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AULA 4 EPISTEMOLOGIA GENÉTICA Prof. Adjuto de Eudes Fabri 2 INTRODUÇÃO A epistemologia genética valoriza todo o processo de desenvolvimento infantil, desde o estágio sensório-motor ao estágio operatório-formal, em que se observa a construção da estrutura cognitiva, destacando-se a abstração. A abstração ocorre com base no raciocínio que se faz diante de um problema, avaliando-se aspectos relevantes e irrelevantes em busca de uma solução. A imaginação implica na representação da realidade, a qual possibilita o desenvolvimento de conceitos que auxiliam a ação e a tomada de decisão. Sobre isso, Piaget e Inhelder (1975, p. 301) afirmam que: Construir esquemas relativos às ações do sujeito tanto como às propriedades do objeto. De um modo mais geral, ainda, as qualidades comuns em que se baseia uma classificação são comuns na medida em que a ação do sujeito as põe em comum, tanto como na medida em que os objetos possibilitam este pôr em comum. (Piaget; Inhelder, 1975, p. 301) Além disso, salientam (1975, p. 301) que “a abstração consiste em acrescentar relações ao dado perceptivo e não apenas em extraí-las dele. Reconhecer a existência de qualidades comuns, como quadrado, redondo, grande ou pequeno”, ou seja, a criança age diante dos objetos com tentativas constantes para compreendê-lo e assim passa a produzir suas abstrações acerca da realidade. TEMA 1 – ABSTRAÇÃO EMPÍRICA A abstração se caracteriza por elaboração, construção e organização das estruturas mentais com base nas ações realizadas pela criança diante de sua interação com os objetos. Piaget (1995) estabeleceu dois tipos de abstração: a abstração empírica, cuja característica é sensorial; e a abstração reflexionante, que tem sua base no pensamento. Neste tópico, é apresentada a abstração empírica. 1.1 Abstração empírica e materialidade A abstração empírica se constrói na materialidade da ação e nos objetos físicos. A criança age e retira do objeto as informações necessárias para o seu uso. Quando age, informações inicialmente superficiais são retiradas dos objetos pelo envolvimento empírico da criança. Ou seja, ela replica o conhecimento que é 3 produzido em seu meio, embora não aprofunde os elementos que envolvem o problema: a lua é prateada, as nuvens flutuam no céu ou as árvores são verdes. O que predomina para a criança na abstração empírica são as características aparentes que o objeto apresenta e seus aspectos físicos. Piaget (1995, p. 5) considera que “no processo de abstração empírica o sujeito busca alcançar o dado que lhe é exterior”, como a cor, o peso ou a forma. Esse processo, continua Piaget (1995, p. 5), “visa a um conteúdo em que os esquemas se limitam a enquadrar formas que possibilitarão captar tal conteúdo”. 1.2 Abstração empírica e o mundo real A abstração empírica é dependente do mundo real e da ação da criança, que, ao agir, retira informações de uma determinada situação-problema, elaborando questionamentos e produzindo entendimentos sobre o objeto de investigação. Esse tipo de abstração ainda é elementar, pois a criança ainda não é capaz de formar caminhos seguros que envolvam o domínio do conhecimento. Piaget (1995, p. 278) salienta que a abstração empírica “se limita a acolher, dentre os observáveis perceptíveis, aqueles que respondem a uma dada questão”. A questão destacada no processo que envolve a abstração empírica abrange o domínio por parte da criança das propriedades de um objeto, como: textura, forma, tamanho, cor (entre outras). A experiência física dá a dimensão de ação que a criança venha a ter em sua realidade, construindo abstrações genéricas e informais do processo que realiza. 1.3 Abstração empírica e as ações Na abstração empírica, a criança pode elaborar ações que ampliem a dimensão de entendimento sobre um objeto, entretanto isso não possibilita a ela um aprofundamento sobre as propriedades que envolvem o fenômeno, ficando na superficialidade do problema. Apesar dessa superficialidade, a criança, ao agir sobre o objeto, demonstra um processo criativo na leitura do fenômeno, mesmo que emerjam dele sensações e percepções aparentes e imediatas. É a abstração empírica que permite o surgimento da abstração reflexionante, que de uma característica genérica sobre um objeto avança para 4 um domínio superior de leitura de realidade, com aprofundamento em relação aos fenômenos produzidos no mundo. TEMA 2 – ABSTRAÇÃO REFLEXIONANTE Piaget (1995) subdivide a abstração reflexionante em duas modalidades, são elas: abstração pseudoempírica e abstração refletida. Neste tópico são apresentados os conceitos que definem cada uma delas. 