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88 Unidade II Unidade II 5 COMPRIMIDOS – ASPECTOS PRODUTIVOS Neste primeiro tópico continuaremos nossos estudos sobre a forma farmacêutica comprimido. Abordaremos agora todos os aspectos relacionados à produção de comprimidos, como os tipos de maquinários, os tipos de compressão, o controle em processo e os problemas que podem ocorrer na compressão. 5.1 Componentes de uma máquina de comprimir Toda máquina de comprimir possui três componentes fundamentais: • alimentador; • matrizes; • punções. O alimentador é a parte da máquina que distribui a mistura de pós ou granulados à matriz: local em que ocorrerá a compressão propriamente dita, através de dois punções, um inferior e um superior, dando origem ao comprimido. Matrizes e punções definirão o tamanho e a forma do comprimido. A figura a seguir aponta punções e matrizes envolvidos no processo de compressão. Punção superior Punção superior Punção inferior Punção inferior Compressão Comprimido Matriz M at riz A) B) Figura 44 – (a) Jogo de matriz e punções (superior e inferior) (A) e matriz (alimentada com pó/granulado) e punções envolvidos na obtenção de comprimidos (B) Adaptada de: Kalies, Heinrich e Leopold (2020). 89 TECNOLOGIA FARMACÊUTICA 5.2 Condições e fases da compressão São três as condições para obtenção de comprimidos, chamadas fases de compressão: alimentação, compressão e ejeção. A figura a seguir ilustra as três fases da compressão. É possível observar que a alimentação é a etapa em que ocorre o preenchimento da matriz com a mistura de pós ou granulados devido à ação da gravidade, ou seja, quando o punção inferior está na posição mais baixa, e o alimentador sobre ele, a mistura simplesmente cai, completando esse espaço. A compressão refere-se à etapa de formação do comprimido. O punção superior desce, exercendo força e comprimindo a mistura até que o comprimido seja formado. Nesse momento, o punção inferior pode contribuir ou não com a força de compressão, dependendo do tipo de máquina. Após a compressão e obtenção do comprimido, o punção superior se afasta e o Punção inferior se eleva até alcançar o nível superior da matriz, realizando a ejeção do comprimido, o qual é empurrado para fora da máquina e coletado. Matriz, vista de cima Sapata do alimentador Grânulos Matriz, corte Punção inferior Posição 1 Posição 2 Posição 3 Posição 4 Punção superior elevado; Punção inferior na posição mais baixa Alimentador se move e posiciona-se sobre a matriz, e o granulado preenche a matriz Alimentador se afasta. Punção superior desce comprimindo os grânulos a um comprimido Punção superior se move para cima. punção inferior eleva-se para ejetar o comprimido. O ciclo é reiniciado Figura 45 – Representação esquemática das fases da compressão 90 Unidade II 5.3 Máquinas de comprimir Há dois tipos de máquinas de comprimir, também chamadas de compressoras ou prensas: as rotativas e as excêntricas. Estudaremos em detalhes cada uma delas a seguir. 5.3.1 Máquina excêntrica Essa compressora também é conhecida como alternativa ou prensa de estação única (single-punch press), pois possui apenas uma matriz e um jogo de punções. A figura 46 demonstra o funcionamento desse tipo de máquina, e a figura 47 ilustra uma foto. Direção do movimento 1) Alimentador Punção superior Punção inferior Matriz 4)3) 2) 5) 6) Comprimido Figura 46 – Funcionamento de uma máquina de comprimir excêntrica 91 TECNOLOGIA FARMACÊUTICA Figura 47 – Compressora de estação única (single-punch press) Disponível em: https://bit.ly/3OjQu8e. Acesso em: 18 abr. 2022. Saiba mais É possível visualizar o funcionamento de uma máquina de comprimir de estação única através do link: VIDEO for single punch tablet press machine. 2012. 1 vídeo. (1min). Publicado por 叶子先生雪球游乐场. Disponível em: https://bit.ly/3OjdJ2a. Acesso em: 18 abr. 2022. 5.3.2 Máquina rotativa Também chamada de prensa rotativa ou prensa multiestação, pois as matrizes e os punções estão dispostos em círculo, girando para realizar as três etapas da compressão. Os conjuntos de matrizes e punções podem variar desde três, para máquinas pequenas, até dezenas, para as prensas maiores. 92 Unidade II Saiba mais Para observar a representação esquemática do funcionamento de uma máquina rotativa, consulte o capítulo 3.3.1, Rotational press, página 14, da referência a seguir: KOSIMOV, Y. Effect of the compaction speed on the compressional behaviour of binary mixtures containing microcrystalline cellulose and starch. Finlândia: Universidade de Helsinki, 2016. Disponível em: https://bit.ly/36q4Um8. Acesso em: 19 abr. 2022. Também é possível visualizar o funcionamento de uma máquina de comprimir rotativa através do link a seguir: I HOLLAND: the tabletting cycle. 2017. 1 vídeo. (1min). Publicado por I Holland. Disponível em: https://bit.ly/3Mcjwon. Acesso em: 18 abr. 2022. 5.4 Diferenças entre máquinas rotativas e excêntricas Existem diferenças significativas entre as máquinas de comprimir. Vejamos quais são elas no quadro a seguir. Quadro 6 Máquinas excêntricas Máquinas rotativas Produção em pequena escala. Usadas para pesquisa e desenvolvimento farmacotécnico Geralmente, destinadas à produção em larga escala. Podem produzir até 10 mil comprimidos por minuto Equipamento de baixo custo Equipamento de custo elevado A limpeza e troca de matrizes e punções são relativamente fáceis Limpeza e troca de matrizes e punções são complexas Costumam produzir muito ruído Menos ruído quando em operação Alimentador se movimenta Alimentador é fixo Matrizes e punções são fixos Matrizes e punções se movimentam Apenas o punção superior realiza a força de compressão Punção superior e punção inferior realizam a compressão Comprimidos menos homogêneos em relação à dureza Comprimidos de dureza mais homogênea 5.5 Forma e tamanho dos comprimidos Como mencionado anteriormente, a forma e as dimensões dos comprimidos dependem da forma e das dimensões dos punções e das matrizes utilizados (figura a seguir). O volume de enchimento e a pressão durante o processo de compressão também têm influência nesses aspectos. 93 TECNOLOGIA FARMACÊUTICA Figura 48 – Matrizes e punções de formatos e tamanhos variados Fonte: Devay (2013, p. 361). Na figura a seguir podemos observar formatos comuns de comprimidos. Visto de cima Redondo, plano Comprimido redondo, plano com borda chanfrada Formato de cápsula Oblongo, convexo Oval, convexo Redondo, convexo Visto de frente Visto de lado Figura 49 – Formas de comprimidos Adaptada de: Devay (2013). 94 Unidade II A massa final do comprimido é diretamente dependente do espaço criado pela matriz, que, por sua vez, determinará o volume de enchimento. Assim, caso seja necessária uma massa maior, será preciso regular a máquina criando mais espaço de matriz. Se for preciso diminuir a massa do comprimido, diminui-se o espaço da matriz e, consequentemente, o volume de enchimento. Isso é realizado ajustando-se um parafuso capaz de regular a capacidade da matriz. 5.6 Compressão da mistura A compressão da mistura de pós ou grânulos pode ser realizada de três maneiras: compressão direta, compressão por granulação via úmida e compressão por granulação via seca. Cada um desses métodos será abordado a seguir. 5.6.1 Compressão direta O processo de compressão direta envolve duas operações primárias: mistura e compressão (figura a seguir). Comparada à compressão por granulação, a compressão direta oferece inúmeras vantagens que a tornam cada vez mais atrativa para a indústria farmacêutica, como menor número de equipamentos e operadores, menor utilização de espaço físico, produção mais rápida e, consequentemente, menor custo e maior produtividade. Número reduzido de etapas também significa menos validações de processos e qualificações de equipamentos, diminuindo o risco de produtos fora de especificação. Fármacos termolábeis e sensíveis à umidade se beneficiam da não exposição ao calore ao umedecimento, e a forma farmacêutica tende a se desintegrar e dissolver mais rapidamente devido à maior área de superfície das partículas primárias (quando comparadas aos grânulos) (SAUSEN; MAYORGA, 2013). Redução de tamanho Mistura Excipientes intragranulares Compressão Figura 50 – Etapas do processo de compressão direta de pós Adaptada de: Leane, Pitt e Reynolds (2014). Apesar de ser consideravelmente menos complicada que a compressão por granulação seca ou úmida, a compressão direta é mais dependente das propriedades de partícula de fármaco e excipientes para uma execução bem-sucedida. O tamanho médio e a distribuição das partículas, juntamente com a forma da partícula, são particularmente críticos para a compressão direta, uma vez que não existe um passo de processamento subsequente para mitigar essas propriedades desfavoráveis. As características de partícula impactam a uniformidade, a compressibilidade, a fluidez e a aderência da mistura, fatores decisivos para uma formulação de compressão direta passível de fabricação em larga escala. Por exemplo, propriedades como tamanho de partícula pequeno e morfologia semelhante à agulha podem levar a problemas como fluxo ruim, dificuldades na mistura e adesão indesejada a superfícies do maquinário. 