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AULA 6 CRIATIVIDADE E GESTÃO DE IDEIAS PARA INOVAÇÃO Profª Sonia Regina Hierro Parolin 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula, abrangeremos a gestão do ambiente criativo na concepção dos ecossistemas de inovação em que as empresas estão inseridas. Várias são as facetas dessa gestão e somente damos algumas pinceladas no assunto. Veremos as novas tendências sobre o tema, que vão além dos limites organizacionais, como as aceleradoras e a conexão das empresas com startups; e as práticas como hackathons, fabrication laboratories (FabLabs), laboratórios abertos e desafios de ideias. São inúmeros os desafios que demandam lideranças com mindset voltado para a inovação. Continuaremos a explorar o caso do Magalu, acrescido de outros exemplos. Por último, apresentaremos uma sugestão de indicadores de medição de gestão de maturidade em inovação. Já vimos que a criatividade é a geração de uma nova ideia e que a inovação é a transformação de uma nova ideia em algo que gere retorno, ganhos financeiros e competividade, ou seja, agregação de valor à empresa. Mas os mecanismos de captura de ideias vão se renovando diante dos desafios do mercado e da competitividade cada vez mais acirrada. Quais os novos ambientes para inovar? Como capturar novas ideias em fontes externas à organização? TEMA 1 – ECOSSISTEMAS DE INOVAÇÃO E INOVAÇÃO ABERTA As empresas focadas em inovação vêm utilizando diversos mecanismos de captura de ideias segundo a lógica da inovação aberta (open innovation), em oposição à inovação fechada (close innovation), na qual “[...] todas as atividades de pesquisa e desenvolvimento são desenvolvidas dentro da empresa”, sendo que a “[...] inovação aberta defende que ideias e sua comercialização possam vir ou acontecer dentro ou fora da organização” (Arruda; Alves, 2019, p. 50, grifos nossos). A adoção da inovação aberta advém de uma mudança de cultura para uma organização se adaptar rapidamente aos cenários cada vez mais desafiadores das demandas por inovações. O princípio da inovação aberta é que o conhecimento útil à inovação está amplamente distribuído (em várias organizações e pessoas, em localidades variadas), pela velocidade e capilaridade com que vem sendo gerado. Na inovação aberta, as empresas conseguem acessar uma gama muito maior de conhecimento disponível em várias 3 localidades, sem precisar desenvolver internamente todas as atividades inovativas. É o caso da Renault Experience1, um programa de inovação aberta e empreendedorismo com uso do modelo de startups, em que estudantes universitários identificam um problema a ser desenvolvido com base em uma trilha de conhecimento completa da empresa, até ela virarem uma startup. Algumas universidades são parceiras desse projeto e, inclusive, com alunos premiados e com seus projetos incentivados. A Renault oferece mentoria durante todo o processo. 1.1 Ecossistemas ou hubs de inovação A prática da inovação aberta requer mecanismos que promovam a interação entre os agentes interessados em cooperar entre si. Esses mecanismos compõem o que se denomina de ecossistema de inovação ou hubs de inovação, que, conforme matéria da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras – Anpei (O que, 2019)2, são ambientes, locais ou regiões que reúnem um conjunto de fatores que estimula a interação e a cooperação para a inovação e que acabam se tornando polos criativos que impulsionam as empresas e promovem novos talentos. Fazem parte dos ecossistemas de inovação: parques tecnológicos, universidades, instituições de pesquisa, incubadoras, aceleradoras, startups, órgãos de fomento à inovação, entre outras empresas e associações. Nesses ambientes também são envolvidos fornecedores, clientes (stakeholders diversos), neles acontecem rodadas de negócios, brainstormings para projetos, demandas colaborativas, entre outras situações. Além disso, empresas que participam de ecossistemas de inovação tornam-se referência em seus nichos de atuação e mais preparadas para atender às demandas de seus mercados. O exemplo ícone de ecossistema de inovação é o Vale do Silício (Silicon Valley, nome dado ao agrupamento de cidades ao sul de São Francisco, na Califórnia, EUA). Nessa região há grandes empresas de tecnologia que, junto a várias universidades, fornecem novos talentos e conhecimento ao ambiente e é nesse local que atuais grandes empresas surgiram como startups: Google, Facebook, Uber, Apple, HP, Canon, Dell, Delphi, Evernote, Intel, Twitter, Netflix, Nokia, Yahoo, Sony, entre outras. 