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IANI SOARES LUZ XIII – MED APG 23 Doenças desmielinizantes Esclerose múltipla - Esclerose múltipla (EM) é uma doença desmielinizante inflamatória crônica do sistema nervoso central (SNC) de causa desconhecida. Epidemiologia - Entre as doenças desmielinizantes, a esclerose múltipla (EM) é a mais comum e conhecida. - A EM acomete cerca de 400.000 pacientes nos EUA e 2,5 milhões em todo o mundo. - Na população de adultos jovens, essa doença é a causa principal de déficits neurológicos não relacionados com traumatismo. - Nos casos típicos, a EM começa entre as idades de 20 e 40 anos. Os primeiros sintomas raramente ocorrem antes da idade de 10 anos ou depois dos 60 anos. - As mulheres são afetadas com frequência cerca de 2x maior que os homens, com exceção dos pacientes que desenvolvem a forma progressiva primária da doença, que não tem predomínio em um dos sexos. - Os indivíduos brancos têm, inerentemente, maior risco de EM do que os negros ou asiáticos, mesmo quando residem em ambiente semelhante. Etiologia - A etiologia da EM é desconhecida, mas provavelmente resulta de interações complexas de fatores ambientais e genes de suscetibilidade, que desencadeiam uma resposta imune anormal e provocam destruição da bainha de mielina, oligodendrócitos, axônios e neurônios. - Fatores de risco genéticos: • Haplótipo DRB1*1501 dos HLAs (HLADRB1*1501): É o mais potente fator genético. Entretanto, ele não é essencial ao desenvolvimento da EM, embora aumente o risco em 2-4x e esteja presente em 20 a 30% dos indivíduos normais. • Gene do receptor alfa de interleucina 2 (IL2RA): Codifica a cadeia alfa do receptor de IL-2 (essencial à regulação das respostas dos linfócitos T) • Gene do receptor alfa da interleucina 7 (IL7RA): Codifica a cadeia alfa do receptor de IL-7 (atua na homeostasia dos linfócitos T de memória e na geração de células T autorreativas dos pacientes com EM). - Influências ambientais: • Gradiente latitudinal com aumento da prevalência da EM à medida que se afasta do equador nos 2 hemisférios; • Em geral, os imigrantes que se mudam de uma região para outra antes da idade de 15 anos adquirem o índice de prevalência da EM na região em que passam a viver; ◦ Modificação fica evidente nos filhos. • Forma ativa da vitamina D (1,25- dihidroxivitamina D3) tem propriedades imunomoduladoras e pode evitar ou atenuar a encefalomielite alérgica experimental (EAE), que é um modelo da EM; ◦ Vários estudos demonstraram uma correlação inversa entre exposição à luz solar (fonte mais comum de IANI SOARES LUZ XIII – MED vitamina D) e ingestão dietética de vitamina D e risco de desenvolver EM. • Dieta rica em sal também aumenta a gravidade da EAE e induz a formação de células TH17 patogênicas nos seres humanos; • Entre as causas infecciosas possíveis, o caso do vírus Epstein-Barr (VEB) é interessante; • Traumatismo físico ou estresse psicológico podem preceder o início ou as exacerbações da EM. Fisiopatologia - Um vírus, uma bactéria ou outra toxina ambiental poderia ativar uma resposta imune nos indivíduos geneticamente predispostos. - As células apresentadoras de antígenos (CAA) levam os antígenos relevantes aos linfócitos T auxiliares (CD4+) na periferia e isto provoca sua ativação com geração subsequente dos linfócitos T auxiliares (Th) pró-inflamatórios autorreativos dos subtipos 1 e 17. • Linfócitos B e monócitos também são ativados. - Esses linfócitos T autorreativos interagem com moléculas de adesão existentes na superfície endotelial das vênulas do SNC e, com os anticorpos e os monócitos, atravessam a barreira hematencefálica danificada com a ajuda de proteases (p. ex., metaloproteases matriciais) e quimiocinas. - Dentro do SNC, os antígenos-alvo são reconhecidos (os supostos antígenos são a proteína básica da mielina, a glicoproteína associada à mielina, a glicoproteína da mielina oligodendrócito, a proteína proteolipídica [PLL], a αB-cristalina, as fosfodiesterase e a proteína S100). - Os linfócitos T são reativados e a