95 TECNOLOGIA FARMACÊUTICA Fármacos de dose elevada, que não apresentem as características de mistura para serem diretamente compressíveis, requerem excipientes que tornem essa técnica de produção viável. Embora os princípios que governam a compressão direta sejam conhecidos há décadas, a técnica só se tornou mais comum com a introdução de excipientes especificamente projetados para este fim. Além dos atributos gerais que todo excipiente deve ter, como compatibilidade, estabilidade, ser inerte e disponibilidade de mercado, adjuvantes para compressão direta devem apresentar boas propriedades de fluxo e compressão, alta densidade aparente e distribuição de tamanho de partículas similar à maioria das substâncias ativas, evitando, assim, a segregação durante o processamento. Observe a seguir exemplos de excipientes com boas características de fluxo e compactibilidade para compressão direta: • lactose spray-dryed: solução atomizada e seca por spray dryer, produzindo predominantemente partículas esféricas de lactose monohidratada e lactose amorfa; • celulose microcristalina; • manitol. Além desses excipientes tradicionais, estão disponíveis no mercado os adjuvantes coprocessados (multifuncionais). Trata-se de uma mistura de duas ou mais substâncias com propriedades interessantes à formulação em questão e à compressão direta. Assim, é possível combinar diversas características (diluente, aglutinante, deslizante, desagregante, com bom fluxo) em um único excipiente (quadro a seguir). Quadro 7 – Marcas registradas de excipientes para compressão direta Produto Composição Propriedades Ludipress 93,4% α-lactose monohydrate, 3,2% polyvinyl pyrrolidone, 3,4% crospovidone Boas propriedades de fluxo Cellactose 75% α-lactose monohydrate, 25% celulose Boa fluidez e compactabilidade Pharmatose DCL 40 95% β-lactose e 5% lactitol anidro Boa fluidez, aglutinante, baixa absorção de água mesmo em ambientes de alta umidade Prosolv 98% celulose microcristalina, 2% dióxido de silício coloidal Fluidez e compressibilidade Adaptado de: Gohel e Jogani (2005). 5.6.2 Compressão por granulação via seca O processo de compressão por granulação via seca também pode ser chamado de dupla compressão, uma vez que, primeiro, pode ocorrer a formação dos slugs (comprimidos grandes e imperfeitos) e, após estes serem triturados para obtenção dos grânulos, ocorre a calibração, mistura para adição de componentes extragranulares, como lubrificantes, por exemplo, e nova compressão (figura a seguir). 96 Unidade II Redução de tamanho Mistura Excipientes intragranulares Compactação por rolo Compressão Mistura Excipientes extragranulares Trituração e calibração dos grânulos Figura 51 – Etapas do processo de compressão através de granulação via seca Adaptada de: Leane, Pitt e Reynolds (2014). Observação Na produção de comprimidos, a granulação por via seca é utilizada quando a massa de fármaco é muito alta para compressão direta ou quando o fármaco é sensível ao calor e à umidade, como o ácido acetil salicílico e vitaminas. 5.6.3 Compressão por granulação via úmida A compressão por granulação úmida requer que a mistura de pós previamente preparada seja misturada a um líquido de granulaçãG, que os grânulos obtidos sejam secos, calibrados e, depois, misturados com excipientes extragranulares, se for o caso, inclusive com lubrificantes; finalmente, os grânulos são comprimidos (figura a seguir). A granulação úmida é um processo mais complexo do que a granulação seca ou a compressão direta, mas é capaz de lidar com uma gama mais ampla de propriedades do fármaco e transformá-lo em grânulos com propriedades superiores em termos produtivos. 97 TECNOLOGIA FARMACÊUTICA Redução de tamanho Mistura Excipientes intragranulares Líquido de granulação Granulação úmida Granulador Compressão Comprimido Fármaco Mistura Excipientes extragranulares Calibração de grânulos Exaustão de ar Saída de ar Secagem Mistura Mistura Figura 52 – Etapas do processo de compressão através de granulação via úmida Adaptada de: Leane, Pitt e Reynolds (2014). Observação A granulação úmida é apropriada para substâncias que não são afetadas pela umidade e calor, fármacos em alta dosagem ou quando o pó apresenta-se como cristais finos (fluxo ruim). Exemplo de aplicação A sulfadiazina de prata é um fármaco que se apresenta como pó, na forma de cristais finos e brancos ou branco amarelados, praticamente insolúvel em água, clorofórmio e éter; ligeiramente solúvel em etanol, solúvel em ácidos minerais diluídos e em soluções de hidróxidos e carbonatos alcalinos. Estável frente à umidade e ao calor, mas decomposta lentamente na presença de luz. Analisando a fórmula de um comprimido de sulfadiazina de prata e as informações fornecidas, qual o método de compressão mais apropriado? Tabela 7 Sulfadiazina de prata 500 mg Celulose microcristalina 250 mg Amidoglicolato de sódio 50 mg Solução de goma acácia 20% 0,1 mL Estearato de zinco 10 mg 98 Unidade II Três informações se destacam no enunciado para o processo de compressão: • a dose de fármaco é elevada: 500 mg; • o fármaco apresenta-se em forma de pó como cristais finos; • o fármaco mostra-se estável na presença de calor e umidade. Substâncias com partículas em forma de cristais finos apresentam um deslizamento ruim, não sendo a compressão direta recomendada para esse tipo de fármaco. Além disso, a alta dose de sulfadiazina é outro fator que contraindica a compressão direta, a qual é mais apropriada para fármacos de dosagens intermediárias. Assim, torna-se necessário granular para obter melhor propriedade de fluxo. Como a sulfadiazina é estável na presença de umidade e calor, a granulação úmida torna-se uma alternativa interessante: além de melhorar o fluxo da mistura, proporcionará grânulos com boa integridade física. De forma resumida, podemos dizer que os componentes são previamente pesados e tamisados. Sulfadiazina, diluente (celulose microcristalina) e desintegrante (amidoglicolato de sódio) são, então, misturados. Adiciona-se o aglutinante (solução de goma acácia) até o ponto ideal para granular. Posteriormente, os grânulos são secos, calibrados, misturados com lubrificante (estearato de zinco) e comprimidos. Lembrete A granulação úmida é um processo mais complexo do que a granulação seca ou a compressão direta, entretanto, é capaz de lidar com uma gama mais ampla de propriedades do fármaco e transformá-lo em grânulos com propriedades superiores em termos produtivos. 5.7 Fatores que afetam a produção de comprimidos Vejamos mais detalhadamente alguns fatores que podem afetar a produção de comprimidos e como podemos determiná-los. 5.7.1 GranulometriaTamanho, forma e uniformidade das partículas têm impacto na eficiência da mistura, nas propriedades de fluxo, no enchimento e na compactação. Pós tendem a ser mais coesivos que grânulos, os quais escoam melhor. Tamisação é o método mais amplamente utilizado para determinação da distribuição do tamanho de partículas, pois é barato, simples, rápido e com pouca variação entre operadores (MULLA; HAJARE; DOIJAD, 2016). Os tamises são operados por dispositivo mecânico que reproduz os movimentos horizontais e verticais da operação manual, através da ação mecânica uniforme. Deve-se separar, ao 99 TECNOLOGIA FARMACÊUTICA menos, quatro tamises, de acordo com as características da amostra. Então, são determinados os tamises cujas dimensões das malhas são decrescentes, do tamis superior ao tamis inferior. Pesam-se cerca de 25 g da amostra (dependendo da natureza do material, densidade do pó ou grânulo e do diâmetro dos tamises a serem utilizados). A amostra é transferida para o tamis superior, distribuindo o pó/granulado uniformemente. O equipamento funciona por 15 minutos, com vibração adequada. Depois, o pó retido em cada tamis e no coletor é transferido para um papel e pesado (BRASIL, 2019). A faixa de distribuição de tamanho das partículas do pó/granulado poderá ser determinada pela equação a seguir: % .retidapelotamis P P = 1 2 100 P1 = peso da amostra retida em cada tamis (em gramas) P2 = soma dos pesos retidos em cada tamis e no coletor (em gramas) 5.7.2 Determinação do ângulo de repouso A determinação do ângulo de repouso é realizada para avaliar a capacidade de fluxo ou escoamento da mistura, pois, caso essa propriedade seja ruim, a mistura não deslizará adequadamente pelo maquinário, não preenchendo completamente as matrizes. O fluxo de pó pode ser avaliado pelo ângulo de repouso que um pó ou granulado faz quando derramado sobre uma superfície plana (isto é, o ângulo medido entre a superfície plana e a superfície do cone do pó/granulado). Desse modo, um funil com saída larga é afixado a uma distância de 10 cm acima da bancada, onde um pedaço de papel é colocado diretamente abaixo do funil. O pó/granulado é adicionado enquanto o funil está fechado. O conteúdo flui e se acumula no papel, conforme ilustra a figura a seguir. r h A) B) Figura 53 – Representação esquemática da determinação do ângulo de repouso (A) e foto de equipamento para realização dessa análise (B) B) Disponível em: https://bit.ly/3v6EX4x. Acesso em: 20 abr. 2022. 100 Unidade II O raio do cone formado e a altura são medidos com régua. O ângulo de repouso (α ) é calculado a partir da determinação da tangente da altura dividida pelo raio. tg h r � � A relação entre propriedades de fluxo e ângulo de repouso foi estabelecida, conforme se observa no quadro a seguir. Quadro 8 – Correlação entre característica do pó e ângulo de repouso Fluidez esperada Ângulo de repouso Excelente/fluxo muito livre 25-30 Bom/fluxo livre 31-35 Razoável 36-40 Aceitável 41-45 Fluxo pobre/coesivo 46-55 Fluxo muito pobre/muito coesivo 56-65 Praticamente nenhum fluxo > 66 5.7.3 Determinação da densidade da mistura de pós Densidade aparente O modo mais simples para determinar a densidade aparente é por meio do emprego de um cilindro graduado (proveta). Após a pesagem, a amostra de pós é tamisada em tamis de malha larga (número 10 ou 20, por exemplo) para quebrar os aglomerados que possam ter se formado durante o armazenamento e depois é transferida para o equipamento. Numa proveta graduada seca de 250 ml (legível até 2 ml), introduz-se suavemente, sem compactar, cerca de 100 g da amostra de ensaio (m) pesada com 0,1% de precisão. O pó é nivelado cuidadosamente sem compactar, se necessário, e procede-se à leitura do volume ocupado pelo material no teste. A densidade aparente é calculada a partir da relação entre a massa e o volume ocupado pelo pó. d m va a = Geralmente, repetições de determinações são desejáveis para a determinação dessa propriedade. A avaliação da densidade aparente determinará a escolha do tamanho do material de embalagem ou da cápsula a ser utilizada. 