2.1 Abstração reflexionante A abstração reflexionante tem por base as ações da criança, bem como seus resultados, diante da compreensão detalhada sobre um fenômeno e também em relação à produção de um novo entendimento sobre o mundo real. Piaget (1995, p. 278) aponta que a abstração reflexionante “comporta uma atividade contínua, que pode permanecer inconsciente, a começar pelas coordenações sobre as quais ela influi, mas cujas realizações atingem, a partir de um certo nível, tomadas de consciência complexas”. As capacidades cognitivas estão diretamente envolvidas com a abstração reflexionante, pois permitem uma avaliação qualitativa sobre um fenômeno e uma ação qualitativa diante do objeto, com ações ordenadas. A abstração reflexionante ocorre internamente na criança e não é possível ser observada, pois a criança elabora em um nível superior o que está presente na realidade, analisando o fenômeno mentalmente em relação aos comportamentos que anteriormente, sob domínio da abstração empírica, dependiam de uma ação imediata. Esse processo interno permite a ação criativa e inovadora por parte da criança. A criança desenvolve no processo reflexionante uma ação mental para organizar e reorganizar comportamentos, possibilitando superar uma ação que anteriormente exigia uma resposta imediata. Assim, ela estabelece um domínio superior para agir de modo adequado diante de um problema, reconhecendo aspectos complexos de um objeto por meio de uma reflexão elaborada. No reflexionamento, o conteúdo elaborado pela criança passa por construções e reconstruções que, sucessivamente, vão ampliando seu entendimento do mundo de modo infinito, sem que se possa delimitar onde se inicia o processo de abstração. Piaget (1995) considera que: 5 O desenvolvimento da abstração reflexionante acarreta, sempre mais, a construção de formas em relação a conteúdos, formas estas que podem dar lugar, seja à elaboração de estruturas lógico-matemáticas, seja a essas “atribuições”, aos objetos e a suas conexões, nas quais consiste a explicação causal em física. (p. 277) Esse tipo de abstração remete ao processo de abstração lógico- matemático, pois implica em ações coordenadas para elaboração e resolução de um problema, que – por sua vez – remete ao plano das representações. À medida que toma conta das ações da criança, a abstração reflexionante apresenta um refino em suas análises e aprofunda seu conhecimento sobre os objetos investigados. 2.2 Abstração pseudoempírica Piaget (1995) caracterizou duas variações para a abstração reflexionante, são elas: abstração pseudoempírica e abstração refletida. A abstração pseudoempírica tem por base os resultados de uma ação observável e explicativa. Nela é possível perceber o uso de conceitos por parte da criança na sua relação com o objeto, mesmo que a criança ainda não domine e assimile de modo aprofundado as qualidades que o objeto possui. 2.3 Abstração refletida Já a observação refletida é consciente e implica na tomada de consciência por parte da criança. Ou seja, pode-se afirmar que a abstração refletida é a consequência da abstração reflexionante, o que permite o processo de consciência sobrea realidade, com entendimento aprofundado sobre o processo e o resultado de uma determinada ação. Piaget (1995) observa que: Quando o objeto é modificado pelas ações do sujeito e enriquecido por propriedades tiradas de suas coordenações (p. ex., ao ordenar elementos de um conjunto), a abstração apoiada sobre tais propriedades é chamada de ‘pseudo-empírica’, porque, ao agir sobre o objeto e sobre seus observáveis atuais, como na abstração empírica, as constatações atingem, de fato, os produtos das coordenações de ações do sujeito: trata-se, pois, de uma caso particular de abstração reflexionante e, de nenhum modo, de uma decorrência da abstração empírica. (Piaget, 1995, p. 274) Na epistemologia genética, a abstração reflexionante é a base do processo que explica a ação do sujeito para a construção de novos conhecimentos e para 6 a elaboração criativa que implica em uma ação diferente daquela que a criança apresentava até então diante do objeto. Todo o processo de abstração, seja pseudoempírico ou refletido, deve ser entendido como um processo em continuidade, pois há uma passagem da elaboração geral e inespecífica para uma elaboração detalhada e com definições de causa e efeito acerca de um problema. TEMA 3 – REFLEXIONAMENTO O reflexionamento se caracteriza como um processo regular de reconstrução do conhecimento, que, com base em uma experiência anterior com um problema ou objeto, permite um novo olhar e um novo resultado que orienta o processo cognitivo e as análises qualitativas da criança. Como um processo básico, o reflexionamento indica a evolução do processo de análise e reflexão por parte da criança, que, durante “o desenvolvimento da abstração reflexionante acarreta, sempre mais, a construção de formas em relação aos conteúdos” (Piaget, 1995, p. 277). A reflexão orienta e conduz o modo de ação que a criança venha a ter diante de um problema, com a presença de hipóteses consistentes para uma boa resolução. 