resposta imune é amplificada. - As células T auxiliares pro inflamatórias proliferam e os linfócitos B continuam sua maturação em plasmócitos secretores de anticorpos, enquanto os monócitos transformam-se em macrófagos ativados. - Em conjunto, essas células imunes produzem citocinas inflamatórias (IL-12, IL-23, gama interferona, TNF-α), proteases, radicais livres, anticorpos, óxido nítrico, glutamato e outros fatores de estresse que, coletivamente, causam danos à mielina e aos oligodendrócitos. OBS: 2 populações diferentes de células T pró-inflamatórias provavelmente medeiam a autoimunidade na EM: • Células T auxiliares tipo 1 (Th1): Produzem IL-2, TNF-α e γ-IFN e desempenham papéis-chave na ativação e na manutenção das respostas autoimunes; ◦ Tanto o TNF-α quanto a γ-IFN podem causar lesão direta de oligodendrócitos ou da membrana de mielina. • Células T auxiliares tipo 17 (Th17): Induzidas pelo TGF-β e pela IL-6 e são amplificadas por IL-21 e IL-23. ◦ As células Th17 e os níveis de sua citocina correspondente IL-17 estão aumentados nas lesões da EM. - A desmielinização pode resultar em redução do suporte trófico dos axônios, redistribuição dos canais iônicos e desestabilização dos potenciais de ação da membrana. IANI SOARES LUZ XIII – MED • Inicialmente, os axônios podem adaptar-se a essas lesões; entretanto, com o passar do tempo, ocorre degeneração distal e retrógrada (axonopatia “dying-back”). • As placas de desmielinização crônica parecem translúcidas e nitidamente demarcadas e, na maioria dos casos, são encontradas na substância branca periventricular, no tronco encefálico, no cerebelo e na medula espinal. - Dependendo da localização e da extensão dos danos, a desmielinização pode dificultar ou impedir a condução neural e causar sinais e sintomas neurológicos. • Com a perda do suporte trófico dos oligodendrócitos, os axônios podem degenerar e isto causa déficits neurológicos irreversíveis. • Embora a preservação relativa dos axônios seja típica da EM, pode ocorrer também destruição axônica parcial ou total, sobretudo nas lesões altamente inflamatórias. • Em algumas lesões, os oligodendrócitos sobreviventes, ou aqueles que se diferenciam a partir de células precursoras, remielinizam parcialmente os axônios sobreviventes, produzindo as assim chamadas placas de sombra. - Com a evolução das lesões, ocorre proliferação proeminente de astrócitos (gliose), e o termo esclerose refere-se a essas placas glióticas que possuem textura elástica ou endurecida na necrópsia. - Uma característica recentemente reconhecida da patologia da EM é a presença de agrupamentos ectópicos de linfócitos, denominados folículos linfoides, que consistem em agregados de células T, B e plasmócitos, lembrando o tecido linfoide secundário localizado nas meninges, particularmente recobrindo os sulcos corticais profundos; são também encontrados nos espaços perivasculares e menos comumente no parênquima cerebral. • Essas estruturas parecem ser mais prevalentes na EM progressiva e estão localizadas em proximidade às placas corticais, sugerindo que talvez fatores provenientes desses folículos ectópicos possam contribuir para a desmielinização cortical abaixo da pia- máter e a neurodegeneração. - A natureza da resposta inflamatória parece ser ligeiramente diferente entre os estágios iniciais e mais tardios da EM. • EM recorrente: A inflamação está associada a uma infiltração parenquimatosa perivenular de linfócitos e monócitos associada à rupturada BHE e desmielinização ativa. • EM progressiva: É mais difusa e caracteriza-se por ativação disseminada da micróglia. ◦ Há um menor número de infiltrados perivasculares agudos, e os linfócitos e monócitos nas placas da EM crônica agregam-se na borda da lesão, sugerindo lesão inflamatória contínua nesse local. ◦ Observa-se uma inflamação difusa de baixo grau com proliferação da micróglia em grandes áreas da substância branca, associada a uma redução da coloração da mielina e lesão axônica (“substância branca suja”). ◦ Astrócitos ativados induzidos pela micróglia