Prévia do material em texto
ATIVIDADE FÍSICA NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA Bruno de Oliveira Pinheiro 2 1 ASPECTOS PSICOSSOCIAIS DA PRÁTICA ESPORTIVA INFANTO-JUVENIL Diversas transformações biopsicossociais ocorrem durante a infância e a adolescência e muitas delas interferem no treinamento esportivo, no rendimento do atleta e em sua permanência no esporte. Este bloco apresentará os principais aspectos psicossociais que o profissional de Educação Física deve considerar no que diz respeito a prática esportiva infanto-juvenil, desde as características deste público durante os treinamentos esportivos até as motivações que precisam ser consideradas antes do estabelecimento de treinamentos a longo prazo. 1.1 Esporte Infanto-juvenil A palavra treinamento é utilizada tanto na linguagem popular como em outras áreas do conhecimento e significa um processo que objetiva a melhoria de determinado desempenho, seja na área cognitiva, psicossocial ou motora, que utiliza, na maioria das vezes, o recurso da repetição de determinada atividade, por meio do exercício. Na área do esporte, o treinamento esportivo é definido como um processo de ações complexas, planejadas e orientadas que visam ao melhor desempenho esportivo possível, especialmente na competição esportiva. É um processo de ações complexas porque exigem planejamento em razão de diversas variáveis como: objetivos, métodos, conteúdos, organização e realização. Leva-se em consideração os conhecimentos científicos, as experiências do participante, controle e acompanhamento durante e após sua realização e é um processo de ações orientado e dirigido para os objetivos almejados. A maior parte da literatura da área de Treinamento Esportivo do século XX era destinada aos atletas adultos. O treinamento infanto-juvenil era realizado de forma adaptada, baseado nas recomendações de treinamento para adultos. No entanto, a partir da 3 década de 1990 algumas publicações sobre o treinamento esportivo infanto-juvenil surgiram. Na Teoria do Treinamento para o esporte infanto-juvenil, deve-se considerar quatro componentes principais: • O desenvolvimento infanto-juvenil, sua capacidade de desempenho e de treinabilidade; • A construção do desempenho esportivo na perspectiva de um treinamento a longo prazo (TLP); • O sistema de competição adequado à idade e à formação do jovem atleta e; • As concepções de promoção esportiva e as estruturas de organização do sistema de TLP da sociedade. O esporte contemporâneo, praticado e difundido nos dias de hoje, teve seu desenvolvimento no seio da sociedade urbana e industrial (século XIX) e sofreu as adaptações políticas, econômicas e sociais da Era Modena. Atualmente, o esporte pode ser considerado um dos principais fenômenos sociais e isso se reflete em sua organização nas relações. Porém, mais do que dizer que as práticas esportivas fazem parte de nossa cultura, a perpetuação dessa manifestação social durante os tempos permite afirmar que a construção e a prática de esportes têm como um de seus objetivos perpetuar a cultura de movimento local. Além disso, na infância e na adolescência, a prática esportiva busca atender satisfatoriamente diversas necessidades desse público, como: • Buscar um grupo para acolhimento no qual é aceito; • Saciar a vontade de competir; • Cooperar e criar vínculos; • Sentir emoções fortes, como a alegria e o orgulho ou mesmo o medo e a raiva; 4 • Estar atento ao olhar do outro, sempre ajustando os comportamentos, reavaliando e compartilhando momentos e emoções; • Procurar desafios e testar seus limites. Além do aspecto cultural e evolucionista, praticar esportes envolve motivações pessoais das necessidades individuais que conferem à prática significados singulares: a história de vida pessoal, dos facilitadores e das limitações que definem as particularidades da prática esportiva de cada indivíduo. Sendo assim, este bloco tem como objetivo abordar aspectos psicológicos do esporte baseado na compreensão de que todo comportamento humano, inclusive o esportivo, é uma composição resultante da relação dinâmica da história pessoal, cultural e evolutiva dos seres humanos. 