1 Vide site da Renault Experience ([S.d.]): <https://renaultexperience.com.br/rxtc2020/>. 2 Vide matéria no site da Anpei: <https://anpei.org.br/o-que-sao-ecossistemas-de-inovacao-e-qual- sua-importancia/> (O que, 2019). 4 O Brasil tem potencial para ter diversas regiões caracterizadas como um “Vale do Silício brasileiro”, inclusive com muitos diferenciais entre elas. Muitos ecossistemas já se destacam, como alguns que citamos a seguir: • Campinas (SP): conta com mais de 30 das maiores empresas de tecnologia do Brasil instaladas na região, além de muitos institutos de pesquisa, parques tecnológicos e aceleradoras que propiciam o engajamento necessário no ambiente de inovação e empreendedorismo. • Curitiba (PR) – Vale do Pinhão: pelo seu grande número de indústrias, empresas, universidades, aceleradoras e instituições de pesquisa que apostam em inovação e com um perfil de mão de obra mais qualificado, o Vale do Pinhão tem gerado inúmeras startups conectadas com grandes empresas, o que impulsiona ainda mais os negócios inovadores. • Florianópolis (SC) – Ilha do Silício: o Estado de Santa Catarina tem uma população que corresponde a 3% da população brasileira, mas conta com 20% das startups do país; e Florianópolis é o centro de desenvolvimento dessa região, com apoio de universidades, fundos de investimento e escritórios de contabilidade e advocacia. • Recife (PE) – Porto Digital: polo de inovação e tecnologia de excelência para o país, com inúmeras empresas e startups na área de games, multimídia, animação, música, design e tecnologia da informação; 88% das empresas da região são de pequeno e médio porte, empregando mais de 7 mil funcionários e com mais de 250 empresas. 1.2 Benefícios de um ecossistema de inovação Quais os benefícios para uma empresa se inserir e compartilhar projetos em um ecossistema de inovação? A Anpei nos aponta alguns benefícios de extrema relevância: • Troca de experiências: aprendizado em nível bem elevado com os erros e acertos de outras pessoas e empresas e definição de novas soluções para os problemas de maneira mais acelerada e assertiva do que alguns concorrentes. • Reconhecimento da comunidade: quanto mais avançado o polo tecnológico, mais beneficiado será o ecossistema da inovação. Estar em 5 local inovador é bem estimulante tanto para a comunidade local, quanto para os clientes da empresa. • Redes de indicação: o ecossistema de inovação costuma deter uma rede bastante robusta de informações e sobre o trabalho de outras organizações, o que favorece a interação entre interessados (formação de networking especializado). • Melhora de habilidades: pelas constantes trocas entre as pessoas que se encontram em um ambiente inovador, colaborativo por natureza, multidisciplinar em função dos diversos parceiros ali presentes, um ecossistema inovador é um impulsionador da melhoria das habilidades profissionais de qualquer empresa. Inclusive, para muitas, funciona como um local de captação de novos talentos. TEMA 2 – CONECTIVIDADE ENTRE GRANDES EMPRESAS E STARTUPS E O PAPEL DAS ACELERADORAS Conforme as atuais tendências, a atmosfera criativa extrapola os limites da organização e abrange novos espaços, como os ecossistemas de inovação, que propiciam que a criatividade para a inovação seja amplamenteestimulada. Para Tidd, Bessant e Pavitt (2008, p. 522-524), a cada vez que uma empresa, como um ente individual, se conecta com outras empresas ocorre uma aprendizagem compartilhada e a formação de redes para a inovação, como uma “[...] poderosa solução para o problema da falta de recursos”. As empresas inovadoras crescentemente formam parcerias com aceleradoras de startups como recurso ágil para viabilizar que as inovações ocorram ou, ao contrário, captar projetos inovadores com potencial competitivo. De modo geral, aceleradoras e startups estão inseridas em ecossistemas de inovação, como vimos no item anterior. 