também podem contribuir para a lesão tecidual IANI SOARES LUZ XIII – MED Manifestações clínicas - O início da EM pode ser abrupto ou insidioso. - Os sintomas podem ser graves ou parecer tão triviais que o paciente talvez não procure assistência médica por meses ou anos. - Sintomas sensitivos: São variáveis. • Parestesias (p. ex., formigamento, sensação de alfinetadas e agulhadas ou queimação dolorosa) e hipoestesia (p. ex., sensibilidade reduzida, dormência ou sensação de que uma parte do corpo está “morta”); • Sensações desagradáveis (p. ex., partes do corpo “inchadas”, “molhadas”, “em carne viva” ou “apertadas”); • Deficiência sensitiva do tronco e dos MMII abaixo de uma linha horizontal no dorso (nível sensitivo) sugere que a medula espinal é a origem do distúrbio sensitivo; ◦ Com frequência, acompanha uma sensação de constrição semelhante a uma faixa ao redor do tronco. • Dor é um sintoma comum na EM, sentida > 50% dos pacientes. ◦ Pode ocorrer em qualquer área do corpo e mudar de localização ao longo do tempo. - Neurite óptica (NO): Diminuição da acuidade visual, falta de nitidez ou redução da percepção das cores (dessaturação) no campo central da visão. • Tais sintomas podem ser leves ou evoluir para perda visual grave. Raramente, há perda total da percepção da luz. • Os sintomas visuais costumam ser monoculares, mas podem ser bilaterais. • A dor periorbital (agravada por movimentos oculares) muitas vezes precede ou acompanha a perda visual. • Um defeito pupilar aferente está habitualmente presente. • Fundoscopia pode ser normal ou revelar edema do disco óptico (papilite). ◦ A palidez do disco óptico (atrofia óptica) comumente sucede a NO. - Fraqueza dos membros: Perda da força, velocidade, ou destreza, como fadiga ou como distúrbio da marcha. • A fraqueza induzida por exercício é um sintoma típico da EM. • A fraqueza é do tipo relacionado com o neurônio motor superior, sendo geralmente acompanhada por outros sinais piramidais, como espasticidade, hiper-reflexia e sinal de Babinski. • Às vezes, observa-se abolição de reflexo tendíneo (simulando lesão do neurônio motor inferior) se uma lesão de EM acometer as fibras aferentes do reflexo na medula espinal. - Fraqueza facial: Decorrente de lesão na ponte pode assemelhar-se à paralisia de Bell idiopática. Contudo, diferente desta, a fraqueza facial na EM não costuma estar associada à perda ipsilateral do paladar ou dor retroauricular. IANI SOARES LUZ XIII – MED - Espasticidade: Associada com espasmos musculares espontâneos ou induzidos por movimento. • Mais de 30% dos pacientes com EM têm espasticidade moderada a grave, sobretudo nos membros inferiores. • Em muitos casos, esse quadro é acompanhado de espasmos dolorosos que interferem com a capacidade de deambular, trabalhar ou cuidar de si mesmo. • Às vezes, a espasticidade confere apoio involuntário ao peso corporal durante a deambulação e, nesses casos, seu tratamento pode ser mais nocivo do que benéfico. - Ataxia: Geralmente, se manifesta na forma de tremores cerebelares. Ela também pode envolver a cabeça e o tronco, ou a voz, produzindo disartria cerebelar típica (fala escandida). - Vertigem: Pode surgir subitamente por lesão no tronco encefálico e simular superficialmente a labirintite aguda. • A perda auditiva também pode ocorrer na EM, mas não é comum. - Diplopia: Pode resultar de oftalmoplegia internuclear (OIN) ou paralisia do VI nervo craniano (raramente do III ou IV). • A OIN consiste em prejuízo na adução de um dos olhos em razão de lesão no fascículo longitudinal medial ipsilateral. Com frequência, observa-se nistagmo evidente no olho em abdução, junto com desalinhamento vertical (skew deviation) leve. - Borramento visual: Pode resultar de NO ou diplopia (visão dupla); se o sintoma desaparecer quando um dos olhos for coberto, a causa é diplopia. - Outras alterações comuns do olhar na EM: Paralisia do olhar horizontal, síndrome “um e meio” (paralisia do olhar horizontal mais OIN) e nistagmo pendular adquirido. Sintomas auxiliares - Sintomas paroxísticos: Distinguem-se por sua duração breve (10 segundos a 2 minutos), alta frequência (5 a 40 episódios por dia), ausência de alteração da consciência ou do ritmo de base no eletrencefalograma durante os episódios, e evolução autolimitada (em geral, durante semanas a meses). Podem ser precipitados por hiperventilação ou movimento. • Tais síndromes podem incluir o sintoma de Lhermitte; contrações tônicas de membro, face ou tronco (convulsões tônicas); disartria e ataxia paroxísticas; distúrbios sensitivos paroxísticos; e várias outras síndromes menos bem- caracterizadas. ◦ Sintoma de Lhermitte: Sensação semelhante a um choque elétrico (suscitada por flexão ou outro movimento do pescoço) que se irradia ao longo do dorso até as pernas. Raramente, irradia-se para os braços. Costuma ser autolimitado, mas pode persistir por anos. • Os sintomas paroxísticos provavelmente resultam de descargas espontâneas, oriundas das bordas das placas desmielinizadas e propagadas para tratos de substância branca adjacentes. IANI SOARES LUZ XIII – MED - Neuralgia do trigêmeo, espasmo hemifacial e neuralgia do glossofaríngeo: Podem ocorrer quando a lesão desmielinizante envolve a zona de entrada (ou de saída) da raiz, respectivamente, do V, VII ou IX nervo craniano. • A neuralgia do trigêmeo (tic douloureux) é uma dor facial muito breve e lancinante, com frequência desencadeada por impulso aferente a partir da face ou dos dentes. - Mioquimia facial: Contrações tremulantes rápidas e persistentes da musculatura facial (em especial da parte inferior do orbicular do olho) ou uma contração que se propaga lentamente pela face. • Resulta de lesões dos tratos corticobulbares ou do trajeto do nervo facial no tronco encefálico. - Sensibilidade ao calor: Sintomas neurológicos produzidos pela elevação da temperatura central do corpo. • Por exemplo, é possível haver borramento unilateral transitório da visão durante banho quente ou exercício físico (sintoma de Uhthoff). • Também é comum que os sintomas da EM se agravem transitoriamente, às vezes de forma drástica, durante doenças febris. - Disfunção vesical: Presente em > 90% dos pacientes com EM, e em 1/3 deles a disfunção resulta em episódios semanais ou mais frequentes de incontinência. • A hiper-reflexia do detrusor, decorrente da deficiência da inibição suprassegmentar, causa frequência e urgência urinárias, noctúria e esvaziamento incontrolável da bexiga. • A dissinergia do detrusor-esfincter, secundária à perda da sincronização entre os músculos detrusor e o esfincter, causa dificuldade de iniciar e/ou interromper o jato urinário, acarretando hesitação, retenção urinária, incontinência por transbordamento e infecção recorrente. - Constipação: Ocorre em > 30% dos pacientes. - Urgência ou incontinência fecal: Menoscomuns (< 15%), mas podem ser socialmente debilitantes. - Disfunção sexual: Manifesta-se como redução da libido, menor sensibilidade genital, impotência nos homens e menor lubrificação vaginal ou espasmos dos músculos adutores nas mulheres. - Disfunção cognitiva: Pode incluir perda de memória, desatenção, dificuldade nas funções de execução, memória, solução de problemas, processamento lento das informações e dificuldades de mudança entre tarefas cognitivas. A depressão, presente em metade dos pacientes. • No passado, acreditava-se que a euforia (humor elevado) fosse característica da EM, mas na verdade é incomum e ocorre em < 20% dos pacientes. • Disfunção cognitiva suficiente para comprometer as atividades cotidianas também ocorre, mas é rara. IANI SOARES LUZ XIII – MED - Fadiga: Acomete 90% dos pacientes, sendo a razão mais comum de incapacidade relacionada com o trabalho na EM. • Pode ser agravada por temperatura elevada, depressão, esforços excepcionais para executar atividades cotidianas básicas ou distúrbios do sono (p. ex., despertares noturnos frequentes para urinar). Evolução da doença - EM remitente- recorrente/recidivanteremitente (EMRR): Responde por 90% dos casos de EM e caracteriza-se por crises isoladas de disfunção neurológica