada e superdimensionada em detrimento daquele. Na ótica liberal, por exemplo, o coletivismo sufoca a individualidade. Outra linha de reflexão é a realizada pela ótica socialista, para quem o capitalismo é um coletivismo disfarçado de sistema de indivíduos livres. Da mesma forma, tanto os ideólogos do capitalismo como do socialismo criticam que as sociedades coletivistas são nacionalistas, autoritárias e totalitárias. 1 Por ideologia não tomamos, necessariamente, algo bom ou ruim, mas, como um conjunto de ideias que orientam/justificam/legitimam as ações de pessoas e/ou grupos numa determinada sociedade e/ou momento histórico. 15 Mas como a educação é pensada nessas sociedades e de que maneira essa vincula-se com o mundo do trabalho? Na antiguidade,da mesma forma que as atividades econômicas organizavam-se a partir da ideia colaborativa, a aprendizagem dava-se por imitação, acontecia de forma não intencional/formal e as aprendizagens eram sempre práticas. Nas experiências comunistas, por exemplo, pelo fato de ser uma proposta de sociedade coletivista, propunha-se que as possibilidades fossem iguais para todos os indivíduos dessa mesma sociedade, tendo a Ciência como orientadora e buscando a superação das dificuldades na relação prática-teoria-prática. Da mesma forma, quanto à educação, a proposta era a politécnica – com uma clara vinculação com o trabalho produtivo. Da mesma forma, os intelectuais e defensores do anarquismo também propõem uma educação tanto para a formação por meio de valores humanistas, como, também, vinculada ao mundo do trabalho. Inspirados pelas ideias libertárias de Francisco Ferrer y Guardia, os anarquistas fundaram várias Escolas Modernas em São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Pará, Rio Grande do Sul e Ceará já no início do século XX. Porém, cerca de 20 anos depois, já sob o governo de Arthur Bernardes, as Escolas Modernas foram cassadas. NA PRÁTICA No final do século XIX, vários dos imigrantes italianos e espanhóis que vieram para o Brasil eram partidários da ideologia anarquista. Influenciados por essas ideias tiveram forte atuação na cultura, na política e, principalmente, no surgimento e desenvolvimento do sindicalismo operário brasileiro. Já no começo do século XX, foram responsáveis pela criação de várias escolas a partir do pensamento pedagógico de Francesc Ferrer y Guàrdia. Faça uma pesquisa sobre essas escolas e a importância delas para a formação da sociedade brasileira. FINALIZANDO Nesses estudos, tivemos por objetivos iniciais refletir sobre algumas perspectivas para o estudo de história. Isso para deixar explícito a epistemologia orientadora das nossas reflexões. Em seguida, retomamos o nosso estudo sobre 16 o trabalho e a educação ao longo da história, percorrendo os principais períodos da história da humanidade, destacando alguns pontos que consideramos relevantes para o nosso estudo. Dessa forma, começamos pela antiguidade, passando pelas sociedades escravagistas, as sociedades de servilismo, as sociedades assalariadas e as sociedades coletivistas. Não tínhamos por objetivo tratar de forma exaustiva, mas indicar alguns tópicos de reflexões que merecem ser aprofundados como forma de compreender as relações entre educação e trabalho ao longo da história e das sociedades. 17 REFERÊNCIAS MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2007.
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