2.1 O que é uma aceleradora de startups? As aceleradoras evoluíram do conceito e da prática de incubadoras de empresas e de projetos inovadores. Normalmente, estão inseridas em algum ecossistema e operam em ampla rede de parcerias. São organizações estabelecidas para atrair, selecionar, apoiar o desenvolvimento e promover a autonomia de negócios inovadores em sua fase inicial, desde que apresentem 6 potencial de sucesso. Elas dispõem de espaços físicos (salas com acesso à internet etc.) com equipes de várias áreas da inovação para acolher esses negócios por determinado tempo. Oferecem acesso a networking, compartilhamento de carteira de clientes business-to-business (B2B), eventos na área de empreendedorismo e inovação (entre outros temas), suporte para prototipagem, rodadas de negócios com empresas e investidores com cálculos do valor de mercado da startup (valuation), entre outros benefícios. Um grande número de aceleradoras e investidores obtêm participação acionária nas startups (de 3% a 12%, em média), mas isso não é uma condição para a adesão à aceleradora. Ou seja, os investimentos geralmente não são a fundo perdido e o assunto deve ser amplamente abordado desde o início da relação entre aceleradoras e startups. Há excelentes aceleradoras no Brasil, com variadas práticas de aceleração de startups. 2.2 O que fazer para “entrar” em uma aceleradora? Para começar, vejamos o que é uma startup, conforme o conceito do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae): “uma startup é um grupo de pessoas à procura de um modelo de negócios repitível e escalável, trabalhando em condições de extrema incerteza” (O que, 2014). Ser repitível significa “[...] ser capaz de entregar o mesmo produto novamente em escala potencialmente ilimitada, sem muitas customizações ou adaptações para cada cliente” (O que, 2014). Ser escalável (scale up) significa “[...] crescer cada vez mais, sem que isso influencie no modelo de negócios” (O que, 2014). Trabalhar em cenário de extrema incerteza significa “[...] que não há como afirmar se aquela ideia e projeto de empresa irão realmente dar certo – ou ao menos se provarem sustentáveis” (O que, 2014). Normalmente, as aceleradoras promovem programas de aceleração, divulgam amplamente e realizam eventos de atração de startups – inclusive, podem promover esses eventos em parceria com empresas inovadoras. É o caso da Unimed Curitiba, que lançou, em 2019, com a aceleradora Hotmilk, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), o programa Conecta 7 Unimed3, de inovação aberta, com o objetivo inicial de prospectar startups que apresentassem soluções de melhorias para os seus desafios de inovação, em três áreas predefinidas. Para se obter aprovação em uma aceleradora, para se ter um projeto/modelo de negócio selecionado em um desses programas, precisa-se ter em mente que as aceleradoras (o nome já diz tudo!) dão preferência a negócios iniciais, mas já com validação de mercado e potencial de sucesso, mesmo que ainda estejam atuando em bases de um produto mínimo viável (MVP). Mas pode ocorrer de algumas aceleradoras promoverem programas de atração de startups em fase inicial, que, porém, receberão investimentos muito restritos, em função do seu alto risco. É bom lembrar que a fase de ideação inicial já deve estar vencida quando se busca uma aceleradora para acolher uma startup. A aceleradora irá ver quem o faz como um empreendedor ou uma empreendedora capaz de trabalhar com muita resiliência e deter capacidade de aprendizado ágil para amadurecer a startup a ponto de atrair investidores para aceleração do seu scale up (escalonamento do negócio). 2.3 Como ocorre a conexão de empresas como as aceleradoras e startups? Empresas com foco em inovação buscam a aproximação com os ecossistemas de inovação e com as aceleradoras para conhecer as iniciativas e as tecnologias em desenvolvimento nas startups, visando parcerias, aquisições ou para promover desafios do seu foco estratégico junto à aceleradora, para, assim, atrair startups ou modelos de negócios concernentes a esses desafios, como o caso citado do Conecta Unimed. Pelo foco das startups, pode ocorrer que o desenvolvimento de determinada tecnologia e o amadurecimento de um modelo de negócio sejam atrativos para uma determinada grande empresa, por virem ao encontro do seu foco em inovação e, em função disso, ela poderá propor a aquisição do negócio. O Magalu, como vimos na aula anterior, vem realizando várias aquisições de startups de tecnologia visando consolidar, em nível nacional, seu posicionamento como “plataforma digital com pontos físicos e calor humano” (Cristofolini, 2019). 