1.2 Determinantes psicossociais do desempenho esportivo A importância do esporte no mundo atual e seu significado na vida de seus praticantes é um tema recorrente na cultura popular, uma vez que ele pode ser considerado um dos componentes da evolução e da cultura do ser humano. De meados do século XX até os dias de hoje, vários estudos a respeito da prática esportiva e de fatores determinantes do desempenho esportivo têm sido realizados, dentre esses estão os que têm como tema o desenvolvimento do talento esportivo e os indivíduos com aptidão para o desempenho esportivo acima da média populacional. Uma das discussões mais frequentes durante décadas girou em torno do que Francis Galton (1822–1911) já destacava no final do século XIX como o talento inato e o talento adquirido. No entanto, cada vez mais os autores têm reconhecido a interação desses aspectos e a influência de fatores biológicos, psicológicos e sociais no desempenho esportivo. Sendo assim, o desempenho esportivo do atleta é definido não somente pelos seus aspectos biopsicossociais, mas também pela aquisição e pelo aprimoramento dessas 5 qualidades por meio do treinamento e pela capacidade de integração desses fatores de modo eficaz durante as competições. Com o passar do tempo, temas como motivação, liderança, organização de grupo, agressividade, ansiedade, personalidade, pensamentos e sentimentos dos atletas, foram relacionados à prática esportiva e à atividade física, e acrescidos ao campo de pesquisa do Treinamento Esportivo. Nesse sentido, nas últimas décadas foram realizadas pesquisas sobre os processos de formação de talentos e treinamento esportivo, identificaram por meio da investigação da história de vida de indivíduos considerados talentosos, que o desenvolvimento de um talento, em várias áreas do conhecimento, incluindo os esportivos, seria um processo da inter-relação das variáveis biológicas e psicológicas sob ações de um ambiente social adequado. Restringindo-se apenas aos aspectos psicossociais, observa-se que de um modo geral a formação do talento é resultante da prática sistemática de uma atividade que se caracteriza como prazerosa, sobretudo na iniciação, mas sua manutenção na prática – (em treinamento), nem sempre proporciona satisfação, e portanto, é motivada por sentimentos de compromisso, perseverança, disciplina, paixão e autoconfiança (competência e autonomia), além da sustentação por meio do apoio social oferecido pelos pais e pelos técnicos/professores, principais responsáveis pela motivação por meio de suas habilidades pedagógicas. 1.3 Motivações no Esporte A motivação é um dos temas mais antigos e mais abordados na literatura. Atualmente, há um consenso sobre a interação desse comportamento com o meio no qual a prática esportiva ocorre, ou seja, o indivíduo, suas predisposições, o ambiente e sua situação influenciam na motivação do indivíduo. Motivação, para Weinberg e Gould (2016), refere-se aos motivos que fazem o indivíduo buscar certas situações e o esforço empregado nessa busca. Assim, a motivação mobiliza os esforços de um indivíduo em busca de um objetivo. Para esses autores, os estudos 6 sobre motivação podem ser realizados de várias maneiras: quanto à intensidade, aos fatores propulsores, aos objetivos determinados e aos "locais" de origem – motivações intrínsecas e extrínsecas ao indivíduo. O mecanismo de funcionamento das motivações internas do indivíduo tem origem na infância e muitas delas são construídas a partir da formação e da manutenção das relações sociais. A relação entre as necessidades básicas do indivíduo e o ambiente acolhedor adequado a essademanda determinam quais são as motivações internas do indivíduo. No esporte, as motivações intrínsecas estão relacionadas ao fato de a prática esportiva servir para suprir algumas necessidades, tanto básicas como aquelas mais elaboradas, desenvolvidas nos primeiros anos de vida. Pode-se dizer que o esporte reúne componentes que satisfazem as exigências emocionais de um indivíduo e auxilia no desenvolvimento dessas necessidades que são importantes para a vida dos seres humanos. O esporte também apresenta motivadores externos. Por meio da prática e da presença de outros, é trabalhado o conhecimento sobre si mesmo, enquanto aprende habilidades sociais complexas, típicas do ser humano. À medida que as figuras parentais vão deixando de ser as únicas motivações sociais do atleta, o técnico, os colegas de treino, os amigos e o(a) namorado(a) começam a suprir a necessidade básica de vínculos e contatos sociais significativos. Esse aspecto do reconhecimento social concreto caracteriza as motivações extrínsecas de um indivíduo. Embora, para fins de discussão, seja conveniente classificar a motivação em “intrínseca” e “extrínseca”, muitas vezes a distinção entre elas não é clara, pois a relação entre ambas determina o processo motivacional dos indivíduos, inclusive no esporte. Devido essa dificuldade de delimitação do que é interno e do que é externo ao indivíduo, os estudos realizados sobre motivação no esporte em geral caracterizam-se por realizar levantamentos pontuais dos fatores motivacionais referentes à iniciação, à permanência e à desistência da prática, sem maior detalhamento do processo. 