3.1 Patamares do reflexionamento Piaget (1995) estabeleceu cinco patamares que envolvem o processo de reflexionamento. O primeiro patamar se caracteriza como o início de conceituação, em que um reflexionamento elementar orienta e conduz ações para a representação da realidade atual. Becker (2012) salienta que: A metáfora “patamar superior”, utilizada por Piaget significa que conhecimentos de menor complexidade são reconstruídos, dando origem a sínteses de maior complexidade e abrangência. Por exemplo, após realizar numerosas operações de soma, subtração, multiplicação e divisão, o sujeito, mediante tomadas de consciência, pode construir uma síntese nova pela qual unifica todas essas operações fazendo surgir um novo conceito – a aritmética. Esse conceito tem o poder de redimensionar as operações de tal forma que, para esse sujeito, elas não serão mais as mesmas; com essa compreensão ele poderá construir a álgebra etc. de ainda maior complexidade e abrangência. (p. 36) Esse patamar apresenta uma característica de integração, em que novas estruturas se organizam e dão base ao próximo processo cognitivo. A criança faz 7 uso do conhecimento adquirido e constrói com eles novas possibilidades de solução a um problema. A conceituação implica em uma nova ordem de construção e de sucessão que depende da continuidade representativa do mundo, o que possibilita "a existência de patamares integrativos sucessivos correspondendo ao acabamento de cada estádio observável no desenvolvimento” (Dolle, 1993, p. 20). O segundo patamar aborda a reconstituição das ações de modo coordenado e em sua sequência. É uma elaboração de conjunto, que, de acordo com Piaget e Inhelder (2003, p. 130), “não se substituem umas às outras: cada uma resulta da precedente, integrando-a na qualidade de estrutura subordinada, e prepara a seguinte, integrando-se a ela mais cedo ou mais tarde”. Assim, o conhecimento anterior tem origem em uma atividade já realizada, que possibilita a construção e a reconstrução de um conhecimento mais elaborado em relação ao conhecimento inicial. No terceiro patamar, o elemento que sobressai é o das comparações. A criança analisa ações já realizadas e observa seus resultados, comparando-as. Esse processo pode ser espontâneo, pois a criança passa a operar regularmente uma estrutura avaliativa sobre o que observa em seu meio. É importante ressaltar que cada criança desenvolve esquemas analíticos em conformidade com sua experiência anterior, que não permitem a comparação entre crianças em uma mesma faixa etária, mas o que deve ser validado é o modo como a criança estabelece suas comparações com base no conhecimento pessoal adquirido. Já o quarto patamar se caracteriza pela construção do conhecimento em estruturas comuns e não comuns. Quando a criança apresenta um insight sobre determinado problema que não compreendia anteriormente, está construindo um conhecimento de modo progressivo em sua interação com o objeto, considerando aspectos de sua particularidade que envolvem a leitura do problema. O modo de resolver um problema é intencional e pode ter caminhos comuns ao modo como outras crianças resolvem o mesmo problema ou pode apresentar caminhos não comuns e peculiares às motivações de cada criança. Assim, o processo depende da maneira como um problema repercute na elaboração do sujeito e ao modo como ele vai agir de acordo com sua intencionalidade. O quinto patamar é o pensamento reflexivo, que envolve reflexões sobre reflexões. Piaget (1995, p. 275) salienta que “novos patamares de ‘reflexionamentos’ constroem-se, portanto, sem cessar, para permitir novas 8 ‘reflexões’”. Além disso, Piaget (1995) considera que: Psicologicamente, cada nova reflexão supõe a formação de um patamar superior de “reflexionamento”, onde o que permanecia no patamar inferior, como instrumento a serviço do pensamento em seu processo, torna-se um objeto de pensamento e é, portanto, tematizado, em lugar de permanecer no estado instrumental ou de operação. (p. 275) Montangero e Maurice-Naville (1988, p.135) destacam que a “aparição de numerosas possibilidades intelectuais novas pode ser vista como a reconstrução, em um plano mais complexo, de aquisições anteriores”. Desta forma, os patamares vão se formando com base no grau de maturidade da criança, que se depara com reflexões, novas reflexões e reconstruções de conceitos, possibilitanto a inovação e criativade de suas ações. 