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MEDICINA DO ESPORTE no futebol Pesquisa e Práticas Contemporâneas JOSÉ MARTINS JULIANO EUSTAQUIO (Organizador) editora científica digital MEDICINA DO ESPORTE no futebol Pesquisa e Práticas Contemporâneas JOSÉ MARTINS JULIANO EUSTAQUIO (Organizador) 2021 - GUARUJÁ - SP 1ª EDIÇÃO editora científica digital Diagramação e arte Equipe editorial Imagens da capa Adobe Stock - licensed by Editora Científica Digital - 2021 Revisão Os autores 2021 by Editora Científica Digital Copyright© 2021 Editora Científica Digital Copyright do Texto © 2021 Os Autores Copyright da Edição © 2021 Editora Científica Digital Acesso Livre - Open Access EDITORA CIENTÍFICA DIGITAL LTDA Guarujá - São Paulo - Brasil www.editoracientifica.org - contato@editoracientifica.org Parecer e revisão por pares Os textos que compõem esta obra foram submetidos para avaliação do Conselho Editorial da Editora Cien- tífica Digital, bem como revisados por pares, sendo indicados para a publicação. 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Medicina esportiva. 2. Futebol – Aspectos médicos. I.Eustaquio, José Martins Juliano. CDD 617.1 2 0 2 1 Elaborado por Maurício Amormino Júnior – CRB6/2422 editora científica digital editora científica digital CORPO EDITORIAL Direção Editorial R e i n a l d o C a r d o s o J o ã o B a t i s t a Q u i n t e l a Editor Científico P r o f . D r . R o b s o n J o s é d e O l i v e i r a Assistentes Editoriais E r i c k B r a g a F r e i r e B i a n c a M o r e i r a S a n d r a C a r d o s o Bibliotecário M a u r í c i o A m o r m i n o J ú n i o r - C R B 6 / 2 4 2 2 Jurídico D r . A l a n d e l o n C a r d o s o L i m a - O A B / S P - 3 07 8 5 2 editora científica digital Robson José de Oliveira Universidade Federal do Piauí, Brasil Eloisa Rosotti Navarro Universidade Federal de São Carlos, Brasil Rogério de Melo Grillo Universidade Estadual de Campinas, Brasil Carlos Alberto Martins Cordeiro Universidade Federal do Pará, Brasil Ernane Rosa Martins Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás, Brasil Rossano Sartori Dal Molin FSG Centro Universitário, Brasil Edilson Coelho Sampaio Universidade da Amazônia, Brasil Domingos Bombo Damião Universidade Agostinho Neto, Angola Elson Ferreira Costa Universidade do Estado do Pará, Brasil Carlos Alexandre Oelke Universidade Federal do Pampa, Brasil Patrício Francisco da Silva Universidade CEUMA, Brasil Reinaldo Eduardo da Silva Sales Instituto Federal do Pará, Brasil Dalízia Amaral Cruz Universidade Federal do Pará, Brasil Susana Jorge Ferreira Universidade de Évora, Portugal Fabricio Gomes Gonçalves Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil Erival Gonçalves Prata Universidade Federal do Pará, Brasil Gevair Campos Faculdade CNEC Unaí, Brasil Flávio Aparecido De Almeida Faculdade Unida de Vitória, Brasil Mauro Vinicius Dutra Girão Centro Universitário Inta, Brasil Clóvis Luciano Giacomet Universidade Federal do Amapá, Brasil Giovanna Moraes Universidade Federal de Uberlândia, Brasil André Cutrim Carvalho Universidade Federal do Pará, Brasil Silvani Verruck Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Auristela Correa Castro Universidade Federal do Pará, Brasil Osvaldo Contador Junior Faculdade de Tecnologia de Jahu, Brasil Claudia Maria Rinhel-Silva Universidade Paulista, Brasil Dennis Soares Leite Universidade de São Paulo, Brasil Silvana Lima Vieira Universidade do Estado da Bahia, Brasil Cristina Berger Fadel Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil Graciete Barros Silva Universidade Estadual de Roraima, Brasil Juliana Campos Pinheiro Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil Cristiano Marins Universidade Federal Fluminense, Brasil Silvio Almeida Junior Universidade de Franca, Brasil Raimundo Nonato Ferreira Do Nascimento Universidade Federal do Piaui, Brasil CONSELHO EDITORIAL Mestres, Mestras, Doutores e Doutoras editora científica digital CONSELHO EDITORIAL Marcelo da Fonseca Ferreira da Silva Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória, Brasil Carlos Roberto de Lima Universidade Federal de Campina Grande, Brasil Daniel Luciano Gevehr Faculdades Integradas de Taquara, Brasil Maria Cristina Zago Centro Universitário UNIFAAT, Brasil Wescley Viana Evangelista Universidade do Estado de Mato Grosso, Brasil Samylla Maira Costa Siqueira Universidade Federal da Bahia, Brasil Gloria Maria de Franca Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil Antônio Marcos Mota Miranda Instituto Evandro Chagas, Brasil Carla da Silva Sousa Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano, Brasil Dennys Ramon de Melo Fernandes Almeida Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil Francisco de Sousa Lima Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano, Brasil Reginaldo da Silva Sales Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará, Brasil Mário Celso Neves De Andrade Universidade de São Paulo, Brasil Maria do Carmo de Sousa Universidade Federal de São Carlos, Brasil Mauro Luiz Costa Campello Universidade Paulista, Brasil Sayonara Cotrim Sabioni Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia Baiano, Brasil Ricardo Pereira Sepini Universidade Federal de São João Del-Rei, Brasil Flávio Campos de Morais Universidade Federal de Pernambuco, Brasil Sonia Aparecida Cabral Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, Brasil Jonatas Brito de Alencar Neto Universidade Federal do Ceará, Brasil Moisés de Souza Mendonça Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará, Brasil Pedro Afonso Cortez Universidade Metodista de São Paulo, Brasil Iara Margolis Ribeiro Universidade do Minho, Brasil Julianno Pizzano Ayoub Universidade Estadual do Centro-Oeste, Brasil Vitor Afonso Hoeflich Universidade Federal do Paraná, Brasil Bianca Anacleto Araújo de Sousa Universidade Federal Rural de Pernambuco, Brasil Bianca Cerqueira Martins Universidade Federal do Acre, Brasil Daniela Remião de Macedo Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, Portugal Dioniso de Souza Sampaio Universidade Federal do Pará, Brasil Rosemary Laís Galati Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil Maria Fernanda Soares Queiroz Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil Leonardo Augusto Couto Finelli Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil Thais Ranielle Souza de Oliveira Centro Universitário Euroamericano, Brasil Alessandra de Souza Martins Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil Claudiomir da Silva Santos Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas, Brasil Fabrício dos Santos Ritá Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas, Brasil Danielly de Sousa Nóbrega Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Acre, Brasil Livia Fernandes dos Santos Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Acre, Brasil editora científica digital CONSELHO EDITORIAL Liege Coutinho GoulartDornellas Universidade Presidente Antônio Carlos, Brasil Ticiano Azevedo Bastos Universidade Federal de Ouro Preto, Brasil Walmir Fernandes Pereira Miami University of Science and Technology, Estados Unidos da América Jónata Ferreira De Moura Universidade Federal do Maranhão, Brasil Camila de Moura Vogt Universidade Federal do Pará, Brasil José Martins Juliano Eustaquio Universidade de Uberaba, Brasil Adriana Leite de Andrade Universidade Católica de Petrópolis, Brasil Francisco Carlos Alberto Fonteles Holanda Universidade Federal do Pará, Brasil Bruna Almeida da Silva Universidade do Estado do Pará, Brasil Clecia Simone Gonçalves Rosa Pacheco Instituto Federal do Sertão Pernambucano, Brasil Ronei Aparecido Barbosa Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas, Brasil Julio Onésio Ferreira Melo Universidade Federal de São João Del Rei, Brasil Juliano José Corbi Universidade de São Paulo, Brasil Thadeu Borges Souza Santos Universidade do Estado da Bahia, Brasil Francisco Sérgio Lopes Vasconcelos Filho Universidade Federal do Cariri, Brasil Francine Náthalie Ferraresi Rodriguess Queluz Universidade São Francisco, Brasil Maria Luzete Costa Cavalcante Universidade Federal do Ceará, Brasil Luciane Martins de Oliveira Matos Faculdade do Ensino Superior de Linhares, Brasil Rosenery Pimentel Nascimento Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil Irlane Maia de Oliveira Universidade Federal do Amazonas, Brasil Lívia Silveira Duarte Aquino Universidade Federal do Cariri, Brasil Xaene Maria Fernandes Mendonça Universidade Federal do Pará, Brasil Thaís de Oliveira Carvalho Granado Santos Universidade Federal do Pará, Brasil Fábio Ferreira de Carvalho Junior Fundação Getúlio Vargas, Brasil Anderson Nunes Lopes Universidade Luterana do Brasil, Brasil Carlos Alberto da Silva Universidade Federal do Ceara, Brasil Keila de Souza Silva Universidade Estadual de Maringá, Brasil Francisco das Chagas Alves do Nascimento Universidade Federal do Pará, Brasil Réia Sílvia Lemos da Costa e Silva Gomes Universidade Federal do Pará, Brasil Arinaldo Pereira Silva Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, Brasil Laís Conceição Tavares Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará, Brasil Ana Maria Aguiar Frias Universidade de Évora, Brasil Willian Douglas Guilherme Universidade Federal do Tocatins, Brasil Evaldo Martins da Silva Universidade Federal do Pará, Brasil Biano Alves de Melo Neto Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano, Brasil António Bernardo Mendes de Seiça da Providência Santarém Universidade do Minho, Portugal Valdemir Pereira de Sousa Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil Sheylla Susan Moreira da Silva de Almeida Universidade Federal do Amapá, Brasil editora científica digital CONSELHO EDITORIAL Miriam Aparecida Rosa Instituto Federal do Sul de Minas, Brasil Rayme Tiago Rodrigues Costa Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará, Brasil Priscyla Lima de Andrade Centro Universitário UniFBV, Brasil Andre Muniz Afonso Universidade Federal do Paraná, Brasil Marcel Ricardo Nogueira de Oliveira Universidade Estadual do Centro Oeste, Brasil Gabriel Jesus Alves de Melo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia, Brasil Deise Keller Cavalcante Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro Larissa Carvalho de Sousa Instituto Politécnico de Coimbra, Portugal Susimeire Vivien Rosotti de Andrade Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brasil Daniel dos Reis Pedrosa Instituto Federal de Minas Gerais, Brasil Wiaslan Figueiredo Martins Instituto Federal Goiano, Brasil Lênio José Guerreiro de Faria Universidade Federal do Pará, Brasil Tamara Rocha dos Santos Universidade Federal de Goiás, Brasil Marcos Vinicius Winckler Caldeira Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil Gustavo Soares de Souza Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo, Brasil Adriana Cristina Bordignon Universidade Federal do Maranhão, Brasil Norma Suely Evangelista-Barreto Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Brasil Larry Oscar Chañi Paucar Universidad Nacional Amazónica de Madre de Dios, Peru Pedro Andrés Chira Oliva Universidade Federal do Pará, Brasil Daniel Augusto da Silva Fundação Educacional do Município de Assis, Brasil Aleteia Hummes Thaines Faculdades Integradas de Taquara, Brasil Elisangela Lima Andrade Universidade Federal do Pará, Brasil Reinaldo Pacheco Santos Universidade Federal do Vale do São Francisco, Brasil Cláudia Catarina Agostinho Hospital Lusíadas Lisboa, Portugal Carla Cristina Bauermann Brasil Universidade Federal de Santa Maria, Brasil Humberto Costa Universidade Federal do Paraná, Brasil Ana Paula Felipe Ferreira da Silva Universidade Potiguar, Brasil Ernane José Xavier Costa Universidade de São Paulo, Brasil Fabricia Zanelato Bertolde Universidade Estadual de Santa Cruz, Brasil Eliomar Viana Amorim Universidade Estadual de Santa Cruz, Brasil APRESENTAÇÃO Esta obra const i tu iu -se a par t i r de um processo co laborat i vo ent re pro fessores , es tudantes e pesqu isadores q u e s e d e s t a c a ra m e q u a l i f i c a ra m a s d i s c u s s õ e s n e s t e e s p a ç o f o r m at i v o . Re s u l t a , t a m b é m , d e m o v i m e n t o s i n t e r i n s t i t u c i o n a i s e d e a ç õ e s d e i n c e n t i v o à p e s q u i s a q u e c o n g r e g a m p e s q u i s a d o r e s d a s m a i s d i v e r s a s á r e a s d o c o n h e c i m e n t o e d e d i f e r e n t e s I n s t i t u i ç õ e s d e E d u c a ç ã o S u p e r i o r p ú b l i c a s e p r i v a d a s d e a b r a n gê n c i a n a c i o n a l . Te m c o m o o b j e t i v o t r a z e r c o n h e c i m e n t o s c i e n t í f i c o s e p r á t i c o s q u e c o n e c t e m a s C i ê n c i a s d a S a ú d e e d o Es p o r t e c o m f o c o n o f u t e b o l , a t r a v é s d a d i s c u s s ã o d e t e m a s i m p o r t a n t e s , a l g u n s a i n d a p o u c o a b o rd a d o s n a l i t e ra t u ra c i e n t í f i c a , e ex p o s t o s n e s s e l i v ro d e f o r m a c l a ra e d i d á t i c a . A g ra d e ç o a o s a u t o r e s p e l o e m p e n h o , d i s p o n i b i l i d a d e e d e d i c a ç ã o p a r a o d e s e n v o l v i m e n t o e c o n c l u s ã o d e s s a o b r a . Es p e r o t a m b é m q u e e s t a o b r a s i r v a d e i n s t r u m e n t o d i d á t i c o - p e d a gó g i c o p a r a e s t u d a n t e s e p r o f i s s i o n a i s que a tuem de fo rma d i re ta ou ind i re ta com a prát ica do fu tebo l , a lém de demais i n te ressados pe la temát ica . José Martins Juliano Eustaquio SUMÁRIO CAPÍTULO 01 NOÇÕES BÁSICAS DE PRIMEIROS SOCORROS NO FUTEBOL José Martins Juliano Eustaquio ' 10.37885/210705501 ................................................................................................................................................................................... 13 CAPÍTULO 02 AVALIAÇÃO PRÉ-PARTICIPAÇÃO ESPORTIVA NO FUTEBOL André Gualberto Jafeth Alves; Carla Tavares Felipe Vieira; Celso Furtado de Azevedo Filho; José Martins Juliano Eustaquio ' 10.37885/210705500 ................................................................................................................................................................................. 29 CAPÍTULO 03 PRINCIPAIS LESÕES ORTOPÉDICAS NO FUTEBOL Marcelo de Carvalho Amorim; José Martins Juliano Eustaquio ' 10.37885/210705502 ..................................................................................................................................................................................45 CAPÍTULO 04 ODONTOLOGIA DO ESPORTE NO FUTEBOL: REVISÃO DA LITERATURA Cesar Penazzo Lepri; Carla Silva Carvalho; José Martins Juliano Eustaquio ' 10.37885/210705418.................................................................................................................................................................................. 63 CAPÍTULO 05 FUTEBOL DE CAMPO E VARIABILIDADE DA FREQUÊNCIA CARDÍACA: REVISÃO DA LITERATURA José Martins Juliano Eustaquio; Octávio Barbosa Neto ' 10.37885/210705519 ................................................................................................................................................................................... 74 CAPÍTULO 06 LOMBALGIA NO ATLETA DE FUTEBOL Anderson Alves Dias; Paulo Sérgio Machado Rodrigues; Luis Fernando de Faria; José Martins Juliano Eustaquio ' 10.37885/210705520 ................................................................................................................................................................................. 85 SUMÁRIO CAPÍTULO 07 FUTEBOL BASEADO EM EVIDÊNCIAS: DESAFIOS E PERSPECTIVAS DA CIÊNCIA DO ESPORTE NO BRASIL Cristiano Diniz da Silva; João Gustavo Claudino; Emerson Silami Garcia ' 10.37885/210705542 ................................................................................................................................................................................. 94 CAPÍTULO 08 ESTUDO PROSPECTIVO DAS LESÕES MUSCULARES EM TRÊS TEMPORADAS CONSECUTIVAS DO CAMPEONATO BRASILEIRO DE FUTEBOL Gabriel Furlan Margato; Edilson Ferreira Andrade Júnior; Paulo Henrique Schmidt Lara; Jorge Roberto Pagura; Moisés Cohen; Gustavo Gonçalves Arliani ' 10.37885/210303435 ................................................................................................................................................................................ 118 CAPÍTULO 09 ESTRESSE, HUMOR E BURNOUT: UM ESTUDO SOBRE ATLETAS DO FUTEBOL FEMININO Igor Malinosqui Rinaldi; Mayra Grava de Moraes; Carlos Eduardo Lopes Verardi ' 10.37885/210303876 ................................................................................................................................................................................ 131 CAPÍTULO 10 NÍVEIS DE CONHECIMENTO E DESIDRATAÇÃO EM JOGADORES JUNIORES DE FUTEBOL Vanessa Machado Lustosa; Fátima Karina Costa de Araújo; Henrilla Mairla Santos de Morais; Fabiane Araújo Sampaio ' 10.37885/210504580 ................................................................................................................................................................................153 CAPÍTULO 11 PERCEPÇÕES DE FUTEBOLISTAS PROFISSIONAIS SOBRE FATORES DE RISCO DE LESÕES E ESTRATÉGIAS DE PREVENÇÃO UTILIZADAS Henrique Barbosa Ramos; Styllon Ferreira dos Santos; Danilo Reis Coimbra; Renato Siqueira de Souza; Flávio de Jesus Camilo; Cristiano Diniz da Silva ' 10.37885/210504677 ................................................................................................................................................................................ 169 CAPÍTULO 12 TOMADA DE DECISÃO NO FUTEBOL SETE: UMA ANÁLISE SOBRE O ÚLTIMO PASSE E A FINALIZAÇÃO Guilherme Marinho Alves Duarte ' 10.37885/210504693 ............................................................................................................................................................................... 188 SUMÁRIO CAPÍTULO 13 COMPOSIÇÃO CORPORAL DE GOLEIROS DAS CATEGORIAS DE BASE DA ELITE DO FUTEBOL MINEIRO Elano Silva de Magalhães Berto; Flavia Costa Oliveira Magalhães ' 10.37885/210705525................................................................................................................................................................................202 CAPÍTULO 14 ANÁLISE QUANTITATIVA DAS AÇÕES DO GOLEIRO DE FUTEBOL Elano Silva de Magalhães Berto; Flávia Costa Oliveira Magalhães ' 10.37885/210705550 ................................................................................................................................................................................213 CAPÍTULO 15 A ESTATURA COMO CRITÉRIO DE SELEÇÃO NA CAPTAÇÃO E FORMAÇÃO DO GOLEIRO DE FUTEBOL DE CAMPO Elano Silva de Magalhães Berto; Flavia Costa Oliveira Magalhães ' 10.37885/210705552................................................................................................................................................................................225 SOBRE O ORGANIZADOR ....................................................................................................................................236 ÍNDICE REMISSIVO ............................................................................................................................................. 237 01 Noções Básicas de Primeiros Socorros no futebol José Martins Juliano Eustaquio UNIUBE - Universidade de Uberaba 10.37885/210705501 https://dx.doi.org/10.37885/210705501 Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 14 Palavras-chave: Primeiros Socorros, Futebol, Medicina Esportiva. RESUMO O futebol é uma das modalidades esportivas mais populares em todo o mundo. O grande número de praticantes, associado às características técnicas e táticas, o tornam sujei- to a um grande número de lesões. Por isso, é necessário a capacitação contínua dos profissionais da saúde que atuam como socorristas em partidas de futebol. Além disso, por uma série de fatores, observa-se na atualidade um aumento do número de lesões potencialmente mais graves, com destaque para as concussões. Isso tem ocasionado preocupação não só dos profissionais da saúde, como também das Instituições que regulamentam a prática do esporte. No futebol profissional, há uma exigência mínima de recursos materiais e humanos que garantem maior segurança para os competido- res, algo não observado no futebol amador. A divulgação de conhecimentos básicos de primeiros socorros é algo extremamente relevante e deve abranger todo o público envolvido na modalidade. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 14 15 INTRODUÇÃO O futebol é uma modalidade esportiva com grande potencial para a ocorrência de le- sões. Essas lesões podem ocorrer tanto por trauma direto, que envolve o contato físico entre dois corpos, quanto por trauma indireto, que ocorre sem esse contato. Além dessas, existem também lesões menos comuns, não relacionadas ao mecanismo traumático, causadas por sobrecarga musculoesquelética (ʻʻoveruseʼʼ). De uma forma geral, no futebol, as lesões que mais comumente exigem a retirada do atleta de campo são as de trauma indireto, representadas principalmente pelas lesões musculares. Já as contusões, que são os traumas diretos entre dois atletas, ocorrem várias vezes durante um jogo e geralmente não ocasionam maiores preocupações. Nesse sentido, é importante destacar dois extremos de atendimento no futebol. Quando um atleta supostamente apresenta uma lesão e em seguida realiza movimentos de uma forma chamativa, provavelmente o objetivo dele é manipular a situação. Já nas lesões em que um atleta permanece imóvel no ambiente esportivo, sem esboçar reação de dor e sem responder aos chamados dos companheiros, provavelmente é uma situação mais grave e que exige maior atenção e preocupação. Para quem atua como socorrista em um evento de futebol, principalmente quando é de forma direta a um time, necessita observar alguns cuidados prévios ao jogo e que po- dem ajudar na prevenção de lesões e outras intercorrências mais graves. Primeiramente, é necessário que os atletas retirem todos os adornos, como brincos, alianças, anéis e simi- lares, antes que iniciem a prática da modalidade. Lesões relacionadas à presença desses adornos podem ser mais graves e, em último caso, poderão até comprometer a viabilidade do segmento corporal, como os dedos. Além disso, outra precaução muito importante é a proibição da utilização de balas ou chicletes concomitantemente à prática esportiva, pelo risco de comprometimento da via aérea. Na abordagemao atleta para atendimento dentro do ambiente esportivo, é sempre im- portante que o socorrista o aborde na posição ideal, que é com ambos os joelhos apoiados ao solo (preferencial) ou em posição agachada com um joelho apoiado ao chão (Figura 1). É proi- bido que esse atendimento seja realizado na posição totalmente agachada, pois não fornece estabilidade ao socorrista e pode comprometer a segurança do atendimento. O conhecimento das condutas de primeiros socorros é extremamente importante para qualquer pessoa que atua em uma partida de futebol, desde membros da comissão técnica e juízes aos jogadores. O potencial de se realizar um atendimento adequado é muito maior nos eventos profissionais, devido à presença obrigatória de equipe médica, de ambulância devidamente equipada e do desfibrilador externo automático (DEA). Em jogos amadores, geralmente não há profissional de saúde disponível para os atendimentos médicos. Muitas Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 16 vezes, na melhor das hipóteses, o massagista é o único profissional com algum conheci- mento da área da saúde para realizar os cuidados iniciais a um atleta. Esse capítulo foi escrito com base nas principais lesões e traumatismos que ocor- rem no futebol, através de revisão da literatura e da experiência do autor, que apresenta aproximadamente doze anos de atuação direta como médico do futebol. O objetivo geral foi descrever, de forma resumida e através de fácil entendimento, as principais lesões e as condutas necessárias para atuação dos profissionais da saúde na fase aguda do trauma, dentro de um evento de futebol. Figura 1. Posição ideal de atendimento a um atleta no ambiente esportivo. Fonte: Arquivo próprio do autor. DESENVOLVIMENTO Materiais básicos de primeiros socorros Conforme já comentado, em eventos profissionais, atualmente é obrigatório as presen- ças de no mínimo uma ambulância devidamente equipada, do DEA e de dois profissionais médicos (um responsável pelo atendimento das equipes e um responsável pelo atendimento dentro da ambulância). Porém, principalmente em campeonatos de divisões inferiores, algumas vezes os fiscais de uma partida não conferem de forma rígida o funcionamento desses itens obriga- tórios. A simples presença do veículo configurado como ambulância, de um aparelho de DEA e da presença física do médico permitem que uma partida seja iniciada. Idealmente, seria necessário que os fiscais de uma partida confiram, antes de seu início, no mínimo a existência de equipamentos de primeiros socorros dentro da ambulância (através de checklist específico) e o funcionamento (ou a data de manutenção) dos aparelhos de DEA. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 16 17 Como itens básicos para o atendimento de primeiro socorros no evento esportivo, além do DEA, é necessário no mínimo as presenças de materiais de imobilização (prancha rígida, blocos rígidos de apoio da cabeça, tirantes laterais, colar cervical, talas flexíveis para membros, ataduras crepom), curativo (soro fisiológico 0,9%, gazes e compressas estéreis, atadura crepom, fitas adesivas, touca de natação), auxílio à ventilação (cânula de Guedel, máscara com ambu, dispositivos de barreira para ventilação), aferição de sinais vitais (es- figmomanômetro, estetoscópio, oxímetro de pulso) e de crioterapia (nas formas de líquido, barras, cubos ou spray), além de medicamentos gerais tanto por via oral quanto injetáveis (principalmente analgésicos, antiinflamatórios, antieméticos, antidiarréicos, produtos hemos- táticos tópicos, colírios hidratantes, dentre outros) de acordo com o permitido pela regulação do campeonato e materiais completos para sutura. Principais motivos de atendimento no local do evento esportivo 1. Concussão • Características principais A concussão é uma síndrome clínica caracterizada por alterações da função cerebral e que tipicamente afeta a memória e a orientação, com envolvimento ou não da perda de consciência. Ocorre após trauma direto na região do crânio, em um movimento típico de aceleração e desaceleração da caixa craniana e que repercute com alterações fisiológicas para o sistema nervoso central. A incidência relativa é maior em mulheres, por razões ana- tômicas, endocrinológicas e fisiológicas (VEDUNG et al., 2020). É necessário destacar que a perda de consciência ocorre em menos de 10% dos casos e a sua presença em um período mais prolongado representa uma lesão traumática cerebral de maior intensidade (McCRORY et al., 2017). Porém, casos graves podem ocorrer mesmo na ausência de perda da consciência. A ocorrência de um segundo episódio de concussão, às vezes até de menor intensi- dade, em pouco tempo de intervalo do primeiro episódio (geralmente nas duas primeiras semanas), pode desencadear a Síndrome do Segundo Impacto, que apresenta potencial de causar repercussões cerebrais importantes e até o óbito do atleta (HARMON et al., 2013). Outro quadro fisiopatológico relacionado à concussão é a Síndrome Pós Concussão, representada por sinais e sintomas persistentes por períodos curtos (dias ou semanas) ou até mais longos (meses ou anos). Desses, os mais comuns são cefaléia, tontura, amné- sia e dificuldade de concentração. A longo prazo, casos isolados ou repetidos (mais co- muns) de concussão poderão evoluir para um quadro de encefalopatia traumática crônica, Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 18 caracterizada por degenerações neuronais precoces e suas consequentes repercussões clínicas (HARMON et al., 2013). • Tratamento Na presença potencial de um caso de concussão o atendimento ao atleta deve ser feito de forma imediata, independente da autorização da arbitragem para a entrada do socorrista. Porém, devido ao crescente conhecimento sobre o tema e pelos protocolos adotados pela Federação Internacional de Futebol (FIFA, 2021), atualmente há um treinamento contínuo aos árbitros sobre as condutas a serem adotadas nas situações de concussão. Cabe des- taque uma normativa experimental, recentemente divulgada pela Federação, que autoriza a realização de substituições extras nos casos de concussão (FIFA, 2021). No momento do atendimento, a escala de coma de Glasgow é um parâmetro objetivo e de fácil aplicabilidade. De forma associada, deve-se avaliar o grau de confusão mental, com perguntas como ʻʻOnde você está?, Quanto está o jogo?, Qual seu nome?ʼʼ. Além disso, deve ser feito a pesquisa de sinais e sintomas como cefaléia, tontura, confusão mental, nis- tagmo e/ou outras alterações visuais, além da avaliação de ferimentos na cabeça e na face e avaliação de dor na coluna cervical. Caso o atleta tenha dor nesse segmento da coluna, ou de acordo com a gravidade do trauma, é importante estabilizar esse segmento vertebral através do colar cervical (HUBERTUS et al., 2019). Diferentes Federações Internacionais criaram ferramentas práticas para auxiliar o diag- nóstico da concussão. O Concussion Recognition Tool (CRT) fornece informações para que o socorrista, médico ou não, realize uma abordagem prática e rápida no primeiro atendimento ao atleta vítima de concussão (ECHEMENDIA et al., 2017). Já o Sport Concussion Assesment Tool (SCAT) é uma ferramenta mais completa, utilizada pelo médico ou profissional da saú- de habilitado em atendimentos de emergência, comumente empregado no vestiário e no acompanhamento clínico evolutivo do atleta após a concussão (ECHEMENDIA et al., 2017). Na suspeita de concussão o atleta deve ser retirado de jogo, tanto devido aos prejuí- zos à sua performance quanto ao risco à sua saúde, independentemente das condições técnicas ou táticas envolvidas na partida. Esse é um conceito importante e que deve ser amplamente divulgado para todos aqueles que atuam no esporte. Caso o atleta não aceite ser substituído, o que é comum de acontecer, a comissão técnica deve assumir a respon- sabilidade e retirá-lo de jogo. Após toda a propedêutica de diagnóstico eterapia, muitas vezes complementada na fase inicial a nível hospitalar, o atleta permanece afastado do esporte por tempo indeter- minado. As avaliações clínicas seriadas são extremamente importantes como parâmetros objetivos para considerar a melhora gradativa. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 18 19 O retorno ao esporte é precedido por atividades realizadas em caráter progressivo, inicialmente de baixa intensidade e de baixo volume, que avaliam a resposta neurológica do atleta ao exercício físico. Quando houver respostas clínica e computadorizada satisfatórias em relação aos parâmetros motor e cognitivo, o atleta estará apto a retornar aos treinamentos habituais (HUBERTUS et al., 2019). Devido ao aumento do número de casos de concussão, profissionais da saúde têm realizado avaliações neurocognitivas de forma profilática e rotineira nos clubes do futebol, até mesmo em atletas da base, como forma de se estabelecer parâmetros basais comparativos caso o atleta apresente no futuro uma concussão (WALTZMAN et al., 2019). 2. Ferimento de face • Características principais Os ferimentos em face são muito comuns no futebol, principalmente aqueles que en- volvem a região do supercílio, causados por traumatismos diretos. Outro local anatômico comum de acometimento é a região nasal, que evolui com epistaxes de diferentes gravidades. Nesses casos, é essencial a exclusão de quadros associados de concussão, pois nessas situações é obrigatório proceder à retirada do atleta de jogo (KRUTSCH et al., 2018). • Tratamento Os ferimentos de face geralmente evoluem com sangramentos ativos e, nesses casos, é necessário que ocorra a interrupção do sangramento externo para que o atleta retorne ao jogo. Além disso, é importante realizar a palpação das superfícies ósseas, na pesquisa de dor importante ou crepitações, o que sugerem a presença de alguma fratura. De forma mais imediata, no ambiente esportivo, recomenda-se a compressão do local com gazes e a colocação de um suporte externo, como uma touca de natação ou ataduras crepom para os ferimentos externos e uma gaze enrolada sobre o seu eixo nas epistaxes (ou rinorragias). Devido ao grau de sudorese do atleta, fica difícil a estabilização dos ferimentos apenas com gazes e fitas adesivas. A interrupção do sangramento externo, independente do ferimento, permite que o atleta retorne ao jogo. Assim que houver oportunidade, como no intervalo ou ao final da partida, realiza- se o tratamento definitivo dos ferimentos, após lavagem do local com soro fisiológico 0,9%. Aqueles maiores que 1 cm e/ou com sangramento ativo (sem melhora com compressão direta com gazes) são tratados com a realização de sutura e curativo com gazes e fita adesiva e, naqueles menores que 1 cm, realiza-se apenas o posicionamento de gazes e fita adesiva, ambos seguidos por curativos diários. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 20 Para as epistaxes ou rinorragias, recomenda-se a colocação de um dedo de luva com várias microperfurações preenchido internamente com uma gaze enrolada sobre o seu eixo. Essa medida servirá para o tamponamento mecânico do sangramento. Caso existam ampolas de adrenalina no local recomenda-se o seu uso, diluído em soro fisiológico 0,9%, como medida química para diminuir o sangramento. 