101 TECNOLOGIA FARMACÊUTICA Densidade compactada A determinação da densidade compactada pode ser realizada empregando-se o aparato mecânico específico de acordo com padronizações farmacopeicas, como ilustrado na figura a seguir. Figura 54 – Equipamento para avaliação de densidade compactada (tapped density testing), de acordo com os métodos 1 e 2 da Farmacopeia Americana Disponível em: https://bit.ly/3xIkSTM. Acesso em: 18 abr. 2022. Após a pesagem, a amostra de pós é tamisada em tamis de malha larga (número 10 ou 20, por exemplo) para quebrar os aglomerados que possam ter se formado durante o armazenamento e depois é transferida para o equipamento. Este realiza 10, 500 e 1.250 batidas na amostra de pó; então, deve-se ler os volumes correspondentes V10, V500 e V1250 para a unidade graduada mais próxima. Se a diferença entre V500 e V1250 for menor ou igual a 2 ml, V1250 é o volume compactado. Se a diferença entre V500 e V1250 exceder 2 ml, repita em incrementos, como 1.250 batidas, até que a diferença entre as medições sucessivas seja menor ou igual a 2 ml. Menos batidas podem ser apropriadas para alguns pós, quando validado. A densidade compactada é calculada a partir da relação entre a massa e o volume compactado. d m vc c = 102 Unidade II Saiba mais Você pode verificar o ensaio para determinação da densidade compactada através do link a seguir: ERWEKA SVM tapped density tester. 2021. 1 vídeo. (1min). Publicado por Erweca. Disponível em: https://bit.ly/3ryop38. Acesso em: 18 abr. 2022. 5.7.4 Fator de Hausner O fator ou proporção de Hausner é um indicador da compressibilidade da mistura e do grau de interação entre as partículas e permite classificar os sólidos quanto ao fluxo. Pode ser determinado através da razão entre as densidades compactada e densidade aparente: FH d d c a = FH = Fator de Hausner dc = densidade compactada da = densidade aparente A classificação do fluxo dos sólidos, de acordo com o fator de Hausner, pode ser observada na figura a seguir. > 1,60 Fluxo coesivo, Muito, muito pobre 1,46 - 1,59 Muito pobre 1,35 - 1,45 Pobre 1,26 - 1,34 Passível 1,19 - 1,25 Razoável 1,12 - 1,18 Bom 1,00 - 1,11 Excelente Figura 55 – Classificação da mistura de acordo com o fator de Hausner 5.7.5 Índice de compressibilidade (índice de Carr) Assim como o fator de Hausner, o índice de Carr é indicativo da compressibilidade da mistura e do grau de interação entre as partículas, e permite classificar a mistura quanto ao escoamento. O índice de compressibilidade pode ser facilmente calculado pela equação: IC d d d c a c % � � �100 103 TECNOLOGIA FARMACÊUTICA IC = índice de Carr dc = densidade compactada da = densidade aparente A figura a seguir aponta a capacidade de escoamento da mistura de pós/granulados de acordo com os valores de índice de compressibilidade. > 38 Fluxo coesivo, Muito, muito pobre 32 - 37 Muito pobre 26 - 31 Pobre 21 - 35 Passível 16 - 20 Razoável 11 - 15 Bom 1 - 10 Excelente Figura 56 – Característica da mistura de acordo com o índice de Carr Adaptada de: Leane, Pitt e Reynolds (2014). 5.8 Problemas na compressão As complicações da compressão apenas se tornam aparentes no final do processo de produção ou após processos subsequentes, como revestimento ou embalagem, afetando mesmo as formulações de comprimidos disponíveis no mercado. 5.8.1 Capping e laminação As causas do capping e da laminação ainda não são completamente compreendidas. Tanto o capping quanto a laminação levam a falhas irreversíveis do comprimido. Ambos são acompanhados pelo aparecimento de fissuras paralelas ao longo da altura do comprimido, com o capping mostrando uma separação paralela total da parte superior ou inferior, enquanto a laminação se dá por rachaduras multicamadas parciais paralelas à superfície do comprimido. MicrofissurasCapping Laminação Figura 57 – Fissuras que podem se formar nos comprimidos durante ou após a compressão, com destaque para capping e laminação Capping e laminação estão ligados às propriedades das partículas da formulação do comprimido e às condições do processo. Assim, são considerados fatores causadores de capping ou laminação: • formatos dos punções; • velocidade da máquina de compressão; 104 Unidade II • força de compressão; • características de deformação da formulação (recuperação elástica); • concentração de aglutinante; • volume de ar aprisionado; • fricção com a parede da matriz. Observe a seguir algumas abordagens para evitar esses problemas: • mudança do tipo e/ou teor de aglutinante; • variação do teor de umidade residual da formulação; • ajuste da velocidade da máquina e força de compressão. Substituição de componentes da formulação (por exemplo, com propriedades de deformação plástica ou quebradiça) ou uma alteração da composição da formulação (concentrações crescentes de aglutinante ou lubrificante) são custosos e demorados (KALIES; HEINRICH; LEOPOLD, 2020). B)A) Figura 58 – Imagens de falhas de comprimidos: capping (A) e laminação (B) Adaptada de: Mazel, Desbois e Tchoreloff (2019). 5.8.2 Sticking Sticking é um termo amplo, relacionado à aderência do comprimido ao maquinário, utilizado quando várias camadas do material sólido ficam aderidas aos punções. Contudo, além do termo sticking, podemos encontrar outros, como filming (quando uma monocamada do material fica aderida ao punção, tornando o comprimido mais opaco e menos atraente) ou picking (relacionado ao relevo do punção, na área do logotipo). 105 TECNOLOGIA FARMACÊUTICA Sticking em punção Sticking em letras e números Sticking em comprimidos Sticking em punções Figura 59 – Sticking no maquinário e efeito nos comprimidos Fonte: Chattoraj et al. (2018, p. 3). São considerados fatores causadores de sticking: • umidade ambiente; • propriedades do fármaco; • o método de produção do comprimido; • maquinário: — baixa qualidade e falta de homogeneidade do metal que compõe as peças permitem que grânulos penetrem e se acumulem; — formato do comprimido, concavidade, logotipos, letras e relevos; — rugosidade da ferramenta. Entre as possibilidades para evitar a aderência estão: ajuste da quantidade de lubrificante (antiaderente) na mistura do pó/granulado; mudança das condições de umidade durante a produção; 106 Unidade II uso de maquinário de elevada qualidade de metal, como aço inoxidável, de baixa rugosidade, revestido com crômio (material que proporciona deslizamento elevado); adequação da técnica de produção, forma dos comprimidos e inscrições, se possível. 6 FORMAS FARMACÊUTICAS REVESTIDAS Os revestimentos vêm sendo aprimorados há mais de mil anos. A literatura mostra que os primeiros registros datam do século IX, entre os anos de 800 e 900. O processo de revestimento é derivado de estratégias usadas para a conservação de alimentos. Pesquisadores franceses no século XVII contribuíram com o assunto estudando o revestimento com açúcar como forma de mascarar o sabor desagradável dos fármacos. O método de revestimento de pílulas com açúcar foi patenteado entre os anos de 1837 e 1840 (LACHMAN; LIEBERMAN; KANIG, 2001). Você já parou para pensar por que as formas farmacêuticas são revestidas? A seguir estão listados os motivos: • liberar o fármaco somente no intestino (revestimento gastrorresistente), protegendo o fármaco contra o ácido gástrico; • evitar irritação gástrica; • melhorar a estabilidade do fármaco; • conferir liberação lenta; • mascarar o sabor amargo de alguns fármacos; • isolar alguma substância das demais por conta de incompatibilidades; • melhorar a aparência e ajudar na identificação do produto; • facilitar o processo de acondicionamento em máquinas; • diminuir a chance de contaminação cruzada. A lista de motivos para revestir uma forma farmacêutica sólida é grande. Um exemplo clássico é revestir comprimidos e cápsulas de omeprazol para impedir que o ácido gástrico o degrade. Também observamos que algumas formas farmacêuticas contendo ácido acetil salicílico, diclofenaco e naproxeno, por exemplo, recebem revestimento para que sejam liberados no intestino e não causem irritação gástrica. Em relação à estabilidade do fármaco, sabe-se que o revestimento é usado como proteção para fármacos que sofrem oxidação (vitaminas C e E e sulfato ferroso heptahidratado) pelo contato com o oxigênio presente no ar. 107 TECNOLOGIA FARMACÊUTICA Alguns medicamentos também são revestidos para impedir que o fármaco se hidrolise após contato com a umidade do ar. Como exemplos, temos o ácido acetil salicílico e o cloranfenicol. Se considerarmos o aumento na estabilidade, por meio de raciocínio lógico concluímos que existe a possibilidade de aumentar o tempo de prateleira do produto após a realização dos testes de estabilidade necessários. Os revestimentos também são usados para conferir liberação lenta para uma parte do fármaco. Um exemplo é revestir o núcleo do comprimido, que demora mais para liberar seu conteúdo. Essa estratégia é interessante quando se deseja que o fármaco seja liberado mais lentamente no organismo. Muitos fármacos e excipientes possuem sabor desagradável, sendo interessante revestir as formas farmacêuticas para que essas substâncias não entrem em contato com as papilas gustativas encontradas em nossa língua. Algumas substâncias podem ser isoladas das demais com o uso de revestimentos quando são incompatíveis. É fato que os revestimentos podem trazer uma característica visual mais interessante à forma farmacêutica – podem ser coloridos e brilhantes. Essas cores também podem ajudar na identificação do produto (AULTON; TAYLOR, 2016). Outro aspecto importante do revestimento é que ele aumenta a resistência mecânica e a resistência à abrasão, diminuindo quebras e facilitando o acondicionamento em blisters (cartelas de comprimidos) e frascos. O revestimento também impede que os comprimidos liberem pó nas máquinas e, assim, diminui-se a chance de ocorrer contaminação cruzada. Observação Contaminação cruzada é a contaminação de matéria-prima, produto acabado ou intermediário com qualquer outro tipo de substância ou produto. Ela pode ocorrer em equipamentos, superfícies ou vidrarias mal higienizadas etc. Analisando-se os motivos para se usar revestimento em formas farmacêuticas, percebe-se que o seu uso pode aumentar a adesão do paciente à terapia medicamentosa. Exemplo de aplicação Separe os medicamentos (comprimidos) que você possui em casa e faça uma pesquisa lendo a bula e outros materiais para tentar descobrir, primeiro, se são revestidos; em caso afirmativo, pesquise o motivo de serem revestidos. 