7 A motivação para a iniciação da prática esportiva pelas crianças, em geral, ocorre em relação aos seguintes fatores: • Influência de parentes e professores; • Oportunidade de envolver-se e demonstrar habilidades motoras competentes; • Atributos que variam de acordo com o sexo que caracterizam o pertencimento a um grupo, por exemplo, meninas praticam balé e meninos judô, entre outros; • Diversão ou para fazer novos amigos, • Razões competitivas e de status social como motivadores para a prática esportiva inicial. Verifica-se assim que a motivação dos seres humanos para a prática esportiva, tanto inicial como de manutenção, é desenvolvida primeiramente a partir de uma necessidade de pertencer, um impulso para formar e manter relações interpessoais duradouras, positivas e significantes; a prática esportiva favorece esse aspecto. O esporte é um dos contextos que proporcionam essa aproximação. Muitos jovens atletas se mantêm na prática exaustiva e repetitiva por ter como motivação o convívio com os amigos e o técnico; o ser humano é movido por motivações sociais. Com isso, a prática esportiva também é ferramenta de desenvolvimento de certas emoções, como raiva intensa, ansiedade e estresse. Nesse contexto, surgem emoções fortes e que têm um impacto muito grande na vida do atleta. A procura do indivíduo em criar vínculos com outras pessoas é fonte de prazer, ao mesmo tempo que gera conflitos e inseguranças. No esporte, há uma necessidade de interagir com o outro de uma maneira mais próxima; porém, simultaneamente, é preciso aprender os códigos verbais e não verbais dessa comunicação, assim como estar sensível as necessidades do outro. Uma criança estimulada adequadamente por seus pais no início de sua vida pode construir uma motivação intrínseca forte e persistente para a prática, pois as condições 8 ambientais favoreceram o desenvolvimento desse aspecto, ao mesmo tempo que a percepção e a interpretação do indivíduo foram favoráveis para estimular a autoestima. No entanto, a própria prática pode reforçar ou não essa questão quando as exigências externas são intensas, e o indivíduo pode avaliar seu próprio desempenho como competente ou não, tanto no treino com o grupo como na performance em competições. À medida que as capacidades cognitivas se desenvolvem, na pré-adolescência, por exemplo, fica mais evidente a busca por "ser bom em algo" ou a busca por reconhecimento e status dentro do grupo. O esporte permite esse contexto de superação e orgulho, por meio da competência demonstrada pelo atleta. Sentir-se competente eleva e reforça a autoestima e serve de sustentação para a prática esportiva. Embora a prática por si só não represente algo fisicamente prazeroso, emocionalmente traz bem-estar, pela superação e pelo reconhecimento, tanto que os principais motivos de desistência (dropout e burnout) estão relacionados a isso: a insatisfação pela ausência da sensação de competência e a mudança de foco –comportamentos característicos da adolescência. A necessidade de acompanhamento, assim como a percepção de que socialmente o praticante possui reconhecimento de sua competência, são importantes motivadores dos comportamentos esportivos, tanto de iniciação como de permanência na prática esportiva, lembrando que essa equação depende fundamentalmente de como foram construídos os primeiros esquemas motivacionais da criança durante sua infância. 1.3.1 Apoio dos pais como fator motivacional A importância do apoio familiar e social para os jovens atletas, seja entre pais e atleta, atleta e atleta, ou técnico e atleta, tem sido destacada nas diversas pesquisas a respeito do desenvolvimento esportivo. Os apoios sociais são aspectos importantes na adesão e na manutenção no esporte, assim como, inversamente, a quebra de vínculos – entre 9 amigos, técnico ou familiares – cria estresse e influencia a decisão de desistir da carreira esportiva. O envolvimento dos pais na vida esportiva do filho pode variar de um subenvolvimento, envolvimento moderado até o superenvolvimento. O subenvolvimento caracteriza-se pelo comportamento de pouca disposição em atividades como transporte e contato