3.2 Reflexionamento: níveis de criatividade (1 a 5) O reflexionamento está vinculado ao progressivo avanço da criatividade na criança e pode ser caracterizado em diferentes níveis. O primeiro nível aborda o modo como a criança amplia sua análise ao diferenciar um modo de resolução de problema em relação a outros modos, tendo por base formas qualitativas de representação e pensamento sobre a realidade, fazendo com que ela amplie seus conceitos, seus conhecimentos e sua consciência. No segundo nível, o destaque é a tomada de consciência. Esse processo não é completo em si mesmo, pois muitas deformações iniciais acontecem, por exemplo: ao explicar um fato, a criança pode apresentar uma ordem ou informações que foge do contexto da situação vivida, com descrições incompletas, embora procure ser fiel ao que aconteceu. O terceiro nível enfatiza a ordenação adequada na descrição de uma situação. A ordem é um processo reflexionante que auxilia no entendimento da ação realizada pela criança e que possibilita melhor entendimento não só a ela, mas também à outra pessoa sobre aquilo que foi realizado. Já o quarto nível tem por base a conceituação consciente. Esse processo faz com que a criança passe a trabalhar com comparações que progridem com base em três características: diferenças, correspondências e semelhanças. Em relação às diferenças, a conceituação consciente enfatiza os elementos que compõem cada problemae os observa em suas particularidades. Nas 9 correspondências, a conceituação consciente valoriza as ações similares para resolver problemas diferentes. E, nas semelhanças, a conceituação consciente destaca o processo de abstração sobre o problema na busca de uma resposta adequada. O quinto nível tem como ponto central as estruturas qualitativas, que dependem das abstrações regulares na compreensão e na resolução de um problema, mas que, comparativamente, podem ser aplicadas a outros problemas com os quais a criança se depara. 3.3 Reflexionamento: níveis de criatividade (6 a 10) Além dos níveis citados anteriormente, outros níveis colaboram com o reflexionamento e com a produção da criatividade, como ocorre com o sexto nível, que valoriza a construtividade e as qualidades positivas de uma determinada situação. A criança ainda não consegue elaborar uma percepção de ausência de um objeto, embora esse processo venha a ocorrer posteriormente quando a abstração reflexionante vier a possibilitar um avanço qualitativo na compreensão de diferenças e similaridades. Por enquanto, nesse nível, a construtividade é prevalente. No sétimo nível, Piaget (1995, p. 281) salienta que a construção “por abstração, da negação, no plano das formas e não somente dos conteúdos empíricos” possibilita a construtividade de quantificação e de reversibilidade. Aqui a negação ganha espaço na elaboração cognitiva e permite o refazer das ações, tanto no plano motor (operatório-concreto) como no plano mental (operatório- formal). O oitavo nível se estabelece na relação entre abstração refletida e a abstração reflexionante, cuja ênfase ocorre no estágio operatório-formal, com o domínio do pensamento lógico-matemático e do pensamento hipotético-dedutivo. Nesse nível, a criança passa a elaborar sua criatividade com base em novas elaborações em relação aos problemas já conhecidos por ela. No nono nível ocorre a metarreflexão sistemática, que é caracterizada por Piaget (1995, p. 281) como “a elaboração de um pensamento reflexivo”. Ou seja, no desdobramento criativo, o sujeito passa a construir operações cognitivas sobre operações cognitivas, gerando novas formas de atuação diante de um problema ainda desconhecido em sua resolução. 