que geralmente evoluem ao longo de dias a semanas (raramente, ao longo de horas). - Nas crises iniciais, há frequentemente uma recuperação substancial ou completa durante as semanas ou meses seguintes. Entretanto, à medida que as crises continuam, a recuperação pode ser menos evidente. Entre os episódios, os pacientes estão neurologicamente estáveis. EM progressiva secundária (EMPS): - Sempre começa como EMRR. Entretanto, em algum momento, a evolução clínica muda, de modo que o paciente sofre deterioração da função não associada a episódios agudos. - A EMPS produz maior grau de deficiência neurológica fixa do que a EMRR. Para um paciente com EMRR, o risco de evoluir com EMPS é de cerca de 2% a cada ano, ou seja, a grande maioria dos casos de EMRR por fim evolui para EMPS. • Assim, a EMPS parece representar um estágio tardio da mesma doença subjacente à EMRR. EM progressiva primária (EMPP): - Cerca de 10% dos casos. Esses pacientes não apresentam crises, porém sofrem declínio contínuo da função desde o início da doença. - Em comparação com a EMRR, a distribuição entre os sexos é mais igual, a doença começa mais tarde (média de idade próxima de 40 anos), e a incapacidade surge mais rápido (pelo menos em relação ao início do primeiro sintoma clínico). - Apesar dessas diferenças, a EMPP parece representar a mesma doença subjacente à EMRR. - Os pacientes com EMPS ou até mesmo EMPP em certas ocasiões irão sofrer recidivas, embora com muito menos frequência do que na EMRR. • Os pacientes com EM progressiva que sofrem recidivas ou que apresentam novas lesões agudas na RM são considerados portadores de EM “ativa”. • Por outro lado, o termo “progressão” é reservado para descrever o agravamento neurológico que se acumula, independentemente da atividade da doença. Gravidez - A gravidez confere proteção às mulheres com EM, principalmente no terceiro trimestre, quando o índice de recidivas anual diminui em 70%, em comparação com o ano anterior ao da gravidez. - Entretanto, quando a EM não é tratada, cerca de 30% das mulheres têm recidiva nos primeiros 3 meses depois do parto, antes que IANI SOARES LUZ XIII – MED o risco volte aos níveis pré-concepcionais entre os 4º e 6º meses depois do parto. - Esses efeitos podem ser atribuídos às alterações das respostas imunes Th1 e Th2 mediadas pelo estriol ou pela vitamina D, na medida em que ambos aumentam consideravelmente no último trimestre da gravidez e diminuem abruptamente depois do parto; outras alterações hormonais que ocorrem durante a gravidez também podem ser importantes. Vacinação - As infecções, inclusive infecções leves das vias respiratórias superiores, aumentam o risco de exacerbação da EM. - Os temores de que as vacinas possam provoca rexacerbações da doença estão baseados em relatos informais. - Entretanto, um estudo prospectivo randomizado duplo-cego controlado por placebo demonstrou que a imunização contra influenza não aumenta o risco de recidiva ou progressão da doença e que os pacientes com EM devem ser vacinados rotineiramente. As vacinas para hepatite B, tétano e varicela parecem ser seguras nesses casos. Diagnóstico - É estabelecido com base em critérios clínicos, geralmente, complementados pelos resultados da RM. - Não existe nenhum exame complementar específico para a EM. Critérios diagnósticos de EM - Os critérios de McDonald (em homenagem a Ian McDonald), foram estabelecidos em 2001 e revisados em 2005 e 2010. IANI SOARES LUZ XIII – MED Exames de imagem - Mais de 90% dos pacientes com EM recém diagnosticada têm anormalidades na RM cerebral. - Ressonância magnética (RM): Anormalidades características são detectadas em > 95% dos pacientes, embora > 90% das lesões visualizadas pela RM sejam assintomáticas. • O aumento da permeabilidade vascular por ruptura da BHE é detectado por extravasamento do gadolínio (Gd) intravenoso para o interior do parênquima. Esse extravasamento ocorre no início do desenvolvimento de lesão da EM e serve como marcador útil de inflamação. • As lesões costumam ser orientadas perpendicularmente