108 Unidade II 6.1 Revestimentos Os revestimentos podem ser classificados em: • funcionais: liberação modificada do fármaco; • não funcionais ou convencionais: proteção do fármaco ou melhora na aparência do produto. Também podemos dividir os revestimentos em três diferentes tipos, que diferem quanto a composição, maquinário etc. São eles: • açúcar (drageamento); • película (polímeros); • a seco (por compressão). Com a intenção de facilitar o aprendizado, estudaremos os três tipos em separado. 6.1.1 Revestimento com açúcar (drageamento) Esse é o método de revestimento mais antigo, também chamado de tradicional. Drágea é o nome dado aos comprimidos revestidos com açúcar. A palavra se originou do francês drageé, que significa amêndoa com cobertura de açúcar. Esse método é realizado em várias etapas, conforme o quadro a seguir. Quadro 9 Etapas Observações Impermeabilização do núcleo Confere proteção contra água. Substâncias usadas: goma laca, acetoftalato de celulose e acetoftalato de polivinila Revestimento primário Três a quatro camadas de xarope de sacarose + gelatina + goma arábica + PVP (polivinilpirrolidona). Comprimido adquire formato arredondado nessa etapa Alisamento Comprimido recebemais algumas camadas de xarope espesso Coloração Em outra turbina são revestidos com solução contendo corante Impressão Máquina específica de impressão para gravar símbolos ou marca de identificação Polimento Em turbina distinta, os comprimidos são expostos à cera de carnaúba ou de abelha Adaptado de: Prista (2011). Antigamente, o procedimento demorava mais de um dia por conta das várias etapas necessárias, pelos equipamentos usados e pela necessidade de funcionários especializados. Como você deve ter percebido, os comprimidos recebem várias camadas de revestimento com várias substâncias, resultando em comprimidos muitas vezes com o dobro do peso e do tamanho original (ALLEN JUNIOR; POPOVICH; ANSEL, 2013). 109 TECNOLOGIA FARMACÊUTICA Com o avanço dos sistemas de secagem, a automaticidade dos equipamentos modernos e o uso de polímeros hidrossolúveis junto ao xarope, hoje esse processo de revestimento ficou muito mais rápido, podendo ser completado em algumas horas. Os equipamentos usados são turbinas/bacias que contêm introdução de ar quente (secagem) e exaustor para retirar o ar úmido e materiais particulados. A introdução dos líquidos de revestimento, feita manualmente no passado, é atualmente realizada de forma automatizada com sprays. 6.1.2 Revestimento pelicular O laboratório Abott foi o primeiro a comercializar comprimidos revestidos por película, em 1953. Esse é o tipo de revestimento mais usado atualmente, pois, se compararmos com o drageamento, perceberemos que ele é realizado em única etapa e leva no máximo duas horas. Além disso, o tamanho e o peso das formas farmacêuticas aumentam em uma faixa de apenas 2 a 3% (AULTON; TAYLOR, 2016). O revestimento pelicular é composto de polímeros, corantes, solventes e plastificantes. Dependendo do polímero e de sua concentração, o revestimento pode conferir a característica de liberação modificada ao fármaco, atuar como barreira contra oxigênio, umidade etc. e aumentar a resistência mecânica e à abrasão. A viscosidade desse revestimento não deve ser alta, facilitando sua aspersão/atomização no equipamento (figura a seguir). Aspersão do revestimento sobre os comprimidos Figura 60 – Aspersão de revestimento pelicular Observação O termo aspersão, nesse caso, se refere ao ato de se lançar um líquido, dividido em pequenas gotículas, sobre os comprimidos. Pulverização e atomização são sinônimas. 110 Unidade II A mistura de excipientes encontrada no revestimento se apresenta sob forma de solução ou suspensão, sendo adicionada ao equipamento e lançada por aspersão sobre a forma farmacêutica. Nesse processo, o solvente é evaporado por ar quente, restando os outros excipientes, os quais formarão o revestimento. 6.1.3 Revestimento a seco Também chamado de revestimento por compressão ou press coating, é o menos usado dos três por exigir um equipamento específico, que só tem essa aplicação. Os outros equipamentos usados para os revestimentos peliculares e de açúcar podem ser utilizados para outros fins, a exemplo da granulação. Todavia, esse método possui uma grande vantagem, que é inserir substâncias incompatíveis em diferentes camadas de revestimento. O equipamento é alimentado com o revestimento na forma de pó ou granulado. Esse material enche a câmara de compressão, o equipamento insere o núcleo do comprimido e, posteriormente, insere a última parte do revestimento sólido. Dessa forma, o núcleo do comprimido fica envolvido por todos os lados. A última etapa é a compressão feita pelos punções para formar o comprimido revestido. Revestimento Núcleo do comprimido Figura 61 – Processo de revestimento a seco. As setas indicam o movimento vertical dos punções inferiores e superiores 6.1.4 Excipientes usados nos revestimentos Nos revestimento por açúcar (drageamento) utiliza-se goma laca, acetoftalato de celulose ou acetoftalato de polivinila para impermeabilizar o núcleo do comprimido. Essas substâncias isolam o núcleo e protegem o fármaco de umidade e oxigênio, sendo úteis na proteção de fármacos higroscópicos, oxidáveis e hidrolisáveis. Adicionalmente, conferem gastrorresistência. Os revestimentos são feitos com soluções concentradas de sacarose, carbonato de cálcio ou talco, podendo conter goma arábica para melhorar a adesão do revestimento à superfície do comprimido. A gelatina aumenta a elasticidade do revestimento. Os corantes e as ceras de carnaúba ou de abelha (polimento) também são usados. 111 TECNOLOGIA FARMACÊUTICA No revestimento pelicular, o polímero hidrossolúvel mais usado é a HPMC (hidroxipropilmetilcelulose), resultando em um filme resistente. Outros derivados de celulose usados são a metilcelulose (insolúvel em água) e a hidroxipropilcelulose. Os copolímeros de ésteres de metacrilato e metacrilato de amônio são utilizados, apesar de serem insolúveis em água em pH baixo (estômago), pois podem fornecer liberação modificada para o fármaco. A qualidade de um revestimento está relacionada à adesão do polímero à superfície do comprimido, que, por sua vez, depende das interações (ligações de hidrogênio, dipolo-dipolo e dipolo-induzido). Quanto maior a força de interação, maior a adesão do revestimento (FELTON; MCGINITY, 1999). Aqueles polímeros que possuem maior peso molecular normalmente produzem revestimentos mais resistentes a rachaduras. Os plastificantes são usados para o revestimento pelicular por tornarem os filmes mais flexíveis e resistentes. São exemplos o polietilenoglicol 400 (PEG 400), o dietilftalato e o óleo de coco fracionado. Os pigmentos (insolúveis em água) são mais usados que os corantes (hidrossolúveis) porque são mais fotoestáveis. Os exemplos são pigmentos de óxido de ferro, lacas de alumínio e dióxido de titânio. Os solventes possuem a função de veicular ou carregar o polímero e os outros componentes até a superfície dos comprimidos. Na década de 1950, os mais usados eram orgânicos, porém, como é sabido, esses solventes trazem um série de transtornos, como aumento de custo de produção – pelo risco de incêndios e explosões –, contaminação do meio ambiente e resíduos no produto acabado. Com todas essas questões, a indústria foi substituindo aos poucos esses solventes por água, álcool e misturas hidroalcóolicas em diferentes proporções. 6.1.5 Equipamentos usados para revestimento Durante muitos anos o processo de revestimento foi por drageamento, utilizando-se bacias tradicionais. O método mais usado atualmente (pelicular) foi introduzido em 1953, com o equipamento criando uma suspensão em corrente de ar quente. De modo geral, os equipamentos são divididos da seguinte maneira: • bacias tradicionais; • bacias perfuradas; • leito fluidizado. Com o passar dos anos, os equipamentos foram desenvolvidos a fim de realizar os revestimentos de forma mais rápida, automática, homogênea e com menor gasto de energia. 112 Unidade II As bacias giram sobre um eixo horizontal por meio da força gerada por um motor e os comprimidos formam o que chamamos de leito, que é o seu posicionamento na parte inferior da bacia. Os primeiros equipamentos não tinham spray e introdução de ar quente para aspergir e secar o revestimento, respectivamente (figura 62). Figura 62 – Bacia de revestimento convencional sem spray e introdução de ar quente Fonte: Lachman, Lieberman e Kanig (2001, p. 604). Dessa forma, o procedimento era todo manual, pois o operador precisava inserir o revestimento sobre os comprimidos e improvisar algum sistema de secagem. Posteriormente, foram desenvolvidos equipamentos com introdução de ar: Figura 63 – Bacia de revestimento convencional com introdução de ar quente Fonte: Lachman, Lieberman e Kanig (2001, p. 604). Com o passar do tempo, foram surgindo equipamentos com sprays para aspergir os revestimentos. Adicionalmente, melhoraram a distribuição de ar quente e eficiência da secagem nas bacias, com o uso de difusores e lâminas mergulhadas no leito dos comprimidos. A colocação de exaustores também ajudou no aumentoda velocidade de secagem, pois eliminava o solvente evaporado no processo. 