com os técnicos, demonstrando falta de comprometimento emocional, financeiro e funcional dos pais com a prática esportiva de seus filhos. O superenvolvimento ocorre quando os pais participam excessivamente da vida esportiva de seus filhos, muitas vezes projetando seus próprios desejos e fantasias na vida deles e exigindo que seus filhos os satisfaçam e comportem-se de acordo. Enquanto o envolvimento moderado, seria o ideal, caracterizando-se pela participação dos pais por meio de orientações firmes, suporte emocional e financeiro, além do auxílio aos filhos no estabelecimento de metas realísticas. Em geral, por serem os principais responsáveis pelo apoio social da criança na infância e na adolescência, naturalmente, os pais compõem as principais figuras motivacionais do esporte por meio do apoio, da orientação, do exemplo e do incentivo. Porém, a importância dos pais para a motivação esportiva está além disso: por serem a base da construção dos estilos de apegos dos indivíduos, os pais influenciam também na determinação, na direção e na intensidade dos fatores motivacionais dos filhos na prática. Os estilos de apego formados na primeira infância refletem diferenças na organização psicológica das crianças e dos adolescentes, o que lhes confere individualidade e diferenças na percepção do apoio posterior, oferecido por outras pessoas, assim como no comportamento diante destas. As necessidades de pertencimento a um grupo ou de reconhecimento são valorizadas pelo indivíduo de acordo com essas relações iniciais estabelecidas. Da mesma maneira, o acolhimento e o status oferecidos também serão avaliados como satisfatórios ou não a partir dessa base. A função do apego, ou busca por vínculos, tem sido pensada nos termos da proteção e da oferta de cuidados, proporcional ao nível de imaturidade e de dependência dos bebês 10 quando comparada a outras espécies de animais. A garantia de convivência sistemática com adultos representativos de uma determinada cultura é essencial à sobrevivência e a segurança dacriança, assim como possibilita a aprendizagem e a perpetuação da evolução cultural humana. Distinguem-se três tipos de apego: apego seguro, apego inseguro resistente ou ambivalente e apego inseguro evitativo. Os três estilos parecem estar associados a diferenças no carinho e na sensibilidade demonstrados pela pessoa que cuida da criança. O apego seguro é o padrão condizente com o desenvolvimento saudável. Nele o indivíduo confia que os pais estarão disponíveis e o ajudarão em situações adversas ou assustadoras. A criança sente vontade de explorar o mundo e sente-se competente em lidar com ele. A criança com padrão de apego seguro é alegre e cooperativa, popular com outras crianças, confiante e criativa. Essas crianças esforçam-se mais após um fracasso e demonstram confiança e esperança de que elas poderão ser bem-sucedidas. Esse padrão é promovido por uma figura de apego que se mostra disponível, sensível para os sinais da criança e que responde amavelmente quando a proteção, o conforto e/ou a assistência são requisitados. Esses comportamentos caracterizam os pais como ideais no contexto esportivo, com envolvimento moderado na prática esportiva dos filhos. A criança com essa experiência considera os pais como pessoas com quem ela pode contar em momentos problemáticos e tem uma visão de si mesma como alguém digno de ser cuidado. Por sua vez, as crianças com apego inseguro ambivalente (ou ansioso resistente) não saem de perto da figura parental e exploram muito pouco o ambiente. Essas crianças ficam muito perturbadas com a separação e demoram a se acalmar no retorno à figura de apego. Nesse padrão, a criança está incerta se a figura de apego está disponível ou se ajudará quando ela precisar. Essa percepção é promovida por figuras de apego que se mostram disponíveis em certas ocasiões, mas não em outras. Muitas vezes, elas usam a separação ou a ameaça de abandono como maneira de controlar a criança. Por causa dessa 11 incerteza, a criança está mais sujeita a ansiedade na separação, tende a "grudar" mais e a tornar-se ansiosa ao explorar o mundo, quer sempre chamar a atenção, mostra-se tensa, impulsiva e facilmente frustrada. No apego inseguro evitativo, as crianças exploram o ambiente procurando pouco a figura de apego; elas não se perturbam com sua saída e parecem ignorá-la quando ela retoma. Esse padrão é promovido por uma figura de apego que constantemente rejeita a criança quando ela a procura para conforto ou proteção. Nesse