3 Vide matéria no site da Unimed Curitiba ([S.d.]): <https://www.unimedcuritiba.com.br/wps/portal/internet/institucional/noticias/unimed-curitiba- lanca-programa-de-inovacao-aberta>. 8 Se, por um lado, as empresas inovadoras buscam manter a captura de ideias entre seus colaboradores, por outro também se utilizam de ferramentas e mecanismos de capturar ideias de clientes, fornecedores, pesquisadores externos, comunidades e aceleradoras inseridas em ecossistemas de inovação. Ortega (2020) aponta quatro fatores da conexão de empresas com startups, conforme consta no Quadro 1. Essas conexões também variam conforme o estágio de maturidade da inovação a ser implementada. Quadro 1 – Os quatro fatores da conexão de empresas com startups Tipo de conexão Características da conexão 1. Startup como fornecedora (contratação) “Resolução de problemas específicos do negócio contratando o serviço de uma startup. Ideal para iniciar a aproximação entre ambas. É recomendado para empresas que ainda não têm afinidade com o ecossistema de inovação, têm urgência para resolver um problema ou levar eficiência a um determinado processo e não possuem grande disponibilidade de recursos para investir” (Ortega, 2020). 2. Projeto-piloto (teste e validação) “Prova de conceito (POC - Proof of Concept) com uma meta específica atrelada a sucesso no curto prazo” (Ortega, 2020). Pode envolver mais de uma startup. 3. Laboratório (potencialização) A empresa oferece “[...] capital, espaço físico, networking, ferramentas profissionais, recursos humanos, entre outros, para auxiliar startups em diferentes estágios de maturidade. Para a empresa, é uma forma de adquirir a cultura de inovação e liderar a possível criação de soluções inovadoras que, no futuro, possam ser incorporadas. Requer mais tempo e capital investido que as opções anteriores” (Ortega, 2020). 4. Corporate venturing ou corporate venture (investimento) Trata-se de “[...] a forma mais complexa do relacionamento com startups. O investimento necessita que a empresa interessada tenha grande conhecimento do ecossistema de inovação, além de dispor do capital. Ao investir ou adquirir uma startup, a empresa precisa avaliar o mercado, colocar os riscos na balança e ter uma boa relação com os empreendedores para que o negócio possa crescer de maneira saudável” (Ortega, 2020). Fonte: Elaborado com base em Ortega, 2020. Existem outras maneiras, na atualidade, de as empresas se conectarem com startups ou obterem o acesso a um verdadeiro celeiro de ideias para ainovação, geradas externamente à organização. As mais comuns são: • Hackathon: trata-se de uma maratona de 36 horas, 48 horas, 72 horas ou até de 1 semana, com participação presencial, virtual ou híbrida. Tem característica de evento aberto ao público, no qual equipes multidisciplinares e multiorganizacionais são previamente formadas (com estudantes, designers, pesquisadores, funcionários de empresas etc.) em torno de um desafio apresentado por uma ou mais empresas ou para setores ou áreas de atuação profissional. Durante o evento, as equipes 9 desenvolvem soluções e protótipos para os desafios apresentados. Ao término do prazo, as equipes apresentam suas ideias a uma banca de convidados. Usualmente, as empresas que lançam seus desafios nos hackatons ofertam prêmios aos projetos vencedores. O Hackathon Sicredi para FinTechs, realizado no final de 20194, reuniu interessados em desenvolver um protótipo funcional na área financeira, em evento com duração de 48 horas. • Desafios lançados em sites das empresas e organizações diversas: as organizações lançam seus desafios em sites por determinado período e qualquer pessoa pode apresentar suas sugestões. Também podem ser denominados como ideathon. A participação das pessoas em desafios pode ocorrer em momentos e locais diferentes. Usualmente, as organizações que lançam desafios abertos em sites ofertam prêmios aos projetos vencedores ou adquirem os seus direitos de propriedade comercial5. • FabLabs: instituições que abrem espaços com laboratórios e ferramentas6, profissionais e conhecimento para que as pessoas (desde o inventor individual a dirigentes de empresas) possam realizar experimentos, invenções usando tecnologias variadas, entre inúmeras atividades e possibilidades que os FabLabs oferecem. FabLabs são espaços criativos, abertos, em que a interação e o aprendizado são estimulados. Esses mecanismos favorecem uma ampla participação, dão grande visibilidade às empresas e geram uma grande quantidade de ideias. Por outro lado, as empresas veem-se às voltas com um grande volume de ideias, informações e precisam organizá-las, analisá-las, selecioná-las e – muito importante! – dar feedbacks a quem as sugeriu. Mas, ainda assim, são muito compensadores para as empresas. 