10 E no décimo nível, a ênfase ocorre na “busca da razão das coisas” (Piaget, 1995, p. 282). Neste nível, a abstração reflexionante se torna dominante em relação à abstração empírica, e o sujeito passa a operar em um processo de racionalidade que coordena suas ações, com pleno domínio da metarreflexão. TEMA 4 – O PROCESSO EPISTEMOLÓGICO DA NOVIDADE Quando se depara com o mundo, a criança inicia um processo de conhecimento e descoberta, desenvolvendo sua interação com o meio e estabelecendo relações. Ela age e em seus movimentos começa a organizar o mundo à sua volta, construindo o processo epistemológico que envolve as novidades provenientes de seu meio. Piaget (2007, p. 4) salienta que a novidade é produzida pela ação da criança, que, ao observar o que lhe chama a atenção, passa a agir no mundo, pois avança de um conhecimento “mais pobre para um saber mais rico (em compreensão e extensão)”. Um conhecimento elementar (“mais pobre”) avança em direção a um conhecimento aprofundado (“mais rico”) desde que a criança se depare com uma novidade que a impulsione para compreender o que é o objeto. O processo de produção de conhecimento aprofundado e científico tem como elemento central a epistemologia, que, por sua vez, está na base da produção que envolve a novidade. E a novidade, ao chamar a atenção da criança, faz com que ela se envolva nos processos de abstração, tanto empírico quanto reflexionante, abrindo o caminho para novas descobertas. 4.1 A novidade e o desenvolvimento cognitivo A criança diante do mundo, em seus primeiros dias de vida, não se diferencia dos objetos, e seu corpo também é um objeto. Porém, com o passar do tempo, ela vive uma revolução. Piaget (2007) denominou essa revolução como copérnica e destacou que no Intervalo de um a dois anos consuma-se, com efeito, mas ainda somente no plano dos atos materiais, uma espécie de revolução copernicana que consiste em descentrar as ações em relação ao próprio corpo, em considerá-lo um objeto entre outros no espaço que os contém a todos, e em ligar as ações dos objetos sob o efeito das coordenações de um sujeito que começa a conhecer-se enquanto fonte ou mesmo enquanto senhor de seus movimentos. (Piaget, 2007, p. 11) 11 À medida que a criança passa a se diferenciar do objeto, ela produz uma novidade em seu desenvolvimento, pois esse processo amplia seu desenvolvimento cognitivo. Além disso, o avanço mental implica em novas leituras da realidade e dá sustentação epistemológica para a elaboração do saber científico e histórico. 4.2 A novidade e o construtivismo A epistemologia genética considera que a novidade é produto da ação e da construção direta e contínua do sujeito cognoscente. O sujeito desde sua infância age no mundo construindo um saber novo com base no conhecimento anterior, e esse processo dá base para uma perspectiva construtivista do desenvolvimento humano. O conhecimento antigo orienta a elaboração do conhecimento novo, que é construído pelo sujeito em sua ação com o objeto e na busca por uma resposta que possibilite o entendimento do processo realizado. Epistemologicamente, o conhecimento antigo foi um conhecimento novo e ao mesmo tempo ele é base para a construção de novas elaborações. Piaget (2007, p. 3) considera que “jamais existem começos absolutos” e que todo processo é um recomeço de novas elaborações e com base no modo de agir da criança diante de sua intencionalidade no mundo. TEMA 5 – AÇÃO E DESENVOLVIMENTO COGNITIVO A teoria piagetiana é uma teoria da atividade e por isso tem a ação como elemento fundamental para o desenvolvimento infantil, pois as ações demonstram o grau cognitivo de organização da criança. Piaget (1978a) salienta que o desenvolvimento da criança não ocorre de modo desordenado ou caótico, mas com uma organização particular e pessoal que dá a ela todo um domínio de seu processo mental diante dos problemas que enfrenta. A ação não pode ser reduzida aos resultados em si, ela é um processo que vai se construindo continuamente na relação das estruturas biológica e lógica com as estruturas interna e externa, possibilitando o desenvolvimento cognitivo. Assim, a criança é ativa e é protagonista no domínio do conhecimento, pois ao interagir com o objeto ela vai estabelecendo domínios compreensivos e atua sobre seu 12 próprio processo de aprendizagem, descobrindo seus próprios caminhos cognitivos que a levam ao domínio de suas ações. 5.1 Ações simbólicas As ações da criança diante dos problemas que enfrenta já demonstra o grau de seu domínio cognitivo e de seu processo de adaptação. A adaptação é tanto biológica quanto intelectual e demonstra o modo como o sujeito lida com o mundo, com base nas influências que gera bem como das influências que sofre no processo de interação. O domínio intelectual é interativo e depende de uma ação ativa por parte da criança, sendo ela capaz de modificar o seu meio transformando-o e consequentemente transformando a si mesma. Piaget (1976) considera que: Por mais diversos que sejam os fins perseguidos pela ação e pelo pensamento (modificar objetos inanimados, os vivos ou a si próprios, ou simplesmente