padrão, a criança não tem confiança de que quando precisar de cuidados será ajudada com prontidão e, muito pelo contrário, espera ser contrariada. Essas crianças tentam viver suas vidas sem o amor e o apoio dos outros. A criança é "pavio curto", hostil ou antissocial e sempre quer chamar a atenção. Ela mantém sua distância, tem um mau temperamento e tende a criticar outras crianças. Tanto no apego inseguro ambivalente quanto no evitativo, as figuras de apego são menos sensíveis ao estado mental da criança. Elas não dão apoio e ajuda quando requisitadas e atrapalham quando a criança está tentando resolver um problema por si mesma, não respeitando seu desejo de autonomia. Pode-se dizer que a figura de apego apresenta a ausência de atenção ou a atenção em excesso (mimam a criança) e desestimula a exploração. Esses comportamentos são característicos dos pais subenvolvidos e superenvolvidos na prática esportiva dos filhos. A estratégia que crianças inseguras desenvolvem é a de manipular o equilíbrio que há entre apego e sistema exploratório de maneira que tanto um quanto o outro sejam enfatizados em demasia. Quando os pais são ausentes ou inconsistentes na atenção, a estratégia da criança é enfatizar ou exagerar seu comportamento de apego (chorando, agarrando, seguindo) e aumentar seus pedidos de atenção. Essa prática de demonstrar um comportamento extremamente dependente serve para obter uma atenção que a criança não teria de outra maneira. Entretanto, nesse mesmo padrão em que a criança é rejeitada ativamente, ela pode também desenvolver estratégias de ignorar sinais que ativariam o sistema de apego e, defensivamente, não enfatizam sua relação com a figura de apego. Ao mesmo tempo, ela prioriza a exploração de uma maneira que mantenha a 12 figura de apego próxima, mas sem que a se mostrar irritada ou dependente, evitando provocar ainda mais a rejeição. Na visão descrita anteriormente, fica evidente que a qualidade da relação com os pais é mais importante do que a mera quantidade de tempo despendido com os filhos e que esses reflexos são sentidos nas práticas esportivas. 1.3.2 Apoio dos técnicos como fator motivacional Em geral, jovens praticantes de esportes passam grande parte de seu tempo em treinamento, competições e viagens. Nesse contexto, existe uma figura que está mais presente, muitas vezes, do que os próprios pais: os técnicos esportivos. Os técnicos substituem as figuras dos pais em diversas situações por desempenharem um papel que está além da orientação da prática esportiva, contribuindo na orientação da criança para a vida e influenciando sua educação. Sobre o papel dos técnicos esportivos, o treinador esportivo representa quatro personagens distintos: professor, representante, treinador e líder. O técnico ensina uma determinada modalidade esportiva, utilizando, para isso, os recursos da preparação técnica e tática, e recorre às suas características de liderança para influenciar a formação do caráter do jovem competidor. Dessa maneira, podem trabalhar com os pontos fortes e fracos de seus comandados, promover o bem-estar pessoal, a harmonia do grupo e, com todas essas informações, organizar os planos de treinamento e as táticas a serem empregadas. Essas considerações a respeito das funções do técnico e de sua influência no desempenho esportivo apontam para o caráter de formação e desenvolvimento do atleta, nos âmbitos físico, técnico, tático, psicológico e social, liderando os indivíduos para atingirem seus objetivos nessas áreas. As percepções, pelos atletas, de suas necessidades em relação ao técnico ou a relação existente entre o técnico e o atleta reforçam a importância dos atletas e das relações sociais que são estabelecidas nesse processo, consequentemente, isso reflete nas relações estabelecidas entre técnico e atleta e influenciam seu desempenho esportivo. 