4 Disponível em: <https://www.sympla.com.br/hackathon-sicredi__583407>. 5 Vide desafio de ideias da Coca-Cola, realizado em 2015: <https://www.innoscience.com.br/coca- cola-busca-ideias-inovadoras-com-o-suporte-da-innoscience/> (Coca-Cola, 2015). 6 Vide site da Fab Foudation ([S.d.]): <http://www.fabfoundation.org/> ou <https://www.projetodraft.com/saiba-como-funcionam-os-laboratorios-de-inovacao-fab-labs- espalhados-pelo-brasil-e-como-voce-pode-usa- los/#:~:text=H%C3%A1%2011%20fab%20labs%20associados,e%20tr%C3%AAs%20em%20S% C3%A3o%20Paulo>. 10 TEMA 3 – O MINDSET PARA A INOVAÇÃO Para a gestão continuada de um ambiente criativo para a inovação, é de extrema relevância o mindset da inovação, ou seja, a maneira de pensar e agir das pessoas focadas em inovação. A inovação envolve riscos e incertezas que, para algumas empresas, configuram-se como restrições, tais como falta de know- how, insuficiência de capital para arcar com os custos da inovação e força competitiva insuficiente diante das novas e constantes exigências do mercado (Silva; Dacorso, 2014). 3.1 Como adotar um mindset para a inovação em um mundo de incertezas como é o mundo da inovação? O mindset para a inovação refere-se ao esforço integrado de uma organização voltado às novas oportunidades do mercado e não apenas a resultados trimestrais. A organização volta-se assim para a aprendizagem, a transformação, a inovação e a criatividade, compreendendo que esses valores estão intimamente relacionados entre si e requerem de cada um a capacidade de dizer adeus às práticas e crenças obsoletas para dar lugar ao novo. Abandonar hábitos, crenças e até estruturas e processos que demandaram investimentos no passado, para dar lugar às novas ideias e aos novos projetos, requer perseverança na transformação do mindset, conjugado ao esforço para o abandono das práticas e das crenças incompatíveis com a transformação almejada. Os hábitos e crenças apreendidas ao longo do tempo funcionam muito bem em um ambiente em que tudo é previsível, mas parecem não ser suficientes para uma organização se adaptar a um ambiente volátil, incerto, complexo e ambíguo (Vuca) acelerado pela inovação e pela transformação digital. Enfrentar o medo e as objeções do desconhecido, os desafios que advirão com o novo (por ser desconhecido) pode causar ansiedade e tendência a manutenção do status quo. Queremos enfatizar essa sutileza que age subjacente às estratégias de gestão. Os riscos sempre serão altos, mas existem caminhos para mitigá-los. Esta aula aponta alguns deles, como atuar em ecossistemas de inovação na busca de fontes externas de conhecimento, suporte financeiro, tecnológico e de mercado, firmando-se no uso do modelo de inovação aberta para redução de riscos e incertezas relacionados à inovação. 11 Baseado no site Entrepreneur Scan ([S/d.], tradução nossa), destaca-se os seguintes aspectos comportamentais para desenvolver o mindset para a inovação: ludicidade, energia para ação, sensibilidade aos problemas da sociedade e comunidade, abertura para novas experiências, sinergia entre semelhanças e diferenças, nexo entre os opostos e comprometimento o desfio da inovação. O caso Magalu vem demonstrar claramente o forte e continuado empenho de uma empresa em mudar o mindset de “uma empresa tradicional que tinha canal digital” para uma “plataforma digital com pontos físicos e calor humano” (Cristofolini, 2019), assumindo riscos e incertezas dessa decisão estratégica. Ou seja, para mudar o rumo foi necessário criar um mindset digital na cultura e estrutura organizacional. TEMA 4 – LIDERANÇA PARA A INOVAÇÃO O papel da liderança é crucial na sustentação de um ambiente criativo com foco em inovação e tem, como ponto fundamental, o entendimento de que esse papel requer a consideração dos demais colaboradores da empresa como parceiros imprescindíveis ao processo. Segundo o Center of Creative Leadership ([S.d.], tradução nossa), “toda