113 TECNOLOGIA FARMACÊUTICA Outra grande melhoria nesses equipamentos foi a introdução de furos nas bacias, o que gerou a denominação bacias perfuradas. Essa modificação acelerou a velocidade de secagem do revestimento, pois o ar úmido passa através dos furos e é coletado por um exaustor localizado fora da bacia (figura a seguir). Assim, o processo de exaustão tornou-se mais eficaz. Fornecimento de ar Exaustão Aspersão Bacia de revestimento perfurada Coletor de exaustão Leito de comprimidos Figura 64 – Bacia de revestimento perfurada Fonte: Lachman, Lieberman e Kanig (2001, p. 606). Saiba mais O vídeo destacado na referência a seguir mostra o funcionamento de um equipamento com bacia perfurada automatizada: GLATT. Tablet coating technology. 2017. 1 vídeo. (2min). Publicado por Glatt. Disponível em: https://bit.ly/3vntVXL. Acesso em: 18 abr. 2022. A outra maneira de se revestir formas farmacêuticas sólidas é utilizando um leito fluidizado. Esse equipamento tem uma câmara com disposição vertical e a introdução do ar quente é feita pela parte inferior, fazendo com que os comprimidos sejam impulsionados para o centro. Os comprimidos sobem pelo centro e caem pelas laterais da câmara, repetindo esse movimento até o fim do processo. O revestimento é aspergido junto com o ar quente para fazer a secagem. O leito fluidizado é um equipamento versátil, pois, além de revestir formas farmacêuticas sólidas, ele é usado para preparar granulados. 114 Unidade II Figura 65 – Leito fluidizado Disponível em: https://bit.ly/3ENGAYb. Acesso em: 18 abr. 2022. Saiba mais Na animação a seguir, é possível visualizar o processo de revestimento em um equipamento de leito fluidizado: GLATT Wurster HS coating process in a fluidized bed. 2014. 1 vídeo. (2min). Publicado por Glatt. Disponível em: https://bit.ly/3JTggN2. Acesso em: 18 abr. 2022. 6.2 Controle de qualidade Assim como todos os processos produtivos em pequena e larga escala, os revestimentos podem apresentar problemas (desvios de qualidade). Quadro 10 – Desvios de qualidade nos revestimentos Desvio Observações Bolhas Bolhas de ar presas entre o revestimento e o núcleo do comprimido Rachaduras e lascas Ocorrem por falta de plastificante e por problemas na compressão dos comprimidos Erosão Revestimento apresenta crateras, as quais podem ser causadas por secagem ineficiente e penetração de líquido no núcleo Manchas esbranquiçadas Polímero precipitado por uso de temperatura inadequada no processo de revestimento Variação de cor Problema nos sprays, causando alterações na homogeneidade da aspersão Casca de laranja Aparência áspera por secagem rápida ou alta viscosidade do revestimento Adaptado de: Lombardo e Eserian (2014) e Mcginity (2008). 115 TECNOLOGIA FARMACÊUTICA Esses são os principais desvios que afetam os revestimentos. Perceba que eles podem ser corrigidos com mudanças nas formulações do revestimento ou com alterações no processo produtivo. Esses desvios estão relacionados com viscosidade inadequada, solubilidade do polímero no solvente e pouco plastificante na formulação. É importante observar também a questão tecnológica, pois os sprays são fundamentais para distribuir o revestimento uniformemente na superfície dos comprimidos. Além disso, a temperatura de secagem deve ser rigorosamente controlada. O quadro anterior destaca que alguns dos desvios de qualidade dos revestimentos são consequência de problemas ocorridos anteriormente, ou seja, na produção dos comprimidos (compressão). Punções danificados e comprimidos friáveis podem causar alguns desses desvios de qualidade. Os comprimidos revestidos devem ser aprovados no controle de qualidade, e as regras colocadas pela Farmacopeia Brasileira (BRASIL, 2019) são parecidas com as usadas para os comprimidos não revestidos. Na determinação de peso, o teste com os comprimidos sem revestimento e com revestimento pelicular pode ter no máximo duas unidades posológicas fora dos limites. Já no caso dos comprimidos revestidos com açúcar (drágeas), pode haver até cinco unidades fora dos limites. O teste de desintegração também pode mudar para os comprimidos revestidos por película ou açúcar. Caso no primeiro teste com água algum comprimido não se desintegre por inteiro, o teste deve ser repetido com HCl 0,1 M. O tempo de desintegração máximo para o comprimido com revestimento pelicular é de 30 minutos; com açúcar, de 60 minutos. Caso o comprimido tenha revestimento gastrorresistente, o teste passa a ser diferente. O ensaio de desintegração tem início com HCl 0,1 M e os comprimidos não podem sofrer desintegração dentro de 1 hora. Posteriormente, muda-se o líquido de imersão para tampão fosfato pH 6,8 e, após 45 minutos, os comprimidos devem estar desintegrados. O teste de dissolução, assim como o de desintegração, tem algumas regras diferentes quando se trata de revestimentos de liberação prolongada (fármaco sendo liberado aos poucos) e liberação retardada (revestimento gastrorresistente). O teste de dureza e friabilidade normalmente é feito nos comprimidos antes do processo de revestimento. Saiba mais Para se aprofundar no assunto, consulte a referência a seguir. Essas diferenças do controle de qualidade observadas para os comprimidos revestidos podem ser mais bem estudadas no volume I, capítulo 5, de métodos gerais aplicados a medicamentos: ANVISA. Farmacopeia brasileira. 6. ed. Brasília, 2019. 2 v. Disponível em: https://bit.ly/3xIfbVU. Acesso em: 18 abr. 2022. 116 Unidade II 7 SISTEMAS DE LIBERAÇÃO MODIFICADA DE FÁRMACOS Sistemas de liberação modificada de fármacos são medicamentos cuja composição possibilita que o fármaco seja liberado da forma farmacêutica em um tempo diferente, usualmente mais longo, que um medicamento convencional, de liberação imediata. Assim, podemos dizer que os sistemas de liberação modificada de fármacos são formas farmacêuticas que modificam a disponibilidade dos fármacos, proporcionando aumento do tempo de ação. Na figura a seguir podemos observar a influência na biodisponibilidade de um medicamento convencional e outro de liberação modificada. Co nc en tr aç ão p la sm át ic a Tempo Liberação imediata Liberação sustentada Figura 66 – Perfil de concentração plasmática versus tempo para um medicamento de liberação imediata e outro de liberação sustentada Adaptada de: Pantho, Jalil e Chaity (2020). 7.1 Histórico Os primeiros sistemas de liberação modificada de fármacos, capazes de prolongar o efeito terapêutico e reduzir a frequência de administração, entraram no mercado no início dos anos 1950. Em 1952, a empresa americana Smith, Kline & French introduziu o primeiro produto comercial de formulação de liberação controlada, conhecido como Dexedrine Spansules (PARK, 2014). Este produto consistia em macrosferas (pellets) revestidas com uma camada de cera, de espessura variável, para controlar a dissolução da cápsula e a liberação do medicamento, porém apresentava como desvantagem o fato de a farmacocinética ser variável entre os indivíduos. Por isso, alguns anos depois, outros pesquisadores desenvolveram sistemas reservatórios, constituídos de membranas poliméricas, responsáveis pelo controle da liberação e formadas por uma borracha de silicone ou poli (etileno-co-acetato de vinila), que permitiam liberação sustentada, com cinética de ordem zero para manter constantes as concentrações plasmáticas dos fármacos (BENOIT et al., 2020). Esse período compreendeu as décadas de 1950 a 1980 e representa a primeira geração de sistemas de liberação, caracterizados pela escala macroscópica de tamanho. 117 TECNOLOGIA FARMACÊUTICA Como exemplo de medicamento com liberação controlada por membrana podemos citar o Estring (figura a seguir), um anel vaginal liberador de estradiol, utilizado para o tratamento local dos sintomas urogenitais da pós-menopausa causada por deficiência crônica de estrogênio.Esse sistema de liberação intravaginal usa um anel de silicone macio e flexível, com um núcleo contendo um reservatório de fármaco de 2 mg de estradiol; a bainha de silicone circundante atua como um barreira de difusão, resultando em uma liberação sustentada uniforme de quantidades mínimas de estradiol por um período de 90 dias. Figura 67 – Estring, um sistema polimérico de liberação de fármaco via vaginal Fonte: Allen Junior, Popovich e Ansel (2013, p. 735). Observação Encontramos disponíveis no mercado outros medicamentos similares ao Estring, sistemas reservatórios, constituídos por membranas poliméricas, responsáveis pelo controle da liberação, como é o caso dos contraceptivos NuvaRing (etonogestrel e etinilestradiol) e Implanon (etonogestrel), para inserção vaginal e implantação subdérmica, respectivamente, com liberação contínua por três semanas, no caso do NuvaRing, e três anos para o Implanon. A segunda geração de sistemas de liberação (1980-2010) incluiu os tamanhos micro (década de 1980) e nano (1990-2000), bem como tecnologias inteligentes de liberação de fármacos (PARK, 2014), os quais poderiam iniciar a liberação por um estímulo ambiental, como pH ou temperatura. A terceira geração de sistemas de liberação inclui o período de 2010 até o presente. Tal geração procurou modular os sistemas de liberação e entender como eles se comportam in vivo para agilizar o desenvolvimento para licenciamento. Apesar de muitos dos primeiros sistemas de liberação terem sido desenvolvidos para a cedência de moléculas pequenas, outro foco recente envolve fármacos 118 Unidade II macromoleculares, incluindo peptídeos, proteínas e ácidos nucleicos (por exemplo, DNA e siRNA). Um exemplo de medicamento comercialmente disponível desde 2018 é o Onpattro (patisiran), uma nanopartícula lipídica contendo RNA de interferência (RNAi) para o tratamento da polineuropatia da amiloidose hereditária mediada por transtirretina em adultos (BENOIT et al., 2020). Observação Polineuropatia da amiloidose hereditária é uma doença neurodegenerativa rara e devastadora, causada pela deposição de fibrilas amiloides formadas pela proteína transtirretina mal dobrada. As nanopartículas de patisiran, contendo um pequeno RNA interferente, são capturadas pelos hepatócitos, e silenciam os mRNAs da transtirretina no fígado para reduzir os níveis séricos da proteína (NATURE, 2019). A figura a seguir faz um resumo da evolução das formas de liberação modificada nos últimos 70 anos. 1a geração 2a geração 3a geração Noções básicas de liberação controlada Pequenos sistemas de liberação Sistemas de liberação modulados Liberação oral uma ou duas vezes ao dia Liberação transdérmica, uma vez ao dia ou uma vez por semana Cinética de ordem zero versus primeira ordem Liberação vetorizada de fármacos anticâncer, siRNA Sistemas de longo tempo de liberação (6-12 meses) Macroescala Microescala e Nanoescala Nanoescala (liberação constante de ordem zero) (liberação sustentada sítio-específica) (liberação vetorizada) Te cn ol og ia s d e si st em as d e lib er aç ão m od ifi ca da Es ca la s d e ta m an ho 1950 1980 2010 2040 Figura 68 – Evolução dos sistemas de liberação modificada de fármacos desde 1950 Adaptada de: Park (2014); Benoit et al. (2020). 