13 1.3.3 Prazer, diversão e satisfação como fator motivacional da prática esportiva Enfatizar a diversão e o prazer em qualquer prática esportiva na infância é essencial, principalmente quando esses fatores são apontados pelas crianças como as principais motivações para suas participações em treinamentos esportivos, sobretudo na iniciação. A respeito da função das brincadeiras na infância, atribui-se ao brincar da criança um papel decisivo na evolução dos processos de desenvolvimento humano, como maturação e aprendizagem, embora com enfoques diferentes. Por meio dos jogos e das brincadeiras, as crianças desenvolvem comportamento flexíveis relacionados à socialização, essenciais ao modo de vida dos seres humanos. O contexto lúdico e de exploração incorporado nas brincadeiras tem inúmeras funções, como o desenvolvimento de habilidades motoras, a melhoria do desempenho cognitivo, a possibilidade de experimentar a inovação e a criatividade e, além disso, a aprendizagem de aspectos afetivos e de normas sociais, que às vezes podem ser desagradáveis, mas necessários para a convivência com os outros. As crianças envolvidas nos esportes que possuem características lúdicas aprendem, por meio da prática, habilidades sociais competitivas e não competitivas, aprendem sobre a organização social do grupo, aprendem habilidades sociais de comunicação e formam vínculos uns com os outros. Assim, por meio das brincadeiras nos esportes, aprendem sobre si mesmas (suas possibilidadese limitações) sobre os outros e como interagir com eles. As brincadeiras atuam como motivadores da prática, ao mesmo tempo que a satisfação e o prazer podem ser efeitos de uma prática bem-estruturada e determinam a permanência do indivíduo após a iniciação. Os métodos de ensino abertos (exploração, solução de problemas ou descoberta orientada, utilizados na iniciação esportiva e durante o processo da prática esportiva) permitem essa exploração e descoberta de novas soluções para problemas motores, assim como para conflitos sociais. A criatividade e a solução de problemas elevam a 14 autoestima, uma vez que se relacionam com noções de competência. Além disso, por meio das brincadeiras os indivíduos sentem prazer pela possibilidade de controle de situações que podem causar insatisfação e desconforto. Dessa forma, a prática esportiva também colabora para a melhoria da confiança dos indivíduos. 1.3.4 Autoconfiança, auto eficácia e autonomia como fatores motivacionais da prática esportiva A autoconfiança caracteriza-se como um fator motivacional da prática esportiva, uma vez que esta influência tanto o estabelecimento das metas esportivas como a avaliação que o indivíduo faz de si mesmo em relação às suas metas, alcançadas ou não. Isso pode provocar tanto a adesão à prática como o abandono dela. Como já destacado anteriormente, um dos principais fatores que desmotivam o indivíduo a continuar no treinamento esportivo são as expectativas frustradas de desempenho. Autoconfiança refere-se à crença da pessoa em sua habilidade para dominar desafios, bem como para superar obstáculos e dificuldades. Essa característica está diretamente relacionada à percepção de competência do indivíduo, à autoestima e à auto eficácia. Assim como a autoconfiança, a auto eficácia relaciona-se ao julgamento que um indivíduo faz a respeito de sua própria competência em realizar planos de ações para atingir um determinado objetivo. No entanto, o que difere a autoconfiança da auto eficácia é que a autoconfiança caracteriza-se pela crença do indivíduo em sua competência de um modo geral, enquanto a auto eficácia é mais específica em relação aos resultados e situações estabelecidas. O indivíduo que se percebe competente fica mais confiante, mais satisfeito consigo mesmo e pode, por isso, persistir em uma tarefa. No caso do esporte, o atleta permanece mais tempo na prática, mesmo que essa seja pouco satisfatória, pois, mantém o objetivo de melhorar seu desempenho a longo prazo. Existe também o excesso de autoconfiança em um indivíduo, ou seja, uma percepção exagerada de seu próprio sucesso, mas sem as habilidades correspondentes. Isso prejudica a sua autoavaliação em relação às tarefas, na apresentação de um 15 comportamento adequado e, principalmente, afeta sua natureza autocorretiva em relação à essa inadequação. Em outras palavras, no esporte, o atleta é incapaz de ver um comportamento como inadequado e corrigi-lo; em consequência, ao fracassar, pode surpreender-se com tal situação. O ser humano é capaz de construir uma representação interna do universo e de si mesmo. Cada indivíduo avalia sua condição no âmbito físico e no âmbito social, levando em conta a percepção corporal, a propriocepção, o prestígio social, a aprovação do outro, o respeito reconhecido e a segurança proporcionada. A autoestima, a autoconfiança e a auto eficácia são resultados da avaliação interna que cada pessoa faz de si mesma no mundo. Além da autoconfiança e auto eficácia, outro aspecto relacionado à motivação para a prática esportiva é a autonomia. No entanto, a autonomia apenas não é motivadora, mas adquire tal característica quando relacionada à competência, à confiança e à