organização que quer ser bem-sucedida precisa de líderes efetivos e capazes de impulsionar a mudança coletivamente, em toda a organização”. O que reforça a crença de que os trabalhos humanos são coletivos e interdependentes. Principalmente para realizar mudanças que gerem vantagens competitivas, organizações de todos os tipos, muitas vezes, necessitam abandonar o seu modus operandi (maneira de operar), o seu status quo vigente. Isso pode significar abandonar produtos e processos antes tidos como essenciais ao funcionamento da organização. Segundo o Center of Creative Leadership ([S.d.], tradução nossa), “líderes formais e informais, em todos os níveis, devem ser capazes de implementar novas estratégias e impulsionar mudanças duradouras em como sua organização opera, e adaptar-se em um ambiente de incerteza e de rápidas mudanças”. O que reforça a crença de que as organizações não são estáticas e de que o progresso requer novas edificações internas. Empresas que se transformam tornam-se mais maduras, longevas, competitivas pela adoção das novas tecnologias, das novas tendências do mercado, dos novos processos de gestão etc. A diferença entre empresa líder e 12 empresa seguidora está assentada em vários elementos complexos, que requerem análises e decisões de alto risco e que envolvem recursos de todos os gêneros. Lembremos, novamente, o papel da liderança inovadora, engajada e empreendedora no caso do Magalu. 4.1 Quais as competências de uma liderança voltada à inovação? Baseados no que a Endeavor7 propõe, sugerimos as seguintes competências para uma liderança inovadora: • delegaratividades e atuar como liderança servidora, pois uma liderança centralizadora mata a cultura intraempreendedora; • criar equipes orientadas para a inovação; • ser inspiradora, audaciosa e estipular, para o time liderado, metas de crescimento relevantes; • estimular a prática da liderança situacional e atuar na formação de novas lideranças; • eliminar os luxos e colocar-se no mesmo patamar do seu time de liderados; • ser comunicadora e aberta a ideias e criar um canal aberto com todo o time liderado, utilizando ferramentas visíveis como cartazes, post-its disponíveis nas paredes etc.; • deter conhecimentos de melhoria contínua e ferramentas da qualidade. Segundo Mitchinson e Morris (2014), o atributo essencial da liderança para a inovação, o mindset, é a capacidade de se permanecer aberto a novas formas de pensar e de aprender novas habilidades continuamente. Podemos dizer que esse é o mindset essencial. Os mesmos autores apontam quatro fatores facilitadores e um bloqueador para o desenvolvimento da liderança para a inovação, conforme Figura 1 a seguir. 7 Endeavor é uma organização que atua em nível internacional e que promove o empreendedorismo inovador, com ênfase no apoio a lideranças empreendedoras, com diversos programas de capacitação e atuação no ecossistema de inovação. Para mais informações, consulte: <https://endeavor.org.br/> (Endeavor Brasil, [S.d.]). 13 Figura 1 – Fatores facilitadores e fator bloqueador do desenvolvimento da liderança Fonte: Elaborado com base em Mitchinson; Morris, 2014. Sobre os facilitadores: • Inovando: o líder deve questionar o status quo desafiador de longa data com o objetivo de descobrir novas e únicas maneiras de fazer as coisas. Isso requer novas experiências para deter novas bases de entendimento e diversificação dos ângulos de percepção. • Executando: o líder precisa aprender com a experiência, permanecer presente e engajado, lidar com o estresse causado pela ambiguidade, adaptar-se rapidamente para executar as ações necessárias. Isso requer habilidades de atenção, observação e escuta, capacidade de processar dados rapidamente. • Refletindo: ter novas experiências não garante aprendizado ágil, que carece de feedbacks ágeis e muita energia para insights mais profundos sobre si mesmo, sobre os outros e sobre a organização. • Arriscando: a liderança deve procurar aventurar-se em território desconhecido e se colocar lá fora (demonstrar empatia) para tentar coisas novas. Esse risco é o que leva à oportunidade, não à busca de emoção... O líder deve ter acúmulo de confiança para estender-se para fora de sua zona de conforto, resultando isso em um ciclo de sucesso perpétuo. Sobre o fator bloqueador ao desenvolvimento da liderança para a inovação: • Defendendo: indivíduos que permanecem fechados ou defensivos quando desafiados tendem a ter menor agilidade no aprendizado para a inovação. Pessoas de sucesso também são suscetíveis a feedbacks. O líder deve guardar-se contra esse destrutivo e inadvertido comportamento e usar os comportamentos positivos associados com a agilidade na aprendizagem. 