à superfície ventricular, correspondendo ao padrão patológico de desmielinização perivenosa (dedos de Dawson). • As lesões são multifocais no interior do cérebro, do tronco encefálico e da medula espinal. ◦ As lesões com > 6 mm, localizadas no corpo caloso, substância branca periventricular, tronco encefálico, cerebelo ou medula espinal, são particularmente úteis para o diagnóstico. • Medidas quantitativas de atrofia cerebral e da medula espinal são uma evidência de lesão tecidual difusa e correlacionam-se mais fortemente com medidas de incapacidade ou EM progressiva. • Cerca de um terço das lesões ponderadas em T2 aparecem como lesões hipointensas (buracos negros) nas imagens ponderadas em T1. ◦ Os buracos negros podem ser marcadores de desmielinização irreversível e de perda axonal, porém mesmo esta medição depende da época da realização do exame (p. ex., em sua maioria, as lesões agudas captantes de Gd em T2 são hipointensas em T1). Na imagem acima vemos um exame de ressonância do crânio onde observamos múltiplos pontos brancos representando as áreas de inflamação provocadas pela esclerose múltipla. Já nesta imagem de ressonância magnética da coluna cervical pode- se observar uma lesão que aparece mais clara, na medula espinhal. Fraqueza e perda de sensibilidade nos membros são vistas nas lesões neste local. IANI SOARES LUZ XIII – MED Biomarcadores - Análise do líquido cerebrospinal (LCS): Pode ajudar a diagnosticar EM e facilita a exclusão de outros diagnósticos possíveis. O exame de coleta de líquor - LCR (líquido cefalorraquidiano), material extraído por uma punção na coluna lombar, auxilia na confirmação do diagnóstico de EM. A pesquisa da bandas oligoclonais (BOC) no líquor e sua interpretação é etapa importante na investigação diagnóstica da doenças desmielinizantes. A figura abaixo demonstra 9 amostras de soro (sangue) e líquor (LCR) onde em 6 delas se encontra a presença de Bandas Oligoclonais (BOC) exclusivamente no LCR indicando parte do processo imunológico envolvido na Esclerose Múltipla. Este exame auxilia no diagnóstico da doença. • Leucócitos:< 6 leucócitos/mm3; ◦ Pode ser linfocítica. • Proteínas: Normal, na maioria das vezes, ou ligeiramente elevada; • Imunoglobulinas: IgG intratecal aumentada. - Tomografia de coerência óptica (TCO): Técnica não invasiva, que utiliza luz infravermelha de frequência baixa para medir a espessura da camada de fibras neurais da retina (CFNR) e o volume da mácula. • O adelgaçamento da CFNR ocorre depois da neurite óptica em consequência da destruição dos axônios retinianos. • Os olhos dos pacientes com EM, mas sem história de neurite óptica, também sofrem adelgaçamento da CFNR. IANI SOARES LUZ XIII – MED TRATAMENTO A figura abaixo ilustra como as medicações de alta eficácia para o tratamento da esclerose múltipla atuam na imunidade: 1. Fingolimode: medicação oral que evita a saída dos linfócitos dos linfonodos 2. Ocrelizumabe: anticorpo monoclonal de aplicação endovenosa semestral, leva a depleção de linfócitos B 3. Alentuzumabe: anticorpo monoclonal de administração em dois ciclos com intervalo de 1 ano, leva a depleção de linfócitos T e B 4. Cladribina: medicação oral, cuja administração é realizada em dois ciclos anuais (depleção imune de linfócitos B e T) 5. Natalizumabe: anticorpo monoclonal de aplicação endovenosa mensal que impossibilita a entrada dos linfócitos dentro do sistema nervoso central. IANI SOARES LUZ XIII – MED Doença do espectro da neuromielite óptica (DENMO) - Distúrbio desmielinizante inflamatório grave do SNC diferente da EM. Epidemiologia - A incidência e a prevalência da DENMO não estão bem definidas. - É muito menos comum que a EM e, segundo algumas estimativas, a taxa de prevalência fica em torno de 1 a 2% dos casos de EM diagnosticados nos EUA. - Em geral, começa no final da 4ª década de vida , mas também pode começar na infância ou depois da idade de 70 anos. - As mulheres são afetadas com frequência 4 a 9x maior que os homens. - Caucasoides são acometidos menos comumente que os