resolução de desafios propostos. A concepção de autonomia refere-se à independência, em que o sujeito assume o poder e o controle em determinada situação. No entanto, isso não equivale à desordem, e sim a uma maneira de gerir e orientar diversas situações que os indivíduos e os grupos encontram em seu meio biológico e social, de acordo com suas próprias leis. Um indivíduo autônomo é aquele que consegue, utilizando o material do aprendizado e por meio da confiança, tomar decisões individuais seguras e acertadas em diversas situações. Em razão do acerto, ele se torna mais confiante e satisfeito com a tarefa, sendo capaz de gerir e adaptar suas práticas futuras com base nas reflexões sobre suas experiências passadas que foram bem-sucedidas. Retomamos, portanto, a importância da segurança sentida nos primeiros anos de vida e do estilo de apego seguro como influências atuais no comportamento do atleta, em busca de sua autonomia. Na interação com professores ou técnicos, a criança segura é menos dependente emocionalmente de seus professores, mas chama-os quando sente que não pode superar sozinha um desafio. Assim, não se trata de deixar a criança para que ela resolva 16 independentemente seus problemas e dificuldades, o técnico e os pais precisam sim estar atentos e podem oferecer ajuda e conforto, quando requisitados, mas também devem encorajar essa criança a desenvolver autonomia e capacidade de resolução de problemas para que ela se sinta motivada pelos desafios. As crianças com apego inseguro apresentam maior probabilidade de baixa autoestima e ansiedade em situações difíceis, mas essa insegurança em si não é necessariamente causada por uma patologia. Existe a possibilidade de estimular o apoio e a autonomia desses indivíduos através de esquemas reforçadores da confiança e da formação de relações seguras. O ambiente esportivo pode fornecer essa base segura para o desenvolvimento da autonomia, e, nesse contexto, o apoio dos colegas, e, principalmente, dos técnicos é fundamental, pois estes representam as figuras de afeto e de segurança que proporcionam tal desenvolvimento. Sendo assim, a autonomia no contexto esportivo pode ser compreendida tanto como um aspecto motivacional, mantenedor da prática, quanto como um produto de um treinamento estimulante e desafiador. O ambiente esportivo possibilita o desenvolvimento da autonomia além do esporte, podendo influenciar a vida do indivíduo. O ambiente esportivo, como dito anteriormente, permite ao ser humano suprir algumas necessidades básicas, como criar uma identidade de grupo, comunicar-se, interagir socialmente. Nesse contexto, a autonomia, além do caráter de satisfazer a necessidade de resolver um desafio proposto ou adquirir experiência é importante por estar relacionada ao desenvolvimento de um status social. A resolução individual do desafio traz um reconhecimento de competência social, pois diferencia o indivíduo dos outros, fortalecendo sua autoconfiança e sua autoestima como um todo. 1.3.5 Determinação como aspecto motivacional da prática esportiva A prática esportiva, muitas vezes sistemática, cansativa, com exigências físicas e emocionais, nem sempre corresponde às necessidades de prazer e satisfação do indivíduo. Mesmo assim, muitos persistem apontando o fator "determinação" como responsável por esse comportamento. 17 Nas bibliografias sobre esporte, embora o comportamento persistente e determinado seja altamente enfatizado, existem poucas definições a respeito do significado real das palavras “determinação” e “persistência”. De um modo geral, ambas remetem à ideia de um comportamento de busca de um objetivo predeterminado, mesmo em situações adversas, insistindo na concretização da meta. Assim, persistência seria a característica do indivíduo de levar adiante qualquer trabalho iniciado de um modo geral. Tendo essa definição como base, a determinação parece relacionar-se com as energias direcionadas a algumas metas selecionadas ou um aspecto específico situacional, utilizando-se, assim, avaliações e estratégias de execução estabelecidas para alcançar o objetivo. Sobre a origemdessa determinação, ou seja, quando uma criança persiste ou quando ela desiste de uma determinada atividade, ela pode estar associada, mais uma vez, à percepção do contexto social. O jovem atleta regula e vê-se regulado pelas ações e impressões dos outros indivíduos da equipe. Crianças cujos padrões de apego foram inseguros (ambivalente e evitativo) respondem ao fracasso com menor esforço e demonstram