14 Cabe aos líderes em geral promover o compartilhamento do propósito de inovação pela empresa, reconduzir as energias organizacionais para a articulação dessa nova visão, aceitar correr riscos. Os líderes têm a missão de criar a atmosfera para a inovação e para o engajamento das pessoas. Além da liderança estratégica para a inovação, a função do líder de projetos inovadores tem crescido nas organizações inovadoras, ela requerendo formação em gestão de projetos e liderança de equipes. Esse tipo de liderança atua nos aspectos operacionais da gestão de projetos em face do time liderado e da estrutura organizacional para cumprimento dos custos, prazos, atendimento de escopo, qualidade, satisfação do cliente, atendimento ao negócio, entre outros elementos, como uma função integradora na estrutura organizacional. TEMA 5 – INDICADORES DE MATURIDADE EM GESTÃO DA INOVAÇÃO Quando o assunto é gestão de ambiente criativo para a inovação, as estratégias, modelos de negócios e seus planos de ação são testados em seus resultados. Em função disso, é de muita relevância a empresa adotar indicadores que a permitam avaliar sua maturidade (avaliação criteriosa) no processo de ideação, gestão e implementação de inovações, pois é bastante comum que haja um distanciamento, ou um deslocamento, entre o que a empresa almeja, o que foi idealizado, planejado e o que foi entregue com a implementação da inovação, tanto nos resultados como no processo em si. Esclarecemos aqui que há diferenças entre os indicadores de gestão de maturidade em inovação que se referem à organização como unidade de análise em relação aos indicadores de maturidade da inovação em si, que variam conforme os tipos de inovação, como o TRL (Technology Readiness Level, ou, em português, Escala do Nível de Maturidade Tecnológica) específico para a maturidade tecnológica da inovação. Nesta aula, estamos tratando do primeiro caso. A Siteware (2018) propõe nove indicadores que podem ser aplicados a todos os segmentos e portes de empresas. Nos casos em que se perceba o distanciamento ou o deslocamento dos objetivos iniciais, as informações irão auxiliar na reavaliação das ações implementadas para reverter seus resultados e promover que a empresa possa crescer em maturidade em face da inovação. É importante que um comitê com representantes das várias áreas envolvidas participe desses momentos de análises e decisões. 15 Alguns indicadores são comuns aos tipos de inovação (custo, tempo, qualidade), mas os demais indicadores podem apresentar variações, dependendo do tipo de inovação. Por exemplo: a inovação em produto pode ser medida pela quantidade de produtos inseridos no mercado; já as inovações sociais podem ser medidas pelo número de projetos sociais replicados. Todas as áreas de uma empresa envolvidas e comprometidas com a inovação (áreas de gestão, técnicas e áreas-meio) devem contribuir com a concepção do instrumento de medida e com as informações para as medições. Os indicadores precisam de escala, faixas de decisão de natureza quantitativa e qualitativa, entre outros aspectos, e podem ser desenvolvidos segundo a realidade de cada empresa. Contudo, utilizar-se de parâmetros externos contribui para as análises críticas. A periodicidade da medição, o comprometimento dos responsáveis pela coleta e o sistema de avaliação adotado são elementos que dão confiabilidade ao processo. Eis os nove indicadores mencionados por Siteware (2018): 1. Redução de custos: a redução dos custos internos para o desenvolvimento da inovação pode ser alcançada com parcerias, fomentos ou isenções fiscais, dependendo da área da empresa e do projeto (captação de recursos). Também se buscam inovações para redução dos custos operacionais da empresa com a introdução de inovações em processos, serviços ou modelos de negócios (taxa de economicidade). Não há vantagem percebida se a empresa inovar e, ao mesmo tempo, ver os seus custos aumentarem significativamente sem clara previsão de ganhos futuros. 2. Investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D): é um dos principais indicadores de inovação tecnológica e pode ser adaptado para o desenvolvimento de todos os tipos de inovações. Envolve recursos financeiros, tecnológicos, humanos, insumos, produção do conhecimento e desenvolvimento das habilidades e tecnologias. 3. Investimento médio por projeto: trata-se de uma medição útil para compor a avaliação do retorno sobre o investimento (ROI) da carteira de projetos. Deve-se somar o montante investido na carteira e dividi-lo pela quantidade de projetos. 4. ROI: considera-se o retorno positivo mediante os investimentos injetados pela empresa para desenvolvimento das inovações. 16 5. Quantidadede ideias geradas: as ideias são as nascentes das inovações. Nesse quesito, quantidade é qualidade! Quanto maior o número de ideias, maiores chances de se encontrar ideias com potencial de inovação, quer isoladamente, quer em clusters das ideias, como vimos em aulas anteriores. A quantidade de ideias geradas é um importante indicador para se avaliar a cultura de encorajamento e de suporte à geração de ideias e o potencial inovativo da organização. Esse indicador pode ser medido por: número de ideias geradas, número de ideias que prosseguiram no pipeline de avaliação e número das ideias que foram rejeitadas. 6. Taxa de ideias por colaborador: quantidade de ideias por colaborador em determinado período ou por desafio gerado pela empresa. Essa medição será de muita relevância se houver práticas de estímulo à geração de ideias. O reconhecimento ou premiação poderá ser por equipes/times de projetos, para se incentivar o trabalho colaborativo, já que nenhuma ideia prospera sem a contribuição de muitos. 7. Quantidade de projetos em andamento: essa medição refere-se a ideias que se tornaram projetos que foram desenvolvidos. Costuma-se dizer que se trata da carteira de projetos em andamento (ou portfólio de projetos em andamento), que requer uma gestão de prazos, tempo, recursos, equipes, riscos etc. Esse indicador permite avaliar a capacidade da organização de realizar a gestão e a execução da carteira em curto, médio e longo prazo, em determinado período, e definir estratégias. 8. Quantidade de inovações geradas: costuma-se dizer que esse indicador refere-se à carteira de inovações geradas (ou portfólio de inovações), de projetos que foram finalizados e implementados em determinado período. Pode-se medir esse indicador pelo número de produtos inovadores inseridos no mercado; de serviços inovadores implementados com usuários iniciais; de modelos de negócios inovadores implementados; de processos inovadores implementados. 9. Taxa de sucesso: indicador que auxilia a medição da eficácia das inovações geradas e pode incluir medições do processo em si, para avaliar os pontos fortes e fracos na implementação do projeto e seus resultados (curva da aprendizagem). Esse indicador poderá ser medido por: valor médio das vendas/serviços provenientes da inovação gerada, por um período; percentual de lucratividade ou de economicidade advindos da 17 inovação gerada. Pode-se medir o alcance da inovação pelo seu impacto diante dos stakeholders, pela experiência e pela sua aceitação pelos usuários e clientes, pela geração de empregos com valor agregado, pela substituição de empregos de maior valor agregado na comunidade local, pela satisfação dos colaboradores com o trabalho, pela percepção da imagem da organização ou pelo aumento de arrecadação dos governos. Nesta aula, vimos vários aspectos da gestão do ambiente criativo para a inovação além das fronteiras organizacionais, como os ecossistemas de inovação, que propiciam a captura de ideias mediante práticas de conectividade das empresas com aceleradoras e startups. Vimos, igualmente, que adotar o mindset da inovação requer abandonar os hábitos do “velho investido, rotineiro e familiar” (Enrich) e desenvolver novas competências para a inovação, em que o papel das lideranças torna-se fundamental no processo de mudança. Por fim, enfatizamos que, na busca por inovação, a empresa necessita adotar indicadores que a permitam avaliar sua maturidade no processo de gestão para a implementação de inovações. 18 REFERÊNCIAS ARRUDA, C.; ALVES, L. L. Hackathon como instrumento de inovação aberta. Dom, Nova Lima, v. 12, n. 37, p. 48-53, jan./abr. 2019. 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