compreendê-los), o sujeito procura evitar a incoerência e tende, pois, sempre na direção de certas formas de equilíbrio, mas sem jamais atingi-las, senão às vezes, a título de etapas provisórias, mesmo no que concerne às estruturas lógico-matemáticas, cujo fechamento assegura a estabilidade local, sobre novos problemas, devido às operações virtuais que se torna possível construir sobre as precedentes. (p. 156) Ouseja, à medida que entende suas ações, a criança elabora o conhecimento e, com isso constrói, sua própria inteligência. Desta forma, a criança organiza o mundo e avança em seu desenvolvimento cognitivo, tendo por base a ação motora. Do movimento é que a ação simbólica se constrói, o que possibilita a modificação da estrutura interna da criança, sendo que esse processo ocorre de modo dinâmico e ao longo da vida do sujeito. Contudo, à medida que o caminho intelectual se solidifica, o sujeito passa a apresentar domínio maior das operações lógico-matemáticas, que possibilitam abstrair a realidade e atuar em um nível de ações simbólicas durante o processo de conhecimento, a produção de novidades e a elaboração do pensamento científico. 5.2 O ato de conhecer O processo de conhecimento envolve ações que impliquem no domínio das relações com os objetos, mesmo que esse domínio inicial não seja completo, mas o caminho para um aprofundamento começa a ser estabelecido. Ramozzi- 13 Chiarottino (1984, p. 47) destaca que “conhecer não é simplesmente contemplar, imaginar ou representar o objeto; conhecer exige uma ação sobre o objeto para transformá-lo e para descobrir as leis que regem suas transformações”. Assim, a criança constrói em cada situação uma superação do que é óbvio em termos de resolução de um problema já conhecido e passa de um domínio aparente para explicações aprofundadas e que possam ampliar a busca por novas possibilidades de conhecer. O ato de conhecer é voluntário e intencional e produz a autonomia da criança diante das descobertas que faz, o que lhe possibilita pensar cientificamente o mundo com base em processos hipotéticos-dedutivos. 5.3 Caminhos para o conhecimento O modo como o conhecimento acontece não se baseia em um sujeito consciente de si, e, além disso, Piaget (1990) completa argumentando que também não advém do objeto já constituído. O conhecimento é resultado das ações e das interações entre a criança e o ambiente, que por sua vez são interdependentes. Para ele (1978b, p. 176), o fazer (a ação) é a condição necessária para conhecer e compreender, pois “fazer é compreender em ação uma dada situação em grau suficiente para atingir os fins propostos”. O caminho para conhecer é depende do grau de maturidade neurocognitiva da criança e do seu modo de compreender novas situações vividas. Piaget (1978b, p. 176) considera que “compreender é conseguir dominar, em pensamento, as mesmas situações até poder resolver os problemas por eles levantados, em relação ao porquê e ao como das ligações constatadas e, por outro lado, utilizadas na ação”. O conhecimento é fruto da lógica atribuída pela criança diante de um problema, e essa lógica é inerente à criança, porém é construída passo a passo por suas ações e compreensões. Mesmo que a lógica infantil seja diferente da lógica adulta, ela leva o sujeito a elaborar seu conhecimento sobre a realidade, sendo que na criança há um domínio do pensamento operatório-concreto e no adulto há o domínio do pensamento operatório-formal. 14 REFERÊNCIAS BECKER, F. A epistemologia do professor de matemática. Petrópolis: Vozes, 2012. DOLLE, J.-M. Para além de Freud e Piaget: referenciais para novas perspectivas em psicologia. Petrópolis: Vozes, 1993. MONTANGERO, J.; MAURICE-NAVILLE, D. Piaget ou a inteligência em evolução. Porto Alegre: Artmed, 1998. PIAGET, J. A equilibração das estruturas cognitivas: problema central do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. _____. O nascimento da inteligência na criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1978a. _____. Fazer e compreender . São Paulo: Melhoramentos; EDUSP, 1978b. _____. Abstração reflexionante: relações lógico-aritméticas e ordem das relações espaciais. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. _____. A epistemologia genética. São Paulo: Martins Fontes, 2007. PIAGET, J.; INHELDER, B. Gênese das estruturas lógicas elementares. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. _____. A psicologia da criança. Rio de Janeiro: Difel, 2003. RAMOZZI-CHIAROTTINO, Z. Em busca do sentido da obra de Jean Piaget. São Paulo: Ática, 1984.
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