3. Traumatismo musculoesquelético fechado • Características principais Essas são as lesões mais comuns do futebol (LÓPEZ-VALENCIANO et al., 2020). Nessa categoria incluem desde traumas mais simples e rotineiros, como as lesões musculares, até traumas de maior gravidade, como as luxações ou fraturas. As lesões musculares apresentam-se clinicamente com dor localizada em um segmento corporal, principalmente coxa e perna. No futebol é típico a imagem do atleta que, durante a fase de contração excêntrica na corrida, palpa a face posterior da coxa, em referência a uma lesão de isquiotibiais. Atualmente, termos consagrados representativos de lesão muscular, como distensão e estiramento, estão em desuso, e no lugar deles recomenda-se o emprego do termo ruptura muscular (parcial ou total) (MUELLER- WOHLFAHRT et al., 2013). As entorses, caracterizadas por movimentos rotacionais, geralmente estão associa- das a lesões articulares, principalmente ligamentares. Além disso, esse mecanismo de trauma, quando acomete segmentos não articulares, pode desencadear fraturas com mor- fologia em espiral. As fraturas assumem diferentes quadros clínicos, de acordo com a gravidade da lesão. Fraturas incompletas podem até passar desapercebidas pelo atleta no momento do jogo, ao contrário das fraturas completas que, independentemente da região anatômica acometida, vão ocasionar dor importante, edema e deformidade local. Já uma das lesões mais graves desse grupo são as luxações, caracterizadas pela perda da congruência articular. Clinicamente, o atleta apresenta-se com dor de forte intensidade, deformidade articular e ausência da amplitude de movimento da articulação. As luxações necessitam de tratamento o mais precoce possível. • Tratamento Para o tratamento dessas lesões, de forma mais imediata, emprega-se o conceito do protocolo POLICE, representado por carga otimizada e repouso relativo, crioterapia, compressão e elevação do membro (BLEAKLEY et al., 2012). Outros protocolos foram criados principalmente para nortear as etapas iniciais de reabilitação dos atletas, porém o Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 20 21 protocolo POLICE continua como referencial de escolha para o emprego na fase aguda do trauma esportivo. Essas medidas físicas e mecânicas são realizadas no intuito de se diminuir o processo inflamatório e, consequentemente, a dor do atleta. Assim, de uma forma geral, para todas as lesões musculoesqueléticas fechadas indicam-se as realizações de repouso relativo (com imobilização provisória nos traumas mais graves), proteção do local (como por exemplo evitar carga, nas lesões dos membros inferiores) e a aplicação de crioterapia de forma pre- coce. A crioterapia é feita de forma compressiva e, idealmente, durante 20 minutos seguidos, em frequência de hora em hora. As lesões musculares de membros inferiores demandam, preferencialmente, retirada imediata do atleta de jogo pois, ao contrário, haverá um aumento da gravidade da lesão. Já as lesões musculares de membros superiores, devido à menor demanda desses segmentos, permitem que os atletas continuem em jogo, exceto geralmente no caso dos goleiros. Porém, em situações extremas, de acordo com a necessidade da presença do atleta em jogo e com adaptações específicas (como evitar corridas nos casos de lesões musculares dos mem- bros inferiores, por exemplo), pode-se considerar que o atleta continue na partida. Nesse tipo de lesão, não é necessário a realização de imobilizações externas e recomenda-se a aplicação de bolsas de gelo (preferencialmente através de compressão) de forma precoce, para diminuição do processo inflamatório agudo adjacente à lesão. Nas lesões articulares, que geralmente são causadas por entorse e associadas a le- sões ligamentares, é importante que o socorrista avalie os graus de instabilidade e derrame articular (ou edema para as lesões extra-capsulares). De uma forma geral, a instabilidade representa a presença de lesões ligamentares ou fraturas e o derrame articular reflete a presença de uma ou mais lesões intra-articulares (ósseas, cartilaginosas, meniscais, capsu- lares, dentre outras). Nos casos mais leves a continuação do atleta em jogo, apesar de não ser ideal, é possível, exceto nos casos de dor articular intensa, derrame articular no mínimo moderado e/ou instabilidade funcional. Nos casos de sinais clínicos de fraturas, como dor localizada, deformidade, edema e crepitação, é necessário que o atleta seja substituído. Nas fraturas mais graves, em que o segmento lesionado encontra-se instável, é necessário que o local seja imobilizado no ambiente de jogo,no mínimo através de férula metálica para dedos da mão, tipóia para os membros superiores e tala flexível para os membros inferiores. As luxações são lesões graves pelo potencial de degeneração articular e, por isso, exigem redução imediata, realizada por socorrista habilitado. Após a realização da redução é necessário realizar a imobilização da articulação. No futebol, cabem destaque as luxa- ções do dedo da mão nos goleiros e do ombro nos atletas de outras posições. A redução Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 22 da luxação do dedo pode ser resolvida no ambiente esportivo, geralmente através de apoio em ponto proximal da mão e tração em posição distal do dedo. Já a redução da luxação de ombro exige, na grande maioria das vezes, um ambiente mais reservado, como o vestiário. Nos casos em que ocorra a redução incruenta com sucesso (pela avaliação clínica), o atleta poderá até retornar a campo, em situações extremas, desde que não ocorra estresse sobre o segmento lesionado. Porém, vale destacar que essa conduta de retorno ao jogo não é a ideal, visto que um exame radiográfico deve ser sempre realizado tanto antes quanto após uma redução de luxação, seguido por repouso relativo do membro durante algumas semanas. De uma forma geral, para todo trauma dos membros superiores e cintura escapular, a realização de uma tipóia simples, com no mínimo uma atadura crepom, é suficiente para estabilizar provisoriamente o segmento (Figura 2). Nos traumas de membros inferiores de menor gravidade, orienta-se que o atleta evite carga no membro. Já nos traumas de maior gravidade é necessário imobilização do membro inferior através de talas flexíveis, que são estabilizadas com atadura crepom. Figura 2. Tipóia simples para imobilização de traumas nos membros superiores. Fonte: Arquivo próprio do autor. 4. Traumatismo musculoesquelético aberto • Características principais Esse tipo de trauma envolve, na grande maioria das vezes, ferimentos superficiais em membros ocasionados por traumas diretos com o corpo do oponente, com objetos do opo- nente (como as chuteiras) ou até objetos estranhos (como vidros, arames, dentre outros) pre- sentes no ambiente esportivo. Porém, podem estar relacionados a traumas de maior energia, caracterizados por exposição de tecidos nobres, como tendões, ligamentos, nervos e ossos. Devido a ferimentos dessa natureza, o socorrista, ao atender um atleta em campo, deve estar paramentado com luva de procedimento preferencialmente de cor clara, para que possa realizar a palpação do segmento lesionado e verificar a presença de algum tipo Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 22 23 de sangramento. Essa medida é extremamente importante para o diagnóstico de ferimentos em locais do corpo de maior dificuldade de visualização direta. • Tratamento No ambiente esportivo, a presença de qualquer ferimento em membro demanda a ne- cessidade de se realizar um curativo compressivo, com gazes e atadura crepom. Antes da realização do curativo, é importante realizar a lavagem do ferimento com soro fisiológico 0,9%. Os ferimentos que ocorrem nos membros superiores são mais satisfatórios para o re- torno do atleta ao jogo. Quanto aos ferimentos dos membros inferiores, aqueles presentes na perna são de mais fácil estabilização, devido à presença da vestimenta sobre o curati- vo. De toda forma, caso o ferimento esteja todo coberto, sem a presença de sangramento externo, permite-se o retorno do atleta ao jogo. No momento oportuno, geralmente no intervalo ou ao final da partida, os ferimentos com tamanho aproximado maior que 1 cm são suturados e cobertos por curativo estéril (com gazes e fita adesiva ou gazes e atadura crepom). Nos casos de ferimentos maiores e naqueles em que há exposição de estruturas nobres, é necessário a realização de curativo compressivo, conforme mencionado anteriormente, e a substituição do atleta. Caso esteja associado a fratura, o membro deverá ser também imobilizado e, por ser uma fratura exposta, o atleta deverá ser encaminhado imediatamente a uma unidade hospitalar. 5. Síncope (mal súbito) • Características principais Síncope é a ocorrência da perda de consciência e pode representar uma série de in- tercorrências clínicas. Diante dessa condição, é necessário realizar a estabilização clínica do atleta e, em um segundo momento, investigar o seu motivo. No futebol, cabe destaque a realização do exercício em condições ambientais insa- tisfatórias, até mesmo no Campeonato Brasileiro da primeira divisão, em que jogos são realizados às 11 horas. De forma preventiva, em jogos realizados em ambiente quente e seco, é necessário cuidados com a potencial desidratação e, em ambiente quente e úmido, o cuidado maior é com o risco de hipertermia. Essa última situação pode desencadear o surgimento de alterações patológicas relacionadas ao aumento da temperatura corporal, como fadiga muscular e síncope, e evoluir para condições clínicas mais graves, como a hipertermia de esforço. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 24 Porém, de uma forma geral, na presença de uma síncope é sempre necessário descartar uma situação mais grave, que é a parada cardiorrespiratória (PCR). Para essa circunstância, exige-se a presença de profissionais habilitados na realização do atendimento. • Tratamento No caso em que um jogador apresente uma queda ao solo de forma súbita, sem motivo traumático aparente e sem reação de proteção na queda, o socorrista deve imediatamente dirigir-se ao atendimento, independente da autorização pela equipe de arbitragem. Nas situações em que as características do evento e da prática esportiva sejam su- gestivas de síncope por hipertermia, após avaliação inicial dos sinais vitais, é necessário a retirada imediata do atleta da partida e o posicionamento em ambiente ventilado, além de proceder ao resfriamento imediato (DOUMA et al., 2020), através de imersão em água fria (em torno de 17°C), de preferência sobre fluxo contínuo, e otimização da hidratação, por via oral ou endovenosa (LUHRING et al., 2016). O protocolo de atendimento é realizado com base nas diretrizes de 2020 da American Heart Association para ressuscitação cardiopulmonar (MERCHANT et al., 2020). Logo no momento do atendimento, o socorrista deve confirmar que o ambiente em que ele se encon- tra é seguro. Após essa confirmação, ele deve posicionar-se ao lado do atleta, em posição ajoelhada, e provocar estímulo através de contatos tátil e verbal. Se o atleta apresentar qualquer tipo de resposta, exclui-se uma situação de PCR, porém é necessário que ele seja substituído e o motivo da síncope seja investigado. Caso o atleta não responda ou esteja em respiração agônica (gasping), é necessário que o socorrista direcione alguém para chamar a ambulância e pedir o desfibrilador (DEA). Feito isso, o socorrista deverá palpar o pulso carotídeo do atleta durante o período máximo de 10 segundos. Se o pulso estiver palpável, é necessário avaliar a via aérea do paciente, na pesquisa de algum corpo estranho. Além disso, é necessário proceder à es- tabilização da via aérea através da anteriorização da mandíbula ou elevação do mento, à proteção da coluna cervical e à avaliação dos sinais vitais, como pressão arterial, saturação periférica de oxigênio, frequência cardíaca, frequência respiratória e resposta neurológica (escala de coma de Glasgow). Caso não tenha pulso palpável (ou tenha dúvida sobre a presença de pulso palpável), inicia-se a ressuscitação cardiopulmonar (RCP), baseada na realização de 30 compressões torácicas e 02 ventilações, na frequência de 100 a 120 compressões por minuto. Assim que chegar o DEA, o aparelho deve ser posicionado sobre o tórax do atleta e apenas no momento da checagem do pulso é que as compressões torácicas devem ser in- terrompidas. Uma vez feito a checagem do ritmo e observado a necessidade de desfibrilação, Medicina do Esporte no Futebol:pesquisa e práticas contemporâneas 24 25 é importante que todos ao redor do atleta se afastem e, após a desfibrilação, retomam-se as compressões torácicas nos mesmos ritmo e frequência. Se a segurança do local de atendimento e os recursos humanos e materiais forem suficientes, todo o atendimento inicial deve ser feito no ambiente esportivo ou na ambu- lância presente no local. Para isso, além da realização da RCP, é necessário que a equipe de socorrista puncione um acesso venoso periférico e inicie a administração das drogas preconizadas nos casos de PCR. O atleta deverá ser encaminhado à unidade hospitalar, devidamente posicionado em prancha rígida, no momento em que apresentar estabilização clínica mínima para o transporte. O atendimento a um caso de PCR em evento esportivo, de uma forma geral, envolve uma série de equívocos e expõe a fragilidade estrutural e humana existente, até mesmo em campeonatos profissionais. Os programas de educação continuada e a profissionalização cada vez maior da Medicina Esportiva no futebol ajuda a minimizar os erros existentes no atendimento ao atleta. Além disso, em jogos profissionais, a obrigatoriedade das presenças mínimas de equipe médica, de uma ambulância e do DEA encurta bastante o tempo de socorro definitivo. 6. Traumatismo sistêmico/Politraumatismo • Características principais Essa classe envolve os casos de traumas no tórax, abdome, pelve, colunas e crânio, representadas por acidentes de maior energia. A associação de traumatismos em dois ou mais sistemas orgânicos é conhecida como politraumatismo. Para esses casos, é neces- sário maior preocupação do socorrista quanto ao potencial da existência de lesões graves. Essas lesões são causadas por traumas diretos, comumente em jogadas divididas com o atleta oponente. • Tratamento No momento do atendimento é necessário avaliar a segurança do ambiente (para o socorrista e para o atleta) e executar o passo a passo de atendimento ao politraumatizado (ABCDE do trauma), baseado nas técnicas sequenciais de avaliação da abertura das vias aéreas com proteção da coluna cervical, da ventilação, da circulação, do estado neurológico e da exposição corporal com controle da temperatura. A avaliação da abertura das vias aéreas é realizada através da responsividade do atle- ta e, nos casos sem resposta, pela elevação do mento ou anteriorização das mandíbulas, sempre com a necessidade de proteção da coluna cervical. Nos casos em que o atleta se Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 26 encontre inconsciente, é necessário a colocação da cânula de Guedel para evitar a pos- teriorização da língua. A ventilação, quando indicada, é realizada através de dispositivos externos, como boca barreira ou bolsa válvula máscara (ambu). A circulação é avaliada pela presença de sangramentos visíveis ou potenciais e, no atleta inconsciente, pela palpação de pulso central. Para avaliação da resposta neurológi- ca utiliza-se a escala de coma de Glasgow, baseada nas respostas ocular, verbal e mo- tora. Em locais com baixas temperaturas, é necessário realizar a proteção do atleta com mantas térmicas. Na suspeita de qualquer lesão dessa natureza, devido ao potencial de gravidade das lesões, o atleta deverá ser retirado de jogo em prancha rígida, com os posicionamentos do colar cervical, dos blocos semirrígidos laterais à cabeça e dos tirantes estabilizadores, além de imobilização de eventuais traumas associados de membros. A avaliação dos sinais vitais, como nível de consciência (escala de coma de Glasgow), frequência cardíaca, frequência respiratória, saturação periférica de oxigênio, pressão arte- rial, além das avaliações específicos do local traumatizado, devem ser realizadas de forma inicial ainda no local do evento esportivo, durante a avaliação primária, e repetidos de forma seriada até a chegada à unidade hospitalar. CONSIDERAÇÕES FINAIS As lesões no futebol apresentam incidências cada vez maiores, reflexo da competitivida- de crescente e do alto volume de partidas, principalmente entre os profissionais. Além disso, observa-se um aumento de lesões potencialmente mais graves, como as concussões. Por isso, a comunidade científica tem dedicado atenção no estudo de protocolos de prevenção de lesões nessa população, cujos benefícios serão expressados tanto na saúde dos atletas quanto na redução dos custos financeiros gastos nessas situações. Como no futebol não há uma homogeneidade em relação aos recursos materiais e humanos entre as classes amadora e profissional, a divulgação de conhecimentos básicos sobre primeiros socorros é extremamente relevante para a saúde dos atletas. Além disso, mesmo em campeonatos de divisões superiores, nos quais esses recursos são mais abun- dantes, observam-se erros comuns durante o atendimento aos atletas, muitas vezes pela falta de adoção de protocolos e pelo despreparo dos profissionais socorristas. A atenção à saúde dos atletas, através de capacitações dos profissionais e de melho- ria dos recursos disponíveis nas partidas de futebol, é reflexo de mudanças políticas das Instituições que regulamentam o esporte. Essa necessidade tem sido bastante discutida na atualidade e com certeza irá gerar benefícios importantes para todos que atuam nesse esporte. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 26 27 REFERÊNCIAS 1. AMERICAN HEART ASSOCIATION. Destaque das diretrizes de RCP e ACE de 2020 da American Heart Association. Disponível em: https://cpr.heart.org/-/media/cpr- files/cpr-gui- delines-files/highlights/hghlghts_2020eccguidelines_portuguese.pdf. Acesso em: 23 jul. 2021. 2. BLEAKLEY, C.M.; GLASGOW, P.; MACAULEY, D.C. PRICE needs updating, should we call the POLICE? British Journal of Sports Medicine, v.46, p.220-221, 2012. 3. DOUMA, M.J.; AVES, T.; ALLAN, K.S.; BENDALL, J.C.; BERRY, D.C.; CHANG, W.; EPSTEIN, J.; HOOD, N.; SINGLETARY, E.M.; ZIDEMAN, D.; LIN, S. First aid cooling techniques for heat stroke and exertional hyperthermia: a systematic review and meta-analysis. Resuscitation, v. 148, p. 173-190, 2020. 4. ECHEMENDIA, R.J; MEEUWISSE, W.; MCCRORY, P. et al. The Sport Concussion Assessment Tool 5th Edition (SCAT5). British Journal Of Sports Medicine, v.51, n.11 p. 848-850, 2017. 5. ECHEMENDIA, R.J; MEEUWISSE, W.; MCCRORY, P. et al.) The Concussion Recognition Tool 5th Edition (CRT5): Background and rationale. British Journal Of Sports Medicine, v.51, n.11 p. 870-871, 2017. 6. FIFA to trial concussion substitutes at Fifa club world cup. Disponível em: https://www. fifa.com/tournaments/mens/clubworldcup/qatar2020/news/fifa-to-trial- concussion-substitutes- -at-fifa-club-world-cuptm. Acesso em: 23 jul. 2021. 7. HARMON, K.G; DREZNER, J.A.; GAMMONS, M.; GUSKIEWICZ, K.M.; HALSTEAD, M.; HER- RING, S.A.; KUTCHER, J.; PANA, A.; PUTUKIAN, M.; ROBERTS, W.O. American Medical Society for Sports Medicine position statement: concussion in sport. British Journal Of Sports Medicine, v. 47, n. 1, p. 15-26, 2013. 8. HUBERTUS, V.; MARKLUND, N.; VAJKOCZY, P. Management of concussion in soccer. Acta Neurochirurgica, v. 161, n. 3, p. 425-433, 2019. 9. KRUTSCH, V.; GESSLEIN, M.; LOOSE, O.; WEBER, J.; NERLICH, M.; GAENSSLEN, A.; BONKOWSKY, V.; KRUTSCH, W. Injury mechanism of midfacial fractures in football causes in over 40% typical neurological symptoms of minor brain injuries. Knee Surgery, Sports Traumatology, Arthroscopy, p. 1295-1302, 2017. 10. LÓPEZ-VALENCIANO, A.; RUIZ-PÉREZ, I.; GARCIA-GÓMEZ, A.; VERA- GARCIA, F.J.; CROIX, M.; MYER, G.D.; AYALA, F. Epidemiology of injuries in professional football: a systematic re- view and meta-analysis. 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Circulation, v. 142, n. 162, Epub. 2020. http://www.fifa.com/tournaments/mens/clubworldcup/qatar2020/news/fifa-to-trial- http://www.fifa.com/tournaments/mens/clubworldcup/qatar2020/news/fifa-to-trial- http://www.fifa.com/tournaments/mens/clubworldcup/qatar2020/news/fifa-to-trial- Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 28 15. MUELLER-WOHLFAHRT, H.; HAENSEL, L.; MITHOEFER, K.; EKSTRAND, J.; ENGLISH, B.; MCNALLY, S.; ORCHARD, J.; VAN DIJK, C.N.; KERKHOFFS, G.M.; SCHAMASCH, P.; BLOTTNER, D.; SWAERD, L.; GOEDHART, E.; UEBLACKER, P.; Terminology and classifica- tion of muscle injuries in sport: the munich consensus statement. British Journal Of Sports Medicine, v. 47, n. 6, p. 342- 350, 2012. 16. VEDUNG, F.; HÄNNI, S.; TEGNER, Y.; JOHANSSON, J.; MARKLUND, N. Concussion incidence and recovery in Swedish elite soccer — Prolonged recovery in female players. Scandinavian Journal Of Medicine & Science In Sports, v. 30, n. 5, p. 947-957, 2020. 17. 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Essa avaliação fornece aos profissionais da saúde parâmetros objetivos de elegibilidade e da capacidade funcional para a prática do exercício físico. No futebol profissional percebe-se a obrigatoriedade em se realizar essa avaliação de forma rotineira. Porém, no futebol amador ainda não há essa exigência. O emprego da avaliação pré-participação no futebol em geral, pelo menos em sua forma mais básica, através de anamnese e de exame físico efetivo, é uma necessidade prioritária devido ao grande número de adeptos do esporte e à grande quantidade de patologias subclínicas que podem culminar no surgimento de intercorrên- cias graves aos praticantes do esporte. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 30 31 INTRODUÇÃO O exercício físico é um importante recurso não medicamentoso na prevenção de dife- rentes condições patológicas, como hipertensão arterial sistêmica, doença arterial corona- riana, diabetes, obesidade, neoplasias, transtornos psiquiátricos, dentre outras. Atualmente, muito relacionado às limitações de convívio social que a Pandemia pelo COVID-19 propor- cionou, tem-se observado um aumento exponencial no número de praticantes (JIMÉNEZ- PAVON et al., 2020). Normalmente, o exercício físico não provoca eventos cardiovasculares em indivíduos saudáveis, porém os indivíduos que o realizam em intensidade vigorosa e que tenham alguma patologia cardiovascular apresentam aumento do risco de evento súbito, que é a principal causa de morte não traumática no esporte (EMERY et al., 2018). Os casos de parada cardiorrespiratória (PCR) no futebol são raros, porém causam uma grande comoção, pois considera-se que os jogadores geralmente são indivíduos sadios e que exercem uma profissão atribuída ao cuidado à saúde. O caso ocorrido com o atleta Serginho, do São Caetano, em 2004, motivou uma série de mudanças protocolares de atendimento em eventos esportivos. Em 2021, novo caso gerou grande repercussão, mas dessa vez devido ao sucesso do atendimento precoce. Nesse caso, o jogador dinamarquês Christian Eriksen apresentou uma PCR durante partida da Eurocopa e foi socorrido prontamente e com sucesso, dentro do evento esportivo. A incidência de morte súbita pode variar de 0,5 a 2,3 por 100 000 atletas por ano. Dentre as principais causas em atletas abaixo de 35 anos destacam-se a miocardiopatia hipertrófica, a displasia arritmogênica do ventrículo direito, a origem anômala das artérias coronárias, a miocardite, a doença valvar, as síndromes de pré excitação e as doenças do sistema de condução. Em atletas acima de 35 anos a principal causa é a doença arterial coronariana (CORRADO et al., 2006). Para reduzir os riscos de morte súbita relacionada à atividade física, a Sociedade Americana de Cardiologia, a Sociedade Européia de Cardiologia e, também, a Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte, estabeleceram diretrizes para elaboração de critérios de elegibilidade e desqualificação para atletas competitivos. O Centro Médico e de Pesquisa da FIFA (F-MARC) também desenvolveu uma avaliação médica pré-participação (APP) para jogadores de futebol de elite, com testes de reprodutibilidade realizado nos jogado- res que participaram da Copa do Mundo FIFA em 2006, na Alemanha, e em jogadores de fute- bol juvenil masculino e feminino no nível de elite internacional (THÜNENKÖTTER et al., 2009). Além disso, a realização da APP é o momento adequado para entender qual o sta- tus de saúde e performance do esportista e, a partir daí, planejar uma temporada ou uma Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 32 periodização de treinamento visando otimizar o rendimento e minimizar afastamentos por lesões ou doenças. O objetivo geral desse capítulo foi abordar os principais aspectos relacionados à APP no futebol, de acordo com dados da literatura, e realizar uma abordagem do que é realizado na prática nas categorias profissional e amadora de futebol. DESENVOLVIMENTO A avaliação clínica pré-participação para atividades esportivas deve ser entendida como uma avaliação médica sistemática, realizada previamente ao treinamento, e periódica, pois patologias subclínicas podem se manifestar durante algum momento da prática espor- tiva. Os objetivos principais desta avaliação é a prevenção do desenvolvimento de doenças do aparelho cardiovascular e da morte súbita, por meio da proibição temporária ou definitiva da realização de atividades físicas em determinadas patologias, e o tratamento precoce de condições que possam ser potencialmente fatais e desencadeadas pelo exercício físico (MARON et al., 2005). Existem algumas divergências na literatura sobre quais são os métodos mais sensíveis, específicos e economicamente viáveis para a APP. Nos anos de 2004 e 2005, a Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC) (9) e o Comitê Olímpico Internacional (COI) (BILLE et al., 2006) publicaram recomendações muito semelhantes, contrastando com as diretrizes ame- ricanas, particularmente em relação à inclusão do eletrocardiograma de repouso de 12 derivações (ECG) na triagem primária. A inclusão de ECG é baseado principalmente em estudos italianos (CORRADO et al., 2006), que evidenciaram uma diminuição significativa do risco de morte súbita relacionada ao exercício físico. Idealmente, a APP deve abranger, no mínimo, as avaliações físicas geral, cardiovas- cular e ortopédica. Caso sejam encontradas alterações, torna-se necessário a realização de avaliações e exames complementares. Avaliação pré-participação esportiva básica 1. Avaliação físicageral Todo jogador, antes do início da prática do futebol, em qualquer nível de intensidade, deve se submeter a exame médico que permita a detecção de alterações que possam com- prometer a sua saúde. Nessa avaliação serão pesquisados fatores de risco para doenças e lesões, com foco na investigação de sinais e sintomas sugestivos de doenças cardiovas- culares, pulmonares e metabólicas e de alterações do aparelho musculoesquelético. Essa Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 32 33 avaliação pode ser feita de forma efetiva através de um exame físico geral, realizado na primeira avaliação do jogador. A avaliação deve ser iniciada com os dados pessoais e epidemiológicos do atleta, como data de nascimento, nacionalidade e regiões de origem e procedência. Esse dado é importante, por exemplo, para atletas com origem na Região do Vêneto, na Itália, onde há maior incidência de displasia arritmogênica do ventrículo direito, e também de algumas Regiões do Brasil, devido à maior incidência da Doença de Chagas. O histórico pessoal deve ser completado através do histórico de doenças, histórico de vacinação, uso regular de medicamentos, histórico de alergias, etilismo e tabagismo, uso de drogas lícitas ou ilícitas, suplementação ou consumo de demais substâncias que possam configurar como doping, além da história familiar de doenças e morte súbita (GHORAYEB et al., 2019). A característica técnica do atleta no futebol, como posição, membro dominante e outras variações relacionadas ao jogo, devem ser argumentadas e registradas, com objetivo de se criar um banco de dados para a elaboração de protocolos de prevenção futura de lesões musculoesqueléticas. É importante questionar a presença de qualquer sinal ou sintoma relacionado ao esfor- ço físico, mesmo que antigo, pois essa queixa pode conduzir a alterações patológicas mais específicas. Uma anamnese adequada pode identificar ou, pelo menos, levar à suspeita de até 75% dos problemas de saúde relacionados aos atletas (MARON et al., 2015). Além das avaliações cardiológica e ortopédica, que serão tratadas de forma individua- lizada, o exame físico inicial deve incluir dados de altura, peso e índice de massa corporal, palpações da tireóide e de gânglios linfáticos, além de exame físico completo dos sistemas pulmonar, cardiovascular e abdominal. Seguindo as recomendações da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte, exames laboratoriais básicos devem ser incluídos na avaliação de rotina, com des- taque para hemograma completo, glicemia de jejum, uréia e creatinina, lipidograma completo, ácido úrico, hepatograma (TGO, TGP, gama-GT, bilirrubinas, TAP/INR), perfil do ferro sérico, exame de urina, exame parasitológico de fezes e diferentes sorologias (GHORAYEB et al., 2019). Bom exemplo da importância da realização dos exames laboratoriais relaciona-se a baixas reservas de ferro que pode estar relacionada a importante redução do desempenho, especialmente nas atletas do sexo feminino. Quanto aos exames de imagem, a radiografia de tórax nas incidências anteroposterior e perfil esquerdo também deve ser solicitada, por se tratar de exame de baixo custo e com capacidade de fornecer informações sobre doenças cardiovasculares, pulmonares e torácica (GHORAYEB et al., 2019). 2. Avaliação cardiovascular Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 34 Atenção especial deve ser dada ao sistema cardiovascular, uma vez que configura a principal causa de morte não traumática no esporte (MARON et al., 2005). A avaliação car- diológica no futebol deve ser realizada por um médico experiente e qualificado para identificar eventuais sinais clínicos ou sintomas cardiovasculares críticos no esporte. As recomendações sugerem que, na anamnese, o atleta seja questionado sobre a presença de dor ou desconforto no tórax induzido por esforço, síncope, pré-síncope, palpi- tações, dispnéia ou fadiga desproporcional ao grau de esforço. É importante ressaltar que a síncope inexplicada no atleta deve ser encarada como um episódio de morte súbita abortada espontaneamente, com necessidade de investigação rigorosa e rápida. Grande parte dos atletas considerados de risco não apresentam sintomas prévios e a APP é a única estratégia com potencial de identificar algum distúrbio cardiovascular (ABBATEMARCO et al., 2016). Isso explica o motivo pelo qual um protocolo de triagem não rigoroso, baseado apenas na queixa clínica e no exame físico geral, principalmente se realizado por médico não especialista em Medicina Esportiva, é limitado para identificação de atletas em risco de morte súbita. A investigação da história pessoal e familiar é muito importante, pois a grande maioria das mortes súbitas em jovens atletas é causada por malformações cardíacas congênitas ou adquiridas, como a cardiomiopatia hipertrófica (CMH), responsável por aproximadamente um terço dos casos, seguido por origem anômala da artéria coronária, cardiomiopatia ar- ritmogênica do ventrículo direito (ARVC), miocardites, anomalias do sistema de condução, síndrome do QT longo e QT curto, síndrome de Wolff-Parkinson-White (WPW), dentre ou- tros (CORRADO et al., 2006). A incidência de commotio cordis, que acontece em corações estruturalmente normais, apesar de rara, também é de risco no futebol (MENEZES et al., 2017). Acima de 35 anos de idade, a principal causa de morte súbita em atletas é a doença arterial coronariana (CORRADO et al., 2006). No exame físico cardiovascular merecem atenção a presença de mucosas descoradas (anemia), focos infecciosos clínicos e subclínicos (dentários, por exemplo), doenças sistêmi- cas ou infecciosas graves, asma brônquica, obesidade, diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica, doenças renais, alterações da ausculta pulmonar e cardiovascular e situações especiais como a gravidez (MARON et al., 2007). Além disso, deve-se ter atenção especial na procura de alguns sinais característicos e relacionados a doenças cardiovasculares, como presença de sopro cardíaco, terceira ou quarta bulhas cardíacas, estalidos valvares, alterações na palpação dos pulsos de mem- bros superiores e inferiores, características físicas de Síndrome de Marfan e assimetrias de pressão arterial sistêmica nos membros superiores (GHORAYEB et al., 2019). – Eletrocardiograma (ECG) Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 34 35 Um dos principais aspectos relacionados à aplicação da APP em nível abrangente é a relação custo efetividade. A Sociedade Americana de Cardiologia defende apenas a rea- lização de uma APP básica, através de questionário e exame físico (MARON et al., 2015), enquanto que a Sociedade Européia de Cardiologia, a Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte, além de associações esportivas como, por exemplo, a Federação Internacional de Futebol – FIFA e a National Basketball Association – NBA, reforçam o em- prego rotineiro do eletrocardiograma, com o objetivo de se diminuir a incidência de morte súbita em atletas (GHORAYEB et al., 2019). A longa experiência italiana forneceu evidências de que o emprego do ECG de 12 derivações, associado à história e ao exame físico, é eficaz na identificação de doenças cardiovasculares potencialmente letais em atletas (CORRADO et al., 2007). O ECG convencional de 12 derivações deve ser realizado com o indivíduo em decú- bito dorsal, com repouso prévio de no mínimo 5 minutos, obtido no mínimo 24 horas após a última atividade esportiva e registrado em velocidade de 25 mm/s. Cabe destacar que algumas anomalias de condução, como as Síndromes do QT longo e curto, Síndrome de Brugada e Síndromes de pré-excitação (como o Wolff-Parkinson-White) são diagnosticados especificamente pelo eletrocardiograma. A interpretação de um ECG de triagem em atletas pode ser desafiadora. Ela requer treinamento e atenção aos detalhes para diferenciação entre achados sem repercussão clínica, típica de atletas de melhor performance,e aqueles achados que possam indicar a presença de patologia cardíaca (SHARMA et al., 2018). As adaptações cardíacas normais (“fisiológicas”) do treinamento podem levar a achados de ECG que, quando considerados na população em geral, podem ser considerados patológicos. Isso é mais comum em atle- tas que realizam programas de treinamento de resistência, mas também está presente em muitos jogadores de futebol, pois o treinamento e a competição envolvem componentes físicos intermitentes. Cerca de 80% dos ECG dos atletas apresentam alterações comuns que não necessitam investigação complementar, como bradicardia sinusal, bloqueio atrioventricular de primeiro grau, bloqueio atriovenrticular de 2º grau Mobitz I, distúrbio de condução do ramo direito e critério de voltagem isolado para hipertrofia do ventrículo esquerdo. Essas alterações são consequência de adaptação cardiovascular fisiológica secundária ao esforço e não indicam a presença de doença cardiovascular, o que permite a elegibilidade para a prática de es- porte competitivo. Por outro lado, cerca de 5% dos eletrocardiogramas podem apresentar alterações incomuns, como inversão de onda T, alterações do segmento ST, ondas Q patológicas, sobrecarga atrial esquerda, bloqueio atrioventricular de 2º grau Mobitz II, pré-excitação Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 36 ventricular, bloqueio de ramo esquerdo ou direito, intervalo QT longo ou curto, alterações sugestivas de Síndrome de Brugada, hipertrofia ventricular direita e desvio do eixo elétrico. Essas anormalidades no eletrocardiograma não estão relacionadas ao condicionamento atlético e devem ser consideradas como uma expressão de possível doença cardiovascular e risco aumentado de morte súbita, com necessidade de complementação da investigação (CORRADO et al., 2007). – Teste ergométrico O principal objetivo do teste ergométrico, além da investigação de manifestações clí- nicas, é a medição dos parâmetros relativos à fisiologia do exercício para a avaliação de estresse e performace física do atleta (LÖLLGEN et al., 2018). Devido ao seu valor prognós- tico, à ampla disponibilidade e ao baixo custo, o teste ergométrico é considerado importante método para triagem de atletas antes do início dos exercícios. Além disso, é um teste segu- ro, caracterizado pelo monitoramento obrigatório e contínuo de parâmetros como pressão arterial, frequência cardíaca e eletrocardiograma, suficientes para interromper o teste caso ocorra alguma alteração patológica. Os achados são influenciados pela escolha do ergômetro e do protocolo de indução de estresse, uma vez que a especificidade desse parâmetros é importante para a melhor análise dos resultados. O exame fornece informações importantes para o planejamento e o monitoramento do treinamento, além de orientação para tratamento quando necessário (LÖLLGEN et al., 2018). Dentre as indicações para a sua realização, estão o diagnóstico de doenças latentes e de possíveis riscos relacionados à prática esportiva, o auxílio no diagnóstico de doenças cardiovasculares e pulmonares, a investigação de sintomas como dispnéia, dor torácica, palpitações e tonturas (síncope), a avaliação da capacidade funcional e o monitoramento otimizado do treinamento tanto aeróbio quanto resistido, importante para a correta prescrição do exercício (GHORAYEB et al., 2019). – Teste cardiopulmonar Para a avaliação de atletas, sempre que possível o teste cardiopulmonar é a opção de escolha quando comparado ao teste ergométrico convencional, com objetivos de avaliações da capacidade funcional e da prescrição do exercício. O teste cardiopulmonar, diferente- mente do teste ergométrico, permite uma análise direta dos gases expirados, o que propicia uma avaliação mais detalhada. Observação importante é a escolha do ergômetro de melhor especificidade ao exercício realizado, que no caso do futebol é a esteira. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 36 37 Além dos parâmetros avaliados no teste ergométrico convencional, como alterações do eletrocardiograma, comportamento da frequência cardíaca no esforço e sua redução na recuperação e pressão arterial, alguns parâmetros são obtidos apenas no teste cardiopulmo- nar. Desses, duas variáveis analisadas são extremamente importantes na identificação mais precisa de possíveis fatores limitantes ao esforço máximo, que são as análises das curvas e dos valores máximos do pulso de oxigênio (VO2/FC) e dos equivalentes ventilatórios (VE/ VO2 e VE/VCO2) (HERDY et al, 2016). Para a prescrição de exercícios aeróbicos, os parâmetros mais relevantes são a fre- quência cardíaca observada em diferentes momentos da avaliação, em especial a de repouso e as do primeiro e segundo limiares, e a intensidade do esforço na qual ocorrem os limiares ventilatórios, em especial, o limiar anaeróbico (HERDY et al. 2016). O consumo de oxigênio (VO2), que constitui o volume de O2 extraído do ar inspirado pela ventilação pulmonar em um dado período de tempo, tanto em relação ao VO2 máximo quanto ao VO2 pico, é utilizado para avaliação do condicionamento físico. O limiar anaeróbico (1º limiar) é determinado pelo momento em que ocorre um aumento não linear da ventilação pulmonar em relação ao VO2, e o ponto de compensação respiratória (2º limiar) é o mo- mento da perda de linearidade da relação entre o produto da ventilação e o VCO2. O índice de anaerobiose, que expressa a relação entre a produção de VCO2 e o VO2, é o melhor indicador não invasivo de esforço máximo. Quando esse índice está acima de 1, representa esforço importante e, acima de 1,1, representa esforço máximo (GHORAYEB et al. 2019). Em resumo, o teste cardiopulmonar é o procedimento de escolha para atletas quando se deseja obter uma medida precisa da condição aeróbica e da determinação da frequência cardíaca e dos limiares para prescrição do exercício. – Ecocardiografia A ecocardiografia tem papel essencial no diagnóstico diferencial entre doenças relacio- nadas ao risco de morte súbita em atletas (como a CMH) e a conhecida Síndrome do Coração de Atleta, que é fisiológica para os praticantes de exercício em intensidades moderada e alta. Esse exame também pode detectar outras anormalidades relevantes, como disfun- ção ventricular esquerda (devido à miocardite ou cardiomiopatia dilatada, por exemplo), valvopatias e dilatação da raiz da aorta. Em casos conhecidos de cardiopatias congênitas, em especial as de baixa complexidade, em que a prática esportiva de alto rendimento não está contra-indicada, sua realização periódica auxilia na avaliação evolutiva e no manejo da condição em questão (GHORAYEB et al., 2019). – Outros exames cardiovasculares Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 38 Outros exames podem ser solicitados de forma individualizada, de acordo com alte- rações prévias encontradas em exames menos complexos. Dentre esses, destacam-se a monitorização da pressão arterial, o Holter de 24 horas, a cintilografia de perfusão miocárdica e a ressonância cardíaca, dentre outros. 3. Avaliação ortopédica As lesões do sistema musculoesquelético representam a maior parte das lesões ob- servadas em atletas de futebol. Por isso, a prevenção é uma ferramenta essencial empre- gada nessa modalidade, e é esse o grande foco da APP, através da pesquisa de alterações anatômicas, biomecânicas e funcionais que possam desencadear o surgimento das lesões. O médico responsável pela avaliação de atletas deve levar em consideração, além dos dados observados no exame físico ortopédico, de fatores essenciais como as especi- ficidades técnicas dos atletas, exemplificado pela posição de jogo, e o histórico de lesões, considerado esse um dos principais fatores de risco para recidivas. – Anamnese A avaliação inicial de um atleta deve conter um histórico completo de seu passado mé- dico. Além de seus antecedentes pessoais e familiares, toda a história médica relacionada ao sistemamusculoesquelético deve ser obtida. Lesões prévias, especialmente aquelas que levaram ao afastamento de atividades por períodos superiores a quatro semanas, além de cirurgias anteriores, devem ser questionadas. O atleta ainda deve ser perguntado sobre a presença de queixas atuais, doenças prévias e eventuais tratamentos realizados. A avaliação deve ocorrer em local adequado e com boa iluminação. O atleta deve estar com vestimenta adequada, o que permite a inspeção de todos os segmentos corporais. O exa- me físico musculoesquelético deve ser realizado de forma sistematizada e completa, pois permitirá a avaliação de todos os segmentos e articulações, em poucos minutos. Eventuais alterações identificadas durante sua realização, além das informações obtidas através da anamnese, direcionarão para investigações mais detalhadas. – Coluna vertebral e pelve A avaliação da coluna vertebral do atleta deve ser iniciada pela inspeção estática e dinâmica do paciente, na busca de desvios de eixo, deformidades, assimetrias e posturas antálgicas. As curvaturas fisiológicas da coluna vertebral também devem ser avaliadas, como lordose cervical, cifose torácica e lordose lombar. Deve ser avaliado também a amplitude de Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 38 39 movimento ativa das regiões cervical, torácica e lombossacral. Por fim, avaliamos os reflexos relacionados às raízes nervosas do plexo braquial e do plexo lombossacral. A avaliação da pelve do atleta deve ser iniciada pela inspeção estática, para procura de assimetrias, desnivelamentos pélvicos e cicatrizes. Exame físico específico deve ser direcionado na pesquisa das principais patologias que acometem essa região, com foco na sínfise púbica, nas articulações sacroilíacas, nas espinhas ilíacas anteriores e posteriores e na crista ilíaca. – Membros superiores A avaliação estática dos membros superiores é realizada na procura de assimetrias, deformidades e cicatrizes. O exame físico é seguido pela avaliação da amplitude de movi- mento do ombro, cotovelo, punho e mão. Essa avaliação costuma apresentar resultados positivos para os goleiros, porém deve ser realizada em todos os atletas de futebol. Quanto ao exame físico específico, nos ombros avaliamos a presença de testes para a Síndrome do Impacto, a condição dos tendões do manguito rotador (supraespinhoso, infraespinhoso, redondo menor e subescapular) e a estabilidade articular. Quanto aos coto- velos, é importante a pesquisa de epicondilite (principalmente em goleiros) e da estabilidade articular. Nos punhos e mãos, é necessário avaliar a presença de síndromes compressivas, tendinopatias e estabilidade articular. – Membros inferiores A avaliação dos membros inferiores inicia-se com a inspeção estática do atleta em ortostatismo, observando-se a presença de cicatrizes, deformidades, alterações de volume localizadas, assimetrias de segmento e de eixo e atrofias musculares. Além disso, é impor- tante avaliar e documentar a amplitude de movimento do quadril, do joelho, do tornozelo e do pé, e analisar o padrão de marcha. A força muscular dos membros inferiores, no futebol, deve ser avaliada tanto no exame físico quanto através de dinamômetros (isocinético ou isométrico). O encontro de assimetrias anatômicas ou de função (força) do tecido muscular deve ser corrigido com prioridade, pois é um fator importante relacionado ao surgimento de lesões. Além disso, é comum o encontro de encurtamentos musculares segmentares, como por exemplo da cadeia muscular posterior dos membros inferiores, que também exige abordagem específica. O exame do quadril envolve a realização de testes específicos na investigação de eventuais patologias intra e extra-articulares. A avaliação dos joelhos é focada na realização dos testes ligamentares, meniscais e do mecanismo extensor. Já em relação ao exame do tornozelo e do pé, é necessário a avaliação da estabilidade articular. Todos esses segmentos, Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 40 no futebol, são sedes frequentes de tendinopatias, por isso os tendões relacionados a essas articulações devem ser avaliados quanto à presença de dor na movimentação ou na palpa- ção, além das integridades anatômica e funcional durante os testes específicos. – Exames complementares A realização rotineira de exames complementares para avaliação ortopédica na APP não é indicada, mesmo na presença de cirurgias prévias. Essa solicitação é uma conduta do médico responsável pelo jogador e deve ser norteada pelos achados da anamnese e do exame físico. 4. Especifidades da APP no futebol feminino São inúmeras as publicações e diretrizes que discorrem sobre as melhores estratégias de triagem para a realização da APP, especialmente visando a prevenção de morte súbita relacionada ao esporte. Entretanto, é necessário levar em consideração que os riscos rela- tivos à prática esportiva não estão relacionados apenas às complicações cardiovasculares e musculoesqueléticas. Também é necessário destacar que existem diferenças biológicas entre homens e mulheres, e que elas devem ser levadas em consideração nesse momento. As mulheres apresentam particularidades que desencadeiam diferentes respostas fisiológicas ao exercício quando comparadas aos homens (ASHLEY et al., 2020). Dentre essas particularidades, as que mais chamam a atenção são as relacionadas ao biotipo, à composição corporal, à anatomia e fisiologia cardiovascular e à cinética e composição da musculatura esquelética. Mulheres tendem a ter corações menores que os dos homens, principalmente no que diz respeito ao volume e massa do ventrículo esquerdo. Esse fato implica em menores volume sistólico e débito cardíaco quando comparado ao sexo masculino. Além disso, as mulheres têm menos glóbulos vermelhos circulantes, menor hematócrito e menor concentração de hemoglobina (Hb), o que contribui para um menor consumo máximo de oxigênio (VO2max) e menor capacidade aeróbica (LEITAO et al., 2000). A resposta do sistema cardiovascular ao exercício também é diferente, pois a mulher tem menor atividade simpática e maior atividade parassimpática. Consequentemente, ob- servam-se maior vasodilatação periférica e maior queda da resistência vascular sistêmica (RVS) no exercício (ASHLEY et al., 2020). Outra diferença diz respeito à maior capacidade das mulheres de oxidar lipídios como fonte de combustível durante exercícios prolongados. Os homens, por sua vez, oxidam mais proteínas e carboidratos. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 40 41 Em relação ao sistema musculoesquelético, os homens, em geral, têm maiores massa e força muscular e maior densidade mineral óssea. Nas mulheres, as características contrárias contribuem para risco aumentado de fraturas por estresse. No entanto, essas apresentam menos fadiga muscular e recuperação mais rápida durante os exercícios de resistência. Os hormônios sexuais desempenham um papel fundamental nessas diferenças fisioló- gicas entre homens e mulheres. As flutuações hormonais durante o ciclo menstrual podem impactar no desempenho esportivo e no risco de lesões em atletas do sexo feminino. Além disso, são suscetíveis a condições como a tríade da mulher atleta (chamada atualmente de RED-S), a tensão pré-menstrual (TPM) e a incontinência urinária atlética (RUMBALL et al., 2004). Dessa forma, é importante que a APP da mulher esportista ou atleta tenha enfoque específico nessas questões. A avaliação de algumas características do ciclo menstrual, a idade da menarca, da última menstruação, a presença de amenorreia por mais de 6 meses e o reconhecimento da relação entre menstruação e desempenho físico, há tempo são objeto de estudo. Embora vários modelos de questionários tenham sido propostos para avaliação da saúde ginecoló- gica e nutricional dessas mulheres, ainda não há um padrão validado aceito universalmente. Essas questões ginecológicas e as particularidadesda mulher atleta devem ser ati- vamente investigadas e não subestimadas durante a APP. Há necessidade de se reservar uma parte específica da avaliação para as questões inerentes ao organismo feminino, com investigações ginecológicas e nutricionais específicas e direcionadas, evitando que esses temas sejam omitidos pelas mulheres ou que seus cuidados sejam subestimados pelos profissionais envolvidos (RUMBALL et al., 2004). Em alguns casos, a APP é o único contato da esportista ou atleta com um médico, aumentando ainda mais a importância dessa avaliação que se torna uma oportunidade de ouro para rastrear alterações ginecológicas, nutricionais, ósseas e comportamentos de ris- co. A ocasião é propícia também para levar informações sobre essas particularidades pouco conhecidas para a própria esportista ou atleta, que precisa entender como identificar sinais de alerta e como prevenir complicações. Sendo assim, um questionário direcionado à saúde da mulher deve ser incorporado à APP feminina, de maneira rotineira, pelo médico do esporte, identificando alterações e permitindo o encaminhamento para profissional especializado, quando necessário. A compi- lação dos dados dessas avaliações pelo médico permite estudar tendências, fatores de risco, resultados de estratégias de acompanhamento e intervenções para otimizar a assistência. O posicionamento oficial da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte e Exercício sobre atividade física e saúde na mulher acrescenta ainda que é importante a avaliação dos níveis de ferritina e hemoglobina, levando em consideração que, quando abaixo do normal, Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 42 indicam carência de ferro e/ou anemia - situações que comprometem o rendimento da mulher esportista/atleta (LEITAO et al., 2000). Ainda no que diz respeito aos exames complementares, é preciso considerar as carac- terísticas hormonais da mulher (antes e após a menopausa) para individualizar as estratégias de avaliação cardiovascular. Para rastreamento de doença arterial coronariana (DAC) em mulheres aparentemente saudáveis que apresentam hipoestrogenismo, a realização de teste ergométrico é aconselhável. Para as mulheres com mais de 35 anos de idade, a avaliação é considerada mandatória pela Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte e Exercício. Conclui-se, portanto, que a APP é de extrema importância para o esportista e atleta de ambos os sexos. Nas mulheres, é necessário levar em consideração suas particularidades biológicas, com vistas a individualizar a avaliação e a conduta e, a partir daí, obter melhores resultados e mitigar riscos. 5. Realidade da APP no futebol semi-profissional e amador A realidade da APP no futebol não profissional reflete o que é observado na sociedade em geral, no qual grande parte dos praticantes e dos dirigentes não a consideram essencial antes da prática esportiva. Esse cenário tem evoluído em favor da APP, porém de uma forma muito tímida perante a sua real importância. Além disso, é comumente observado, nas situações em que são exigidos um atesta- do médico, a realização de atestado emitido por médico conhecido do atleta, sem a devida avaliação clínica. É importante destacar que o profissional médico, nessa situação, assume o risco em eventuais intercorrências que surjam durante a prática esportiva, principalmente porque forneceu o comprovante de aptidão física sem critérios definidos. Porém, é importante também considerar a relação econômica e a realidade do nosso País. A obrigatoriedade de APP com exames complementares tanto pode ser inviável eco- nomicamente quanto representar uma inibição à prática esportiva. Mas, ao mesmo tempo, é imensurável o valor da prevenção de uma morte súbita no esporte. Por isso, é necessário o entendimento global, por parte de todos que atuam no fute- bol, da importância de se realizar a APP mínima (anamnese e exame físico) em todos os jogadores de futebol, através de avaliação médica especializada. As situações de morte súbita no futebol, bastante divulgadas pelos meios de comunicação, infelizmente devem servir como exemplo para o emprego da APP de forma mais rotineira, assim como é visto no futebol profissional. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 42 43 CONSIDERAÇÕES FINAIS Percebe-se que há discordâncias entre várias Sociedades Médicas sobre a viabilidade em se realizar alguns exames complementares durante a APP. Porém, em todas elas há o consenso sobre a importância dessa avaliação em atletas e esportistas. No futebol profissional já há a obrigatoriedade dos atletas realizarem, além da APP básica, exames complementares cardiológicos como critérios de pré-participação esporti- va, em ambos os sexos. Além disso, após a Pandemia por COVID-19, no qual os riscos do surgimento de patologias como miocardites aumentaram, essa avaliação tornou- se ainda mais importante. Já no futebol amador ainda há um desconhecimento geral sobre a importância, no mí- nimo, de se realizar uma APP básica, através de anamnese e exame físico. Há necessidade também de maior empenho por parte das Federações que regulamentam essa categoria, sobre a obrigatoriedade da APP antes da realização esportiva. Portanto, além de toda a divulgação científica por parte da Comunidade Médica, é necessário maior engajamento político para que medidas eficazes como a APP sejam empregadas de forma mais abran- gente no futebol. REFERÊNCIAS 1. ABBATEMARCO, J.R.; BENNETT, C.; BELL, A.J.; DUNNE, L.; MATSUMURA, M. Application of pre-participation cardiovascular screening guidelines to novice older runners and endurance athletes. Sage Open Medicine, v. 4, p. 1-8, 2016. 2. BASSETT, A.J.; AHLMEN, A.; ROSENDORF, J.M.; ROMEO, A.A.; ERICKSON, B.J.; BISHOP, M.E. The Biology of Sex and Sport. Jbjs Reviews, v. 8, n. 3, 2020. 3. 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Precom- petition Cardiac Assessment of Football Players Participating in the 2006 FIFA World Cup Germany. Clinical Journal Of Sport Medicine, v. 19, n. 4, p. 322- 325, 2009. 03 Principais lesões ortopédicas no futebol Marcelo de Carvalho Amorim Hospital MaterDei - Belo Horizonte/MG José Martins Juliano Eustaquio UNIUBE - Universidade de Uberaba 10.37885/210705502 https://dx.doi.org/10.37885/210705502 Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 46 Palavras-chave: Futebol, Lesões Esportivas, Medicina Esportiva. RESUMO O futebol é um esporte caracterizado por movimentos biomecânicos e intensidades de trabalho que predispõem ao surgimento das lesões ortopédicas (ou musculoesqueléti- cas). Atualmente, são gastos recursos financeiros substanciais no emprego de aparatos tecnológicos com objetivos de prevenir e diminuir o tempo de recuperação das lesões. Porém, mesmo assim elas ocorrem e comprometem o rendimento técnico dos times, pois apresentam altas incidências e potenciais recidivas. O foco dos profissionais que atuam no futebol deve ser o de controlar preventivamente as variáveis internas e externas rela- cionadas ao surgimento das lesões. Além disso, o trabalho multidisciplinar, já existente em times com melhores condições financeiras, é fundamental na recuperação integral do atleta e retorno cada vez mais precoce à prática esportiva. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 46 47 INTRODUÇÃO O futebol é o esporte mais popular do Mundo, com dados de aproximadamente 265 milhões de jogadores no início do século XXI (FEDERAÇÃO INTERNACIONAL DE FUTEBOL, 2006). Essa modalidade teve um grande crescimento de praticantes nas últimas décadas, es- pecialmente nas populações jovem (WATSON et al., 2019) e feminina (LÓPEZ-VALENCIANO et al., 2021), o que tem levado a um aumento associado das lesões musculoesqueléticas. Para explicar a gênese das lesões esportivas, atualmente busca-se o entendimento de uma relação mais abrangente e complexa dos fatores de risco envolvidos, deixando de lado a clássica teoria do reducionismo (HULME et al., 2015). O paradigma da complexidade, que deve ser encarado como um avanço do reducionismo, contribui para examinar as lesões esportivas em termos de rede de relacionamentos e não em fatores isolados (BITTENCOURT et al., 2016). Sabe-se que, quando se realiza a redução de um problema complexo a unida- des isoladas, as interações entre eles podem ser negligenciadas e a previsão do desfecho final pode não ser possível ou pode ser realizado de forma incorreta (BEKKER et al., 2016). No futebol, fatores como a carga de trabalho, os esforços físicos intermitentes típicos da modalidade e o alto volume de jogos são de grande relevância na rede de interações de agentes relacionados à gênese das lesões (ENRIGHT et al., 2020). Vários protocolos de prevenção de lesões foram publicados até o momento, com destaque para o FIFA 11+ (FEDERAÇÃO INTERNACIONAL DE FUTEBOL, 2009), que apresenta resultados significa- tivos na redução de algumas lesões musculoesqueléticas (NUHU et al., 2021). O objetivo desse capítulo foi realizar uma revisão da literatura sobre as principais lesões musculoesqueléticas no futebol e o manejo específico para esse público de atletas. DESENVOLVIMENTO As lesões musculoesqueléticas no futebol ocasionam um considerável prejuízo técnico para os times, no sentido tanto do tempo em que o atleta permanece afastado de treinos e partidas e do tempo que gasta para atingir os mesmos níveis de performance prévios, o que naturalmente reflete em altos custos financeiros (EKSTRAND et al., 2013). Por isso, para que se possa aperfeiçoar as medidas de prevenção das lesões, que é o grande foco da comunidade científica do futebol na atualidade, é necessário inicialmente conhecer os principais aspectos clínicos e terapêuticos envolvidos nas lesões mais preva- lentes da modalidade. Nesse sentido, sabe-se que a extremidade inferior responde pela maioria das lesões, tanto em homens quanto em mulheres (HÄGGLUND et al., 2009), e o tipo mais comum é a lesão muscular. Dentre as lesões articulares, a mais acometida é o joelho, seguida pelo Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 48 tornozelo (LÓPEZ- VALENCIANO et al., 2020). Outra lesão bastante característica do futebol, devido à dinâmica do esporte, é a osteíte púbica, que geralmente ocasiona uma morbidade considerável ao atleta. – Lesões ortopédicas mais comuns do futebol LESÕES MUSCULARES As lesões musculares, principalmente pelo seu potencial recidivante, ocasionam um longo período efetivo de afastamento dos atletas o que, consequentemente, representa um custo financeiro considerável tanto no esporte profissional quanto no amador. Elas acometem principalmente os músculos bi ou poliarticulares, com maior porcenta- gem de fibras de contração rápida (fibras brancas, do tipo II) e ocorrem na fase de contra- ção excêntrica da musculatura. No futebol, os músculos mais acometidos são, no geral, os isquiotibiais em primeiro lugar, seguido pelos adutores. A recorrência de uma lesão muscular é um fator preocupante. Ela ocorre principalmente nos primeiros meses após a lesão inicial e também nas lesões de menor grau devido, na maioria dos casos, ao retorno precoce do atleta às atividades esportivas. Há diferentes tipos de lesão muscular no futebol. A lesão típica é aquela em que o atleta, na fase de contração excêntrica da corrida, tem uma parada súbita do movimento e faz a palpação imediata do local lesionado. Para representá-la, nomenclaturas tradicionais como distensão muscular e estiramento muscular atualmente foram substituídas pelo termo ruptura muscular, que pode ser parcial, subtotal ou total. Os outros tipos são melhor representados pela Classificação de Munique, publicada em 2013 (MUELLER-WOHLFAHRT et al., 2013). Nessa, as lesões musculares são inicialmente divididas em mecanismos direto e indireto. Quanto ao mecanismo indireto, elas podem ser por alterações funcionais, com os tipos sobrecarga muscular (fadiga e dor muscular tardia) e desordem neuromuscular, e por alterações estruturais, com os tipos rupturas parcial (leve e moderada) ou subtotal/total (lesão do ventre muscular e avulsão tendínea). Em relação ao mecanismo direto, há as lesões por contusão e por laceração. A lesão é consideradasubtotal/total quando há um acometimento de mais do que 50% da espessura das fibras musculares, pois o prognóstico comporta-se como lesão completa. A proposta dessa classificação também foi a de fornecer uma estimativa sobre o prog- nóstico de retorno ao esporte após as lesões. Nesse sentido, para as rupturas parciais de grau leve, estima-se um retorno aproximado em torno de 14 dias, ao passo que para as mesmas lesões, porém de grau moderado, o retorno ocorre em torno de 04 a 06 sema- nas. Já as lesões subtotal/total apresentam um retorno aproximado após 12 semanas da Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 48 49 lesão. Porém, outros fatores devem ser considerados quando se avalia o tempo de retorno ao esporte, como anatômicos, funcionais, tratamento realizado, dentre outros. O diagnóstico pode ser suspeitado através da história clínica e do exame físico, porém é dependente dos exames de imagem. A radiografia é importante para se realizar o diag- nóstico diferencial com fraturas por avulsão, essencialmente naqueles casos que acometem os extremos da musculatura (áreas de origem e inserção tendíneas). Já a ultrassonografia e a ressonância nuclear magnética (RNM) são os exames de escolha para análise da lesão muscular. A ultrassonografia é um exame mais barato e de fácil acessibilidade, porém é dependente do examinador, ao contrário da RNM, que é um exame de maior acurácia diag- nóstica, porém apresenta alto custo. A grande maioria dos casos é de tratamento conservador, com prognóstico bom se o tratamento for realizado de forma adequada. Esse tratamento é focado em um curto período de anti-inflamatórios (máximo de 72 horas), analgesia e reabilitação. No futebol profissional, é importante que a reabilitação não seja tão conservadora, para que a hipotrofia muscular reacional ao redor do segmento lesionado não ocasione maiores danos funcionais a longo prazo. Assim, associado à reabilitação do complexo muscular lesio- nado, é importante a manutenção do condicionamento físico e do trofismo dos músculos não acometidos. Conforme já mencionado, o tempo de tratamento vai depender principalmente do músculo lesionado e do tipo e do grau da lesão. O tratamento cirúrgico atualmente é reservado para os casos de fratura por avulsão, fratura proximal da musculatura dos isquiotibiais, hematoma muscular de grande volume e lesão muscular extensa em segmento sem musculatura agonista. Para os casos de fratura por avulsão, é necessário a reinserção do fragmento avulsionado, geralmente através de parafusos e arruelas. Nos casos de hematomas moderados, pode- se realizar drenagem guiada por ultrassonografia, seguido ou não pela infiltração de substâncias adjuvantes, para acelerar o processo cicatricial. Outras opções de tratamento têm como princípio teórico propiciar uma cicatrização mais acelerada e efetiva do tecido, como plasma rico em plaquetas, câmara hiperbárica e terapia por ondas de choque. Porém, ainda não são de uso clínico de rotina. Durante o período de reabilitação das lesões musculares é importante que o atleta tenha um suporte nutricional otimizado, principalmente devido às suas recidivas. Nesses casos, através do trabalho inter e multidisciplinar, é importante a pesquisa de condições subclínicas que sejam fatores desencadeantes, como infecções dentárias, desbalanços biomecânicos, alterações metabólicas e/ou nutricionais e lesões prévias sem adequada cicatrização biológica, dentre outros. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 50 LESÕES TRAUMÁTICAS DO JOELHO A entorse é o tipo mais comum de lesão traumática do joelho e ocorre principalmente através do mecanismo de trauma indireto. Fatores extrínsecos, como os tipos de piso e de calçado do atleta, são fatores importantes relacionados ao surgimento das entorses. Na presença de lesões da articulação do joelho, é importante uma avaliação clínica rápida, dentro do ambiente esportivo, principalmente da estabilidade articular e do estado neurovascular do membro, pois são condições potencialmente mais graves. Na fase aguda, essencialmente nos minutos iniciais após a lesão, é possível realizar um exame físico ligamentar de forma mais efetiva, ao contrário do exame realizado após algumas horas do trauma que, devido ao derrame articular e à contratura dos isquiotibiais, torna-se difícil de ser executado. A ausência de alterações nessa abordagem inicial permite que se complemente o exame físico do joelho, baseado nos testes específicos para lesões ligamentares, menis- cais e do aparelho extensor. Se houver alguma lesão intrínseca da articulação do joelho, o que muitas vezes não é perceptível no primeiro atendimento, o próprio atleta informará sua incapacidade de retorno à partida. Dentre essas lesões, esse capítulo aborda as lesões do ligamento cruzado anterior (LCA), do menisco e do ligamento colateral medial (LCM). Lesões do ligamento cruzado anterior As lesões do LCA são muito comuns no futebol e ocorrem por razões multifatoriais, porém há destaque para a dinâmica do esporte, baseada em movimentos pliométricos e rotacionais, que são vetores para o surgimento dessa lesão. Em estudo epidemiológico com jogadores de futebol da primeira divisão da Itália durante sete temporada seguidas, Grassi et al. mostraram que, em um time com 25 jogadores, ocorreu pelo menos uma lesão do LCA a cada duas temporadas (GRASSI et al., 2020). Além disso, essas lesões trazem impactos negativos para os atletas de futebol, inde- pendentemente do nível de performance. Nesse sentido, é comum que os atletas demorem algumas temporadas (geralmente de duas a três) para que retornem ao nível satisfatório de competitividade. Forsythe et al., em estudo de coorte com atletas profissionais de futebol e 21 anos de seguimento, mostrou taxas de retorno ao esporte de 80% (FORSYTHE et al., 2021). No futebol, essas taxas são altas (acima de 90%), em comparação a outros esportes, porém as taxas de retorno competitivo são bem mais inferiores e dependem, conforme dito, do tempo evolutivo das temporadas seguintes (FORSYTHE et al., 2021). Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 50 51 A maioria das lesões ocorrem por mecanismo indireto, em movimentos que envolvem rotações, mudanças de direção, movimentos de aceleração e desaceleração e saltos. As le- sões do LCA estão relacionadas a vários fatores de risco modificáveis e não modificáveis, com destaque para o sexo feminino (com risco 3 vezes maior que no sexo masculino), idade jovem (pico de 16 a 18 anos), precocidades na participação e na especialização esportiva, variações anatômicas e funcionais, perfil genético, dentre outros. No momento da lesão, é comum o atleta apresentar, junto com a entorse do joelho, estalido (às vezes até audível) e derrame articular (hemartrose). Como destaque, a prin- cipal causa de hemartrose do joelho pós-traumática, excluindo as fraturas, é a lesão do LCA. No exame físico específico, várias manobras são úteis para a pesquisa dessa lesão ligamentar, com destaque para os testes da gaveta anterior e de Lachman, que avaliam a instabilidade anteroposterior do joelho, e do pivot-shift, que avalia a instabilidade rotacional. Vale enfatizar que o diagnóstico dessa lesão é clínico, porém exames de imagem são necessários para o diagnóstico diferencial, no caso das radiografias, e para a pesquisa de lesões associadas, através da ressonância nuclear magnética (RNM). Embora as radiografias simples sejam o primeiro passo diagnóstico após o exame físico, com o objetivo principal de exclusão de alguma fratura associada (principalmente da espinha tibial), a RNM é forte- mente recomendada como parte da avaliação diagnóstica, devido à suas altas sensibilidade e especificidade (97% e 100%, respectivamente) (SRI-RAM et al., 2015). Quanto aos atletas de uma forma geral, com destaque para os jogadores de futebol, o tratamento preconizado para as lesões do LCA é na maioria das vezescirúrgico, devido às características biomecânicas do gesto esportivo que são compartilhadas com as funções desse ligamento. Porém, o tratamento não cirúrgico pode ser considerado, principalmente em atletas amadores, pois atletas respondem de formas diferentes a essa lesão. Nesse sentido, há os atletas copers, que são aqueles que através de treinamento específico desenvolvem bom controle articular e são, portanto, bons respondedores ao tratamento conservador, e os não copers, que apresentam resultados insatisfatórios com esse tipo de tratamento e são mais dependentes do tratamento cirúrgico (THOMA et al., 2019). O tratamento cirúrgico consiste na reconstrução do LCA, com utilização de diferentes técnicas cirúrgicas e tipos de enxertos. Esse procedimento ocorre após a melhora do quadro inflamatório articular inicial, quando há o retorno da amplitude de movimento ativa, a dimi- nuição significativa do derrame articular e um bom controle neuromuscular do quadríceps femoral. Já o tratamento conservador, passado também essa fase inicial inflamatória, é baseado nos trabalhos de propriocepção e de fortalecimento muscular contínuo do atleta. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 52 O retorno ao esporte, preconizado atualmente, acontece em torno de 09 meses após o tratamento cirúrgico. Porém, para que ocorra essa liberação, o atleta deve apresentar re- sultados satisfatórios em diferentes avaliações, como questionários subjetivos, exame físico com foco na amplitude de movimento e estabilidade articular, testes funcionais e avaliações psicológicas. Além disso, o atleta deve apresentar déficit de força no membro operado, cuja avaliação é através de dados antropométricos e de dinamometria, de no máximo 10% em relação ao membro contralateral. Percebe-se, portanto, que o retorno ao esporte acontece de modo multifatorial, através de critérios biopsicossociais, e o tempo de pós-operatório é apenas mais um a ser considerado no momento da alta. Especialmente no futebol, muitas vezes esse retorno ao esporte ocorre de forma mais precoce, motivado por pressões externas e pela tradição existente nesse esporte de que o atleta retorne após 06 meses da cirurgia. Nesse sentido, cabem aos profissionais da saúde divulgar os conhecimentos científico atuais e, como forma de justificar esse longo período de recuperação, expor a alta morbidade que o atleta apresentará caso ocorra uma nova ruptura do ligamento, algo comum nas situações em que não são respeitados o processo biológico de cicatrização do enxerto e o retorno das valências físicas necessárias para a prática do futebol. Lesões meniscais Pelos mesmos motivos expostos paras as lesões do LCA, com destaque para a dinâ- mica do futebol, as lesões meniscais não são incomuns, assim como a associação entre lesões ligamentares e meniscais, com prognóstico mais desfavorável. As lesões dos meniscos são classificadas principalmente de acordo com a morfolo- gia e a localização. Quanto à morfologia, as lesões podem ser dos tipos horizontal (divide o menisco em uma porção superior e outra inferior), vertical ou longitudinal (o menisco é dividido em uma porção anterior e outra posterior), radial, oblíqua, flap, alça de balde (le- são vertical completa), complexa (junção de dois ou mais tipos de lesões), raiz meniscal (inserções meniscais anterior e/ou posterior) e em rampa (desinserção entre o menisco e a cápsula articular). Quanto à localização, as lesões podem acometer o corno anterior, corpo e/ou corno posterior do menisco. As lesões radial e vertical são mais comuns nos meniscos lateral e medial, respecti- vamente, e ocorrem principalmente nos traumas agudos. Já as lesões em rampa e na raiz são tipicamente decorrentes de traumas de maior energia, muitas vezes com associação de lesões do LCA. O diagnóstico das lesões meniscais é realizado através de história clínica sugestiva, com relato de entorse do joelho seguida por dor e derrame articular, associado a testes meniscais Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 52 53 positivos. Esses testes são baseados, em sua maioria, em movimentos rotacionais do joelho para a pesquisa de dor e de estalido tanto da interlinha articular medial quanto lateral. Porém, a confirmação das lesões meniscais geralmente é realizada através de exames de imagem, essencialmente a ressonância nuclear magnética (RNM). Antes desse, como rotina para as lesões traumáticas do joelho, o primeiro exame de imagem a ser solicitado é a radiografia, cujo objetivo é a realização de diagnóstico diferencial para exclusão de fratura. Vale destacar a necessidade de se fazer uma interpretação conjunta entre os achados da história, do exame físico e dos exames de imagens, pois o número de achados falso posi- tivos em um exame de RNM é grande, principalmente em jogadores de futebol e referentes às lesões meniscais e condrais. O tratamento pode ser conservador ou cirúrgico. As indicações de tratamento con- servador são para as lesões radiais menores que 03 mm, de espessura parcial, longitudi- nais menores que 1 cm de extensão, periféricas e estáveis e aquelas degenerativas sem sintomas mecânicos. Esse tratamento é realizado através de analgesia, reabilitação com objetivos de melhora clínica e funcional e treinamentos específicos de propriocepção e de fortalecimento muscular. Já as lesões que não preenchem os critérios anteriores são de indicação cirúrgica. Para aquelas lesões instáveis em alça de balde e associadas a bloqueio articular, a cirurgia deve ser realizada de forma prioritária para evitar complicações crônicas, como degeneração condral e contratura em flexão do joelho. As opções cirúrgicas são a meniscectomia parcial, a sutura (reparo), o transplante meniscal e os substitutos meniscais. As duas primeiras são as mais realizadas em atletas de futebol, e o ideal é que o princípio de tratamento seja a máxima preservação do menisco, através de meniscectomia econômica e/ou sutura. Porém, nesse público específico, é muito comum que eles prefiram procedimentos que permitam o retorno mais precoce ao esporte, mesmo que isso represente maior morbidade futura. Esse fato, associado às características das lesões, fazem com que as meniscectomias sejam os procedimentos mais realizados em atletas de futebol, pois permitem um retorno mais precoce ao esporte. O manejo da situação do atleta com lesão meniscal e indicação de tratamento cirúrgico representa um grande desafio para a equipe de saúde, pois são lesões comuns e muitas vezes geram condutas discordantes entre o médico e o atleta quanto ao tipo e ao momento do procedimento. No caso em que as características da lesão permitem a realização da sutura meniscal, cabem aos profissionais da saúde que atuam no futebol informar de forma clara e abrangen- te os riscos e benefícios de se realizar uma cirurgia com retorno mais precoce ao esporte Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 54 (meniscectomia), mas certamente deletéria para o futuro do atleta. Após esse esclarecimento, deve-se chegar a um consenso e priorizar tanto a opção de tratamento do atleta quanto a autonomia do médico no aceite ou não em realizar o procedimento. Lesões do ligamento colateral medial O ligamento colateral medial (LCM) é, juntamente com o LCA, os dois ligamentos mais lesionados do joelho. Porém, ao contrário do LCA, a grande maioria dos casos é de trata- mento conservador (LUNDBLAD et al., 2013). Essas lesões ocorrem através do mecanismo de estresse em valgo do joelho, movimen- to esse no qual o LCM atua como restritor primário. O LCM, devido à sua vascularização e configuração anatômica, apresenta grande potencial de cicatrização após uma lesão parcial, com bons prognósticos de recuperação total e de estabilidades anatômica e funcional. O diagnóstico da lesão do LCM pode ser feito de forma confiável através da anamnese, com história de trauma em valgo do joelho, e do exame físico,através do teste de estresse em valgo do joelho, que é realizado em extensão total e a 30 graus de flexão. Esse teste pode evidenciar três padrões de lesões, representados por dor e edema na topografia do LCM durante a realização do teste nos casos leves (grau I), achados clínicos do grau I com instabilidade leve nos casos moderados (grau II) e instabilidade grosseira nos casos gra- ves (grau III), em que há ruptura completa do LCM. Os exames de imagem, conforme já mencionado, são importantes, com a realização da radiografia para exclusão de fraturas e a ressonância magnética reservada para os casos de traumas mais severos e pesquisa de lesões associadas. Na população em geral, o tratamento preconizado para as lesões graus I e II é o conser- vador, com reabilitação precoce e treinamentos muscular e proprioceptivo específicos. Já as lesões de grau III, que geralmente estão associadas a outras lesões ligamentares, podem ser de tratamento conservador desde que seja feito de forma satisfatória e não evolua para instabilidade crônica. O uso de órtese rígida inguinomaleolar, ou similares, é um recurso utilizado nas pri- meiras semanas (em torno de quatro semanas) após a lesão para neutralizar o estresse na face medial do joelho e com isso permitir uma cicatrização satisfatória do ligamento, porém seu uso deve ser otimizado para permitir amplitude de movimento precoce do joelho. Isso é um conceito fundamental, uma vez que a imobilização por longo período leva a uma cicatri- zação mais fraca do ligamento e a piores resultados funcionais (CREIGHTON et al., 2005). Porém, na atualidade há uma tendência de mudança dessa conduta, principalmen- te em pessoas com maior nível de performance esportiva. Em jogadores de futebol, cujo nível de exigência biomecânica da articulação do joelho é alto, preconiza-se atualmente o Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 54 55 tratamento cirúrgico para as lesões grau III e o grande foco de discordância é com relação às lesões grau II, cujo tratamento conservador ainda é, até o momento, o preconizado na grande maioria dos casos. Porém, nesse público, quando há indicação de tratamento cirúr- gico de outras lesões ligamentares do joelho ou quando se observa a presença do menisco medial ʻʻflutuanteʼʼ, indica-se atualmente no mínimo o reparo das lesões de grau II do LCM (FUNCHAL et al., 2019). LESÕES DO JOELHO POR SOBRECARGA Tendinopatia patelar A tendinopatia patelar é uma lesão caracterizada principalmente pela sobrecarga do mecanismo extensor do joelho, comum durante os movimentos executados no futebol, com repercussões clínicas importantes e alto risco de cronificação (HÄGGLUND et al., 2011). Algumas alterações biomecânicas são consideradas agentes etiológicos dessa pato- logia, como aumento do momento abdutor do joelho, maior velocidade de flexão do quadril, menor velocidade de extensão do quadril, maior velocidade de pronação do pé, dentre outros. Porém, a sobrecarga de treinamento associado à dinâmica do futebol exerce uma influência significante para o surgimento da tendinopatia. A chave da fisiopatologia é a existência de poucos mediadores inflamatórios e muitas áreas de tendinose, o que reflete especificamente a origem degenerativa da doença. A loca- lização mais comum ocorre na porção posterior da extremidade proximal do tendão patelar (KHAN et al., 2002). Clinicamente, o atleta cursa com queixas de dor em topografia do tendão patelar, prin- cipalmente nos movimentos de saltos e de aceleração e desaceleração, que geralmente amenizam ou cessam no repouso. Qualquer teste que sobrecarregue o mecanismo extensor, como por exemplo uma distalização passiva da patela associado a contração isométrica do quadríceps, irá causa dor no local do acometimento. O diagnóstico, muito sugestivo através de história e exame físico, é confirmado através de exames de imagem, como a radiografia (alterações degenerativas em pólo inferior da patela), a ultrassonografia (com ou sem doppler) e a ressonância nuclear magnética. A res- sonância é o exame de maior acurácia diagnóstica, porém como o tendão patelar é uma estrutura anatômica superficial e devido ao alto custo da ressonância, a ultrassonografia é considerada um bom exame de imagem nessa investigação. Em 1973, Blazina et al. classificaram a tendinopatia patelar em quatro graus, de acordo com o sintoma clínico e sua relação com a performance esportiva. No grau I a dor ocorre apenas durante a prática esportiva, no grau II a dor aparece no início e no fim do esporte, Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 56 sem comprometer o rendimento, no grau III ocorre dor durante toda atividade física e há comprometimento do rendimento e no estágio IV há ruptura do tendão patelar. Outras clas- sificações também foram publicadas para descrever as fases clínicas da patologia, muito embasadas na classificação de Blazina, porém essa permanece como de bastante utilidade na rotina diária. O tratamento preconizado na grande maioria dos casos é o conservador, através de reabilitação, focada em exercícios excêntricos do mecanismo extensor, e também no con- trole da carga de treinamento. Terapias alternativas, ainda sem real comprovação científica de benefícios, também foram estudadas, como terapia por ondas de choque, infiltrações peritendíneas, câmara hiperbárica, dentre outras. Para aqueles casos recidivantes ou sem melhora com o tratamento conservador, o tratamento cirúrgico é indicado. Esse tratamento pode ser realizado tanto por via aberta quanto por via artroscópica, e em ambos o objetivo principal é realizar o desbridamento do tecido degenerado. Doença de Osgood-Schlatter (DOS) A DOS, que é uma apofisite de tração da tuberosidade anterior da tíbia (TAT), ocorre mais comumente no sexo masculino, em faixa etária média entre 10 e 15 anos e na popu- lação fisicamente ativa. Movimentos característicos do futebol, como saltos, aceleração e desaceleração, mudanças de direção, além do grande volume de exercícios comumente praticado pela população dessa faixa etária, são fatores predisponentes ao surgimento da DOS. Além disso, fatores anatômicos como patela alta e músculo reto femoral encurtado predispõe ao surgimento da patologia (VAISHYA et al., 2016). A apresentação clínica é caracterizada por dor e edema na topografia da TAT. Esse quadro clínico é autolimitado, com melhora total após período de repouso relativo, porém cos- tuma ser recidivante. Em 20 a 30% dos casos, a dor é bilateral e esse é um dado que auxilia o diagnóstico clínico. A sequela característica da patologia é a protuberância na topografia da TAT. Além disso, o enxerto do tendão patelar para cirurgia de reconstrução ligamentar do joelho, em pessoa com passado de DOS, torna- se uma contra-indicação relativa. O diagnóstico da DOS é clínico, através de dados epidemiológicos característicos associado a exame físico típico de dor e edema na TAT. Exames de imagem, como ra- diografia e ressonância nuclear magnética, são solicitados nos casos recidivantes ou para eventuais diagnósticos diferenciais. Entre esses, podem ser considerados a Síndrome de Sinding-Larsen-Johansson, a Síndrome de Hoffa, a avulsão ou ruptura do tendão patelar, a tendinopatia patelar, dentre outros. Porém, o diagnóstico de DOS geralmente é realizado sem maiores dificuldades. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 56 57 O tratamento é eminentemente conservador, através de repouso relativo, analgesia simples e fisioterapia. A reabilitação tem como princípio a realização de treinamentos para ganho de flexibilidade da cadeia muscular posterior e para a correção de desequilíbrios bio- mecânicos, além de trabalhos proprioceptivos. Outro fator relevante é o controle do volume de treinamento, pois a patologia tende a ser recidivante se esse cuidado não for observado. Para os casos recorrentes, a utilização da terapia de ondas de choque é uma opção com bons resultadosclínicos, porém reservado para adolescentes em fase final de fecha- mento da placa epifisária. Técnicas cirúrgicas foram descritas, como por exemplo a ressecção de fragmentos ósseos na topografia da TAT, mas são indicadas em raríssimas situações. Recente série de casos descreveu que nenhum dos 280 jogadores com DOS avaliados no estudo foram submetidos a tratamento cirúrgico (BEZUGLOV et al., 2020). A grande prevalência da DOS no futebol de base é um dos motivos que expressa a importância do trabalho de prevenção de lesões na população dessa faixa etária. Esse trabalho é visto apenas em times de maior relevância estrutural, portanto a grande maioria dos jogadores dessa categoria carecem de cuidados preventivos e não apresentam controle de carga no esporte (LOOSE et al., 2019). Apesar de apresentar- se de forma benigna na grande maioria dos casos, a DOS recidivante poderá comprometer, devido ao longo tempo cumulativo de afastamento do esporte, componentes técnicos e anatômicos do atleta, com prejuízos futuros para a performance no futebol. ENTORSE LATERAL DO TORNOZELO A entorse lateral do tornozelo é uma das lesões articulares mais comuns no futebol e apresenta altas taxas de sintomatologia persistente e de recidivas, com consequente mor- bidade local e queda do rendimento esportivo do atleta. Essas entorses acontecem principalmente após traumas indiretos, através de rápida inversão e rotação interna do complexo pé e tornozelo. A fratura mais comumente associada à entorse lateral do tornozelo é a do maléolo lateral, envolvida principalmente em movimento de supinação e rotação externa desse complexo. A avaliação clínica da integridade dos ligamentos laterais do tornozelo, bem como da sindesmose, é fundamental. Os principais estabilizadores laterais do tornozelo são o ligamento talo fibular anterior (LTFA), o ligamento calcâneo fibular e o ligamento talo fibular posterior, e o LTFA é o mais comumente acometido. O teste da gaveta anterior é o mais sensível para avaliar a ruptura do LTFA (LARKINS et al., 2020). No exame físico é sempre importante também avaliar a presença de dor na palpação do maléolo lateral, do maléolo medial, da base do V metatarso e do terço proximal da fíbula. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 58 Além disso, no local do ambiente esportivo, a impossibilidade do atleta deambular após a lesão é um forte indicador da presença de fratura. A classificação introduzida por Hamilton e Kaikkonen, em 1982, graduou a severida- de das lesões de I a III. Na prática clínica, apenas a diferença entre uma entorse simples (grau I) e uma entorse grave (grau III) é relevante, pois o tratamento cirúrgico pode ser considerado apenas para as instabilidades grosseiras (grau III). O tratamento da entorse lateral do tornozelo é, na maioria dos casos, conservador, através da adoção inicial do protocolo POLICE (carga otimizada de acordo com o quadro clínico, crioterapia, compressão e elevação), para redução da dor e do edema, e de fisio- terapia precoce. Para os casos de entorse sem fratura, porém com grande limitação física, está indicado um período curto de imobilização com órtese removível (do tipo Robofoot), mas com períodos intercalados de ADM ativa no limite da dor e de crioterapia. Longos períodos de imobilização (acima de sete dias) pode causar uma má cicatrização biológica e sequelas funcionais (HALABCHI et al., 2020). O tratamento cirúrgico está indicado, na fase aguda, nos casos de fraturas desviadas e, nos casos crônicos, nos quadros de instabilidade anatômica e funcional. Após episódios isolados ou repetitivos de entorse, o atleta pode desenvolver uma instabilidade funcional do tornozelo, porém não anatômica, cujo tratamento é a reabilitação com ênfase no trabalho de propriocepção e de fortalecimento muscular. No futebol, logo após o retorno ao esporte, está bem indicado a utilização de bandagens flexíveis no tornozelo, através de materiais específicos ou até esparadrapo, para auxiliar na estabilidade da articulação. Essa estabilidade é muito mais proprioceptiva do que mecânica, porém parece auxiliar na prevenção de recidivas da entorse (HALABCHI et al., 2020). OSTEÍTE PÚBICA A osteíte púbica, mais conhecida no futebol como pubalgia do atleta, é uma afecção que acomete a região da sínfise púbica e da musculatura adutora, com alta morbidade para os atletas. Movimentos típicos dos jogadores de futebol, como aceleração e desaceleração, chutes, rotações, dentre outros, estão envolvidos na gênese da pubalgia. Sua etiologia ainda não foi totalmente elucidada, porém o desbalanço entre a muscu- latura do reto abdominal, menos dominante, e a musculatura adutora, mais dominante, é considerado o principal fator envolvido com a patologia em jogadores de futebol. O fulcro de ação dessas musculaturas é na região da sínfise púbica, que sofre um desgaste crônico devido a esse desbalanço muscular, principalmente devido à dinâmica do futebol, o que ocasiona a longo prazo o início dessa patologia (VIA et al., 2018). Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 58 59 A história clínica sugestiva, associada ao exame físico, fornece fortes indícios da exis- tência dessa patologia, porém a confirmação ocorre através de exames de imagem. A radio- grafia é importante para o diagnóstico diferencial, principalmente de patologias intra-articu- lares, e para a observação de achados frequentes na osteíte púbica, como irregularidades ósseas tanto na sínfise púbica quanto na tuberosidade isquiática. A ultrassonografia dinâmica é importante para o diagnóstico diferencial de herniações e a ressonância magnética é o exame padrão ouro para o diagnóstico da osteíte púbica. O principal diagnóstico diferencial é com a hérnia do atleta, patologia que cursa com dor inguinal e é caracterizada por fraqueza da parede posterior do canal inguinal, porém sem ter a formação de uma hérnia inguinal clássica. O tratamento conservador das duas patologias tem princípios semelhantes, através das correções de desbalanços musculares e instabilidade pélvica, porém o tratamento cirúrgico é diferente. Por esse motivo, é sempre importante a realização de uma ultrassonografia dinâmica para se descartar a existência da hérnia. O tratamento da osteíte púbica é inicialmente conservador. Para jogadores profissio- nais, preconiza-se a realização de reabilitação durante período médio de três meses e, para os atletas amadores, esse tempo pode ser postergado para seis meses. Caso não ocorra sucesso com o tratamento conservador, está indicado o tratamento cirúrgico. Na técnica cirúrgica, realizada através de incisão clássica de Pfannenstiel (a mesma da cesariana), realizam-se ressecção parcial da fáscia abdominal e total do ligamento púbico superior, desbridamento e microperfurações do disco fibrocartilaginoso interpúbico e do osso subcondral e tenotomia parcial da musculatura adutora bilateral (SOUSA et al., 2005). A rea- bilitação, após melhora inicial do pós- operatório, deverá ser focada na correção de dese- quilíbrios musculares nas regiões lombar, abdominal e pélvica (QUEIROZ et al., 2014). CONSIDERAÇÕES FINAIS O conhecimento das características clínicas e terapêuticas das principais lesões ortopé- dicas do futebol é importante não só para o manejo adequado, mas também como parâmetro de monitorização da carga de trabalho e dos protocolos preventivos. Uma das chaves do sucesso no tratamento das lesões do esporte é a existência de uma equipe multidisciplinar focada na recuperação integral do atleta e na prevenção da recidiva das lesões. Isso, em equipes de melhores condições financeiras do futebol profissional, é uma realidade. Porém, para os outros, ainda é algo de difícil execução, na maioria dos ca- sos. E essa dificuldade não reflete apenas o fator financeiro, mas também um entendimento equivocado de que a saúde do atleta não é vista como um investimento. Apesar de todos os recursos tecnológicos empregados noesporte, as lesões muscu- loesqueléticas no futebol continuarão a ocorrer, pela própria natureza da modalidade. Porém, Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 60 a atenção dos profissionais que atuam nas Ciências do Esporte e da Saúde deve ser a de monitorizar potenciais fatores de risco modificáveis, com objetivos de diminuir a incidência e amenizar as consequências das lesões, como por exemplo através dos diferentes trabalhos preventivos e do controle das variáveis da carga de trabalho executadas pelos atletas. REFERÊNCIAS 1. BEKKER, S.; CLARK, A.M. 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RESUMO A odontologia do esporte é uma especialidade que atua nos cuidados à saúde bucal dos atletas e que ganha espaço crescente devido à sua relação direta e indireta com a performance e a saúde geral dos esportistas. Patologias odontológicas, muitas vezes subclínicas, podem predispor ao surgimento e perpetuação de lesões musculoesquelé- ticas recidivantes, que ocasionam alta morbidade aos praticantes da modalidade. Essas lesões, em um esporte tão popular como o futebol, tanto amador quanto profissional, podem representar um considerável custo financeiro. Por esse motivo, a presença do profissional odontólogo no futebol é uma realidade e uma necessidade para os que atuam principalmente no esporte de alto rendimento. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 64 65 INTRODUÇÃO A odontologia do esporte (OE) é uma especialidade em que o cirurgião dentista trabalha com promoção, prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças que afetam a cavidade oral em atletas (ANDRADE et al., 2017). A OE contribui para que haja condições favoráveis da saúde bucal, o que resulta em um melhor rendimento durante as competições. O odontólogo deve-se atentar a problemas como respiração bucal, mau posicionamento das arcadas, lesões cariosas e não cariosas e doenças periodontais. Esses fatores podem induzir a um processo inflamatório e interferir na qualidade de vida e bem- estar dos atletas (ASHLEY et al., 2014). O objetivo desse capítulo realizar uma revisão da literatura sobre a importância e os principais aspectos clínicos relacionados à odontologia do esporte no futebol. DESENVOLVIMENTO – Histórico e Importância da Odontologia do Esporte No futebol há uma grande exigência sobre o desempenho físico dos jogadores, que é um padrão alcançado quando o atleta se encontra saudável, e por esse motivo muitos in- vestimentos são feitos para que o atleta tenha um alto rendimento nos jogos. Logo, deve-se prevenir e tratar de forma precoce problemas de saúde geral e bucal com a finalidade de evitar a queda de performance do jogador (GAY-ESCODA et al., 2011). A inserção da odontologia na prática do esporte é de grande relevância para que se tenha um alto desempenho esportivo, pois as patologias da cavidade bucal do atleta são frequentes (PASTORE et a., 2017). Em um estudo realizado por Rosa et al., 400 jogadores de futebol do time da Portuguesa foram analisados. Os resultados mostraram que entre os jogadores do time de base, 71% apresentaram lesões de cárie e 14% focos infecciosos dentais. Dos jogadores do time profissional, 68% apresentaram lesões de cárie e 23% focos infecciosos dentais. A odontologia do esporte foi reconhecida como uma nova especialidade em 2015 (CONSELHO FEDERAL DE ODONTOLOGIA, 2021), mas começou a se integrar ao esporte brasileiro quando o dentista Mário Trigo passou a acompanhar a seleção brasileira de futebol nas Copas do Mundo de Futebol de 1958, 1962, 1966 e 1970 (SOARES et al., 2014). O cirurgião-dentista fazia parte da equipe do time do Fluminense que tinha como téc- nico Ondino Vieira, e permaneceu lá até o 1946. O médico Hilton Gosling, que na época fazia parte do Departamento Médico do Fluminense, relatou a dificuldade dos jogadores se recuperarem das contusões. Com isso, Trigo passou a investigar a relação entre a presença Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 66 de focos infecciosos presentes na cavidade oral dos atletas e a melhora das lesões sofridas pelos jogadores. Ele observou que o seu trabalho aliado à equipe médica possibilitava uma melhora significativa no desempenho dos jogadores, facilitando a recuperação. Quando Trigo passou a fazer parte da seleção brasileira como dentista, ele se integrou com o pro- fessor Chriso Fontes, Diretor da Faculdade Nacional de Odontologia da Universidade do Brasil (Universidade Federal do Rio de Janeiro- UFRJ), para realizar exames clínicos nos jogadores (PADILHA et al., 2016). Mário Trigo conta em seu livro “O Eterno Futebol” (2002) que, para a preparação do campeonato mundial em 1958, na Suécia, houve a necessidade da extração de 118 dentes dos 33 jogadores. Muitas outras histórias de quando acompanhou a seleção brasileira são relatadas em sua obra. Depois de Trigo, Carlos Sérgio Araújo (1994, 1998 e 2002) fez parte da equipe da Seleção Brasileira de Futebol como cirurgião-dentista (COSTA et al., 2015). A OE vem ganhando cada vez mais espaço. Muitos clubes de futebol se preocupam em proporcionar acesso à saúde bucal para seus jogadores. Clubes como Atlético Mineiro, Botafogo, Corinthians, Flamengo, Ceará, Coritiba e São Paulo, dentre outros, oferecem aos seus atletas um setor específico odontológico (TEIXEIRA et al., 2021). A especialidade da OE possui uma esfera ampla. Além de englobar traumas e confec- ções de protetores bucais, também está relacionada à prevenção e tratamento de doenças bucais, reparação dos tecidos musculares lesionados, vigilância do doping, desordens das articulações temporomandibulares, alterações respiratórias e outros fatores que possam diminuir o rendimento do atleta (COSTA, 2009). – Problemas mais comuns na saúde bucal dos atletas As doenças bucais podem afetar o desempenho nas atividades e a saúde geral dos esportistas. Os patógenos presentes em uma inflamação, além de comprometerem a es- trutura dentária e tecidos de suporte, podem gerar outros problemas, como aterosclerose, infecções respiratórias e dificuldades da recuperação tecidual, o que afeta a qualidade de vida e o bem-estar do profissional (TEIXEIRA et al., 2021). A lesão cariosa, erosão dentá- ria, problemas periodontais, traumas dentários, má oclusão, disfunção temporo-mandibular (DTM), terceiros molares impactados e pericoronarite são problemas recorrentes encontrados na cavidade oral do atleta (ASHLEY et al., 2014). 1. Cárie Dentária A cárie dentária é uma doença bacteriana infecciosa, transmissível e multifato- rial. A sua ocorrência ocorre pela interação entre fatores determinantes, como hospedeiro, microbiota, dieta e tempo (HEYMANN et al., 2013). Durante esse processo, acontece um Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 66 67 desequilíbrio entre a perda e o ganho de minerais, com consequente formação da lesão cariosa (BATISTA et al., 2020). Se não tratadas, essas lesões podem ocasionar dor e progressão para alguma infecção endodôntica ou até mesmo a perda do elemento dental, ambas extremamente prejudiciais ao esportista. Além disso, esses problemas podem afetar a mastigação e a alimentação, prejudi- cando o ganho energético dos alimentos e o desempenho esportivo (TEIXEIRA et al., 2021). 2. Doença Periodontal A doença periodontal se caracteriza como uma patologia de caráter infeccioso e inflama- tório, de origem bacteriana, que afeta os tecidos de suporte do elemento dental. Atualmente existem evidências crescentes das associação entre doenças infecto inflamatórias orais e uma série de inflamações em outros órgãos (PADILHA et al., 2016). Em estudo realizado por Ionel e colaboradores (2016), a periodontite foi considerada um fator de risco para doen- ça cardiovascular aterosclerótica. Além disso, existem evidências científicas que a doença periodontal influencia de forma negativa o processo metabólico responsável pela hipertrofia muscular, o que pode prejudicar a recuperação tecidual. A doença periodontal e a doença cárie são problemas que estão relacionados com a presença de biofilme microbiano. Essas patologias também levam a crescentes níveis de citocinas no organismo, mais comumente o fator de necrose tumoral (TNF-α) e interlucina-6 (IL-6), que estão envolvidas no surgimento de fadiga muscular no atleta. Além disso, o mús- culo diminui a sua capacidade de absorção de energia, o que pode facilitar a ocorrência de lesão muscular ou até mesmo sua recidiva (SOLLEVELDet al., 2015). Um estudo realizado por Gay-Escoda e colaboradores (2011) teve como objetivo avaliar o estado da saúde bucal dos jogadores do clube Barcelona (Espanha) e correlacionar com a incidência de lesões desportivas. Houve uma correlação estatisticamente significante entre o índice de placa e a profundidade de sondagem com as lesões musculares. Com isso, pode- -se inferir uma possível influência da doença periodontal no estado de saúde dos jogadores. 3. Trauma Dentário As atividades esportivas, principalmente devido ao grande contato entre os atletas, são fatores de risco potenciais para o traumatismo dentário ou orofacial (CAGLAR et al., 2009). Nos esportes que envolvem velocidade e contato próximo, como o futebol, esse risco é alto (TOZOGLU et al., 2006). Em um trabalho realizado por Correa e colaboradores (2010) evidenciou-se que 74,1% dos jogadores já sofreram alguma lesão da cavidade oral e que 59,3% apresentaram avulsões dentárias. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 68 O trauma dentário pode ser evitado através de dispositivos que conferem proteção aos dentes e periodonto. Os protetores bucais são capazes de absorver o choque na boca, preve- nindo assim lesões desencadeadas por queda ou golpe na região oral (CAGLAR et al., 2009). 4. Má Oclusão A oclusão se define como a relação de encaixe dos dentes, ou seja, quando a arcada dental entra em contato com a arcada antagonista, sem relação com a posição da mandíbula (STEFANELLO et al., 2006). Em uma pesquisa realizada por Souza e colaboradores, foi evidenciado que 47% dos atletas estudados possuíam algum problema relacionado à oclusão, como sobremordida profunda, mordida aberta, diastemas e apinhamento dental. A má oclusão pode interferir de forma negativa no desenvolvimento do atleta. Esse problema pode prejudicar a mastigação e a digestão dos alimentos, o que diminui a absor- ção de nutrientes e leva à perda de equilíbrio muscular, dores de cabeça e problemas na articulação temporomandibular. Por isso, torna-se importante que o dentista detecte esse tipo de problema na cavidade oral do esportista (SOUZA et al., 2011). 5. Disfunção Temporomandibular A disfunção temporomandibular é um termo usado para englobar uma série de condi- ções clínicas referentes à musculatura mastigatória ou às articulações temporomandibulares (PERGAMALIAN et al., 2003). Sintomas típicos podem estar presentes, como dores na área pré-auricular, na ATM ou nos músculos da mastigação, além de crepitações e assimetrias durante movimentos mandibulares (FREIWALD et al., 2020). Alterações psicológicas e situações estressantes se relacionam a problemas que en- volvem a ATM. Pessoas que apresentam estresse contínuo são mais propensas a terem tensão muscular e bruxismo, que é um hábito parafuncional, com prejuízo às articulações da mandíbula (SOLLEVELD et al., 2015). Para que se tenha êxito no tratamento, é necessário que se descubra a causa. Porém ,de uma forma geral há alívios sintomáticos através de placas miorrelaxantes. No entanto, é preciso ressaltar que elas não devem ser usadas como única forma de tratamento, mas sim como parte ou até mesmo como coadjuvante a outras terapias (PORTERO et al., 2009). Para os esportistas que fazem uso do protetor bucal, é importante a realização de controles periódicos para verificar o ajuste oclusal e a retenção da placa, já que as interfe- rências nos protetores podem desencadear apertamento dental e sobrecarregamento da ATM (TEIXEIRA et al., 2021). Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 68 69 6. Terceiros Molares Impactados e Pericoronarite O aumento da prática de esportes leva a um maior risco de traumas faciais e orais. A fra- tura de algum osso facial é uma injúria grave e comum para atletas. Na mandíbula, o local que mais ocorre é no ângulo, muito provavelmente devido à presença de um terceiro molar inferior impactado. Por isso, recomenda-se a remoção profilática desse dente (YAMADA et al.,1998). A pericoronarite geralmente é associada aos terceiros molares. Quando o dente está irrompendo forma-se a lacuna pericoronária, que é um espaço entre a coroa dentária e a mucosa oral. Nessa área ocorre o acúmulo de bactérias e resíduos que acarreta a pericoro- narite, uma condição inflamatória e dolorosa. A prevenção deste problema está associada à higienização oral (CAYMAZ et al., 2021). 7. Erosão Dental O processo de erosão dentária se define como a perda patológica e crônica do tecido dentário por ácidos intrínsecos e extrínsecos, sem o envolvimento bacteriano (RAMALHO et al., 2015). Essa condição recebe a atenção de profissionais e pesquisadores, pois a sua prevalência tem crescido ao longo dos anos devido ao aumento do consumo de bebidas e alimentos ácidos. O consumo de bebidas esportivas é um fator de risco para a erosão dentária e o seu consumo entre atletas é incentivado por nutricionistas e treinadores (PICCININNI et al., 2017). Esse tipo de bebida possui um grande potencial erosivo e cariogênico por ter baixo pH e altas concentrações de carboidratos fermentáveis (BRYANT et al., 2011). – Patologias odontológicas como causa da recidiva de lesões musculoes- queléticas No futebol há um grande temor por parte dos atletas e da comissão técnica com a recidiva de lesões musculoesqueléticas, principalmente lesões musculares, devido a sua alta incidência e ao consequente tempo de afastamento do esporte. Meios de monitora- mento preventivo dessas lesões através de questionários subjetivos de esforço, correção de desbalanços biomecânicos, dosagem de biomarcadores, exames de imagem seriados, termografia, dentre outros, são empregados de rotina principalmente nos clubes de maior expressão econômica. Apesar de todo esse aparato tecnológico empregado no monitoramento preventivo das lesões, patologias rotineiras ainda são comumente negligenciadas na rotina do futebol (amador e profissional). Dentre essas patologias, destacam-se as de causas infecciosas da cavidade bucal, como a cárie dentária e as doenças periodontais, muitas vezes relacionadas Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 70 ao surgimento e à perpetuação dessas lesões recidivantes. Conforme já mencionado, essas doenças infecciosas, que podem ser subclínicas, ocasionam reações imunológicas locais e sistêmicas que interferem negativamente no processo de cicatrização dos tecidos biológicos (SOLLEVELD et al., 2015). E devido à dinâmica do esporte, esse processo é particularmente relevante no futebol. Nessa modalidade, principalmente se praticada em alta performance, naturalmente o tecido muscular sofre intensas reações inflamatórias agudas, muitas vezes com perda do balanço fisiológico em desfavor do processo de reparação tecidual, o que o torna um nicho satisfa- tório para o surgimento das lesões (PASTORE et al., 2017). Esse mesmo processo também ocorre nos outros tecidos musculoesqueléticos, porém em menor intensidade. Na vigência dessas patologias da cavidade oral, as citocinas produzidas no processo inflamatório irão desencadear, de formas direta e indireta, uma diminuição da performance funcional musculoesquelética o que, somado a alta carga de trabalho, serão fatores pre- ponderantes nas recidivas das lesões. Além disso, como fator adjuvante a essa cascata fisiopatológica e que ajuda a explicar a relação entre doenças odontológicas e recidivas de lesões, no esporte profissional os atletas estão frequentemente sujeitos a períodos de relativa imunossupressão humoral e celular, com consequente aumento do catabolismo dos tecidos. Portanto, as patologias odontológicas não tratadas cursam com uma situação de estado inflamatório crônico, o que dificulta a reparação tecidual musculoesquelética, que é um pro- cesso constantemente necessário em um atleta de futebol. Associado a isso, muitas vezes os atletas não respeitam o período biológico de cicatrização e retornam de forma precoce ao esporte culminando,portanto, em um círculo vicioso de difícil resolução clínica. Destaca-se assim a necessidade de uma atenção especial à saúde bucal dos atletas, através de avaliações seriadas e preventivas. Medidas simples proporcionadas através desse monitoramento odontológico podem muitas vezes ser mais eficazes do que os potenciais benefícios gerados por todo o poder tecnológico empregado na melhora da performance e na prevenção de lesões no futebol. CONSIDERAÇÕES FINAIS O cirurgião-dentista é um profissional que deve fazer parte da equipe médica de saúde que acompanha um time de futebol. A função do profissional odontólogo é zelar pela saúde bucal dos atletas, fazendo com que se diminua a carga de microrganismos que circula para outras áreas do organismo e prevenir acidentes desportivos. A odontologia do esporte é necessária, já que interfere no desempenho dos jogadores. Muitas doenças orais podem comprometer a eficácia mastigatória, gerar problemas respi- ratórios e diminuir a capacidade de reparação tecidual. Esses fatores podem desencadear Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 70 71 um maior cansaço no atleta e diminuição da sua concentração, o que atrapalhará a sua performance durante jogos e competições. Orienta-se, então, que os jogadores de futebol tenham acesso à especialidade odon- tológica na equipe de saúde do clube, visto que muitos problemas podem ser evitados com a avaliação de um profissional capacitado para detectar alterações orais que podem com- prometer na integridade do atleta. REFERÊNCIAS 1. ASHLEY, P; IORIO, A di; COLE, E; A TANDAY; NEEDLEMAN, I. Oral health of elite athletes and association with performance: a systematic review. British Journal Of Sports Medicine, v. 49, n. 1, p. 14-19, 11 nov. 2014. 