indivíduos de outras raças. Fisiopatologia - A NMO é uma doença autoimune associada a um autoanticorpo altamente específico dirigido contra a aquaporina-4 (AQP4). • A AQP-4 localiza-se nos pedicelos dos astrócitos em estreita aposição às superfícies endoteliais, assim como nas regiões paranodais próximo dos nodos de Ranvier. • A AQP-4 é o canal de água principal do SNC e funciona como antígeno-alvo na DEMNO. • A AQP-4 é expressa em níveis altos dentro dos nervos ópticos, hipotálamo, tronco encefálico, regiões periventriculares e substância cinzenta da medula espinal. - A destruição da AQP-4 pode prejudicar a homeostasia da água e o transporte de glutamato e, consequentemente, causar destruição dos oligodendrócitos, desmielinização e lesão axonal. • As lesões agudas da DENMO caracterizam-se por desmielinização e destruição axonial extensivas e contêm infiltrados inflamatórios formados, principalmente, de macrófagos, linfócitos B, eosinófilos e granulócitos. ◦ Os linfócitos T são escassos. ◦ Durante os ataques agudos de mielite, ocorre acentuada elevação dos níveis de IL-6 e da proteína ácida fibrilar glial (GFAP), compatível com inflamação ativa e lesão dos astrócitos. • A imunoglobulina e os produtos da ativação do complemento são depositados com um padrão típico de roseta e halos perivasculares. • Nos casos típicos, as lesões intramedulares estendem-se ao longo de vários segmentos espinais, afetam as substâncias branca e cinzenta e comumente são necróticas. • Gliose, degeneração cística, formação de cavidades e atrofia são alterações crônicas típicas da medula espinal, do nervo óptico e do quiasma óptico. • Os órgãos periventriculares localizados em torno do terceiro e quarto ventrículos contêm grandes quantidades de AQP-4 e isto pode explicar as manifestações clínicas de náuseas, vômitos ou soluços incontroláveis, além da disfunção hipotalâmica. IANI SOARES LUZ XIII – MED - Em todas as lesões desmielinizantes da NMO, observa-se perda acentuada da imunorreatividade à AQP-4, independentemente da localização, do estágio ou da gravidade da necrose, e ocorre nas regiões em que há deposição vasculocêntrica profusa de imunoglobulina e complemento. Manifestações clínicas - Nos casos típicos, os pacientes têm exacerbações graves e frequentes de neurite óptica ou mielite intercalados por períodos de remissão. - Inicialmente, os pacientes comumente têm neurite óptica ou mielite unilateral. Em cerca de 50% dos casos, o primeiro episódio é grave com redução da acuidade visual ou fraqueza grau 3 ou 4 ao menos em um membro. - Os sinais e sintomas são vômito, soluços incontroláveis, narcolepsia, fraqueza ou parestesia facial, diplopia, vertigem, disartria, neuralgia do trigêmeo, tremor, ataxia, surdez, hemiparesia e encefalopatia. - Dor mielopática, espasticidade, disestesias, espasmos tônicos e disfunção vesical/intestinal são comuns. Diagnóstico - Estabelecido com base nas manifestações clínica se confirmado pela RM e, em alguns casos, por sorologia. Critérios diagnósticos da neuromielite óptica - Critérios essenciais: ◦ Neurite óptica; ◦ Mielite aguda. • No mínimo 2 dos critérios confirmatórios seguintes: ◦ RM com lesão medular estendendo-se por 3 ou mais segmentos vertebrais adjacentes; ◦ RM cerebral inicial com menos que 4 lesões da substância branca, ou 3 lesões se uma for periventricular; ◦ Sorologia positiva para IgG-NMO. - RM: Em 97% dos pacientes, a RM cerebral inicial é normal ou mostra menos que 3 ou 4 lesões da substância branca. Quando essas lesões não são detectadas, os exames de imagem subsequentes comumente mostram lesões inespecíficas da substância branca sem quaisquer sinais ou sintomas. • Entretanto, no mínimo 10% dos pacientes, por fim, desenvolvem lesões típicas da EM. • As lesões típicas da NMO e atípicas da EM tendem a ocorrer no hipotálamo, tálamo, tronco encefálico e em torno do terceiro e quarto ventrículos – todas áreas com expressão alta de AQP- 4. • Nos pacientes com mielite de início recente, a RM da medula espinal é o exame diagnóstico mais sensível