sinais de desamparo e falta de defesa. Já as crianças seguras tendem a se tornar adultos autoconfiantes, persistentes, que respondem à situações adversas de modo positivo e reforçam sua confiança nas situações favoráveis, fortalecendo a noção de competência e autoestima. A partir dessa base a determinação se torna um componente intrínseco ao sujeito, que o motiva a apresentar um comportamento cada vez mais persistente. Mesmo com a presença de dificuldades, o indivíduo persiste, desde que possua um objetivo bem- definido e a certeza de que isso pode ser alcançado, segundo sua avaliação cognitiva. No esporte, por exemplo, encontramos algumas situações de exclusão, ou até mesmo de bullying, praticadas por colegas e técnicos devido à falta de habilidade de um indivíduo. Também há situações avaliadas como vergonhosas pelos atletas, como a ausência de um bom desempenho e a estagnação de uma marca ou de um resultado que podem contribuir para a não adesão, o abandono ou a diminuição de interesse no esporte. São essas vivências como a percepção de falta de habilidade, perda do status ou mesmo vergonha geradas em contextos esportivos que podem trazer grande 18 impacto no processo de decisão do atleta em desistir dos treinamentos árduos e da carreira esportiva. No ambiente esportivo, também encontramos situações que despertam o orgulho, como ao realizar uma determinada habilidade esportiva bem sucedida, ter um bom desempenho ou ser reconhecido socialmente, o que contribui para elevar a autoestima do indivíduo, pois se sente competente. As situações de sucesso e boa performance alimentam o orgulho, a honra, o reconhecimento e favorecem a continuidade do indivíduo na prática esportiva. No entanto, embora sejam componentes importantes, não são somente as situações pontuais de sucesso ou de fracasso que determinam a manutenção ou o abandono da prática esportiva: a decisão ocorre na percepção que o indivíduo tem da situação. Dois indivíduos podem interpretar de maneiras diferentes a experiência do fracasso, de acordo com sua história de vida, as influências parentais, as pressões sociais e as motivações intrínsecas. As emoções chamadas autoconscientes, como vergonha, humilhação e orgulho, apresentam um forte componente da avaliação própria do indivíduo, assim como das pessoas ao seu redor, que influenciam seus comportamentos de persistência e determinação. Essas bases da avaliação são estruturadas no indivíduo ainda criança, por meio das relações de apego, e são fortalecidas ou não de acordo com o apoio social que receberam, que proporcionaria segurança, conforto e a confiança de que possuem a capacidade de alcançar seus objetivos com competência. Embora as bases do comportamento humano sejam estabelecidas nos primeiros anos de vida, como ressaltado anteriormente, o ser humano é resiliente. Na ausência de uma grande determinação, os motivadores extrínsecos ao sujeito possuem função importante, uma vez que podem sustentar a motivação em busca dos objetivos. Um ambiente acolhedor que desperte os sentimentos de confiança e promova o desenvolvimento da autoconfiança é fundamental, justificando-se, assim, a importância do apoio dos pais e, principalmente, a atuação dos técnicos, durante a vida esportiva dos atletas 19 Conclusão O presente bloco abordou a temática "aspectos psicossociais do treinamento esportivo" e teve como base a crença de que esses aspectos são resultado da influência de fatores evolutivos, culturais e individuais dos seres humanos. Reconhecendo que esse tipo de abordagem resulta em ampla discussão, a temática aspectos psicossociais, que também se caracteriza por ser ampla e abrangente, foi delimitada por seus fatores motivacionais mais relevantes. Os fatores motivacionais para a prática esportiva foram apresentados, abordando de modo amplo as influências da cultura e dos aspectos pessoais na prática do esporte. REFERÊNCIAS GALTON, Francis. Hereditary talent and character. Macmillan's magazine, v. 12, n. 157- 166, p. 318-327, 1865. WEINBERG, Robert S.; GOULD, Daniel. Fundamentos da psicologia do esporte e do exercício. São Paulo: Artmed editora, 2016. REFERÊNCIAS COMPLEMENTARES ARRUDA, M; PORTELLA, D. L. Maturação biológica: uma abordagem para treinamento esportivo em jovens atletas. São Paulo: CREF4, 2018. E-book. CONSELHO REGIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA. Prescrição de exercícios e atividade física para crianças e adolescentes. São Paulo: CREF4, 2018. (Coleção exercício físico e saúde; 3). E-book.