2. BATISTA, T. 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Assim, sugere-se que o emprego rotineiro da análise da variabilidade da frequência cardíaca pode ser útil e servir de parâmetro para fisiologistas e treinadores criarem estratégias de individualização de cargas de treinamento e, com isso, proporcionar melhora da performance e prevenção de lesões musculoesqueléticas. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 76 INTRODUÇÃO Como um verdadeiro fenômeno, o esporte apresenta várias possibilidades de manifes- tação e está engajado na cultura universal que agrega a saúde ao bem estar, que serve tanto à Educação e ao lazer quanto ao esporte de alto rendimento (profissional). Sua prática tem tal rogativa que cria um verdadeiro espírito esportivo estimulando crianças, jovens, adultos, idosos e até mesmo portadores de necessidade especiais à sua prática. Existe um arsenal de comprovação a respeito dos benefícios da prática esportiva, assim como evidências da relação entre tal prática e a diminuição do risco de morte súbita em pessoas fisicamente ativas (AUNE et al., 2020). Dentro deste vasto mundo esportivo, o futebol é indiscutivelmente o esporte com o maior número de praticantes em todo o mundo. Fundada na cidade de Paris, em 1904, a Fédération Internationale de Football Association (FIFA) tem atualmente 211 organizações esportivas privadas associadas e representa o esporte em países e territórios, além de apro- ximadamente 260 milhões de pessoas no mundo estarem envolvidas direta ou indiretamente com o esporte (KUNZ et al., 2007). De forma geral, o futebol tornou-se mais do que um esporte, e a propagação dessa paixão esportiva está intimamente ligada à sua evolução, que trouxe reformulações nos pa- drões e nas formas das equipes atuarem, passando também pelas otimizações na preparação física, nos aspectos fisiológicos e nas partes médica, nutricional e psicológica, permitindo que o futebol se torne cada vez mais dinâmico e competitivo. Essas mudanças na modalidade, tanto da dinâmica quanto da competitividade nos jogos, fizeram com que a exigência física se tornasse cada vez maior. Com isso, as impor- tâncias da preparação e das avaliações físicas se fizeram notórias e tornaram-se alvos de pesquisas científicas em busca de aperfeiçoamentos (LOTURCO et al., 2020). No contexto das adaptações fisiológicas utilizadas para incremento da preparação física, há destaque nas respostas do sistema nervoso autônomo (SNA) durante o exercício, avaliadas através da modulação autonômica cardíaca a partir da variabilidade da frequên- cia cardíaca (VFC), que é um parâmetro sensível a alterações nas cargas de treinamento e parece ser uma ferramenta importante para a prescrição de treinamento individualizado (JAVALOYES et al., 2020). O objetivo desse capítulo foi descrever os potenciais benefícios da utilização mais rotineira da variabilidade da frequência cardíaca no futebol de campo. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 76 77 DESENVOLVIMENTO Paralelamente a todas as preocupações em torno das capacidades físicas para um melhor rendimento dos jogadores em campo, existe um considerável corpo literário sobre os aspectos médicos e fisiológicos do futebol, principalmente por ser uma modalidade com grande número de participantes e envolver um considerável fluxo financeiro. Porém, a lite- ratura sobre a influência da VFC no futebol ainda é escassa. Como os atletas apresentam diferentes aptidões físicas (aptidão aeróbica, flexibilidade, força e potência musculares, equilíbrio e composição corporal), existe uma controvérsia em relação à modulação autonômica cardíaca entre eles, em especial em jogadores de futebol (RODRÍGUEZ-FERNÁNDEZ et al., 2019). De fato, existem poucos estudos que examinaram as alterações da VFC em jogadores de futebol (BUCHHEIT et al., 2010; LUCINI et al., 2020). Por exemplo, Buchheit et al. (2010) relataram que menor coeficiente de variação na VFC diária foram significativamente asso- ciadas à velocidade aeróbia máxima em um grupo de jovens jogadores de futebol. Porém, é inegável que o emprego mais rotineiro desse parâmetro autonômico fornecerá informações importantes para a melhora da performance no esporte. Modulação Autonômica Cardíaca O sistema cardiovascular, assim como os demais sistemas, possui uma organização integrada, caracterizada pela interação de subsistemas, pelas oscilações autossustentáveis e pelos circuitos de retroalimentação, que respondem a estímulos intrínsecos e extrínsecos, incluindo o comando central, os mecanismos reflexos e o controle humoral. Várias são as técnicas disponíveis para a avaliação da função autonômica cardiovas- cular, dentre as quais podemos citar a medida de catecolaminas circulantes, as respostas a estímulos estressantes, o teste da função barorreflexa, os registros eletromiográficos de fibras simpáticas vasomotoras, dentre outras. A maioria dessas técnicas, embora úteis na avaliação do estado autonômico é, em sua grande maioria, invasiva e de difícil execução no contexto clínico ambulatorial. Mais recentemente, para a análise do SNA cardiovascular, softwares específicos têm sido desenvolvidos para determinar as variações contínuas que ocorrem nos valores dos ciclos cardíacos normais, detectadas através de registro contínuo computadorizado do ele- trocardiograma (ECG) ou através de registros do Holter de longa duração. Reflexos eferentes simpáticos e parassimpáticos atuam sobre o nó sinusal e produzem modificações dos ciclos P-P do ECG, consequência dos efeitos modulatórios autonômicos sobre o marcapasso sinusal do coração. Aceita-se que o sistema nervoso parassimpático Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 78 (SNP), através de seus efeitos colinérgicos, seja o maior responsável pela variabilidade dos ciclos P-P normais. Corroborando esta afirmativa, observa-se que as drogas que produzem redução dos efeitos vagais, como por exemplo as drogas antimuscarínicas (atropina), redu- zem de forma evidente e significativa as flutuações dos ciclos cardíacos e as que aumentam os reflexos vagais (beta bloqueadores) produzem imediato efeito inverso. Akselrod et al. (1981), foram um dos primeiros grupos de pesquisa a relatarem que a variabilidade dos parâmetros cardiovasculares contém informações importantes sobre o controle autonômico da circulação. A quantificação dessas flutuações durante o repouso proporciona informações sobre a regulação cardiovascular, sem requerer estímulos que possam interferir com os parâmetros medidos. Variações cíclicas na VFC são decorrentes dos impulsos parassimpáticos e simpáticos sobre o coração. Quanto maiores os efeitos parassimpáticos, maiores serão as flutuações. Uma baixa variabilidade indica a existência de depressão da atividade vagal e/ou exacer- bação da atividade simpática cardíaca. Os reflexos autonômicos exercem um papel fundamental sobre todos os mecanismos regulatórios cardíacos. As propriedades eletrofisiológicas, a dinâmica cardíaca e a função contrátil são profundamente influenciadas por eles. Em adição, os reflexos autonômicos podem alterar de forma importante os mecanismos de doença, facilitando o aparecimento de eventos arrítmicos graves e, muitas vezes, fatais, como a morte súbita. O sistema nervoso simpático (SNS) exerce um nítido efeito arritmogênico, ao contrário do SNP, que exerce uma ação inversa. A maioria dos eventos cardíacos acompanha-se momentaneamente de um aumento da atividade simpática cardíaca. Assim, é possível que a análise do perfil autonômico cardíaco por meio da análise da VFC representeum elemento importante para a estratificação de risco em algumas doenças cardíacas. Dois métodos são normalmente utilizados para a avaliação da VFC. Um explora o domínio de tempo (DT), através de índices estatísticos extraídos das variações temporais dos ciclos (expressos normalmente em milisegundos) ou dos percentuais de flutuação ob- servados em ciclos adjacentes (%). O outro, no domínio da frequência (DF), define e separa, por meio da análise espectral, as diversas respostas de frequência (Hz) observadas nas variações das séries temporais de intervalo RR (iRR) de batimentos cardíacos consecutivos (TASK FORCE, 1996). A análise da VFC no DT é feita a partir das variações dos ciclos cardíacos considera- dos normais. São extraídos índices para quantificação da VFC, com o tempo utilizado como variável. Representam, em sua maioria, valores estatísticos que englobam todo o período de gravação, ou parte do mesmo. Na maioria dos programas, esses índices somente são avaliados a partir de um mínimo de cem ciclos sucessivos, mensurados por períodos de Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 78 79 cinco minutos, desprezando-se automaticamente variações bruscas com valores superiores a 25% do precedente. Assim, hipoteticamente, são abolidas as alterações consequentes às ectopias supraventriculares e ventriculares ou a artefatos de registro (TASK FORCE, 1996). Alguns índices de VFC no DT têm sido amplamente utilizados para estratificação de risco, por exemplo, no período após o infarto do miocárdio. Na maioria dos pacientes obser- va- se, nas primeiras 48 horas de evolução do processo agudo, uma progressiva redução da VFC por depressão da atividade vagal. A análise da VFC no DF para avaliação da função autonômica cardíaca ganhou um marcante impulso como um novo e promissor recurso metodológico, não invasivo, de grande simplicidade e de fácil aplicação em nível ambulatorial ou hospitalar. Este método permite caracterizar em valores absolutos e relativos os componentes modulatórios simpático e parassimpático cardíaco e, assim, o balanço funcional entre ambos. Ele consiste na análise computadorizada da variabilidade espontânea de uma série de iRR do ECG no DF por meio da análise espectral. VFC como protocolo de avaliação física no futebol Existem muitos métodos usados atualmente para monitorar o desempenho e/ou nível de fadiga dos atletas e suas respostas às cargas de treinamento. Nesse sentido, a VFC tem sido amplamente utilizada como uma ferramenta não invasiva e que economiza tempo para monitorar o estado de treinamento e as adaptações fisiológicas em indivíduos sedentários esportistas e atletas altamente treinados (GRANERO-GALLEGOS et al., 2020). Em se tratando de desempenho físico, a VFC analisada no período prévio a um pro- grama de treinamento apresentou relação positiva com o aumento no VO2máx após treina- mento, em não atletas (HAUTALA et al., 2003), sugerindo que a VFC pode ser importante preditora do potencial de melhora da aptidão aeróbia. Portanto, pode-se sugerir que a VFC provavelmente esteja associada a melhoras no desempenho físico, pois existe relação entre testes de desempenho físico e VO2máx (BANGSBO et al., 2008). Estudos evidenciaram também que a melhora na resistência aeróbia está associada positivamente com a modulação autonômica cardíaca de repouso (HAUTALA et al., 2003) e as mudanças dessa VFC em resposta ao treinamento físico (BOULLOSA et al., 2013). Índices parassimpáticos no DT e no DF, além de métodos não lineares da VFC, podem ser implementados de forma eficaz para orientar a prescrição da carga de treinamento (JAVALOYES et al., 2020). De fato, Vesterinen et al. (2016) demonstrou que um protocolo de treinamento adapta- do por medidas diárias de VFC proporcionou ganhos de desempenho superiores do que o treinamento periodizado tradicional em atletas de resistência. No programa de treinamento Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 80 individualizado aplicado neste estudo, os atletas apenas realizaram sessões de treinamento de alta intensidade durante os períodos em que a modulação vagal cardíaca estava dentro dos limites normais e/ou mais altos. É importante salientar que atletas com maiores níveis parassimpáticos de VFC e ap- tidão cardiorrespiratória são mais eficazes em realizar e suportar uma determinada carga de treinamento, com menores oscilações da VFC (NAKAMURA et al., 2016). Essas desco- bertas levaram pesquisadores a defender a idéia da importância de manter altos níveis de atividade parassimpática cardíaca em atletas, afim de otimizar as adaptações relacionadas ao treinamento (VESTERINEN et al., 2016). Isso é especialmente verdadeiro quando se considera os valores drasticamente mais baixos da VFC encontrados em atletas com ex- cesso de treinamento. Outras investigações evidenciaram de forma similar uma associação entre os índi- ces basais da VFC e a capacidade máxima de sprint, aceleração e capacidade de sprint repetido, além da capacidade aeróbia, em jovens jogadores de futebol (RODRÍGUEZ- FERNÁNDEZ et al., 2019). Embora a literatura mostre uma tendência a uma maior modulação vagal cardíaca em atletas (PROIETTI et al., 2017), isso não é consenso (BOYETT et al., 2013). Essa contro- vérsia não é surpreendente, pois é possível que momentos distintos de testes ao longo da temporada competitiva, ou diferenças entre modalidades esportivas ou ainda especializa- ções dentro da mesma modalidade, possam ser a razão para essas discrepâncias. Nesse contexto, um cenário ideal seria a adoção de protocolo de triagem pré-participação de rotina em jogadores de futebol de elite, repetido consecutivamente, o que proporcionaria uma oportunidade única para entender o comportamento de algumas dessas variáveis. Alternativamente, a análise da VFC no período noturno pode ser considerada uma fer- ramenta mais adequada para o monitoramento do treinamento de futebol, uma vez que ela não é afetada por fatores como estresse emocional ou nível de hidratação que influenciam as avaliações de campo da VFC (BOULLOSA et al., 2012). Os índices de VFC mais comumente usados em configurações esportivas são o desvio padrão dos intervalos RR (iRR) sucessivos (SDNN) do ECG, que são responsáveis pela modulação autonômica cardíaca global (ou seja, ramos simpáticos e parassimpáticos) e a diferença quadrada média de iRR normais sucessivos (RMSSD), que isola a modulação parassimpática no nodo sinusal. Além disso, as oscilações dos iRR nas bandas de baixa (Low Frequency - LF) e alta frequências (High Frequency - HF) também têm sido utilizadas para indicar as atividades predominantemente simpática e parassimpática no nodo sinusal, respectivamente (TASK FORCE, 1996). Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 80 81 Recentemente, todavia, um estudo envolvendo jogadores de futebol profissional suge- riu o uso de dois novos índices de VFC. Um deles é escore de estresse, que é uma função inversa do índice SD2 do Plot de Poincaré (método não linear da VFC), resultando em uma medida que é diretamente proporcional à atividade simpática. O outro é a relação simpático/ parassimpático, que avalia o equilíbrio entre os dois ramos do sistema autonômico cardíaco. Embora o significado fisiológico do escore de estresse e da relação simpático/ parassimpá- tico precise ser esclarecido em investigações futuras, seu cálculo parece ser válido, pois a dinâmica não linear dos batimentos cardíacos apresenta relações fortes e coerentes com os índices de VFC no DT, com a vantagem de fornecerem um índice de modulação puramente simpática e um índice de equilíbrio simpático-vagal. É reconhecido que a interpretação de qualquer índice de VFC não é direta, especial- mente se considerarmos o comportamento caótico determinístico da dinâmica da frequência cardíaca sob interação simpato-vagal exacerbada. É importante notar que é extremamente difícil isolar completamente a modulação dosramos simpáticos ou parassimpáticos do SNA no nodo sinusal por meio dos índices da VFC. Todavia, uma associação clara entre a dimi- nuição do índice SD2 e a estimulação simpática durante o exercício foi observada (DELA CRUZ TORRES et al., 2008) e utilizada para propor o escore de estresse. Mais importante, o bloqueio parassimpático sob baixa interação simpatovagal (através da administração de baixas doses de atropina), condição fisiológica comum em repouso, resultou em uma ate- nuação progressiva linear do SD1 (índice mediado pelo vago) enquanto o SD2 permaneceu inalterado (TULPPO et al., 1996). A taxa de recuperação da FC (RFC), ou seja, reativação vagal, é outra ferramenta de monitoramento simples e interessante que também pode identificar adaptações autonômicas cardíacas associadas ao treinamento físico. Especificamente, uma RFC mais rápida (10-20s) foi considerada indicativa de adaptações autonômicas específicas para atletas de espor- tes intermitentes, provavelmente como resultado da recuperação limitada (<30 s) entre os esforços, com uma RFC mais rápida observada em jovens jogadores de futebol com maior capacidade aeróbia (OSTOJIC et al., 2011). Enquanto as avaliações laboratoriais e de campo tradicionais têm sido realizadas em atletas (Kalapotharakos et al.,2011), jogos curtos (ʻʻsmall-sided gamesʼʼ) têm sido frequen- temente usados por treinadores para melhorar simultaneamente as capacidades físicas e técnicas dos jogadores, reproduzindo assim atividades de jogos intermitentes em um am- biente bem controlado (MASCARIN et al., 2018). Assim, pode ser sugerido que as adaptações autonômicas cardíacas de treinamento em jogadores de futebol possam ser refletidas por uma RFC mais rápida (ultracurta) regis- trada entre esforços durante jogos curtos, uma condição de exercício mais específica do que Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 82 as avaliações tradicionais (MUÑOZ-LÓPEZ et al., 2020). Os resultados de Boullosa et al. (2013) apoiam a adequação e praticidade tanto da análise da VFC noturna quanto da RFC ultracurta para avaliação das adaptações autonômicas em jogadores de futebol profissional, apesar das melhorias pouco claras em parâmetros específicos de desempenho de campo. Dados recentes do nosso grupo de pesquisa (dados ainda não publicados) demonstra- ram que jogadores de futebol de campo amador que jogam na posição “lateral” apresentaram uma maior modulação parassimpática cardíaca de repouso (avaliada pelos métodos lineares e não lineares da VFC) em comparação aos demais jogadores que jogam em diferentes posições táticas. Observamos também que esse mesmo grupo de jogadores (laterais) obti- veram melhores resultados nos testes de performance física (distância percorrida e VO2máx) após a realização de um teste de esforço físico (Yo-Yo teste de recuperação intermitente 2). Em adição, mostramos uma correlação significativa entre os índices da VFC que avaliam a modulação parassimpática cardíaca e a performance atlética. CONSIDERAÇÕES FINAIS As respostas fisiológicas ao treinamento físico em atletas jogadores de futebol geral- mente dependem do tipo de treinamento realizado ao longo da temporada. A quantificação da carga de treinamento é comumente baseada em indicadores de intensidade de esforço externo (distância, potência, repetições, etc.), bem como internos (consumo de oxigênio, FC, lactato sanguíneo, índice de esforço percebido, etc.), que possibilita a análise do esforço físico dos atletas. A VFC estudada em repouso, durante o exercício e no período de recuperação após o exercício, evidencia que a atividade autonômica do coração em repouso tem sido parti- cularmente interessante para abordar as cargas de treinamento físico. Por outro lado, uma diminuição nos índices vagais da VFC é comumente interpretada como indicadores de estar aquém da condição física, fadiga crônica ou supertreinamento. Assim, é possível afirmar que jogadores com maior modulação autonômica cardíaca (principalmente com maior atividade vagal) demonstram maiores capacidades físicas. Dessa forma, informações sobre o SNA dos atletas obtidas a partir da análise da VFC podem ser úteis e servir de parâmetro para fisiologistas e treinadores criarem estratégias de indivi- dualização de cargas de treinamento e tentar minimizar as diferenças interindividuais entre modulação autonômica e desempenho físico, além de proporcionar conhecimento para a prevenção de lesões musculoesqueléticas. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 82 83 REFERÊNCIAS 1. AKSELROD, S.; GORDON, D.; UBEL, F. A.; SHANNON, D. C.; BERGER, A. C.; COHEN, R. J. Power spectrum analysis of heart rate fluctuation: a quantitative probe of beat-to-beat car- diovascular control. Science, v.213, n4504, p.220-22, 1981. 2. AUNE, D.; SCHLESINGER, S.; HAMER, M.; NORAT, T.; RIBOLI, E. Physical activity and the risk of sudden cardiac death: a systematic review and meta-analysis of prospective studies. BMC Cardiovasc Disord, v.20, n.1, p.318, 2020. 3. BANGSBO, J.; IAIA, F.; KRUSTRUP, P. 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MUÑOZ-LÓPEZ, A.; NARANJO-ORELLANA, J. Individual versus team heart rate variability responsiveness analyses in a national soccer team during training camps. Sci Rep, v.10, n.1, p.11726, 2020. 17. NAKAMURA, F. Y.; PEREIRA, L. A.; RABELO, F. N.; FLATT, A. A.; ESCO, M. R.; BERTOLLO, M.; LOTURCO, I. Monitoring weekly heart rate variability in futsal players during the preseason: the importance of maintaining high vagal activity. J Sports Sci In Press, 2016. 18. OSTOJIC, S. M.; STOJANOVIC, M. D.; CALLEJA-GONZÁLEZ, J. Ultra shortterm heart rate recovery after maximal exercise: relations to aerobic power in sportsmen. Chin J Physiol, v.54, p.105-110, 2011. 19. PROIETTI, R.; DI FRONSO, S.; PEREIRA, L. A.; BORTOLI, L.; ROBAZZA, C.; NAKAMURA, F. Y. et al. Heart rate variability discriminates competitive levels in professional soccer players. J Strength Cond Res, v.31, n.6, p.1719-25, 2017. 20. RODRÍGUEZ-FERNÁNDEZ, A.; SANCHEZ-SANCHEZ, J.; RAMIREZ-CAMPILLO, R.; NAKAMU- RA, F. 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Med Sci Sports Exerc, v.48, p.1347-1354, 2016. 06 Lombalgia no atleta de futebol Anderson Alves Dias UFTM - Universidade Federal do Triângulo Mineiro Paulo Sérgio Machado Rodrigues Uberaba Sport Club Luis Fernando de Faria UNIUBE - Universidade de Uberaba José Martins Juliano Eustaquio UNIUBE - Universidade de Uberaba 10.37885/210705520 https://dx.doi.org/10.37885/210705520 Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 86 Palavras-chave: Dor Lombar, Futebol, Medicina Esportiva. RESUMO A dor lombar é um sintoma de causa multifatorial e que afeta um grande público de atletas de futebol. Fatores como a dinâmica do esporte, os desequilíbrios de força e de ativação muscular, os traumas musculoesqueléticos, dentre outros, estão relacionados ao seu surgimento. A grande maioria dos casos é de causa inespecífica, de prognóstico excelente e sem a necessidade de investigação diagnóstica. Porém, os quadros de dores recidivantes ou associados a sinais de alarme, demandam a realização de exames de imagem complementares. Cada vez mais são estimulados os exercícios que preconizam a estabilização do segmento do tronco, comuns em todos os protocolos de prevenção de lesões no futebol. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 86 87 INTRODUÇÃO A lombalgia é uma das principais causas que levam à incapacidade física em atletas. Ela caracteriza-se por ser mais um sintoma do que uma doença e pode estar relacionado a uma série de patologias, porém o motivo mais comum é a dor lombar inespecífica (MAHER et al., 2017). Na população geral, aproximadamente 85% apresentará dor lombar em algum momento da vida (HOY et al., 2012). No futebol, em torno de 10 a 15% das lesões nos atle- tas ocorrem na coluna vertebral, o que leva a prejuízos na performance física e, no caso do futebol profissional, também econômico (PFIRRMANN et al., 2016). Não há uma relação isolada de causalidade entre o surgimento da dor lombar e a prá- tica do futebol. Contudo, percebe-se que, no futebol profissional, com o objetivo de atingir elevados níveis de competição com treinos de alta intensidade, pode haver sobrecarga de estruturas anatômicas e aumento do risco de lesões musculoesqueléticas na coluna vertebral. Além disso, a prática desse esporte sem o devido treinamento regular aumenta a incidência de dor lombar, fato comumente observado nos jogadores amadores (LINEK et al., 2020). A coluna lombar é um importante segmento de equilíbrio e estabilização corporal, tanto nas atividades estáticas quanto dinâmicas. Além disso, devido à presença da musculatura biarticular inserida na coluna vertebral, participa de forma ativa dos movimentos pliométricos e rotacionais, que são constantes na prática do futebol. Desta forma, qualquer lesão na co- luna pode desestabilizar a dinâmica postural do atleta (RUHE et al., 2011). Esse segmento pode sofrer também as consequências de alterações biomecânicas em outras articulações dos membros inferiores, como devido a uma instabilidade dos quadris (TOJIMA et al., 2020). O objetivo desse capítulo foi descrever as principais lesões da coluna vertebral obser- vadas nos atletas de futebol e descrever os princípios de prevenção dessas lesões. DESENVOLVIMENTO As causas de lombalgia no atleta de futebol são múltiplas e a equipe médica deve fazer uma correta avaliação semiológica para se chegar a um diagnóstico correto. Dados epidemiológicos e clínicos como idade, sexo, antecedentes pessoais, comor- bidades e fatores de melhora e piora da dor são aspectos essenciais que devem ser pes- quisados durante a avaliação. A maioria dos quadros de dor lombar no atleta de futebol não apresenta uma causa pa- tológica definida, sem definições através do exame físico e dos exames de imagem. Nesses casos, o diagnóstico de dor lombar inespecífica, geralmente de causa muscular, deve ser considerado, e eles evoluem de forma satisfatória, com melhora completa em poucos dias. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 88 Porém, outras patologias condicionam dor lombar persistente e comprometem a par- ticipação nas atividades esportivas. Nesses casos resistentes ao tratamento conservador inicial, ou relacionados a sinais de alarme como trauma, emagrecimento sem causa justi- ficada, febre, uso crônicos de corticóides, dentre outros, são necessários exames de ima- gem complementares. Principais causas de dor lombar nos atletas de futebol 1. Espondilólise A espondilólise é definida com um defeito da pars articularis e pode estar associada à espondilolistese (deslizamento anterior do corpo vertebral sobre a vértebra adjacente). Ocorre em torno de 85% dos casos ao nível de L5. Existe uma correlação da presença do defeito com movimentos repetitivos da coluna lombar, o que pode levar a fraturas por stress na pars articularis. O defeito pode ser unilateral ou bilateral. Na maioria dos casos é assintomática. Entretanto, a forma sintomática pode apresentar evolução gradual da dor e ser exacerbada por movimentos de hiperextensão combinado a rotação da coluna lombar como, por exemplo, em movimento no ar para cabecear a bola. Pode surgir também após um trauma durante a partida e pode permanecer sintomática mes- mo no repouso. Geralmente a dor é lombar, mas pode eventualmente apresentar irradiação para membros inferiores, associado a parestesia. Quando a dor lombar persiste por mais de 03 a 04 semanas, deve ser investigada por exames de imagens. A propedêudica diagnóstica é iniciada com a realização de radiografias nas incidências anteroposterior, perfil da coluna lombar e oblíquas. Nessa última incidên- cia, pode ser identificado o defeito na pars articularis através do sinal do colar do cachorro de Le Chapelle (Figura 1). Entretanto, apenas um terço das lesões podem ser diagnostica- das com radiografias simples. O complemento da investigação é feito através da tomografia computadorizada da coluna lombar. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 88 89 Figura 1. Radiografia em incidência oblíqua da coluna lombar,no qual são observados a imagem do cachorro de Le Chapelle e a fratura da pars articularis. Fonte: Próprio autor. Para identificação do tempo de lesão (aguda ou crônica), a cintilografia óssea torna-se um exame importante. A ressonância nuclear magnética da coluna lombar é outra alternativa para o diagnóstico, além de permitir analisar com maior acurácia o acometimento neural. O tratamento geralmente é conservador. Atividades que envolvam extensão da coluna lombar devem ser evitadas. É preconizado o início precoce de fortalecimento da musculatura estabilizadora da coluna. Para os atletas com sintomas recidivantes, orienta-se o uso de colete durante tempo máximo de 12 semanas, de acordo com a evolução do quadro clínico. O retorno à atividade esportiva deve ser gradual e assistida, assim que o atleta estiver assintomático. A indicação cirúrgica nas espondilólises associadas a espondilolisteses ocorre apenas quando há falha de tratamento, que ocorre geralmente nas listeses de alto grau. 2. Síndrome facetária Nos atletas submetidos a movimentos de extensão da coluna combinados a rotação, assim como a movimentos explosivos como corrida, há uma maior incidência de sobrecar- ga dos elementos posteriores, com destaque para as facetas articulares, desencadeando a chamada Síndrome Facetária. Depois da espondilólise, é a causa mais comum de lom- balgia no atleta. Os sintomas são muito parecidos com a da espondilólise sintomática. A contratura da musculatura profunda da coluna pode estar presente e os exames de imagem geralmente não mostram alterações significativas, a não ser por alterações inflamatórias nas facetas, nos casos mais sintomáticos. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 90 O tratamento pode ser realizado com repouso relativo e realização de exercícios leves, evitando movimentos de rotação e extensão da coluna. O uso de crioterapia e anti-inflama- tório pode ser aplicado na fase aguda da dor. Em casos refratários ao tratamento, podem ser realizados bloqueios terapêuticos anestésicos facetários. Os programas de reabilitação devem ser iniciados o mais precoce possível com fortalecimento da musculatura abdominal, exercícios antilordóticos e alongamento da cadeia muscular posterior dos membros inferiores. 3. Degeneração Discal e Hérnia discal A degeneração discal ocorre com elevada frequência em atletas jovens de alta perfor- mance. As alterações degenerativas são influenciadas pelo tipo de intensidade do esporte, que condicionam cargas compressivas de graus variáveis ao nível da coluna lombar. Apesar da alta frequência nos atletas, essas alterações não necessariamente representam queixas ou sintomas de lombalgia. A sua incidência, bem como a sintomatologia, aumenta com a idade. O quadro clínico caracteriza-se por dor mecânica com contratura muscular. Geralmente a dor piora com a flexão da coluna lombar e melhora com a extensão. Além disso, pode haver irradiação para membros inferiores, de acordo com a raiz neural irritada pelo processo herniário. Os níveis mais acometidos são L4/L5 e L5/S1. O diagnóstico é feito através da inves- tigação radiológica, sendo que a radiografia em perfil pode revelar estreitamento do espaço intervertebral e da abertura foraminal. O padrão ouro para o diagnóstico é a ressonância nuclear magnética, que é capaz de identificar processos degenerativos discais com desi- dratação e herniações. O tratamento da lombalgia associada a degeneração discal é em sua grande maioria conservadora. A interrupção do processo causador da dor deve ocorrer na fase inicial, atra- vés de repouso relativo seguido de programas específicos de reabilitação, com objetivo de evitar a recorrência da dor. O uso de analgésicos e anti-inflamatórios na fase aguda da dor é indicado. Nos casos de recorrência da dor, podem ser realizados bloqueios terapêuticos de dor com infiltração de anestésico, analgésicos e anti- inflamatórios próximo à raiz irritada pelo processo degenerativo/herniário. O tratamento cirúrgico é indicado apenas na falha do tratamento conservador ou nos casos em que há alteração neurológica, sendo a microdis- cectomia o padrão ouro para o tratamento. 4. Lesões na articulação sacroilíaca A articulação sacroilíaca pode ter sua biomecânica alterada devido às doenças da co- luna lombar. Esse segmento representa uma região importante para o movimento do corpo, Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 90 91 pois age como fulcro da força entre o tronco e os membros inferiores. As principais causas de dor na articulação sacroilíaca estão listadas na Tabela 1. Tabela 1. Principais causa de acometimento da articulação sacroilíaca. Causas de acometimento da articulação sacroilíaca Infecção Sindrome de Reiter Doença de Crohn Artrite psoriática Espondilite anquilosante Fratura por estresse do sacro O quadro clínico de lesão na sacroilíaca geralmente inicia-se com dores lombar e em topografia dos glúteos, de caráter insidioso e progressivo, e que apresenta piora à ex- tensão da coluna. Ao exame clínico, podem apresentar testes de Trendelenburg, Faber e Gaeslen po- sitivos, além de dor à palpação da articulação sacroilíaca. A avaliação radiológica pode ser realizada através de tomografia ou cintilografia para avaliação de fratura por estres- se. Em casos de suspeita de infecção e/ou doença reumatológica, a avaliação laboratorial com exames de velocidade de hemossedimentação (VHS), fator reumatóide (FR), reação em cadeia da polimerase (PCR), fator antinuclear (FAN) e antígeno leucocitário humando B-27 (HLA-B27) deve ser realizada. Para o tratamento, as atividades que causam dor devem ser interrompidas temporaria- mente e reiniciadas de forma gradual e progressiva. O tratamento inicial deve incluir criote- rapia e anti-inflamatórios não esteroidais, além de fisioterapia. Exercícios de estabilização da pelve e de fortalecimento abdominal devem ser encorajados. 5. Fraturas das placas terminais Em casos de movimentos de flexão e extensão de forma repetitivas e bruscas, podem ocorrer lesões das placas terminais. O quadro clínico geralmente é caracterizado por dor lombar com retificação da lordose e contratura muscular. No exame de imagem pode ser observados avulsões da região apofisária da vértebra, em topografia anterossuperior do corpo vertebral na radiografia em perfil. Na ressonância nuclear magnética pode ser observado processo inflamatório em topografia da placa terminal e nódulo de Schorml. O tratamento inicial inclui o uso de anti-inflamatórios associados a analgesia e exercí- cios de estabilização do core abdominal. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 92 – Prevenção da dor lombar no futebol Para prevenção das lesões da coluna no futebol, o atleta deve passar por avaliação criteriosa para identificação de fatores de risco para lesões e outras doenças musculoes- queléticas que não tenham sido completamente reabilitadas. Sabe-se, por exemplo, que atletas de futebol com dor lombar apresentam maior fraqueza isocinética da musculatura do tronco (HO et al., 2005). Fatores semelhantes a esse devem ser avaliados e corrigidos, de forma preventiva e terapêutica. Nos atletas de uma forma geral, com foco nos da base, a frequência e a intensidade da atividade física devem ser monitoradas com atenção, principalmente devido à especialização cada vez mais precoce e a sua consequente sobrecarga musculoesquelética. No futebol, observa-se uma preocupação crescente na necessidade de se diminuir a incidência de lesões, devido aos prejuízos técnicos e financeiros envolvidos nessa situação. Por isso, foram criados diferentes protocolos de prevenção de lesões, todos focados na estabilização neuromuscular dos segmentos lombopélvico e quadris (CORE). Atualmente, o treinamento isocinético do tronco ganhou destaque como medida de prevenção da dor lombar em jogadores de futebol (NAMBI et al., 2020). CONSIDERAÇÕES FINAIS A dor lombar é um sintomacomum na população de jogadores de futebol, principal- mente pelos movimentos pliométricos e rotacionais exercidos pelos atletas e por outros desbalanços biomecânicos existentes nessa população. Apesar de apresentar causa multi- fatorial, esse sintoma pode ser controlado através da adoção de protocolos de prevenção de lesões, com foco no segmento do CORE e também na execução de treinamento isocinético da musculatura do tronco. REFERÊNCIAS 1. ANDERSEN, L. 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The Association of Sagittal Spinal and Pelvic Parameters in Asymptomatic Persons and Patients with Isthmic Spondylo- listhesis. J Spinal Dis Tech, v.15, n.1, p.24-30, 2010. 