para NMO. - Biomarcadores: A IgG anti-AQP4 é detectada em 73% dos pacientes com NMO e tem especificidade de 91% na diferenciação entre os pacientes com NMO e os pacientes com EM, que desenvolvem mielite e neurite óptica. IANI SOARES LUZ XIII – MED • Nos pacientes com história de neurite óptica, mielite longitudinalmente extensiva e RM cerebral com anormalidades mínimas, o teste para IgG anti-AQP4 não é necessário para firmar o diagnóstico de NMO, porque a sorologia negativa não exclui esta possibilidade. • O teste sorológico pode ser mais útil aos pacientes com história compatível com NMO, mas que apresentam lesões cerebrais atípicas ou anormalidades típicas de EM na RM. Doença de MarchiafavaBignami - Desmielinização do corpo caloso sem inflamação é a alteração patológica típica dessa doença, mas outras áreas do SNC também podem ser afetadas. Epidemiologia - Na literatura mundial, existem algumas centenas de casos descritos, mas a doença provavelmente é mais comum. - Contudo, antes do advento das técnicas modernas de imageamento, o diagnóstico raramente era confirmado antes da morte do paciente, porque os sinais e sintomas são inespecíficos. - Provável predisposição genética. - A etiologia é desconhecida. • A doença foi descrita inicialmente em homens italianos de meia-idade e idosos, que bebiamvinho tinto. • Em alguns casos, o consumo de álcool não era um fator predisponente. • Deficiências nutricionais também foram sugeridas. • Entretanto, a síndrome é rara, mesmo quando há desnutrição grave. Fisiopatologia - A condição sine qua non é necrose da zona medial do corpo caloso. • As bordas dorsal e ventral são preservadas. • A necrose varia de amolecimento e escurecimento até a formação de cavidades e cistos. • Na maioria dos casos, a região rostral do corpo caloso é afetada primeiramente. • As lesões aparecem como focos simétricos pequenos, que crescem e confluem. - Poucas doenças causam um quadro patológico tão bem definido. • O corpo caloso pode sofrer infarto em consequência da obstrução da artéria cerebral anterior, mas a simetria das lesões com preservação da substância cinzenta e a formação de lesões semelhantes na comissura anterior, nos feixes de associação longos e nos pedúnculos cerebelares são observadas apenas na doença de Marchiafava-Bignami. - As anormalidades microscópicas são atribuídas a um processo necrótico muito bem demarcado com destruição da mielina, mas com preservação relativa dos cilindros axiais na periferia das lesões. - Em geral, não há evidência de inflamação, exceto pelos poucos linfócitos perivasculares. - Na maioria dos casos, é comum encontrar fagócitos repletos de gordura. • A gliose geralmente não é muito avançada. IANI SOARES LUZ XIII – MED • Pode haver proliferação endotelial na área afetada, mas não há trombos. Manifestações clínicas - Em geral, o início é insidioso e os sintomas iniciais são tão inespecíficos, que é difícil determinar quando a doença começou. - Clinicamente, a degeneração primária do corpo caloso caracteriza-se por estado mental alterado, crises convulsivas e sinais neurológicos centrais multifocais. - Além da perda de memória e da confusão mental, pode haver estados maníacos, paranoides ou ilusionais. - Depressão e apatia extrema são típicas. Diagnóstico - A doença de Marchiafava-Bignami deve ser considerada quando homens idosos, principalmente, alcoólicos, desenvolvem quadro insidioso de demência, sinais neurológicos multifocais e crises epilépticas. - - TC e RM são exames diagnósticos precisos, mas esta última modalidade é preferida para demonstrar lesões do corpo caloso e desmielinização simétrica da substância branca subcortical. - De acordo com os relatos originais, estado de mal epiléptico era uma apresentação marcante, mas hoje em dia pode ser encontrada uma forma aguda de epilepsia. - Diagnóstico diferencial: Encefalopatia de Wernicke, que pode ocorrer simultaneamente e evidencia-se por ataxia, oftalmoplegia e nistagmo, além de demência ou delirium.
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