7.2 Vias de administração Várias vias de administração podem ser utilizadas para veicular medicamentos de liberação modificada levando-se em consideração as prioridades de cada caso, como seleção dependente da estabilidade do fármaco; ação desejada; diminuição de efeitos colaterais; comodidade do paciente. A figura a seguir ilustra algumas possíveis vias de administração de formulações farmacêuticas capazes de prolongar a ação terapêutica do fármaco. 119 TECNOLOGIA FARMACÊUTICA Nasal Ocular Parenteral IM SC IV ID Oral Pulmonar Transdérmica TranscelularTranscelular CéCélula não ciliadalula não ciliada MucoMuco Célula ciliadaCélula ciliada Membrana basal Célula Célula basalbasal CéCélula lula caliciformecaliciforme Alvéolo Bucal Língua Sublingual Epiderme Derme Vaso sanguíneo Tecido subcutâneo Músculo TratoTrato gastrintestinalgastrintestinalBronquíolosBronquíolos Capilares Sonoporação Microjatos Microagulhas Epiderme Derme CíliosCílios Paracelular Figura 69 – Possíveis vias de administração de medicamentos de liberação modificada de fármacos Adaptada de: Benoit et al. (2020). 7.3 Terminologia O perfil de liberação do fármaco a partir da forma farmacêutica impacta diferentes modos de ação. Assim, podemos verificar na literatura uma terminologia diversificada que tenta expressar a cinética de liberação e, consequentemente, o tipo de efeito observado. Vejamos alguns termos em uso. 7.3.1 Liberação prolongada Um medicamento será designado como de liberação prolongada quando sua fórmula farmacêutica for capaz de estender o tempo de liberação e, consequentemente, de ação do fármaco. Desse modo, esse tipo de medicamento permite ao menos uma redução na frequência de dose quando comparado com o medicamento apresentado na forma de liberação imediata (ANVISA, 2011). Essa denominação é bem ampla e pode ser aplicada a vários tipos de sistemas de liberação modificada. Encontramos na literatura vários termos relacionados à liberação prolongada, entre eles: liberação estendida, liberação sustentada, ação prolongada, desintegração lenta, liberação gradual, desintegração gradual. 120 Unidade II 7.3.2 Liberação retardada Sistemas de liberação retardada são desenvolvidos para que o início de liberação do fármaco ocorra num tempo diferente daquele imediatamente após a administração. O atraso pode ocorrer devido ao tempo ou pela influência das condições do meio, como o pH. Na figura a seguir podemos verificar e comparar os perfis de liberação retardada e prolongada de fármacos entre si e com medicamentos de liberação convencional (imediata). Tempo a Co nc en tr aç ão p la sm át ic a Imediata Retardada Tempo b Co nc en tr aç ão p la sm át ic a Imediata Prolongada Figura 70 – Perfis de concentração plasmática típicos de medicamentos de liberação modificada: concentrações de formulações de liberação retardada e imediata (A) e concentrações de formulações de liberação estendida e imediata (B) Adaptada de: Endrenyi e Tothfalusi (2012). No caso de uma liberação prolongada, verifica-se uma parcela de fármaco sendo liberada lenta e imediatamente, enquanto na liberação retardada, inicialmente e por certo tempo, não há liberação; porém, depois de iniciada, o comportamento de liberação é semelhante a um medicamento de liberação imediata. Observação Preparações com revestimento gastrorresistente são sistemas de liberação retardada de fármacos, uma vez que, após a administração, não ocorre cedência imediata do fármaco, pois a forma farmacêutica ainda se encontra no estômago. Somente após chegar ao intestino a liberação e a absorção terão início. Assim, são considerados termos relacionados à liberação retardada: gastrorresistente, de revestimento entérico e desintegração retardada (ANVISA, 2011). 121 TECNOLOGIA FARMACÊUTICA 7.3.3 Ação repetida Medicamentos de ação repetida contêm, em geral, duas doses, sendo a primeira dose liberada imediatamente e a segunda dose para liberação retardada. Esse tipo de sistema apresenta como benefício o fato de a ação terapêutica iniciar-se rapidamente e ser mantida por um tempo mais longo, sem ser necessário administrar outra dose do medicamento. 7.3.4 Liberação vetorizada Liberação vetorizada é aquela em que o fármaco é dirigido a uma região do corpo ou tecido específico para a ação. A grande vantagem desse tipo de sistema de liberação modificada é a possibilidade de minimizar os efeitos adversos do insumo ativo, uma vez que ele é entregue exatamente no local em que deve atuar. Observação Liberação direcionada, liberação em sítio específico e liberação em alvo específico são sinônimos de liberação vetorizada.Exemplo de aplicação Informações sobre a farmacocinética dos medicamentos encontradas na literatura ou mesmo nas bulas auxiliam a compreender o tipo de liberação que cada um apresenta. Vejamos alguns exemplos: Glifage XR “Após uma dose oral de Glifage XR 500 mg, a absorção da metformina é significativamente retardada (Tmax de 7h) em comparação com o comprimido de liberação imediata (Tmax de 2,5h)” (GLIFAGE XR, 2019). Observação: os comprimidos de Glifage® XR não apresentam revestimento entérico. Losec Mups “O omeprazol magnésico é instável em meio ácido, sendo administrado oralmente como grânulos de revestimento entérico. A absorção de omeprazol ocorre no intestino delgado e é, geralmente, completada entre 3-6 horas” (LOSEC MUPS, 2017). Observação: Mups é a sigla referente a Multiple Unit Pellet System, que significa Sistema de Pellet de Unidade Múltipla, um tipo de sistema multiparticulado que estudaremos mais à frente. Flodin Duo “Flodin Duo possui uma formulação com duas camadas que resiste à dissolução imediata em pH gástrico. No estômago são liberados rapidamente somente 25 mg do princípio ativo diclofenaco sódico, enquanto os 125 mg restantes são liberados de forma gradativa e contínua em pH duodenal e 122 Unidade II reabsorvidos nesse meio de pH mais básico, permitindo que o efeito terapêutico inicial seja sustentado por um período mais prolongado” (FLODIN DUO, 2020). Antimoniato A formulação lipossomal de antimoniato pentavalente (leishmanicida) promove níveis de antimônio muito mais elevados e prolongados no fígado e no baço (localizações principais do parasita, junto com a medula óssea) dos animais quando comparado à forma livre. Desse modo, esses lipossomas são bem mais efetivos e seguros no tratamento da leishmaniose (FRÉZARD et al., 2005). Com base nessas informações, reflita sobre o tipo de liberação/ação dos medicamentos citados. Agora que você avaliou a farmacocinética dos medicamentos apresentados, vejamos quais termos são apropriados para designar a liberação do fármaco a partir da forma farmacêutica para cada um deles: No caso do medicamento Glifage XR, verifica-se que ele proporciona liberação prolongada do fármaco, pois o tempo de absorção em relação ao medicamento convencional aumentou significativamente: o Tmax é de 2,5 horas para o medicamento convencional e de 7 horas para a versão de liberação modificada. O Losec Mups tem liberação retardada, uma vez que a descrição do medicamento aponta que ele apresenta revestimento entérico em seus grânulos (pellets), impedindo, portanto, a desintegração e cedência do fármaco no estômago. Desse modo, não ocorrerá liberação imediata do fármaco e consequente absorção após sua administração, sendo somente observadas quando a forma farmacêutica atinge o intestino e o revestimento é dissolvido. Podemos dizer que o medicamento Flodin Duo apresenta uma liberação repetida: tem duas doses de fármacos, uma liberada imediatamente e outra de forma retardada, ou seja, contém duas doses de fármacos que são liberadas em tempos diferentes. A formulação lipossomal de antimoniato pentavalente é um exemplo de medicamento que apresenta liberação vetorizada, uma vez que, ao serem capturados pelo sistema fagocítico mononuclear, os lipossomas direcionam o fármaco para os locais de ação, diminuindo efeitos adversos. 7.4 Identificação de formas de liberação modificada de fármacos Ao entrar em contato com um medicamento, como o(a) farmacêutico(a) pode deduzir se se trata de um sistema de liberação modificada de fármacos? Além da indicação explícita na bula do medicamento, a própria fórmula farmacêutica e o nome comercial do medicamento são indicativos de que se trata de uma forma de liberação modificada. É comum o nome fantasia desses medicamentos ser seguido de siglas que remetem ao tipo de cedência e ação de fármaco que apresentam. 123 TECNOLOGIA FARMACÊUTICA Quadro 11 – Siglas comumente encontradas em nomes comerciais de medicamentos e seus significados Sigla Termo Significado AP Ação prolongada –––––– CD Controlled Difusion Liberação controlada CR Controlled Release Liberação controlada DR Dual Release Propicia liberação dupla (imediata e prolongada) dos fármacos ER Extended Release Liberação prolongada LA Longa ação –––––– LP Liberação prolongada –––––– MR Modified release Liberação modificada OROS Oral Release Osmotic System Sistema oral de liberação osmótica SA Sustained Action Ação sustentada SR Slow release Liberação lenta SRO Sustained Release Oral Liberação sustentada/prolongada (via oral) XR Extended Release Liberação prolongada Figura 71 – Embalagem secundária de medicamento, com nome fantasia contendo sigla indicativa de liberação modificada 124 Unidade II 7.5 Vantagens As formas de liberação modificada de fármacos apresentam inúmeras vantagens em relação às formas convencionais, de liberação imediata. Entre elas estão: • prolongamento da concentração plasmática eficaz (esse benefício é particularmente interessante para fármacos com meia-vida curta); • a quantidade de fármaco administrada pode ser diminuída, pois esta é mais bem aproveitada; • obtenção de uma melhor farmacocinética para o fármaco; • menor acúmulo de fármaco no organismo, resultando, dessa forma, em menos efeitos colaterais e menor toxicidade; • diminuição dos riscos de esquecimento, uma vez o número de administrações diminui; • maior adesão do paciente ao tratamento; • manutenção do nível terapêutico constante no sangue, evitando flutuações ocasionadas por administrações frequentes (figura a seguir). Nível máximo desejado de fármaco (toxidade) Nível mínimo efetivo de fármaco Segunda dose Terceira dose Tempo Janela terapêutica Co nc en tr aç ão d e fá rm ac o Figura 72 – Concentrações plasmáticas ao longo do tempo a partir dos métodos tradicionais de administração de fármacos usando doses múltiplas (linha sólida azul) e níveis de fármaco em um sistema simples de liberação controlada (linha tracejada vermelha) Adaptada de: Mcinnes e Voelcker (2009). 7.6 Desvantagens A despeito dos grandes benefícios, medicamentos de liberação modificada podem apresentar desvantagens consideráveis: 125 TECNOLOGIA FARMACÊUTICA • menor flexibilidade no ajuste de doses individuais, com boa parte das apresentações não permitindo fracionamento da dose, como é o caso de comprimidos gastrorresistentes; • dificuldade ou mesmo impossibilidade de interrupção rápida da ação farmacológica, em caso de intoxicação ou intolerância; • dificuldade de adaptação da posologia às diferentes farmacocinéticas interindividuais; • risco de liberação súbita e total do fármaco da forma farmacêutica, ocasionando toxicidade; • custos mais elevados que as formas farmacêuticas convencionais, com alguns medicamentos podendo chegar a valores muito elevados; • transposição do desenvolvimento laboratorial para produção em escala industrial. 8 SISTEMAS DE LIBERAÇÃO MODIFICADA DE FÁRMACOS – TECNOLOGIAS DISPONÍVEIS PARA SUSTENTAR A LIBERAÇÃO DE FÁRMACOS Estudaremos neste tópico algumas tecnologias que podem ser utilizadas para proporcionar liberação modificada de fármacos a partir de formas farmacêuticas para diversas vias de administração. 8.1 Sistemas matriciais Sistemas matriciais ou matrizes são dispersões ou soluções de um fármaco em uma ou mais substâncias, geralmente polímeros, capazes de controlar sua liberação. O fármaco pode ser liberado da forma farmacêutica por mais de um mecanismo, com tais mecanismos podendo ocorrer simultaneamente. Destacaremos a seguir alguns mecanismos de liberação do fármaco em comprimidos constituídos por matrizes. Difusão O gel formado possibilita a liberação do fármaco pela dissolução do gel junto com o fármaco retido nele. Para controlar a difusão desse sistema, a taxa de dissolução das partículas do fármaco dentro da matriz deve ser muito mais rápida do que a taxa de difusão do fármaco dissolvido que sai da matriz. Erosão Em alguns casos, a matrizpode ser projetada para se desgastar gradualmente com o tempo, liberando assim o fármaco contido no comprimido, ou seja, ocorre erosão do gel e subsequente liberação e dissolução das partículas do fármaco retidas dentro dele. As matrizes podem ainda ser classificadas de acordo com o tipo de polímero que as constituem. A seguir veremos quais são os sistemas matriciais disponíveis. 126 Unidade II 8.1.1 Sistemas matriciais hidrofílicos Nesses sistemas estão presentes polímeros hidrofílicos que em contato com a água hidratam e intumescem, formando uma camada de gel. A figura a seguir ilustra o esquema do processo de hidratação do polímero. H2O Comprimido construído por sistema matricial hidrofílico Intumescimento do polímero In vivo Fármaco Polímero Figura 73 – Representação esquemática do processo de intumescimento do sistema matricial para controle da liberação do fármaco A estrutura do gel influencia diretamente a taxa de hidratação. Géis hidrofílicos são formados por uma rede de fibras poliméricas intercaladas, sendo que a água e o fármaco podem difundir pelos espaços intersticiais entre as fibras, os quais se conectam para formar um caminho tortuoso através do gel. A tortuosidade desse caminho é fundamental para a liberação do fármaco, sendo influenciada pelo uso de polímeros de diferentes massas moleculares ou pelo uso de géis reticulados. Além desses fatores que controlam a taxa de liberação, o aumento da concentração de polímero pode produzir menos “caminhos” e retardar a liberação de fármaco (MCCONNELL; BASIT, 2016). Matriz intumescida Fármaco dissolvido Fármaco dissolvido e disperso Frente de erosão Frente de difusão Frente de intumescimento Fluido biológico Matriz não intumescida Figura 74 – Representação esquemática de um comprimido de matriz hidrofílica durante a liberação do fármaco. As estrelas e os círculos pretos representam o fármaco dissolvido e disperso, respectivamente. Os seguintes limites (móveis) podem ser distinguidos: (i) uma frente de erosão, separando o fluido biológico do comprimido de matriz; (ii) uma frente de difusão, separando a matriz polimérica dilatada contendo apenas o fármaco dissolvido e a matriz polimérica dilatada contendo fármaco dissolvido e disperso; e (iii) uma frente de intumescimento, separando a matriz de polímero intumescida e não intumescida Adaptada de: Siepmann e Siepmann (2008). 127 TECNOLOGIA FARMACÊUTICA Observação Outro aspecto de grande relevância é o coeficiente de partição do fármaco, o qual afeta diretamente a cinética de liberação. Assim, substâncias ativas altamente hidrossolúveis difundem mais rapidamente. Observe alguns exemplos de polímeros hidrofílicos utilizados em sistemas matriciais: • etilcelulose; • hidroxietilcelulose; • CMC (carboximetilceluose) sódica; • HPMC (hipromelose); • ágar-ágar; • alginatos; • polissacarídeos de manose e galactose; • quitosana; • copolímeros do ácido acrílico; • óxido de polietileno. As matrizes hidrofílicas são comumente usadas em sistemas de administração oral de medicamentos controlados devido a sua flexibilidade para obter um perfil de liberação de medicamento desejável, eficácia de custo e ampla aceitação regulatória. Quadro 12 – Exemplos de medicamentos comercialmente disponíveis constituídos por matrizes hidrofílicas Medicamento Substância ativa Indicação Depakote ER, Abbott Divalproato de sódio Epilepsia, mania, prevenção de enxaqueca Diamicron MR, Servier Gliclazida Diabetes Tegretol CR Divitabs, Novartis Carbamazepina Epilepsia, neuralgia do trigêmio Glifage XR, Merck Metformina Diabetes 128 Unidade II 8.1.2 Matrizes hidrofóbicas (matrizes plásticas inertes) Nesses sistemas o fármaco é granulado com um material plástico inerte, insolúvel, tal como polietileno, acetato de polivinila ou polimetacrilato, e os grânulos são compactados para formar comprimidos. Sua estrutura é comparada com a de uma esponja, com as moléculas do fármaco estando intercaladas com a esponja. A liberação do fármaco da matriz plástica inerte ocorre lentamente por difusão, cabendo destacar que uma porção de fármaco para liberação imediata pode ser comprimida sobre a superfície do comprimido. Comprimido de matriz insolúvel seco Comprimido de matriz insolúvel hidratado Figura 75 – Comprimido de matriz insolúvel seco tem canais (em branco) intercalados dentro do polímero. Esses canais hidratam-se e o fármaco pode difundir para o exterior Adaptada de: Mcconnell e Basit (2016). A tortuosidade da matriz, o tamanho e número de poros, o fármaco dissolvido ou disperso são fatores que controlam a taxa de liberação de fármaco. Depois que o fármaco é difundido, a matriz é geralmente expelida inalterada nas fezes. Observação Matrizes hidrofóbicas são bem menos utilizadas do que as matrizes hidrofílicas. 129 TECNOLOGIA FARMACÊUTICA Quadro 13 – Exemplos de medicamentos comercialmente disponíveis constituídos por matrizes plásticas inertes Medicamento Substância ativa Indicação Gradumet, Abbott Sulfato ferroso Anemia ferropriva Pristiq, Pfizer Succinato de desvenlafaxina monohidratado Transtorno depressivo maior Asdron, Marjan Fumarato de cetotifeno Profilaxia da asma brônquica e bronquites alérgicas, tratamento da rinite alérgica, profilaxia e tratamento da urticária e dermatite atópica 8.1.3 Matrizes lipídicas Os constituintes das matrizes lipídicas são lipídeos e seus derivados, sendo que a liberação do fármaco ocorre por meio da difusão ou erosão dos poros. As características de liberação do fármaco são, portanto, mais sensíveis ao fluido digestivo da composição do que à matriz lipídica. A combinação de cera de carnaúba e álcool estearílico ou ácido esteárico tem sido utilizada como base retardadora para muitas formulações de liberação sustentada. 8.1.4 Matrizes biodegradáveis O polímero formador de uma matriz biodegradável contém ligações susceptíveis à hidrólise ou ação enzimática. À medida que o polímero sofre erosão por hidrólise ou clivagem enzimática, o fármaco, que está uniformemente dissolvido ou disperso nesta matriz, é liberado para o meio ambiente. O processo de erosão tem efeito direto sobre os fármacos. Exemplos de polímeros: naturais, como proteínas e polissacarídeos; polímeros naturais modificados; polímeros sintéticos, como poliésteres alifáticos e polianidridos. 8.2 Sistemas reservatórios (sistemas controlados por membrana) Um reservatório (núcleo) contendo o fármaco é revestido por uma membrana polimérica, a qual é responsável pela taxa de liberação de substância ativa. O núcleo pode ser um comprimido, um grânulo, um pellet ou um minicomprimido, sendo os pellets a forma farmacêutica mais utilizada. In vivo, a água do organismo deve ser capaz de penetrar a membrana, de modo a formar uma fase contínua que possa difundir e liberar o fármaco. A espessura e porosidade da membrana e solubilidade do fármaco são responsáveis pela cinética de liberação. 130 Unidade II Fármaco Núcleo Membrana de revestimento Comprimido constituído por sistema reservatório - polímetro hidrofílico In vivo H2O Figura 76 – Representação esquemática de mecanismo de liberação de fármaco a partir de uma forma farmacêutica revestida com membrana polimérica hidrofílica de liberação controlada A figura anterior demonstra um sistema reservatório, cuja membrana é formada por um polímero hidrofílico. Uma vez em contato com os fluidos biológicos, a água penetra a forma farmacêutica, intumesce o polímero e o fármaco dissolvido começa a ser liberado lentamente. A seguir podemos comparar um sistema reservatório e um sistema matricial de liberação controlada de fármacos: Comprimido com revestimento de liberação controlada Revestimento de liberação controlada Núcleo com fármaco Comprimido matricial de liberação controlada Componemte de liberação controlada e fármaco na superfície e no núcleo Figura 77 – Comprimido revestido (à esquerda) e comprimido matricial (à direita)para liberação controlada Adaptada de: Mcconnell e Basit (2016). 131 TECNOLOGIA FARMACÊUTICA Quadro 14 – Exemplos de medicamentos comercialmente disponíveis com liberação controlada por membrana Medicamento Substância ativa Indicação Efexor XR, Pfizer Cloridrato de venlafaxina Tratamento de depressão, ansiedade, transtorno do pânico Emprol XR, Accord Farmacêutica Ltda Succinato de metoprolol Hipertensão arterial 8.3 Sistemas osmóticos (bomba osmótica) Utilizam o princípio da pressão osmótica para modular a liberação do fármaco. A velocidade de liberação não é afetada por acidez gastrointestinal, alcalinidade, condições alimentares ou motilidade gastrointestinal. Podem ser aplicados a fármacos com várias solubilidades aquosas. Esse tipo de tecnologia também é conhecido pela sigla OROS, abreviação de Osmotic Release Oral System (Sistema Oral de Liberação Osmótica). Os sistemas osmóticos consistem num núcleo osmoticamente ativo contendo o fármaco, revestido por uma membrana rígida e semipermeável, geralmente com um orifício feito a laser (figura a seguir), de dimensões bem definidas, que permite a liberação do fármaco. Em meio aquoso, a água penetra no sistema devido à diferença de pressão osmótica entre o núcleo do sistema e o meio envolvente (figuras 79 e 80). A membrana semipermeável é permeável à água, e não ao fármaco, de modo que a água entra pela membrana a uma velocidade constante, durante um período prolongado, assegurando, dessa forma, a liberação constante do fármaco que apenas sai através do orifício (NABAIS; VEIGA; FIGUEIRAS, 2015). Figura 78 – Comprimidos de lamotrigina constituídos por sistema osmóticos em que se observa o orifício feito a laser em cada um deles A seguir vamos estudar os dois principais sistemas osmóticos disponíveis comercialmente. 132 Unidade II 8.3.1 Bomba osmótica elementar A bomba osmótica elementar é constituída por um núcleo osmótico contendo o fármaco, circundado por uma membrana rígida semipermeável composta de polímeros permeáveis à água e um orifício para a liberação do fármaco (figura a seguir). Após a administração da forma farmacêutica, o solvente penetra no núcleo (atraído pelo agente osmótico), aumentando a pressão interna, o que resulta na liberação do fármaco dissolvido ou disperso, através do orifício na membrana. Núcleo osmótico Orifício de liberação Membrana semipermeável Fluidos gastrointestinais Fármaco Figura 79 – Representação esquemática de liberação controlada de fármaco a partir de um sistema de bomba osmótica elementar Adaptada de: Nabais, Veiga e Figueiras (2015). Observação O sistema osmótico elementar apresenta a desvantagem de permitir incorporar apenas fármacos solúveis, uma vez que um fármaco com baixa solubilidade não tem capacidade de gerar suficiente pressão osmótica. 8.3.2 Bomba osmótica push-pull (OROS Push-Pull) O sistema de bomba osmótica push-pull foi desenvolvido para liberação controlada de fármacos insolúveis em água, mas pode ser utilizado para fármacos solúveis também. É constituído por uma ou duas camadas de fármaco, que podem conter polímero hidrofílico, o qual rapidamente forma um hidrogel, e uma camada impulsionadora, formada por polímero hidrófilo de expansão ou outros agentes osmoticamente ativos (figura a seguir). 133 TECNOLOGIA FARMACÊUTICA OROS Push-pull Orifício a laser Camada impulsionadora Antes da administração Depois da administração Membrana semipermeável Camada de fármaco Água A) B) Orifício a laser Primeiro compartimento com fármaco Segundo compartimento com fármaco Terceiro compartimento osmoticamente ativo Membrana semipermeável que controla a entrada de água Água Água Figura 80 – Sistemas push-pull constituídos por um (A) ou dois (B) compartimentos de fármaco Adaptada de: A) Qiu e Lee (2017); B) Berto, Negrini e Ferrannini (2008). A penetração da água no comprimido provoca a formação de uma suspensão ou solução de fármaco e o aumento do volume do compartimento osmótico, originando a expulsão do fármaco através do orifício. Quadro 15 – Exemplos de medicamentos comercialmente disponíveis constituídos por sistemas osmóticos Medicamento Substância ativa Indicação Adalat OROS, Bayer Nifedipino Hipertensão e doença coronária Concerta, Janssen-Cilag Metilfenidato Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) Invega, Janssen-Cilag Paliperidona Esquizofrenia 134 Unidade II Saiba mais Você pode saber mais sobre sistemas osmóticos e suas aplicações lendo o artigo indicado a seguir: NABAIS, I.; VEIGA, F.; FIGUEIRAS, A. Evolução terapêutica dos sistemas de libertação modificada para administração oral. Acta Farmacêutica Portuguesa, v. 4, n. 2, p. 101-133, 2015. 8.4 Nanoestruturas utilizadas como sistemas de liberação controlada de fármacos Nanoestruturas ou nanocarreadores são produtos derivados da nanotecnologia, cujas dimensões físicas medem menos que 1.000 nanometros de diâmetro, sendo usualmente entre 1 e 100 nanometros. As nanoestruturas são amplamente utilizadas pela indústria farmacêutica para a veiculação e liberação controlada de fármacos. No campo farmacêutico, os nanocarreadores têm sido investigados como veículos de fármacos no desenvolvimento de medicamentos inovadores para solucionar problemas correlacionados à biodisponibilidade, estabilidade e toxicidade. Por meio da nanotecnologia, buscam-se medicamentos mais eficientes, que utilizem doses menores de fármaco, direcionando-o ao sítio de ação, diminuindo efeitos adversos, além de proporcionar efeito prolongado, de modo a manter a concentração plasmática dentro da janela terapêutica, reduzindo o número de administrações (MATOS et al., 2015). Existem vários tipos de nanoestruturas usadas como sistemas de liberação modificada de fármacos, entre elas podemos citar: lipossomas, nanopartículas poliméricas, nanopartículas lipídicas, microemulsões, nanoemulsões etc. Estudaremos neste tópico alguns tipos de nanocarreadores mais detalhadamente. 8.4.1 Nanopartículas poliméricas Nanopartícula polimérica é um termo que pode ser referir a dois tipos de estruturas utilizadas para liberação controlada de fármacos: nanoesferas e nanocápsulas. Nanoesferas representam estruturas sólidas, sistemas matriciais, em que o fármaco está disperso ou solubilizado na matriz polimérica, enquanto nanocápsulas constituem sistemas reservatórios, vesiculares, em que se identifica um núcleo diferenciado, sólido ou líquido, envolto por uma membrana, geralmente polimérica (figura a seguir). 135 TECNOLOGIA FARMACÊUTICA Nanopartícula Matriz polimétrica Núcleo polimérico Núcleo (aquoso ou oleoso) Nanoesférica polimérica Nanocápsula polimérica Fármaco Figura 81 – Diferença esquemática entre sistemas de liberação de fármacos com nanoesferas e nanocápsulas poliméricas Adaptada de: Mikusová e Mikus (2021). Medicamentos constituídos por nanopartículas poliméricas são desenvolvidos para diversas vias de administração, como parenteral, oral, oftálmica, cutânea. As nanopartículas poliméricas são capazes de proporcionar a vetorização de fármacos, por isso têm sido usadas para o direcionamento de antitumorais, proteínas, peptídeos, vacinas e antibióticos para o local de ação. A vetorização de fármacos anticancerígenos ocorre de modo passivo devido à presença de vasos sanguíneos fenestrados na região dos tumores sólidos. Assim, após a administração sistêmica do medicamento, as nanopartículas, ao circularem pela região tumoral, extravasam juntamente com líquidos, ficando depositadas neste tecido. Observação Um problema após a administração parenteral de nanocarreadores é a sua opsonização, que leva à fagocitose pelas células do sistema imunológico (figura 82). Uma estratégia para prolongar o tempo de circulação das nanoestruturas, aumentando sua meia-vida, é revesti-las com polímeros como polietilenoglicol (PEG). 136 Unidade II Nanopartícula carregada de fármaco Nanopartícula sendo endocitada pela célula Degradação
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