10. RUHE, A.; FEJER, R.; WALKER, B. Is there a relationship between pain intensity and postural sway in patients with non-specific low back pain? BMC Musculoskelet Disord, v.12, 2011. 11. TOJIMA, M.; TAKEI, S.; TORII, S. Factors Associated with Ball Velocity and Low Back Pain During Kicking in Adolescent Soccer Players. Open Access J Sports Med, v.7, n.11, p.133- 143, 2020. 12. VILLA, F. D.; MANDELBAUM, B. R.; LEMAK, L. J. The Effect of Playing Position on Injury Risk in Male Soccer Players: Systematic Review of the Literature and Risk Considerations for Each Playing Position. American journal of orthopedics, v.47, n.10, 2018. 07 Futebol baseado em evidências: desafios e perspectivas da ciência do esporte no Brasil Cristiano Diniz da Silva UFJF - Campus Governador Valadares João Gustavo Claudino LOAD CONTROL Emerson Silami Garcia UFMG 10.37885/210705542 https://dx.doi.org/10.37885/210705542 Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 95 Palavras-chave: Futebol, Prática Baseada em Evidências, Pesquisa Transdisciplinar, Cooperação Técnica, Instituições, Medicina do Esporte. RESUMO Objetivo: identificar os principais motivos da aplicação incipiente da ciência no fute- bol. Da mesma forma, apontar as principais barreiras no processo de produção e trans- ferência de conhecimento, debatendo gargalos de implementação. Por fim, apresentar um modelo conceitual e recomendações que possam colaborar com a superação desses desafios e lacunas (“gaps”), trazendo perspectivas para o aprimoramento do futebol brasileiro. Métodos: adotou-se uma “revisão narrativa da literatura”, de modo a obter uma síntese sobre o tema. Resultados: 15 trabalhos foram considerados para leitura e análise. Restrições de tempo e acesso à literatura científica, (pré-)julgamento de que a maioria das investigações não são aplicáveis, não consideração da real complexidade do esporte e divergências sobre o real interesse do corpo de treinadores são os principais “gaps” apontados. Outros “gaps” que repercutem são: ineficiência da comunicação cien- tífica atual, ausência de provas de eficácia pós implementação ou ausência de eventos mais específicos para treinadores de elite. Propusemos um modelo conceitual para o desenvolvimento da ciência do futebol brasileiro a partir desses “gaps”, integrando a “pes- quisa-aplicação” com a abordagem transdisciplinar em cooperação mútua institucional (universidades/empresas/clubes/federações/confederações), bem como formas mais efetivas para transferência do conhecimento, implementação e retroalimentação proces- sual. Considerações finais: no futebol de alto rendimento ainda existem dogmatismos, preconceitos, teoricismos e praticismos que precisam ser superados. Esperamos que o modelo conceitual proposto possa servir de reflexão e diminuição das divergências entre ciência e mundo real. Aumentar a cientificidade do futebol brasileiro poderá trazer vanta- gens competitivas, melhora da treinabilidade e manejo da saúde do atleta, performance e desenvolvimento de todo o ecossistema na indústria do esporte. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 96 INTRODUÇÃO A Ciência do Esporte1 e a Ciência do Futebol2 estão em constante evolução. À medida que novas pesquisas surgem e as experiências ampliam o nosso conhecimento, novas des- cobertas ou condições hipotéticas se apresentam. A partir da busca de suporte, orientação e transferência de conhecimento, novos encaminhamentos para a resolução de proble- mas de forma eficaz podem ser experimentados. Da mesma maneira, a chamada pesquisa tecnológica, através da inovação, introdução e melhoria dos processos realizados pelos Departamentos de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) das maiores empresas de tecnologia do mundo, também tem ampliado as intervenções aplicadas no esporte (MCCALL et al., 2016). Esse movimento tem provocado mudanças significativas no corpo de conhecimen- to do futebol. Consequentemente, mudanças céleres no ambiente e na forma de trabalho dos pesquisadores, treinadores, fisiologistas, fisioterapeutas, biomecânicos, analistas de desempenho, bem como do pessoal relacionado ao departamento médico dos clubes, são também observadas. Devido ao ambiente de trabalho totalmente moldado na geração de vantagem competi- tiva e por modi operandi com movimentos rápidos (FUSS; SUBIC; MEHTA, 2008; RAMÍREZ- LÓPEZ et al., 2020), os profissionais do esporte são desafiados para a vanguarda e, assim, deveriam atentar-se mais para o que a ciência do esporte tem a oferecer e para o que nós, pesquisadores, estamos tentando descobrir, confirmar, sumarizar e comunicar. Tal disso- nância entre o cenário atual de cientificidade e os códigos próprios da intervenção prática profissional pode ser notada quando os próprios treinadores pronunciam que os cientistas do esporte e suas publicações têm pouca presença na rotina cotidiana deles, e consideram, ainda, que a opinião desses estudiosos e seus achados são considerados uma fonte pouco provável de informação para solução de seus problemas (READE; RODGERS; HALL, 2008). Portanto, não basta somente desenvolver a Ciência do Futebol e torcer para que os acha- dos das pesquisas cheguem naturalmente ao campo prático, sem o esforço para que esta investigação esteja vinculada a um real problema prático ou àquilo que tem transferência ou aderência à implementação no mundo real. Além do mais, esse papel de integrar a pesquisa aplicada à prática no futebol ganha contextosmaiores de complexidade ao se projetar este 1 Ciência do esporte abrange diversas áreas do conhecimento que visam a entender e otimizar o desempenho esportivo, utilizando o conhecimento científico e considerando a melhor evidência disponível (VIVEIROS et al., 2015, p. 163). 2 O estudo científico do futebol tem origem nas primeiras pesquisas iniciadas na década de 1960 e concluídas na década de 1970. Para Bjorn Ekblom, a assim nomeada “ciência do futebol” (football Science, em inglês) é uma área relativamente nova (40 anos). Sua caracterização se dá em virtude da junção de vários campos do conhecimento científico que compõem o conjunto de saberes contri- butivos ao desenvolvimento do futebol em particular. Mais detalhamento em: EKBLOM, B. Editorial. Revista Brasileira de Futebol. Viçosa, v. 1, n. 1, p. 1-2, 2008. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 96 97 esporte no futuro. Por exemplo, o jogo no alto rendimento está em constante evolução e, recentemente, tem sido notada uma série de mudanças mais substanciais no seu estilo, na sua ritmicidade e na ordem sistêmica, requerendo diferentes padrões técnicos e físicos, o que pode modificar o padrão descritivo das demandas psicofisiológicas, motoras e etiológico de lesões (NASSIS et al., 2020). Futuras mudanças em regras lançam um cenário ainda mais desafiador. Consequentemente, esse cenário atual, e principalmente, o que se aproxi- ma, demanda novas e atualizadas referências para uma tomada de decisão mais assertiva frente à orientação dos processos de treinamento, de recuperação e de intervenção dentro da concepção holística, sendo essa premissa também válida nos campos investigativos (MCCALL, 2021). Assim, o entendimento crítico das informações que se acumulam e a utilização da “prática baseada em evidências”3 em detrimento do empirismo no esporte de alto rendimento estará ainda mais em voga no futuro próximo. Tal medida orientadora dos trabalhos para o movimento de “prática baseada em evidências” será fundamental para uma melhor programação de treino, redução dos erros e das divergências de carga de treinamento (i.e., interna x externa) e manejo do risco de lesões, por exemplo (COUTTS, 2017). Outras diversas gerações de vantagens competitivas poderiam ser citadas pelas inúmeras métricas manejadas no dia a dia dos treinamentos e competições. Porém, para muitos, há ainda um grande “gap” na implementação de prevenção de lesões, por exemplo, sugerindo que nessa área ainda é necessária muita investigação (OWOEYE et al. 2020; FINCH; DONALDSON, 2015). Esses e outros inúmeros motivos reforçam a necessidade de rediscutir problemas relacionados a carências dos próprios processos investigativos, transferência de conheci- mentos e dinamicidade contextual e evolutiva dos esportes. O contexto não linear e caótico do jogo (ARRIAZA-ARDILES et al., 2018), de alta exi- gência psicofisiológica (DELLAL et al., 2012; DJAOUI et al., 2014) modulada por diferentes contextos situacionais (AQUINO et al., 2018), constante evolução (NASSIS et al., 2020) e perspectivas apontando para mudança de regras (RIBEIRO et al., 2020) – por exemplo, maior número de substituições em uso nesse momento pandêmico da COVID-194 – evi- dencia a necessidade de atuação multidisciplinar, usando a premissa transformacional da “pesquisa-aplicação” neste esporte. Assim, justifica-se debater os modelos conceituais de 3 A “prática baseada em evidências” é uma abordagem originalmente utilizada na medicina desde os anos de 1990 em muitos países, como EUA, Canadá e Reino Unido, que, ajustada ao contexto do esporte, poderia ser descrita como a “integração de conhecimentos técnicos, valores esportivos, e as melhores provas de investigação relevantes, balizando o processo de tomadas de decisão para a prestação de serviços diários aos atletas” (COUTTS, 2017). 4 A COVID-19 (do inglês: Coronavirus Disease 2019) é uma infecção respiratória aguda causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, potencialmente grave, de elevada transmissibilidade e de distribuição global. Só no Brasil esta doença infectou mais 18 milhões de pessoas, causando mais de meio milhão de mortes até a data de redação deste capítulo. Para mais informações, consultar: https:// www.ecdc.europa.eu/en/geographical-distribution-2019-ncov-cases. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 98 investigação científica e como ocorre (e deveria ocorrer) a transferência de conhecimento no futebol, tendo como objetivo a superação de barreiras (muitas delas pelo teoricismo e praticismo) e melhorias dos processos de intervenção. Do ponto de vista prático, discutir este tema relevante poderia lançar premissas que levariam a uma melhor preparação de todos os profissionais do ecossistema do futebol e daqueles envolvidos com a produção de conhecimento e de desenvolvimento tecnológico de suporte. Além de entender essa conjuntura transformacional demandada no futebol brasileiro e seu seguimento futuro, a compreensão do atual estágio de cientificidade implementado e dos desafios para sua ampliação é condição mínima para que consigamos acompanhar as principais escolas futebolística do mundo. Entendemos, ainda, que aceitar a realidade atual sobre a existência do “gap” entre ciência e prática, com nossas peculiaridades brasileiras, e debater as perspectivas para que esta superação ocorra é fundamental para que o co- nhecimento científico desenvolvido nas universidades gere vantagem e oriente tomadas de decisão no dia a dia do profissional do futebol que está no campo (NASSIS, 2017). Do mes- mo modo, apresentar alternativas desde a concepção do problema investigativo, refletindo as necessidades investigativas práticas até o fluxo de como resolvê-la cientificamente, e comunicar o conhecimento gerado poderiam tornar a implementação da abordagem “prática baseada em evidência” mais efetiva. Portanto, esperamos que a proposição de um modelo conceitual possa colaborar para o efetivo desenvolvimento do futebol brasileiro. Da mesma forma, que possa auxiliar na reflexão de caminhos para a superação das divergências en- tre teoricismo e praticismo e no lançamento de perspectivas futuras sobre o futebol e seu contexto de cientificidade. É um debate relevante e de interesse para aqueles profissionais relacionados às diferentes atuações profissionais no futebol. OBJETIVO Analisar o contexto atual de cientificidade no futebol e identificar as principais bar- reiras no processo de produção e transferência de conhecimento para a prática profissio- nal. Da mesma forma, debater modelos conceituais propostos na literatura que discutiram “gaps” entre ciência e sua aplicabilidade. Por fim, apresentar um modelo conceitual mais funcional das relações entre os interessados no processo, perspectivando o desenvolvimento da ciência do futebol no contexto brasileiro. MÉTODOS Para o desenvolvimento deste estudo foi adotada uma estratégia metodológica do tipo “revisão da literatura narrativa”, também denominada de “tradicional”, visando a apurar o Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 98 99 estado atual de conhecimento, prioridades e limitações, e apontar direções na visão pessoal do autor (SOUSA et al., 2018). Na sua execução, foram compreendidas quatro etapas: i) pesquisa (procura e seleção dos estudos); ii) avaliação, iii) síntese e iv) análise. Adotou-se na etapa de pesquisa uma seleção de literatura por conveniência de avaliação para inclusão de estudos por vinculação ao tema investigado. Usou-se como palavras-chaves os termos knowledgetranslation OR translationa research AND evidence-based practice OR practi- ce-based evidence AND Sport conduzidas por motores de buscas nas bases eletrônicas PubMed/MEDLINE e Google Acadêmico. Quando oportuno, as referências citadas nos trabalhos recuperados também apontaram para a identificação de novas fontes. As leituras e triagens foram direcionadas para os estudos de revisão, surveys, editoriaisou ponto de vista identificados com a pertinência para o nosso objetivo. Portanto, o manuscrito deveria trazer à luz o debate sobre o cenário atual de cientificidade na prática profissional no espor- te, trazendo orientações para a consolidação do suporte científico e a adoção de “práticas baseadas em evidências”, e debatendo o contexto de produção de conhecimento e sua transferência-aplicação. Após essas etapas, houve a proposição de um modelo conceitual espelhando recorrentes recomendações para a superação de “gaps” e integrando outras no- vas, a fim de colaborar para a mudança de status quo do cenário de cientificidade do futebol. RESULTADOS Notou-se, nos últimos cinco anos, principalmente, uma série de artigos recomendando a necessidade de rediscutir os modelos conceituais atuais de pesquisa-aplicação em Ciência do Esporte que repercuta também em desdobramentos para a Ciência do Futebol. Compilando os resultados das buscas, retemos 15 trabalhos para síntese e análise (Quadro 1). Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 100 Quadro 1. Estudos considerados em revisão e seus principais apontamentos. Estudos Principais apontamentos Bishop (2008) Apresenta uma proposição de “Modelo de Investigação Aplicada para as Ciências do Esporte” contendo oito etapas: (i) definição do problema; (ii) in- vestigação descritiva; (iii) preditores de desempenho; (iv) testes experimen- tais de preditores; (v) determinantes de preditores-chave de desempenho; (vi) estudos de eficácia; (vii) exame de barreiras à aceitação; e (viii) estudos de implementação num contexto desportivo real. O modelo proposto exige, portanto, uma mudança fundamental na forma como pensam muitos cien- tistas do esporte sobre o processo de investigação. Reade, Rodgers e Hall (2008) A partir da percepção de treinadores, foi observada a existência de lacu- nas entre o que os treinadores procuram e aquilo que a investigação tem oferecido, especialmente na área das táticas e estratégias. Os treinadores adotam consultas a seus pares para a tomada de decisão e orientação ou buscam conferências e eventos específicos para obter novas informações. Os cientistas esportivos e as suas publicações foram classificadas como im- provável fonte de informação. Welch et al. (2014) Os profissionais da prática percebem que certas estratégias utilizadas du- rante todo o treino atlético poderiam melhorar a inclusão de conceitos das “práticas baseadas em evidências”. Para eles, ainda, os pesquisadores devem continuar a identificar intervenções educativas eficazes para os trei- nadores atléticos e determinar encaminhamentos para estratégias mais bem-sucedidas. Currículos didáticos com ênfase na proposição de “prática baseadas em evidências” precisam ser colocados nas estratégias de forma- ção de treinadores. Verhagen et al. (2014) Apresenta as principais barreiras (gaps) a partir da percepção de treinado- res. As estratégias para remover as barreiras poderiam incluir a gratificação de cientistas que realizassem uma transferência bem-sucedida dos seus conhecimentos para a prática através da comunicação direta com os trei- nadores. Mccall et al. (2016) É sugerido que a proposição “working-fast” dos treinadores (em busca de decisores-chave do tipo “sim e não”; sendo tarefa do pensamento rápido e intuitivo profissional que opera “no terreno” num ritmo frenético) de- veria interagir com o “working-slow” da equipe pesquisadora (que opera nos bastidores das tarefas). Assim, fomentar pesquisa e desenvolvimento (P&D) é essencial, assim como a efetiva comunicação a partir de um grupo de gestão. Buchheit (2017) O desenvolvimento de “práticas baseadas em evidências” envolve mui- tos intervenientes-chave e segue frequentemente um processo iterativo, incluindo: identificação de questões de investigação relevantes; avaliação crítica das evidências para a sua validade, impacto e aplicabilidade; desen- volvimento de estratégias para implementar as melhores evidências dispo- níveis na prática contemporânea; avaliação da eficácia da nova prática nos atletas. Coloca em sugestão a submissão de papers mais relevantes e que isso deveria ser uma diretriz editorial. Ross, Gupta e Sanders (2018) Para encontrar a solução certa, na medida certa, específica (e frequente- mente única), todos os envolvidos na produção e conhecimento são desa- fiados para exposição de habilidades em “arte” da aplicação. A manutenção de status quo, por experiências vitoriosas do passado, pode ser um risco de oportunidade para se atingir o novo patamar de performance ao não reconhecer os benefícios da mistura da inovação e conhecimentos novos ou transferíveis. Ardern et al. (2019) Embora a quantidade de artigos que estão para ser publicados tenda a au- mentar, existe, ainda, uma grande lacuna para o profissional, gerando ruído na quantidade de informação e naquilo que seria realmente útil. Discute os três passos fundamentais para a efetiva utilização de evidências para a tomada de decisão de qualidade na prática (pesquisa e acessa; interpreta e combina com uso prático-contextual). Fullagar et al. (2019) Apresenta a revisão sobre pontos teóricos da percepção dos treinadores em reconhecer a predominância de seus conhecimentos sobre aspectos táticos e técnicos que estão em oposição às linhas investigativas predomi- nantes (aptidão física e recuperação). As principais barreiras apontadas na visão dos treinadores são o tempo curto e questões de investigação que podem não ser aplicadas ao cenário prático. Maior enfoque na educação/ exposição científica dos treinadores em ambientes acadêmicos pode bene- ficiar a capacitação dos estudantes (isto é, futuros profissionais). Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 100 101 Estudos Principais apontamentos Jones et al. (2019) Apresenta um modelo com nove passos para conduzir procedimentos in- vestigativos com maior aplicabilidade prática. O modelo é ancorado na necessidade de constante apreciação do contexto, adequação e/ou impor- tância da(s) questão(ões) de investigação para poder realizar a integração bem-sucedida de investigação na prática. Há proposição de integração de clubes desportivos profissionais, órgãos diretivos e escolas para ajudar a integrar a investigação e prática. Faz apontamentos do processo de forma- ção do cientista do esporte na perspectiva do “pesquisador-praticante” e diz que mudanças deveriam ocorrer no processo de sua formação a fim de permitir mais vivências em ambos os ambientes. Traz a perspectiva de bolsas de estudos em nível de pós-doutoramento. Bartlett e Drust (2020) Propõe um modelo de formação de cientistas do esporte baseado na prá- tica com o objetivo de desenvolver o processo de transferência de conhe- cimento e entrega de desempenho de cientistas do esporte que trabalham no alto rendimento. Traz importantes reflexões para a condução de projetos de pós-graduação em ciências do esporte com perspectivas para o incentivo maior ao investigador-prático com desdobramentos para seu efetivo papel. Woods et al. (2020) É sugerido que a reunião de conhecimentos traduzíveis para a prática em diálogo com a transdisciplinaridade permitiria aos pesquisadores e profis- sionais “cacem” novas ideias. Para eles, as ciências do esporte precisam encontrar regiões desconhecidas. É sugerido um modelo partindo da abs- tração de comportamento humano para a visão de “caçador-coletor” de ideias, que baseia a descoberta de caminhos para orientar a inovação. Owoeye, Rauvola e Brownson (2020) A investigação translacional do mundo real orientada por teorias é neces- sária para complementar cada vez mais o corpo de conhecimento advindos de pesquisa no esporte, medicina do exercício e fisioterapia desportiva. A disseminação e implementação é ponto crítico para a compreensão e apli- cação da “prática baseada em evidências”. Profissionais da medicina espor- tiva, do exercício e fisioterapia esportiva, assim como os investigadores,precisam adquirir proficiência na investigação e disseminação (I&D), com considerações para as melhores práticas, o que demanda ir além do estágio dos ensaios experimentais. Ramírez-López et al. (2021) Nos campos profissionais de gestão e negócios foram demonstrados que a coexistência de cooperação e concorrência entre as empresas pode ter uma influência positiva sobre o desenvolvimento do conhecimento e medidas de sucesso. Assim, esse mesmo princípio poderia aplicar-se aos campos de Ciências do Esporte e Medicina. A inclusão de um terceiro e neutro parcei- ro (ou seja, uma universidade) poderia provavelmente beneficiar todas as partes interessadas. Mccall (2021) São discutidas lições que podem ser aprendidas a partir de alguns erros co- muns que investigadores cometem no futebol (e no esporte). Aprendendo com os erros, é possível evitar dogmatismos e preconceitos, aceitar incer- tezas e limitações inerentes ao processo de “investigação excessivamente interpretada”. É feito um chamado para não “cair na armadilha” de desva- lorização da pesquisa básica frente à pesquisa aplicada. Afinal, cada uma tem seu papel. Fonte: os autores (2021). Considerando a síntese obtida, propusemos um modelo conceitual (Figura 1), que traz importantes implementações. A nossa premissa fundamental está inicialmente ancorada em parcerias integrativas entre Clubes, Universidades, Empresas Tecnológicas voltadas à metrificação de performance e saúde atlética, e Federações/Confederações num siste- ma de cooperação mútua a partir do cenário prático, competitivo e guiado pela premissa da vantagem competitiva. Essa concepção se deve à necessidade de integração desses facilitadores. Afinal, eles têm interesses e prioridades diferentes, que precisam ser conca- tenados, principalmente, para o desenvolvimento e busca de soluções práticas (DELLAL et al., 2012; VERHAGEN et al., 2014; WELCH et al., 2014) para problemas reais que trariam Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 102 benefícios comuns e desenvolvimento. O continuum dessas ações anteriores são geradoras de inputs para o processo investigativo propriamente dito. A abordagem com visão holística e transdisciplinar5, impulsionada por problemas investigativos do mundo real e requerendo o contributo de profissionais e de áreas-suportes, como fisiologia, psicologia, sociologia, epide- miologia, estatística computacional etc., seguem entremeando ideias para uma interconexão mais funcional e retroalimentada entre todos os atores envolvidos. Na sequência, o proces- samento da questão prática a ser resolvida em investigação deverá usar as abordagens contemporâneas de ciência. Por exemplo, os nossos chamados para a reprodutibilidade e replicação atentam-se para a demanda de credibilidade das alegações científicas comen- tadas por Nosek e Errington (2020). A primeira diz respeito ao reteste de uma afirmação ou achado científico utilizando as mesmas análises e os mesmos dados. Portanto, o estudo tem alta reprodutibilidade se os resultados do estudo original são confirmados através da repetição do estudo utilizando os mesmos dados e as mesmas análises. Porém, uma evi- dência deveria também ser credível segundo o princípio da replicação, em que um estudo é altamente replicado quando os resultados do estudo original são confirmados através da repetição do estudo utilizando as mesmas análises, mas recolhendo novos dados. Portanto, esse movimento reduziria a ênfase em características do estudo e aumentaria a ênfase na interpretação de possíveis resultados. O objetivo da replicação é, portanto, fazer avançar a teoria, confrontando o entendimento existente com novas evidências (NOSEK; ERRINGTON, 2020). No seguimento do modelo, nota-se a importância da comunicação para uma efetiva transferência de conhecimento. Na sequência, deve-se ocorrer a sistematização do processo de implementação, adaptação e prova de eficácia no mundo real, com feedback da visão e valores dos atletas (crenças, preferências, preocupações e expectativas individuais), os quais são, infelizmente, pouco ouvidos ou participativos no processo em nossa cultura esportiva. Seguindo esse processo, estaria, então, ampliada a chance de uma prática profissional mais geradora de vantagem, com menor emprego do empirismo e implementação plena da “prática baseada em evidências”. Por fim, a adoção de “práticas baseadas em evidências” poderá direcionar o melhor uso do estado da arte e evidências sobre uma determinada prá- tica, como uma conduta mais segura, de menor custo, geradora de vantagens e assegurada aderência e resultado final. 5 A investigação transdisciplinar é um tipo de investigação “interdisciplinar que envolve investigadores de diferentes campos que trabalham com profissionais ao longo de um período de tempo prolongado, implementando quadros conceituais e metodológicos inovadores para que potencialmente resulte em novas abordagens teóricas”. Mais detalhamento em: POLK, M. Achieving the promise of transdisciplinarity: a critical exploration of the relationship between transdisciplinary research and societal problem solving. Sustai- nability Science. Berlim, v. 9, n. 4, p. 439-451, 2014. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 102 103 Figura 1. Modelo conceitual para desenvolvimento colaborativo da Ciência do Futebol e efetividade de implementação da “prática baseada em evidências”. Fonte: os autores (2021). DISCUSSÃO O ponto fulcral sintetizado pelo presente ensaio é que, apesar de todo esforço e evo- lução da Ciência do Esporte, nem toda descoberta recente é plenamente implementada ou testada em contexto ecológico dinâmico6 (ROSS; GUPTA; SANDERS, 2018). Portanto, o progresso da inovação na perspectiva de “pesquisa-aplicação” exigirá uma grande mudança de paradigma. Nota-se, por exemplo, na percepção dos profissionais de campo, a existên- cia de várias barreiras para a aplicação da ciência no cotidiano do treinamento de atletas. Divergências entre o teoricismo dos pesquisadores e o praticismo daqueles que estão no campo são barreiras típicas, se não a maior delas no futebol brasileiro. Uma lista de outros fatores, como dificuldades ou falta tempo para acessar as publicações (papers e livros), descrença ou distanciamento da realidade contextual e de infraestrutura apresentadas na 6 Nos últimos anos, tem havido um aumento substancial da popularidade a partir das perspectivas de aquisição de competências transdisciplinares sustentadas pela “abordagem da dinâmica ecológica”. É uma abordagem holística ao estudo comportamental, uma vez que considera tanto o agente como o ambiente em que este se baseia e no qual atua ou se reorganiza durante a ação. Isso é considerado um conceito guia para a inovação na ciência do esporte vigente. Mais detalhamento em: WOODS, C. T. et al. ‘Knowing as we go’: a hunter-gatherer behavioural model to guide innovation in sport science. Sports Medicine Open, Cham, v. 6, n. 1, p. 1-9, 2020. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 104 investigação em relação a sua como treinadores e profissionais do campo, e até mesmo por motivos de comunicação ineficiente entre pesquisadores-leitores em seus relatórios e artigos científicos são barreiras ou “gaps” citados de modo recorrente pelos atores nas mais diferentes modalidades e apresentados na literatura (READE; RODGERS; HALL, 2008; VERHAGEN et al., 2014). Portanto, melhorias no processo de comunicação entre pesquisa- dores e comunidade são necessárias. Maior proficiência e utilização de diferentes fontes para disseminação em mídias sociais (Instagram, Twitter, Facebook, YouTube, ResearchGate, WhatsApp, Telegram, Linkedin e SportRχiv, Medium, etc.) podem colaborar na dinamicidade, acessibilidade e efetividade de comunicação entre os atores, promovendo a criação de uma cultura esportiva de maior valorização e aplicação da ciência. O questionamento da translacionalidade7 da pesquisa acadêmica parao ambiente real não é novo (BISHOP, 2008; FULLAGAR et al., 2019) e talvez seja uma das barreiras mais difíceis de superar. Até as revisões sistemáticas e as meta-análises que, para muitos, são provas do mais alto valor de evidência, vêm recebendo críticas por unirem provas de eficácia de estudos altamente controlados, mas não refletirem com precisão o contexto final de implementação (FINCH; DONALDSON, 2015). Por isso, no nosso fluxograma, para o desenvolvimento colaborativo da Ciência do Futebol e das políticas de “práticas baseadas em evidências”, nós apostamos num sistema de cooperação interinstitucional, em continuum e retroalimentado a partir da prova de evidências geradas no mundo real. Essa concepção po- deria colaborar para a superação de “gap” por falta de alinhamento de questões de pesquisa (aplicada), expectativas e usabilidade dos resultados na prática, o que afugenta os profissio- nais do campo de qualquer tentativa de aproximação com a ciência (FULLAGAR et al., 2019). Visando mais resultados práticos, os treinadores estão preocupados em melhorar o desempenho e, dessa forma, procuram conclusões com encaminhamento de aplicação direta da investigação. Por outro lado, os cientistas do esporte buscam melhorar o conhecimento geral sobre aquela área temática, não cumprindo essas expectativas que seriam direta- mente úteis aos treinadores. Por isso, a superação dessa oposição talvez seja encontrada por mecanismos de aproximação das instituições interessadas (i.e., clubes/universidades/ federações/confederações/empresas) para a cooperação mútua (RAMÍREZ-LÓPEZ et al., 2020) e na complementaridade entre a investigação “aplicada” e “básica”, o que ampliaria a precisão e a eficiência do processo de investigação em curso (MCCALL, 2021). 7 Translacionalidade é discutida na esfera do como as informações e o conhecimento são traduzíveis através de comunicação efetiva e transdisciplinaridade. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 104 105 Portanto, esse esforço para uma problemática investigativa mais aplicada (reality based8) coloca em evidência a necessidade de condução metodológica diferenciada e respaldada em premissas da pesquisa quantitativa e qualitativa, modelos mistos e, hoje, naquilo que é chamado e organizado em um campo particular da ciência como “sistema de complexidade”9. Portanto, resolver e preencher essa lacuna, de ambos os lados da “pesqui- sa-aplicação”, é uma ambição importante (ROSS; GUPTA; SANDERS, 2018). Por exemplo, Jones e colaboradores publicaram um editorial no British Journal of Sports Medicine, no qual compartilharam um bom modelo conceitual em continuum, com nove etapas, papéis e desafios importantes (o maior deles é a questão de pesquisa) bem definidos para superar e integrar a pesquisa aplicada à prática (JONES et al., 2019). Visando a superar esses dilemas e barreiras, nosso modelo conceitual tenta cobrir e apresentar alternativas mais funcionais para implementação. Claramente, o nosso modelo concatena e contextualiza o cenário futebolístico e pode ser inovador para a Ciência do Esporte, Educação Física e Medicina do Esporte aplicada ao futebol no Brasil. Conforme a transdisciplinaridade exige, os pesquisadores deveriam se conectar ao contexto do problema prático e envolver-se com as partes interessadas que “possuem o problema e o seu contexto” (CAREW; WICKSON, 2010). Portanto, na nossa proposição, a interface de cooperação, competição e busca por vantagem competitiva entre instituições, pesquisadores e profissionais da prática são bases importantes para a (re)formu- lação de questões de pesquisa relevantes para input na etapa de processamento investigati- vo. Na sequência, nota-se o processamento da comunicação, a implementação e o feedback da evidência na prática, ouvindo e recolhendo os valores dos atletas, ponto este pouco refletido nas recomendações para o desenvolvimento da Ciência do Esporte na literatura. Outro obstáculo colocado em superação no nosso modelo conceitual advém da estraté- gia de disseminação da nova informação gerada no ambiente investigativo. Tradicionalmente os cientistas desportivos publicam no meio acadêmico: uma fonte de informação que os treinadores raramente utilizam (STOSZKOWSKI; COLLINS, 2016). Os treinadores preferem aprender novas informações através de métodos de comunicação informal, tais como tutoria e conversas com outros treinadores (READE; RODGERS; HALL, 2008; STOSZKOWSKI; COLLINS, 2016). Por isso, a comunicação entre os dois grupos (pesquisadores e profissionais) 8 A abordagem “baseado na realidade” é intencionada para o alcance do maior grau de realidade das coisas que podemos alcançar e sobre a qual podemos construir. 9 Complexidade ou ciência da complexidade, também chamada ciência de sistemas complexos, estuda uma grande coleção de com- ponentes – interagindo localmente uns com os outros em pequena escala – e como se auto-organizar espontaneamente para exibir estruturas e comportamentos globais não triviais em escalas maiores. Ambos os conceitos podem ser vistos com mais detalhamento em: WOODS, C. T. et al. ‘Knowing as we go’: a hunter-gatherer behavioural model to guide innovation in sport science. Sports Medi- cine Open, Cham, v. 6, n. 1, p. 1-9, 2020. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 106 é ineficiente, e a saída para tal “gap”, conforme apresentada por nosso modelo, é uma maior integração em que pesquisadores e profissionais caminhem juntos, tornando real a transdis- ciplinaridade. Essa nossa premissa também vai ao encontro do fato de que temos que gerar uma relação mútua entre esses dois atores, que poderiam ser considerados os principais do processo. Na nossa visão, não há divisão em quem “produz e consome” conhecimento. Assim, através dessa relação estabelecida, ficaria mais fácil a apresentação e propensão para a procura de novos conhecimentos, encaminhamentos investigativos mais valiosos, inovação e provas de eficácia, para a, então, adoção efetiva de “práticas baseadas em evidências”. Outra ação para melhorar a comunicação entre os dois grupos está na ampliação do espaço educacional, envolvendo a síntese ou a tradução de artigos de revistas e a esti- mulação de seminários/congressos para debates mais específicos para treinadores. Nesta última recomendação, deveriam ser estimuladas o aproveitamento da perícia e experiência dos parceiros, inclusive sobre provas de eficácia, relatos e feedbacks dos atletas, dentro das estruturas horizontais e verticais para gerar um sistema mais funcional e sustentável de desenvolvimento e aplicação da ciência no futebol. Diga-se de passagem, caberia aos periódicos científicos estímulos maiores para publicações com perfis mais práticos. Muitos periódicos já apresentam essa perspectiva no seu escopo editorial, mas nota-se pouca re- presentatividade de publicações que tem apelo maior pelos profissionais da prática, como os “pontos de vista”, os “relatos clínicos” e os “relatos de experiência”, por exemplo, dificultando a comunicação e implementação. Devido a políticas internas de valoração por produção acadêmica, há desestímulo a pesquisadores para publicarem nesses formatos por eles “contarem poucos pontos” nos processos de seleção e fomento para pesquisas. Há ainda o encaminhamento das produções de conhecimento internas brasileiras para serem avaliadas por periódicos internacionais em virtude da pouca visibilidade e representatividade do nosso sistema de publicação e comunicação científica. Para o pesquisador há pontos positivos, como a reputação frente a editais e órgãos de fomento. Porém, ao fim do processo de publicação, podem ser acarretados alguns “gaps”, já discutidos, por profissionais da prática em vários países, mesmo naqueles com notório desenvolvimento esportivo e histórico de suporte da Ciência do Esporte. No nosso caso, temos alguns agravantes, como acessibilidade (a maioria dos papers é de acesso restrito, pagos para acessar),barreira linguística (inglês) e dificuldades interpretativas e de com- preensão plena devido à redação científica restrita. Portanto, a ampliação de periódicos com natureza mais aplicada à Ciência do Esporte e ao Futebol no Brasil, e a restruturação do crivo científico daqueles existentes, assim como a sensibilização dos órgãos de fomento sobre a necessidade e importância de estudos para provas de eficácia e reconhecimento ou valorização de publicações com cunhos mais práticos, são importantes recomendações. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 106 107 Alternativas como essas supracitadas poderiam colaborar para que tornemos viável um sis- tema de diálogo e estreitamento de relações entre pesquisadores e profissionais brasileiros visando à capacitação e ao desenvolvimento continuado do conhecimento nesses temas com aplicação ampliada para toda a sociedade. No contexto brasileiro, por exemplo, algumas amarras devem ser pontuadas tendo a preocupação de fomentar o continuum desenvolvimento (ou a recuperação) deste esporte no Brasil. Inicialmente, cabe lembrar que a investigação sobre treinadores esportivos no Brasil parece estar a emergir em nível internacional (GALATTI et al., 2016). Salienta-se que essa profissionalização é relativamente nova (i.e., Bacharéis em Educação Física ou Ciências do Esporte), e que gerações de profissionais ainda atuantes têm assegurada a sua atuação como “Treinador Profissional de Futebol” a partir da implementação legal promulgada no início dos anos de 199010 sem exigência de formação profissionalizante. Outras amarras de- vem ser superadas desde aquele que ampara o cargo/função da maioria dos pesquisadores em esporte no Brasil (ponto de vista legal, afinal muitos pesquisadores são vinculados ao regime empregatício de dedicação exclusiva na esfera estadual ou federal), até a superação de relações preconceituosas e de aparto na relação pesquisa-clube de futebol no Brasil. A nossa entidade máxima de futebol, a CBF, iniciou propostas com intenção de ali- nhavar sistemas mais efetivos de cooperação Clube-Universidade a fim de superar o dog- matismo e o preconceito que acontecem de ambas as partes (teóricos vs. práticos), o que tem historicamente impossibilitado enlaces mais produtivos e de desenvolvimento do futebol brasileiro. Da mesma forma, esta instituição também poderia pensar em premiações e no fomento à inovação e tecnologia, assim como no alinhamento dos seus cursos de capacita- ção com dinâmicas investigativas e de suporte da transdisciplinaridade. Tendo foco trans- disciplinar na “pesquisa-aplicação”, na experimentação e na validação de tecnologias e de provas de eficácia nos mais variados ecossistemas do futebol, seria efetivada a adoção de diretrizes conteudistas em disciplinas e na matriz curricular de formação de treinadores e outros profissionais desta indústria. Essa possibilidade, se ampliada pela CBF, ou pela maior abertura e formalização dos casos de parcerias em andamento, fomentaria a resolução de alguns “gaps” na formação de profissionais do futebol, criando um sistema mais efetivo de cooperação entre as comunidades acadêmicas, clubes e profissionais. A criação de canais de comunicação rápida para a capacitação continuada por infografia, que tem se mostra- do efetiva na atualidade, ou o lançamento de um periódico ou um boletim de publicidade regular, com revisão por pares e com escopo acadêmico/profissional poderiam ser ações 10 Lei 8650/93 | Lei nº 8.650, de 20 de abril de 1993, dispõe sobre as relações de trabalho do Treinador Profissional de Futebol e dá outras providências. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 108 idealizadas e realizadas por parcerias. A CBF Academy & Science11, recentemente criada, poderá atender estas demandas e promover uma maior interação entre todos atores do processo e alcance de resultados no futuro. Dentro de cada clube poderiam ser pensadas estratégias próprias para fomentar a capacitação de seus treinadores. Outro ponto fulcral diz respeito às políticas, protocolos de intervenção, planejamento de treinos, registro de dados das diferentes fontes, documentação e estratégias de comunicação, que são comumente ausentes nos clubes ou dependentes de “pessoas” e não reguladas ou propostas pela instituição, como deveria ser. Conforme apre- sentado em nosso modelo conceitual, a adoção de integralidade sistêmica poderia absorver as demandas e preencher as lacunas por meio da solução desses problemas operacionais e/ou outros sinalizados nos clubes. Um sistema nacional organizado de registro, upload de dados e compartilhamento de experiências poderia ser pensado em espelhamento daqueles implementados com a abordagem do The RE-AIM Sports Setting Matrix (RE-AIM SS) para prevenção de lesões na Austrália, por exemplo (FINCH; DONALDSON, 2010). As empresas de tecnologia e engenharia do esporte, análise de desempenho e métricas de desempenho ou monitoramento, Federações e Confederações deveriam estabelecer linhas de investimentos e fomentos especiais para o desenvolvimento da Ciência do Esporte no Brasil. O mesmo po- deria ser dito para as agências de fomentos como o CNPq, FAPEMIG PAPERGS, FAPEMA, FAPESP, CAPES etc., principalmente no tocante à sensibilização de editais sobre provas de eficácia de evidências na implementação do “mundo real”. Isso possibilitaria uma melhor entrega dos avanços alcançados dentro do bojo da complexidade do esporte de rendimento com benefício direto na segurança para a prática esportiva e outras formas de benefícios para a sociedade, como a promoção da saúde pública, por exemplo, que seria impactada diretamente ou indiretamente pela implementação do modelo conceitual aqui apresentado. Exemplo de implementação por iniciativa de projetos voltados à investigação no futebol envolvendo parceria Universidade-Federações é o Football Research Group. Iniciado na WIT (Watefford Institute of Techonology, Irlanda), hoje tem conexão com importantes escolas do futebol internacional. Um exemplo de iniciativa que surgiu recentemente no Brasil com amplitude nacional e que traz esperançosas perspectivas é o Programa Academia & Futebol, lançado em agosto de 2020 e desenvolvido por intermédio da Secretaria Nacional de Futebol e Defesa dos Direitos do Torcedor (SNFDT). O Programa Academia & Futebol12 proporcio- na a prática do futebol através da instalação de centros de desenvolvimento do futebol em Universidades e Institutos Federais, bem como apoia a produção e difusão da produção 11 Mais detalhamento em: https://www.cbf.com.br/cbfacademy/pt-br/academy-e-science 12 Mais detalhamento em: https://www.gov.br/cidadania/pt-br/acoes-e-programas/outros/programa-academia-futebol https://www.cbf.com.br/cbfacademy/pt-br/academy-e-science https://www.gov.br/cidadania/pt-br/acoes-e-programas/outros/programa-academia-futebol Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 108 109 científica, com aporte de recursos para a realização de pesquisas, produção de artigos e livros, participação dos pesquisadores em congressos e realização de cursos e eventos. Como exemplificado acima, acreditamos muito que tais parcerias cooperativas entre Confederação/Federação, Clubes e Universidades, segundo contextos estaduais próprios ou com alinhamento nacional, seriam uma boa saída para os “gaps” e amarras apresentadas, principalmente no que tange à pesquisa-aplicação e sua implementação. Algumas ações isoladas já são notadas, mas na maioria das vezes estão ancoradas no desejo individual de algum ator das partes interessadas. Infelizmente, parcerias institucionalizadas de maior en- vergadura, consolidadas e perenes no Brasil são ainda incipientes. Isso vai na contramão de vários cases de sucessos ao redor do mundo, principalmente ingleses, que tem nas universi- dades seus parceiros de desenvolvimento cooperativo. Outra superação importante, também tangenciando as universidades, é a necessidadede melhorias identitárias nos programas e nos temas investigativos das Ciências do Esporte. Na graduação por exemplo, MILISTETD et al. (2017) trazem reflexões e pontuam a necessidade de ajustamentos no processo de aquisição de competências no percurso formativo em ambiente universitário. Para esses autores, é preciso enveredar a relevância e o uso de pedagogias ativas, baseadas na maior interação entre os treinadores e o conteúdo em intervenção, usando-se de diferentes bases de conhecimento para a atuação desse profissional visando à superação do paradigma de formações, em que os “futuros treinadores são meros receptores” (MILISTETD et al., 2017). Essas ações poderiam, além desse ponto, ajustar a formação de treinadores esportivos – para atuação no futebol no Brasil – que possuem nuances distintas daquelas formações que, tradicionalmente, ocorrem nas Federações Esportivas e Organizações Nacionais de Esporte em diversos países (LARA-BERCIAL et al., 2016). Da mesma forma, vale a reflexão de pesquisadores de outros países sobre os processos de seleção de candidatos na pós-graduação, onde deveria ser evitada a seleção com base apenas no desempenho acadêmico (BARTLETT; DRUST, 2020). Nessas recomendações, orienta-se que sejam assegurados atributos especiais ao candidato, devendo ele possuir uma gama essencial de competências práticas (e interpessoais). Esses atributos são importantes para lhe permitir o alcance do cumprimento das exigências para os papéis como cientista do esporte, em conformidade com as necessidades do esporte brasileiro e com alinhamento contemporâneo a vários programas ao redor do mundo (BARTLETT; DRUST, 2020). Esse mesmo candidato à cientista do esporte deverá ter capacitação para ser reconhecedor do contexto interativo com as diretrizes de formação didático-pedagógicas na formação de trei- nadores (LARA-BERCIAL et al., 2016). Algumas experiências bem-sucedidas apontam que sejam fomentadas recompensas financeiras ou infraestruturais para aqueles projetos com efetiva implementação e alcance de resultado na prática. Estratégias com implementação Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 110 de sucesso em países como Austrália e EUA em várias modalidades esportivas e, princi- palmente na Inglaterra, no caso do futebol, poderiam ser usados como ponto de partida. Esperamos com este ensaio fomentar reflexões sobre o contexto de cientificidade do futebol brasileiro, uma melhor abordagem de “prática baseada em evidência” e a capacitação profissional de todos envolvidos no ecossistema. Graças à Ciência, Tecnologia & Inovação (CT&I), e a diversas reflexões sobre o seu desenvolvimento e aplicação, o corpo de conhe- cimento e visibilidade sobre a Ciência do Esporte tem crescido rapidamente (VIVEIROS et al., 2015). Portanto, evoluir com ciência é preciso. Quando se considera o futebol como um fenômeno de reconhecida aceitação mundial e apelo sociocultural, com extraordinárias cifras econômicas e valorização enquanto espetáculo e entretenimento, percebe-se a neces- sidade da máxima profissionalização e inovação visando à geração de vantagem competitiva (ARDERN et al., 2019). É também esperado que os profissionais minimizem as práticas ou tomadas de decisão não sistêmica e cientificamente injustificadas, que infelizmente ainda são comuns no futebol brasileiro (FERNANDES FILHO, 2018). Para os pesquisadores, vale a reflexão sobre questões relevantes e processos investigativos mais válidos para o mundo real. Essas premissas aliadas à implementação, incluindo recolha de valores dos atletas, adaptações no processo, estudos de aderência e provas de eficácia, poderão ser de grande valia para a efetivação e manutenção da implementação frente à premissa das “práticas baseadas em evidências”. Esses avanços devem ser coordenados nas diferentes frentes e todos alinhados aos cenários de desenvolvimento e avanço das áreas correlatas, principalmente daquelas de mídias e tecnologia (sports technology and sports analitics13), envolvendo a parte científica e da indústria, dialogando com princípios holísticos e transdis- ciplinares da economia e engenharia, por exemplo (FUSS; SUBIC; MEHTA, 2008). Essa necessidade de avançar leva todos os atores desse processo a se aproximarem da chamada era digital, fazendo uso de agentes tecnológicos e de inovação (TOLEDO; MAROCOLO, 2020), cunhados como Esporte 4.0 pelos professores Heglison Toledo e Maurício Bara Filho, em livro recentemente publicado (TOLEDO; BARA FILHO, 2019). Isso demanda “novos olhares” e uma nova dimensão – já refletida pelos colegas professores Heglison Toledo, Maurício Bara e Moacir Marocolo, da UFJF, como autores de obras supraci- tadas – fazendo uso de novos recursos tecnológicos frente às demandas do esporte e refle- tindo como o conhecimento pode ser produzido, e, principalmente, como essa transformação 13 Sports analytics usa uma combinação de aprendizagem de estatística computacional, análise de vídeo e teoria de jogos para promo- ver análise preditiva. Tem ganhado popularidade com o aumento do acesso a hardware especializado e portabilidade, permitindo, por exemplo, a reconstrução de cenários de jogo reais, fornecendo mais feedbacks aos jogadores, melhorando e os capacitando para a análise teórica do jogo e proposição de estratégias. Mais detalhamento em: TUYLS, K. et al. Game Plan: What AI can do for football, and what football can do for AI. Journal of Artificial Intelligence Research, Loma Vista, v. 71, p. 41-88, 2021. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 110 111 seria relevante para aquele profissional de beira de campo que estaria prescrevendo e execu- tando as rotinas de treinamento e controle de carga, por exemplo (CLAUDINO et al., 2019). A digitalização e o volume crescente de dados têm oportunizado cada vez mais o compartilhamento de informações disponibilizadas nas mais diferentes mídias, como sites de acesso aberto (públicos) ou redes sociais, por exemplo (WUNDERLICH; MEMMERT, 2020). Algumas formas de transferência de conhecimento têm se mostrado bem-sucedidas (infográficos, preprints etc.) e parecem estar alinhadas com os modos preferenciais dos pro- fissionais de campo. Há ainda no futebol aqueles dados que são hospedados nas próprias federações14, trazendo prioritariamente dados sobre estatísticas de jogo coletivo das mais variadas métricas de performance e até de jogadores individualmente. A indústria da inovação em controle de carga e análise de jogo tem crescido exponencialmente. Da mesma forma, nunca como nos dias atuais se compartilhou tantos dados, informações e conhecimentos sobre a preparação física, análises técnico-táticas e estratégias terapêuticas e nutricionais – como os agentes ergogênicos – para a ampliação de desempenho ou para a promoção de uma recuperação eficaz no esporte, principalmente na modalidade mais popular do mundo, o futebol (MCCALL, 2021). Nesse sentido, a Ciência do Esporte e a Ciência do Futebol, nos dias atuais, está inter- conectada com as demais áreas do conhecimento e com toda a cadeia que compõe a indús- tria do esporte, desde as coberturas esportivas, mídias sociais especializadas e dedicadas ao tema, e ao complexo e o emergente cenário de Ciências de Dados (REIN; MEMMERT, 2016; WUNDERLICH; MEMMERT, 2020). Por exemplo, atualmente, há um grande esforço para o desenvolvimento e o uso válido de equipamentos digitais integrados aos corpos dos esportistas (wearebles thecnology) ou da ampla possibilidade advinda da estatística compu- tacional de dados via Big Data, Inteligência Artificial e Machine Learning. Contextualizando por esses cenários supracitados, espera-se hoje que os profissionais do esporte capturem, processem, analisem e comuniquem internamente em seus clubes e de maneira efetiva as principais informações “escondidas” nos dados brutos através de modelagens e técnicas de Inteligência Artificial e Machine Learning, a fim de tratar o fenômeno de forma holística(CLAUDINO et al., 2019). Conta-se, ainda, com o rápido desenvolvimento e as melhorias dos processos de análises de jogo em modalidades esportivas coletivas, com pesquisas e 14 No Brasil, a política de uso de dados em sites esportivos e de federações, são regulamentados conforme o disposto na Lei nº 10.671 de 2003, conhecida como “Estatuto do Torcedor”, mais precisamente em seus artigos 11 e 12, no qual a entidade responsável pela organização da competição, com fulcro na transparência e probidade de suas atividades, tem por obrigação publicar as súmulas de suas competições em seu site. Ademais, os dados contidos nas Súmulas obedecem a Lei nº 13.709 de 2018 (Lei Geral de Proteção de dados), cumprindo integralmente os princípios do tratamento de dados pessoais. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 112 aplicações práticas, utilizando saberes de um amplo espectro de campos, principalmente da engenharia e da estatística computacional. Dessa forma, esse profissional precisa estar capacitado para discutir os últimos acha- dos das ciências para que ele não fique refém da premissa mal-entendida de que mais medidas e equipamentos mais sofisticados (“high-tech”) é melhor (MEYER, 2017), e/ou faça uso indiscriminadamente de seus outputs automatizados, sem sequer questionar a valida- de e confiabilidade de medidas. Em recente publicação, Claudino et al. (2021) chamam a atenção para a falta de veracidade em ~73% das ferramentas e parâmetros utilizados para o monitoramento da carga em jogadores profissionais de futebol. Ou seja, as informações utilizadas nestes estudos não foram verificadas em termos de precisão, qualidade, relevância, incerteza, confiabilidade e valores preditivos. Para o restante, a veracidade dos dados foi encontrada para 54% das ferramentas e 23% dos parâmetros. Segundo os pesquisadores supracitados, isso limita a precisão e impacta na aplicação prática por meio dos resultados apresentados pelos estudos, podendo gerar erros com alto custo econômico. Para identificar as melhores ferramentas e parâmetros de monitoramento no futebol é obrigatório focar na veracidade para identificar os erros. Nessa mesma disposição, esse profissional não pode sofrer de um provável dogmatismo até então imposto pelo mercado ou posto ou, ainda, da sensação de excessiva confiança de que processou dados e que “reconheceu algum padrão” e interpretação de longo alcance. Acordando com Claudino et al. (2021), estas questões de precisão do ferramental e aparato tecnológico podem ser “gaps” e gerar discrepância entre a eficácia esperada e aquela real observada no dia a dia do monitoramento de atletas. Portanto, precisamos de algo a mais, sendo necessário o debate mais profundo da plausibilidade de explicações biológicas, fisiológicas ou mecânicas claras para a métrica e desfecho colocados em conexão (MCCALL, 2021), e isso, claramente, só pode ser viável com reflexões sobre ciência, transferência de conhecimento e real estado de cientificidade no futebol. Como notado, então, devemos nos empenhar para conseguir o contínuo crescimento da modalidade. A problemática geral para o desenvolvimento da chamada Ciência do Futebol apresentada em nosso modelo conceitual deverá seguir o continuum de temas emergentes, tendo seguimento desde a fisiologia do exercício e do treinamento esportivo aplicadas ao futebol, modelação de dados (variáveis situacionais e desempenho) até os desdobramen- tos para melhorias interventivas para treinabilidade, saúde atlética e inovação tecnológica. Além dessa demanda emergente para a necessidade de entendimento mais profundo no escopo “pesquisa-aplicação” neste esporte, surge o apelo investigativo para o “football for health” (BANGSBO et al., 2015). Afinal, o potencial do futebol recreativo em promoção de aderência à prática sistematizada de exercício/atividade física com importantes implicações/ evidências vem sendo anunciadas de maneira crescente para a saúde pública em adultos Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 112 113 (MILANOVIC et al., 2019; MADSEN et al., 2020) e jovens (LARSEN et al., 2021). Essa força tarefa de desenvolvimento poderá andar ladeada com aquela do alto rendimento e explorar áreas conectas ainda carentes de estudos, principalmente no futebol feminino. Que o efeito holístico seja sempre primário na evidenciação de descobertas e explicação de fenômenos. Esperamos que a reflexão oportunizada aqui seja de fundamental interesse para aque- les na liderança dos processos de produção de conhecimento científico, para aqueles que exercem a função de treinadores ou que pertencem aos Departamentos de Saúde, de Análise de Desempenho, de Tecnologia e Ciências de Dados dos clubes. Vale a pena destacar, e não menos importante, que a apropriação deste debate também pode ser interessante para a capacitação de gestores de clubes esportivos que buscam aprimoramentos constantes. Afinal, toda transformação buscada no nosso futebol passa por toda a cadeia envolvida no processo de produção e transferência de conhecimento no esporte e nas particularidades do código de implementação na prática cotidiana dentro dos clubes de futebol. Por fim, espera- mos contribuir com todos aqueles que buscam inovação e que estão atrás da próxima melhor hipótese investigativa ou balizadora de tomada de decisão sustentada em cientificidade e em processos rotineiros do dia a dia profissional, oportunizando a geração de vantagens competitivas e melhor gestão do estado de saúde dos atletas, por exemplo. CONSIDERAÇÕES FINAIS Uma transferência de conhecimento científico mais efetiva poderia fornecer contributos para a resolução de problemas inerentes à prática profissional. No entanto, no esporte de rendimento ainda existem alguns dogmatismos, preconceitos e lacunas que precisam ser superados para que isso aconteça. Como desafios para implementação da “prática basea- da em evidências” encontram-se as “restrições de tempo” dos profissionais da prática, “má tradução da investigação”, e “investigação não aplicável”. Além disso, as principais lacunas estão relacionadas às divergências entre as ideias que os treinadores e profissionais de campo procuram e aquilo que tem sido revelado pela investigação científica esportiva ou estimulado por corpos diretivos do esporte. Outras repercutem a forma de comunicação dos pesquisadores (transferência de conhecimento) ou ausência de eventos com propósitos mais específicos para treinadores de elite. Concatenando esses “gaps”, nós apresentamos um modelo conceitual que pode ser um primeiro passo para o desenvolvimento do futebol frente à realidade brasileira. Nele recomendamos uma proposição mais integrativa da “pes- quisa-aplicação” usando Universidades, Clubes, Empresas, Federações e Confederações como cooperadores mútuos. Da mesma forma, acreditamos que esses facilitadores e formas mais efetivas deverão compor estratégias para a transferência de conhecimento, aplicação prática e retroalimentação processual (ex. opinião e valores dos atletas, treinadores e provas Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 114 de eficácia). Para o futebol brasileiro evoluir são demandados processos mais integrativos e ordenados desde capacitação dos atores, processos investigativos mais holísticos e trans- disciplinaridade até a efetiva implementação no mundo real, e retroalimentação do processo com as provas de eficácia. Portanto, precisamos urgentemente debater proposições de modelos de aplicação da ciência do futebol no Brasil mais funcionais frente ao desenvolvi- mento e vantagens competitivas já notadas internacionalmente. Os principais interessados no esporte, incluindo treinadores e pessoal de apoio, atletas, empresas de tecnologia do esporte e aplicação no esporte, investigadores, Universidades e Federações precisam tra- balhar em conjunto. Alicerçando esse esforço, se tornará viável a aplicação de descobertas dos conhecimentos atualizadose relevantes e, consequentemente, o desenvolvimento ou melhor manejo das evidências balizadoras do processo de tomada de decisão na prática e crescimento de todo ecossistema do futebol. Por fim, que nunca esqueçamos daquilo que já dizia o importante e vanguardista cientista dinamarquês do futebol, Jens Bangsbo: “o futebol não é uma ciência, mas a ciência pode ajudar o futebol”. AGRADECIMENTOS À UFJF, campus Governador Valadares, à LOAD CONTROL, e ao grupo GEPCAF (Grupo de Estudos e Pesquisa em Ciências Aplicadas ao Futebol) pela cooperação, convivência, e nas proposições para a construção, produção de novos estudos e imple- mentação de ações. REFERÊNCIAS 1. 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Métodos: Estudo de coorte prospectivo com coleta de dados referentes às lesões musculares ocorridas durante os jogos oficiais da primeira e segunda divisões do Campeonato Brasileiro de Futebol Masculino nas temporadas de 2016, 2017 e 2018. Resultados: O número total de lesões musculares foi de 577 ao longo das 3 tempora- das, havendo uma redução gradual e anual na incidência delas (219 lesões em 2016, 195 em 2017, e 163 em 2018), com diferença estatística significativa entre os anos de 2016 e 2018. As lesões musculares representaram aproximadamente 35% de todas as lesões. A incidência das lesões musculares foi 7,66 para cada 1.000 horas de jogo. Nas 3 temporadas (2016 a 2018), a mais comum foi a lesão muscular dos isquiotibiais (41,1%, 40,5% e 33,7%, respectivamente). Os laterais foram os mais acometidos, e a escala de severidade de lesão mais comum foi a moderada (8 a 28 dias). O momento da partida com maior incidência de lesões foi no período entre 61 e 75 minutos, com um índice de 19,9%, não havendo diferença estatística em relação aos demais períodos de jogo. Conclusão: Houve uma incidência de lesões musculares de 7,7 lesões/1.000 h, e ocorreram predominantemente nos jogos em casa, em defensores (laterais e zagueiros), com idade média de 28 anos, envolvendo principalmente a musculatura isquiotibial, com tempo médio de afastamento moderado (8 a 28 dias). Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 120 INTRODUÇÃO O futebol é o esporte mais praticado no Brasil e no mundo. A prática profissional do futebol pode predispor o atleta ao desenvolvimento de lesões devido à maior exigência física, além de a uma maior exposição aos fatores de risco, como: número excessivo de jogos e treinamentos, alta demanda emocional, e presença de lesões prévias.1 Entre as lesões ocorridas em atletas profissionais de futebol, as musculares são as mais comuns, com uma incidência de aproximadamente 35% a 40%.2 Outro fator importan- te reside no fato de que, mesmo após a adoção de diversos programas de prevenção de lesões no futebol, como o da Federação Internacional de Futebol (Fédération Internationale de Foot-ball Association, FIFA, em francês), FIFA 11 þ , Ekstrand et al,3 num estudo com acompanhamento de 11 anos, mostraram que, ao contrário das lesões ligamentares, não houve redução na incidência de lesões musculares neste período. Desta forma, as lesões musculares vêm sendo amplamente estudadas nos últimos anos devido ao alto impacto gerado sobre os clubes profissionais tanto do ponto de vista esportivo quanto financeiro.4,5 No Brasil, apesar do aumento do interesse em avaliar as causas de afastamento e as principais lesões em jogadores profissionais de futebol, ainda se observa uma carência de trabalhos científicos nesta área, e, principalmente, de estudos centrados em lesões espe- cíficas deste esporte, como as musculares. Portanto, o objetivo deste estudo é realizar uma avaliação prospectiva das lesões mus- culares ocorridas durante as partidas das séries A e B do Campeonato Brasileiro de Futebol Masculino dos anos de 2016 a 2018. MÉTODOS Trata-se de um estudo de coorte prospectivo com coleta de dados referentes às lesões musculares ocorridas durante os jogos oficiais da primeira e segunda divisões do Campeonato Brasileiro de Futebol Masculino nas temporadas de 2016, 2017, e 2018. Os dados foram coletados por meio do portal médico online (portalmedico.cbf.com.br) da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) ao final de cada temporada. Após o término das partidas, o preenchimento dos questionários de lesões foi realizado pelos médicos responsáveis de cada clube, devidamente registrados na CBF. Todos os atletas regularmente inscritos no Campeonato Brasileiro das séries A e B de 2016, 2017 e 2018, que participaram de pelo menos 1 jogo do torneio, foram incluídos no trabalho. Os atletas inscritos pelos clubes e que não atuaram em pelo menos um jogo durante o campeonato foram excluídos do estu- do. O conceito usado para definir lesão foi o mesmo escolhido por Fuller et al6 no consenso da FIFA de 2005: “Qualquer reclamação física sustentada por um jogador resultante de uma Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 120 121 partida de futebol ou treinamento, independente da necessidade de atenção médica ou perda de tempo nas atividades de futebol”. O questionário preenchido pelos médicos continha diversas variáveis: posição de atua- ção no jogo, idade, número de partidas jogadas, e tempo de participação nos jogos. No que se refere às lesões, incluiu-se o registro de sua ocorrência, a localização, a descrição e gravidade da lesão, a recidiva, e o momento do campeonato no qual ocorreu a lesão. As lesões foram classificadas de acordo com a gravidade, isto é, o tempo que o atleta ficou afastado até o retorno às atividades sem limitações: leves (1 a 3 dias), menores (4 a 7dias), moderadas (8 a 28 dias), maiores (28 dias a 8 semanas), e graves (mais de 8 se- manas de afastamento).7 Após o retorno do atleta a jogos oficiais, o médico do clube preencheu outro questio- nário com dados referentes ao desfecho da lesão, como: tempo para retorno ao esporte, necessidade de intervenção cirúrgica, exames realizados, e severidade da lesão. O risco de lesão foi calculado conforme consenso elaborado pela FIFA, em que a inci- dência de lesão é expressa pelo número de lesões por 1.000 horas de exposição (número de jogos x número de jogadores por partida x duração da partida em horas).6 Logo, a incidência lesões para cada 1.000 horas de jogo é calculada pela seguinte fórmula: Incidência ¼ número total de lesões × 1.000 horas / exposição. O presente estudo foi aprovadopelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos sob o número 1.660.701, tendo os dados sido cedidos pela CBF. Análise Estatística As medidas de tendência central e de dispersão foram expressas em médias e desvios padrão (DPs) para as variáveis contínuas de distribuição simétrica, e em medianas e valores mínimo e máximo para as variáveis de distribuição assimétrica. As variáveis categóricas estão expressas em seus valores absolutos e relativos. A estimativa de diferença entre va- riáveis categóricas foi realizada pelos testes exato de Fisher e qui-quadrado de Pearson. Foi calculada a razão de chances (odds ratio, OR, em inglês) para quantificar o risco de lesões associadas a algumas variáveis de estudo. Foram utilizados testes estatísticos não paramétricos, pois os dados eram quantitativos e contínuos. Utilizamos a análise de variância (analysis of variance, ANOVA, em inglês) para comparar as variáveis quantitativas. O teste de igualdade de duas proporções foi utilizado para comparar se a proporção de respostas de duas determinadas variáveis e/ou níveis eram estatisticamente significativos. Valores de p < 0,05 foram considerados estatisticamente Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 122 significativos. Todos os intervalos de confiança (IC) foram estabelecidos ao longo do trabalho com 95% de confiança estatística. RESULTADOS O Campeonato Brasileiro de Futebol contém 20 clubes em cada divisão, que se en- frentam entre em si ao longo de 38 rodadas por temporada. Em nosso estudo, foram cole- tados dados dos anos de 2016, 2017 e 2018, contabilizando 2.280 jogos. O número total de lesões musculares foi de 577 ao longo das 3 temporadas, havendo uma redução gradual e anual na incidência (219 lesões em 2016, 195 lesões em 2017, e 163 lesões em 2018), com diferença estatística significativa entre os anos de 2016 e 2018. Como houve um total de 1.663 lesões nas 3 temporadas, as musculares representaram aproximadamente 35% do total. A incidência das lesões musculares foi de 7,66 para cada 1.000 horas de jogo (Figura 1). Nas 3 temporadas (2016 a 2018), a mais comum foi a lesão muscular dos isquiotibiais (41,1%, 40,5%, e 33,7%, respectivamente). Fig. 1. Porcentagem de lesões musculares nas temporadas. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 122 123 Fig. 2. Posição dos jogadores acometidos por lesões musculares. Em relação à posição em campo dos atletas acometidos por lesões musculares, ob- servamos uma maior prevalência de lesões nos: laterais (18,5%), zagueiros (18,4%), meio- -campistas (16,6%), atacantes (14,4%), volantes (10,7%), e goleiros (3,8%) (Figura 2). O grau de severidade mais comum foi o tipo moderado, com afastamento entre 8 e 28 dias, sendo a média de afastamento de 15,8 1,6 dias. O grupo muscular mais acometido foi o dos músculos isquiotibiais. Os atletas acometidos por lesões musculares tinham uma média de aproximadamente 28 anos. Os clubes mandantes tiveram maior índice de lesão muscular (54,9%), com significância estatística (p < 0,001). Com relação à localização (distância) da partida, houve maior prevalência de lesões musculares nos jogos em casa, e quando os clubes tiveram que percorrer distâncias maiores do que 800 km para o jogo (53,4% e 33,4%, respectivamente) (Figura 3). A temperatura média nos jogos com lesões musculares foi de 22 °C. Sobre o clima, a maior parte das lesões musculares ocorreu com tempo ensolarado (38,6%), mas não houve diferença estatística (p ¼ 0,066) em relação às demais condições climáticas (Figura 4). O momento da partida com maior incidência de lesões (19,9%) foi entre 61 e 75 mi- nutos , não havendo diferença estatística em relação aos demais períodos dejogo (Figura 5). Ao longo das 3 temporadas, notamos que a média de lesões por clube foi caindo ao longo dos anos, pois em 2016 foram 5,92 lesões musculares por clube, contra 5,42 lesões em 2017, e 4,79 lesões em 2018. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 124 Fig. 3. Distribuição das doenças musculares de acordo com a distância da partida. Fig. 4. Distribuição de lesões musculares de acordo com o clima da partida. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 124 125 Fig. 5. Distribuição das lesões musculares de acordo com o momento da lesão. Em relação aos turnos do campeonato, nos três anos avaliados, a maior parte das lesões musculares ocorreu no primeiro turno (Figura 6). DISCUSSÃO No Brasil, o futebol é o esporte mais praticado, e a paixão e o fanatismo dos torcedores por seus respectivos clubes transcendem a razão, sendo este um dos principais motivos da busca por melhores resultados e da obsessão por títulos. Logo, a utilização máxima dos atletas é essencial aos clubes de futebol, que são pre- judicados quando há lesão em seus atletas, inviabilizando-os à prática esportiva. Em um estudo, Ekstrand et al8 avaliaram 2.299 jogadores de clubes europeus entre 2001 e 2009, e cerca de 1/3 das lesões foram musculares, e as lesões do músculo isquio- tibial foram a mais comuns, assim como no presente estudo. Em outro estudo, Ekstrand et al9 avaliaram os jogadores da Liga dos Campeões da União de Associações de Futebol Europeias (Union of European Football Associations, UEFA, em inglês) durante 11 anos. Os autores observaram que houve diminuição da taxa de lesões ligamentares, mas não houve queda na taxa de lesões musculares. No presente estudo, houve uma queda progressiva nas três temporadas avaliadas. Estudos prévios2,10,11 que avaliaram o panorama de lesões em jogadores de futebol no Brasil demonstraram que as lesões musculares são as mais comuns, e uma hipótese que pode ser aventada é que, a partir desses estudos, houve uma maior preparação por parte dos clubes brasileiros para evitar lesões musculares, e isso justificaria essa queda nas três temporadas avaliadas no presente estudo. Outras hipóteses são aventadas, como melhora nas condições dos gramados no Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 126 Brasil, clubes buscando elencos maiores, com mais jogadores, para preservar atletas, e o avanço no uso da tecnologia pelos departamentos médicos dos clubes. Fig. 6. Comparação de lesões musculares nos turnos do campeonato. Junge e Dvořák12 avaliaram as lesões ocorridas durante a Copa do Mundo FIFA de 2014 no Brasil; a mais comum foi a lesão muscular na coxa, e os autores recomendaram intervenções para prevenir lesões nos membros inferiores sem contato, as quais devem fazer parte da rotina de treinamento dos clubes de futebol. Ekstrand et al13 realizaram um acompanhamento durante 13 anos em clubes euro- peus de futebol, e observaram que houve um aumento na taxa de lesões musculares dos isquiotibiais durante os treinos e manutenção da taxa em relação aos jogos. Os autores colocaram como hipótese para essa diferença que há uma maior exigência muscular du- rante os treinamentos. No presente estudo, foram avaliadas apenas as lesões ocorridas durante os jogos, e houve uma diminuição na incidência de lesões musculares no decorrer das três temporadas. No estudo de Bengtsson et al14 em que foram avaliadas 14 tempo- radas consecutivas de clubes da UEFA, os autores encontraram uma média de 9,4 lesões musculares por 1.000 horas, valor um pouco acima do encontrado no presente estudo (7,66 lesões musculares per 1.000 horas). Outro aspecto abordado no estudo é que houve um número maior de lesões quando houve menos de três dias de descanso entre as partidas. Estudos prévios15–18 demonstraram redução de 20% no número de lesões quando houve mais de 3 dias de descanso entre as partidas. Sinais de fadiga muscular após uma partida de futebol duram cerca de 72 horas, o que foi demonstrado em estudos prévios.19–22 Isso pode alterar os movimentos dos jogadores, levando os músculos a funcionar em níveis em que não estão acostumados, predispondo os atletas a novas lesões. Nas temporadas do Campeonato Brasileiroem que foram avaliadas as lesões, houve uma média de três dias de Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 126 127 descanso entre as partidas, valor associado a um maior número de lesões. Além disso, no presente estudo, foi demonstrado que, em jogos fora de casa a uma distância maior do que 800 km, houve uma incidência maior de lesões. Uma hipótese que pode ser aventada é a de que nessas partidas os jogadores tiveram menor tempo de descanso e maior desgaste devido à viagem, e, com isso, apresentaram um número maior de lesões. No estudo de Buckthorpe et al,23 fez-se uma avaliação sobre as causas das lesões dos isquiotibiais, que são as mais comuns entre os jogadores de futebol. Os autores apontaram a importância do fortalecimento da musculatura do core e a integridade do balanço pélvico para evitar lesões dos isquiotibiais. No estudo de Eirale,24 demonstrou-se que uma importante ferramenta para a diminuição da ocorrência de lesões dos isquiotibiais é a detecção de sintomas prodrômicos por parte dos atletas e/ou preparadores, e a realização de exames que detectam alterações antes do aparecimento da lesão, como a ressonância magnética e exames laboratoriais. Ekstrand et al25 avaliaram 35 times de futebol da Europa, e aqueles em que houve um período de parada no decorrer da temporada apresentaram um menor afastamento de jogadores por conta de lesões. Pode-se aventar a hipótese de que o menor índice de lesões em 2018 seja justificado pela parada devido ao período da Copa do Mundo. No estudo de Jones et al,26 foram avaliados 243 jogadores profissionais do futebol in- glês, e demonstrou-se que as lesões musculares dos isquiotibiais são as mais frequentes, correspondendo a 39,5% de todas as lesões musculares e a 16,3% do total das lesões, taxa semelhante à encontrada no presente trabalho, assim como a escala deseveridade da lesão moderada (8 a 28 dias), a qual foi a mais comum em ambos os estudos. No estudo de Klein et al,27 em que foram avaliadas 3 temporadas do campeonato alemão, a mais comum foi a lesão muscular da coxa, com 23,6% dos casos, e o grau de severidade mais comum foi o moderado (8 a 28 dias de afastamento). Em relação ao turno em que ocorreram as lesões musculares, há necessidade de no- vos estudos que avaliem esse aspecto, pois no presente estudo a maioria delas ocorreu no primeiro turno, o que não é o mais esperado, uma vez que se sabe as lesões musculares estão muitas vezes associadas à fadiga muscular, a qual é mais esperada no segundo turno. As lesões musculares, umas das principais causas de afastamento dos atletas do âmbito esportivo, vêm sendo amplamente estudadas para a compreensão dos fatores de risco e o estabelecimento do tratamento adequado. Com esse entendimento, haverá ganho esportivo, seja dos clubes, dos jogadores, ou do campeonato, que terá seu nível de qualidade aumentado, e os próprios torcedores também vão se beneficiar, pois verão em campo seus ídolos, aumentando o ganho financeiro e esportivo dos envolvidos. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 128 No Brasil, apesar do alto valor financeiro envolvido nas duas principais divisões do Campeonato Brasileiro de Futebol, nota-se uma carência de estudos sobre as causas de impedimento à prática esportiva de seus atletas, entre elas as lesões musculares. Uma limitação do presente estudo é a possibilidade de viés de informação, posto que as informações podem ter sido modificadas ou até omitidas pelos médicos dos clubes. Além disso, o estudo avaliou apenas lesões agudas ocorridas durante os jogos, e não avaliou as lesões sofridas durante o treinamento e as doenças não relacionadas ao esporte. Outra limitação é que o tempo de exposição foi calculado baseado em 22 jogadores e 90 minutos por jogo. Um método mais preciso seria considerar os acréscimos ou a duração real de cada partida e o número de minutos de exposição para cada jogador individualmente. Entre os pontos fortes, o presente estudo é o primeiro no Brasil a realizar a avaliação de lesões musculares por três anos no principal campeonato de futebol do país. Além disso, foram realizadas correlações que podem ser conduzidas em outros estudos para comparação, e este estudo confirmou certas associações que, apesar de esperadas, não tinham sido previamente avaliadas. CONCLUSÃO As lesões musculares em jogadores de futebol profissional das séries A e B do Campeonato Brasileiro de Futebol entre os anos 2016 a 2018 corresponderam a 35% das lesões, com uma incidência de 7,7 /1,000 h, e ocorreram predominantemente nos jogos em casa, em defensores (laterais e zagueiros), com idade média de 28 anos, envolven- do principalmente a musculatura isquiotibial, com tempo médio de afastamento modera- do (8 a 28 dias). Apesar do avanço nos estudos epidemiológicos e demográficos das lesões no futebol, concluímos que a literatura carece de novos estudos, e que há margem para novas pesqui- sas sobre esse tema. CONFLITO DE INTERESSES Os autores declaram não haver conflito de interesses. AGRADECIMENTOS Gostaríamos de agradecer aos médicos dos clubes e a Confederação Brasileira pela ajuda para a realização deste trabalho. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 128 129 REFERÊNCIAS 1. 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Doi: 10.1007/s00167-019-05623-y 09 Estresse, humor e burnout: um estudo sobre atletas do futebol feminino Igor Malinosqui Rinaldi UNESP Mayra Grava de Moraes UNESP Carlos Eduardo Lopes Verardi UNESP 10.37885/210303876 https://dx.doi.org/10.37885/210303876 Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 132 Palavras-chave: Estresse, Humor, Burnout, Futebol Feminino. RESUMO Objetivo: identificar e analisar níveis dos estados de humor e burnout, bem como a percepção de estresse e recuperação em atletas de futebol do sexo feminino, durante treinamentos de uma temporada. Metodologia: foi realizado um levantamento de lite- ratura e da recente produção científica em relação ao tema em psicologia do esporte, em conseguinte, foi realizada a coleta de dados junto as equipes participantes, por meio dos Questionário de Estresse e Recuperação para Atletas (RESTQ-76), de Estados de Humor de Brunel (BRUMS) e do Questionário de Burnout para Atletas (ABQ) em 59 jo- gadoras de duas categorias distintas que atuaram no futebol feminino e que competiram série A1 dos Campeonatos Paulista e Brasileiro Feminino no ano de 2018. Resultados: os resultados mostraram que não houve diferença das variáveis entre as categorias, as médias das participantes apresentaram perfil de humor positivo para atletas e que os níveis médios de estresse e burnout apresentaram valores baixos e a recuperação revelou escores moderados. Além disso, observou-se associações positivas entre es- tresse, burnout e humor negativo em muitas dimensões; correlações negativas entre recuperação e estresse, burnout e humor negativo; e relação positiva entre recuperação e o fator vigor de humor. Conclusões: conclui-se, portanto, que as associações fortes entre as variáveis podem auxiliar na compreensão, na prevenção de acometimentos em saúde psicológica e desempenho esportivo das atletas, no entanto, há necessidade de mais investigações que permitam ampliar o conhecimento sobre a população estudada no contexto futebolístico. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 132 133 INTRODUÇÃO Pode-se constatar que há uma crescente preocupação sobre como o esporte é concebi- do pela perspectiva da psicologia, sobretudo em relação ao reduzido espaço de participação das mulheres neste contexto, tanto na prática das modalidades (BRAUNER, 2015), quanto na visibilidade midiática (SOUZA; KNIJNIK, 2007). Acrescenta-se a este fato o movimento de ascensão das mulheres frente aos diferentes espaços sociais, característico de emancipa- ção, de aceitação social perante o corpo feminino e correspondente busca pela igualdade de direitos das mulheres em relação aos homens em diversos ambientes, inclusive no esporte (GIULIANI, 2007; MARTIN, 2006; RAGO, 2007). No Brasil, a discussão acadêmica sobre o futebol feminino e seu espaço em relação ao futebol de homens apareceu inicialmente em trabalhos como os de Souza Júnior e Darido (2002), Ventura e Hirota (2007) e Santos, Silva e Hirota (2008), aos quais debateram sobre as situações que condicionam a prática de acordo com as relações de poder e gênero, as oportunidades oferecidas, os discursos de preconceito e as motivações, indicando a necessidade de novas perspectivas de promoção ao esporte feminino e de trazer à tona questionamentos iniciais sobre os aspectos psicológicos envolvidos no futebol de mulheres. Sobre aspectos psicológicos das mulheres no futebol, Junge e Prinz (2019) detecta- ram uma prevalência de sintomas de depressão em nível intermediário e de ansiedade em jogadoras da primeira divisão da Alemanha, os quais são equivalentes ao da população de outras modalidades em geral e do mesmo sexo. Porém as jogadoras que estavam em divisão inferior de categoria apresentaram níveis mais elevados que outras populações, verificando assim, que a menor experiência de jogos está relacionada a maiores escores de sintomas depressivos e ansiedade. Surgem questionamentos em relação a complexidade deste pro- blema no que concerne ao espaço que as mulheres têm para se jogar e a qualidade de vida das mesmas, ou seja, quais os níveis de estresse que as mulheres enfrentam no meio fute- bolístico e quais as implicações para a saúde e para desempenho esportivo das mesmas. Atletas de alto rendimento em diferentes esportes do sexo feminino possuem duas vezes mais chances de apresentarem sintomas depressivos leves a mais graves que atletas de rendimento do sexo masculino (GORCZYNSKI, 2017), o que sugere a importância de se investigar a inserção de atletas em diferentes contextos e de diferentes características biológicas, psicológicas e sociais. Knijnik e Vasconcellos (2016) consideram que mulheres praticantes de futebol são mais afetadas pelo estresse em relação aos homens nos aspec- tos relacionados à dificuldade de convivência com o grupo, às pressões e cobranças por resultados e ao preconceito, porém não há evidências de que as características biológicas do sexosejam responsáveis por tais percepções, mas sim que as condições ambientais Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 134 inerentes aos espaços ocupados pelos homens são preponderantes no desencadeamento do estresse percebido. Neste sentido, ainda pode ser observado muitas barreiras que as mulheres enfren- tam no esporte, que se manifestam na dificuldade em procurar auxílio psicológico devido à estigmatização sobre o tratamento de distúrbios mentais, na falta de conhecimento sobre saúde psicológica, nas experiências passadas limitantes ao desenvolvimento, no alto nível de ocupações e na hipermasculinidade esportiva, bem como à falta de aceitação das mulhe- res como atletas, à baixa aceitação de sintomas e distúrbios de saúde mental entre atletas e à elevada dependência econômica (CASTALDELLI-MAIA, 2019). Salvini e Marchi Júnior (2016) entrevistaram atletas de futebol feminino e descobriram na análise de seus discur- sos, as dificuldades enfrentadas na modalidade no âmbito nacional, desde a infância até a vida profissional, inerentes à falta de reconhecimento, ao combate ao preconceito social, à carência de incentivo mercadológico e à luta pela ampliação do espaço para exercerem seus direitos que foram adquiridos somente a partir do final dos anos 1970 e início dos anos 1980, data da revogação do Decreto-lei que proibia as mulheres de praticarem esportes que não estivessem de acordo com sua natureza. No âmbito esportivo, em consenso, o Comitê Olímpico Internacional (2019) encontrou nas recentes publicações, distúrbios e sintomas sobre a saúde psicológicas de atletas pro- fissionais e amadores. Além disso, apontou possíveis maiores fontes de estresse que podem influenciar a saúde dos atletas, como assédio e abuso, relações entre lesões e performance, barreiras para o tratamento de distúrbios da saúde, a possibilidade de abandono do esporte e emergências em problemas psicológicos (REARDON, et al. 2019). O estresse, portanto, é uma forma de desestabilização entre a pessoa (condições internas) e o meio ambiente (condições externas) que leva a efeitos negativos ou positivos, ou seja, o estresse até certo grau pode ser benéfico para manutenção e aperfeiçoamento das capacidades funcionais (KELLMANN; KALLUS, 2001; SAMULSKI et al., 2009). Assim, o equilíbrio entre estresse e recuperação pode otimizar a performance esportiva, de tal forma que o sujeito pode reagir ao estresse de maneira não prejudicial e aumentar o desempenho no esporte desde que tenha uma recuperação adequada que reequilibre as suas funções orgânicas e psicológicas (KELLMANN, 2017). Nas últimas décadas, estudos demonstraram que as implicações dos estados de humor no rendimento esportivo em atletas podem, a princípio, influenciar de maneira prejudicial o desempenho esportivo caso o atleta não apresente perfil de humor considerado adequado (LANE, 2001; LANE; TERRY, 2000; TERRY; LANE, 2000). O humor é dependente de muitas situações específicas do esporte, como a competição, as demandas estratégicas da moda- lidade e o ambiente em que é praticado, entretanto, níveis elevados do fator positivo vigor Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 134 135 e de baixos escores dos fatores negativos de tensão, fadiga, depressão, raiva e confusão são características dos estados de humor de atletas que apresentam melhor rendimento esportivo denominado de perfil de iceberg, ou seja, há variações mais adequadas de humor para competições esportivas (BRANDIT, 2010; LANE, et al., 2005; GATTI; DE PALO, 2011; MORGAN, 1980; TERRY, 1995). Neste sentido, estudos apontam que os estados de humor estão associados ao sucesso ou ao fracasso no esporte e na saúde do praticante, justificados por percepções alteradas do humor, biomarcadores de estresse e fatores de recuperação como o sono (CHENNAOUI et at., 2016). Assim, os mecanismos fisiológicos e emocionais e os comportamentos sociais específicos fazem parte das demandas de vida de um atleta, sendo o humor uma variável preditiva do desempenho competitivo e que pode estar associado a estes mecanismos. A má qualidade de sono, por exemplo, apresenta maior tendência em atletas de nível internacio- nal que percebem a confusão, depressão e fadiga em níveis mais elevados, ao contrário daqueles com vigor aumentado e com confusão, fadiga e tensão diminuída, que apresentam menor associação com o sono ruim (ANDRADE et al., 2019). O desempenho é uma característica fundamental do contexto esportivo e que está inti- mamente ligada aos acometimentos da síndrome burnout. Assim, neste ambiente específico, as pesquisas levaram em conta outros aspectos do desempenho que poderiam estar asso- ciados aos sintomas da síndrome, dentre elas, as cargas de treinamento, as competições, o modo de vida esportivo e outras fontes de estresse psicofisiológicos preponderantes para os profissionais envolvidos no esporte (RAEDEKE, 1997; RAEDEKE; SMITH, 2001). De modo integrativo das abordagens teóricas sobre burnout no âmbito esportivo, Gutafsson, Kentta e Hassmén (2011) defendem que o estudo sobre o tema deve ser abordado de maneira holística e que considere as características de personalidade, de estratégias de enfrenta- mento e dos fatores ambientais, com a finalidade de auxiliar pesquisadores, treinadores e atletas a compreenderem os mediadores da síndrome de burnout, como o perfeccionismo, a motivação, o estresse, o humor e as adaptações psicológicas relacionadas as habilidades de enfrentamento (GUSTAFSSON; DEFREESE; MADIGAN, 2017). Dessa maneira, o objetivo da presente pesquisa foi identificar e analisar os níveis de burnout e estados de humor, bem como a percepção de estresse e recuperação em atletas de futebol do sexo feminino em fase de treinamento durante o período de competições. Além disso, comparamos os escores relativos à percepção de estresse e recuperação, estado de humor e burnout, entre as categorias Adulta e Sub 17 durante o período de competições, bem como associar os escores relativos à percepção de estresse e recuperação entre os estados de humor e burnout, durante o período de competições das atletas participantes. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 136 MÉTODOS AMOSTRA Participaram do estudo 59 atletas de futebol feminino, com média de 20,01±5,02 anos de idade, pertencentes a dois clubes brasileiros que disputaram o Campeonato Brasileiro da Série A1 e o Campeonato Paulista Sub17. A amostra foi dividida em duas categorias: Sub17 (26 atletas com 15,73±1,25 anos de idade) e Adulta (33 atletas com 23,39±4,22 anos de idade). PROCEDIMENTOS Inicialmente o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista (número do CAAE: 15794613.0.0000.5398). Em seguida, foi realizado contato com três equipes de futebol feminino que disputam os Campeonatos Brasileiro e Paulista da Primeira Divisão. Destes, duas equipes aceitaram participar da pesquisa. Em contato com as atletas, estas, foram informadas sobre a pesquisa, seus objetivos e sua metodologia. Logo em seguida, receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) com o objetivo de esclarecimento sobre as condições para participação na pesqui- sa. A condição de participação na pesquisa foi à devolução do TCLE, devidamente assinado pelo responsável. Os dados foram coletados pessoalmente pelos pesquisadores, logo após as sessões de treinamento no período do segundo semestre do ano e em temporada compe- titiva. As atletas que aceitaram a condição para a participação na pesquisa foram orientadas a responder os questionários, de 30 a 40 minutos após, no próprio local de treinamento. INSTRUMENTOS a. Ficha de avaliação sociodemográfica: foram utilizadas as informações referentes a idade, tempo em competições oficiais (experiência), número de treinos por semana e número de competições internacionais, nacionais e estaduais. Outras informa- ções contidas na fichaforam excluídas do estudo por não contemplar o objetivo de pesquisa. b. Escala de Humor de Brunel (BRUMS): foi utilizada no presente estudo para permi- tir uma rápida mensuração dos estados de humor. Validada para o português por Rohlfs et al. (2008) o BRUMS contém 24 indicadores simples de humor, tais como as sensações de raiva, disposição, nervosismo e insatisfação que são perceptíveis pelo indivíduo que está sendo avaliado. Os avaliados respondem como se situam em relação às tais sensações, de acordo com a escala de 5 pontos (de 0 = nada a Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 136 137 4 = extremamente). São avaliados seis estados subjetivos e transitórios de humor: Tensão (T), Depressão (D), Raiva (R), Vigor (V), Fadiga (F) e Confusão Mental (C). Os fatores T, D, R, F e C são considerados fatores negativos e o Vigor classificado como fator positivo. O Distúrbio Total de Humor (DTH) é dado pela seguinte fórmu- la: DTH = (T+D+R+F+C) – V + 100 (MORGAN et al., 1987). c. Questionário de Estresse e Recuperação para Atletas (RESTQ 76 Sport): consiste em uma série de afirmações que indicam o estado mental, emocional e o bem-es- tar físico dos atletas. As respostas foram dadas em uma escala do tipo Likert. 0. Nunca; 1. Pouquíssimas vezes; 2. Poucas vezes; 3. Metade das vezes; 4. Muitas vezes; 5. Muitíssimas vezes; 6. Sempre. Este questionário foi desenvolvido para medir a frequência do estado de estresse atual em conjunto com a frequência de atividades de recuperação associadas. Para tanto, ele avalia eventos potencial- mente estressantes e fases de recuperação e suas consequências subjetivas nos últimos três dias e noites (KELLMANN et al., 2009). Pela variação da escala entre 0 e 6, valores acima de 4 são considerados “altos”, abaixo de 2 são considerados “baixos” e, entre 2,01 e 3,99, são “moderados”, seja para estresse específico, es- tresse geral ou recuperação. Os valores das escalas são calculados pelos valores médios dos respectivos itens. Altos escores nas escalas associadas às atividades de estresse refletem estresse subjetivo intenso, enquanto altos escores nas esca- las associadas à recuperação refletem muitas atividades de recuperação (KELL- MANN et al., 2009). d. Questionário de Burnout para Atletas (ABQ): validado para o idioma português por Pires, Brandão e Silva (2006), a partir do instrumento de idioma inglês intitulado Athlete Burnout Questionnaire (RAEDEKE; SMITH, 2001). O ABQ possui 15 ques- tões do tipo Likert, sendo 05 para medir a subcategoria exaustão física e emocional (EFE) (eu estou exausto pelas demandas físicas e emocionais do esporte), sendo elas as número 2, 4, 8, 10, e 12; 05 para medir a subcategoria desvalorização es- portiva (DES) (eu tenho sentimentos negativos em relação ao esporte), sendo as de números 3, 6, 9, 11 e 15; e 05 para medir a subcategoria reduzido senso de re- alização esportiva (RSR) (não importa o que eu faço, eu não executo como devo), com as questões número 1, 5, 7, 13 e 14. Cada uma das questões conta com 05 opções de respostas, sendo que o número 1 significa “eu quase nunca me sinto assim” e no outro extremo, o número 5, que significa “eu me sinto assim a maior parte do tempo”, sendo as respostas intermediárias as seguintes: “Raramente” (2), “Algumas vezes” (3) e “Frequentemente” (4). Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 138 ANÁLISE DE DADOS Os dados obtidos foram avaliados quantitativamente, com métodos estatísticos. Foram efetuados cálculos de estatísticas descritivas (média, mediana, desvio padrão, mínimo, má- ximo); testes de significância não paramétricos utilizados para comparação de categorias de jogadoras sub17 e adulta (teste de comparação de duas proporções, teste não paramétrico de Mann-Whitney para comparação das medianas). Além disso foi utilizado o teste de me- didas de correlação de Spearman entre as variáveis e aplicado o teste de correlação para obtenção do coeficiente de determinação R². As correlações mais significativas (p<0,001) e de maior efeito (r>0,60 ou r>-0,60) bem como as relações com nível de significância de p<0,05 foram adotadas como critérios de associações médias à fortes (DANCEY; REIDY, 2013; FIELD, 2009). O grau do coeficiente de correlação foi avaliado qualitativamente de acordo com a proposta de Callegari-Jacques (2003) da seguinte forma: fraca (entre 0,00 e 0,30); regular (entre 0,30 e 0,60); forte (entre 0,60 e 0,90) e muito forte (entre 0,90 e 1,00). RESULTADOS Com a finalidade de caracterizar a amostra, na Tabela 1 segue a análise descritiva da idade, quantidade de treinos semanais, número de competições oficiais na carreira, compe- tições em níveis estaduais, nacionais e internacionais das atletas por categoria. Observa-se para todas as variáveis diferenças estatisticamente significativas quando comparadas entre as categorias Adulta e Sub17. Tabela 1. Caracterização da amostra por categoria: Idade, número de treinos por semana, número competições estaduais, nacionais, internacionais e competições oficiais na carreira. Variável Categoria (n) ± s Md Mín Máx p Idade Sub17 26 15,73±1,25 16 13 17 <0,001 Adulta 33 23,39±4,22 22 18 33 Treinos por semana Sub17 26 3,73±1,28 3 3 7 <0,001 Adulta 33 6,24±0,90 6 5 8 Competições estaduais Sub17 26 1,96±1,21 2 0 4 <0,001 Adulta 33 7,24±5,31 5 0 20 Competições nacionais Sub17 26 0,26±0,60 0 0 2 <0,001 Adulta 33 4,51±4,00 4 0 15 Competições internacionais Sub17 26 0,11±0,32 0 0 1 <0,010 Adulta 33 1,06±1,69 0 0 5 Competições oficiais Sub17 26 1,76±1,24 1,5 0 5 <0,001 Adulta 33 7,57±4,96 8 0 20 Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 138 139 A Tabela 2 apresenta os dados referentes aos estados de humor das atletas, nota-se que não houve diferença estatisticamente significativa estre as seis dimensões quando comparadas as duas categorias. Tabela 2. Estatística descritiva para as seis dimensões dos estados de humor em atletas das categorias Adulta e Sub17 e valor p resultante da comparação realizada com o Teste Mann-Whitney. Dimensões Categoria (n) ± s Md Mín Máx p Tensão Sub17 26 4,19±2,81 3,5 0 10 0,311 Adulta 33 5,18±3,44 5 0 12 Depressão Sub17 26 2,42±3,5 2 0 16 0,339 Adulta 33 2,18±3,45 0 0 12 Raiva Sub17 26 3,69±3,92 2,5 0 16 0,847 Adulta 33 3,87±4,44 2 0 14 Vigor Sub17 26 10,96±2,74 11 6 16 0,830 Adulta 33 11,15±3,15 11 3 16 Fadiga Sub17 26 4,64±4,33 3,5 0 14 0,164 Adulta 33 5,45±3,28 4 1 14 Confusão Sub17 26 3,50±3,15 3,5 0 16 0,363 Adulta 33 3,33±3,79 2 0 15 DTH Sub17Adulta 26 33 107,5±15,98 108,8±16,54 106 107 88 89 166 148 0,807 Nota: DTH: Distúrbio Total de Humor. Entre os seis fatores negativos de humor os escores médios mais elevados foram Fadiga e Tensão, ambos na categoria Adulta. Entretanto, o Vigor físico para ambas as categorias apresentou resultado positivo, Adulta (11,15±3,15) e categoria Sub17 (10,96±2,74) respec- tivamente. O fator Vigor representa estado de animação, excitação, energia e disposição, o que confere, no caso da realização da prática esportiva, um aspecto essencialmente po- sitivo para melhor desempenho. Vale ressaltar que baixos níveis dessa dimensão aliados à elevados escores das dimensões negativas, podem estar relacionados ao desempenho prejudicado, a fatores ligados ao excesso de treinamento e até mesmo à síndrome de bur- nout. Não obstante, o valor do distúrbio total de humor (DTH) para a categoria Sub17 foi de 107,53±15,98 e para a Adulta o valor encontrado foi de 108,8±16,54. Tais valores, são tidos como elevados níveis de DTH, pois se encontram ≥101. Na Tabela 3, a análise dos dados das dimensões de estresse não mostrou diferenças significativas entre as categorias, o maior valor médio de 4,05±0,88 esteve presente na dimensão de Áreas de Recuperação (AR) na categoria Adulta. O menor valor médio ficou para o fator de Estresse Específico (EE) de 1,88±0,84 presente na categoria Sub17. Deste modo, observou-se níveis baixos à médios em todasas dimensões de estresse, valores abaixo ou muito próximos do valor médio da escala (2) e escores considerados médios à altos para os fatores de recuperação, acima de 2,01. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 140 Tabela 3. Estatística descritiva das seis dimensões de estresse e recuperação em atletas de futebol feminino das categorias Adulta e Sub17 e valor p resultante da comparação do Teste Mann-Whitney. Dimensões Categoria (n) ±s Md Mín Máx p Estresse Geral Sub17 26 2,02±0,88 1,89 0,18 3,50 0,454 Adulta 33 1,92±0,88 1,61 0,57 4,18 Estresse Específico Sub17 26 1,88±0,84 1,58 0,75 3,75 0,561 Adulta 33 2,04±1,06 1,92 0,58 5,50 Estresse Global Sub17 26 1,95±0,76 1,85 0,76 3,26 0,957 Adulta 33 1,98±0,92 1,82 0,66 4,84 Recuperação Geral Sub17 26 3,50±0,69 3,50 2,35 4,80 0,450 Adulta 33 3,65±0,71 3,70 2,30 5,00 Áreas de Recuperação Sub17 26 3,76±086 3,56 2,00 5,63 0,228 Adulta 33 4,05±0,88 4,13 2,56 5,75 Recuperação Global Sub17 26 3,63±0,71 3,44 2,23 5,21 0,401 Adulta 33 3,85±0,76 3,84 2,43 5,35 O estresse menor que a recuperação pode representar proteção as atletas no que se refere a acometimentos relativos ao excesso de treinamento, deste modo, o resultado das médias para as dimensões de estresse e recuperação se revelaram favoráveis a saúde psi- cológica às atletas, porém, vale a reserva na análise quando se observa os valores máximos que indicaram que algumas atletas atingiram valores muito acima da média. Os índices obtidos das dimensões de burnout são apresentados por categoria na Tabela 4. Os valores médios entre as categorias não indicaram diferenças estatística significativas, além disso as médias e medianas atingiram valores abaixo de 2,50, no entanto, houve atletas que atingiram valores máximos próximos de 5, em destaque para a dimensão de Desvalorização Esportiva (DES) na categoria Sub17. Sabe-se que percepções que refletem elevados escores para burnout são prejudiciais à saúde do atleta bem como se relaciona com decréscimo da performance esportiva, portanto de acordo com as médias, os resultados das amostras representam aspectos positivos em relação à performance esportiva dado as médias baixas da maioria das atletas analisadas. Tabela 4. Estatística descritiva das três dimensões da síndrome de burnout em atletas de futebol feminino das categorias Adulta e Sub17 e valor p resultante da comparação do Teste Mann-Whitney. Dimensões Categoria (n) ± s Md Mín Máx p RSR Sub17 26 2,20±0,53 2,14 1,57 3,71 0,309 Adulta 33 2,07±0,54 1,86 1,29 3,36 EFE Sub17 26 2,06±0,60 2,03 1,36 3,86 0,227 Adulta 33 1,88±0,63 1,67 1,00 3,50 DES Sub17 26 1,94±0,77 1,75 1,17 4,50 0,260 Adulta 33 1,78±0,78 1,67 1,00 3,50 Nota: RSR: Reduzido Senso de Realização; EFE: Exaustão Física Emocional; DES: Desvalorização Esportivo. De acordo com os resultados comparativos entre as categorias Adulta e Sub17 de atletas de futebol feminino no que se refere as variáveis de estresse e recuperação, humor e Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 140 141 Burnout, não houve diferenças estatisticamente significativas, invalidando a primeira hipótese de pesquisa. Embora tenham sido identificadas diferenças nas rotinas de treinos, competi- ções e experiência, é possível presumir que as atletas das diferentes categorias estiveram em condições que proporcionaram percepções de estresse e recuperação, humor e burnout de modo muito semelhante. Outra proposta para novas investigações seria analisar se a organização do futebol feminino, no que se refere nas divisões de categorias, impacta nas variáveis psicológicas das atletas. Os resultados mostraram que as correlações significativamente positivas, estiveram entre: Reduzido Senso de Realização (RSR) e Estresse Específico (EE) (0,72), Exaustão Física Emocional (EFE) e Estresse Específico (EE) (0,80), Desvalorização Esportiva (DES) e Estresse específico (EE) (0,61), EFE e Estresse Geral (EGE) (0,47); RSR e Estresse Global (EGL) (0,60); EFE e EGL. (0,69); DES e EGL (0,44). No que se refere as dimensões de es- tados de humor as associações positivas estiveram entre EGE e Tensão (0,55), Depressão (0,69), Raiva (0,79), Fadiga (0,75) e Confusão (0,74); EE e Depressão (0,40), Raiva (0,53), Fadiga (0,77) e Confusão (0,51); EGL e Tensão (0,44), Depressão (0,53), Raiva (0,67), Fadiga (0,81) e Confusão (0,63); RSR e Fadiga (0,47) e EFE e Fadiga (0,57). De acordo com valores encontrados do coeficiente de determinação cabe o destaque para as variações das dimensões de burnout de EFE, RSR e DES explicadas em 62%, 57% e 47% da variação do EE respectivamente, que também foi responsável pela variação da Fadiga em 47%. Além disso, o EGE explicou as variações em 28% da Depressão, 35% da Confusão, 41% da Fadiga, e 52% da Raiva e o EGL foi responsável pelas variações em 37% da Confusão, 57% da Fadiga e 42% da Raiva. Não houve associações positivas entre a dimensão de Desvalorização Esportiva (DES) e os fatores negativos de humor, bem como apenas apareceram relações positivas entre Fadiga e Exaustão Física Emocional (EFE) e Reduzido Senso de Realização (RSR), apresentado na Figura 1. Além disso, todos os fa- tores de estresse se relacionaram positivamente com quase todas as dimensões negativas de humor para categoria Sub17, ou seja, somente o fator de Estresse Específico (EE) não apresentou associações com a dimensão Tensão, também pode ser observado as relações dos fatores de estresse com as dimensões da síndrome de burnout. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 142 Figura 1. Associações entre as dimensões de estresse, estados de humor negativos e burnout da categoria sub17. Fonte: Elaborado pelos autores. Os estados de humor negativos, o estresse e o burnout se mostraram relacionados em sua maioria de efeitos regulares e significância elevadas, observou-se que o estresse protagonizou vinte e uma das vinte e três relações positivas apresentadas com fatores considerados potencialmente prejudiciais a atletas, em todas as dimensões o estresse so- mou onze das que possuíam tamanho de efeito e significância mais relevantes, r>0,60 e p<0,001. Vale destacar que os agentes estressores no ambiente esportivo contribuem para que o fenômeno seja, por muitas vezes, vinculado com outros sintomas psicológicos con- traproducentes a esportistas, deste modo, o estresse deve ser levado em consideração na rotina de treinos e competições para que o humor negativo e a síndrome de burnout sejam controlados e prevenidos. As associações negativamente relacionadas mais significativas e de maior efeito es- tiveram entre RGL e Depressão (-0,62). Como pode ser notado na Figura 2, as dimensões negativamente relacionadas ficaram entre: RGE e RSR (-0,41), RGE e EFE (-0,46), AR e RSR (-0,47), AR e EFE (-0,54), AR e DES (-0,46), RG e RSR (-0,42), RGL e EFE (-0,50), AR e Tensão (-0,43), RG e Tensão (-0,49), RG e Depressão (-0,57), AR e Depressão (-0,51), RG e Raiva (-0,44), RGL e Raiva (-0,43), RG e Fadiga (-0,50), AR e Fadiga (-0,47), RGL e Fadiga (-0,55), RG e Confusão (-0,53), AR e Confusão (-0,43), RGL e Confusão (-0,59). A dimen- são de RGL se relacionou negativamente com as dimensões de burnout em EFE e DES, a RG ficou negativamente associada ao RSR e EFE, e AR se associou negativamente com os três fatores de burnout. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 142 143 Figura 2. Associações entre as dimensões de recuperação em relação aos fatores de burnout e humor da categoria sub17. Fonte: Elaborado pelos autores. Ainda sobre a recuperação, as dimensões de RGL e RG, se relacionaram negativamente com todos os fatores negativos de humor e positivamente com o fator Vigor; já AR se asso- ciou negativamente com os fatores Depressão, Confusão e Fadiga, e positivamente com a dimensão Vigor, para a categoria Sub17. Elevados níveis de recuperação contribuem para melhor desempenho de atletas, pois reflete o equilíbrio orgânico necessárioem relação ao estresse provocado pelos treinamentos e competições, no caso das atletas que estavam em período competitivo, os resultados para recuperação e suas associações sugerem benefício à qualidade de vida e desempenho esportivo das mulheres da amostra. As associações positivas entre os fatores de recuperação e Vigor permitem afirmar que a variação e, por vezes, o controle da recuperação alteram em mesma direção que a disposição ou estado de ânimo das atletas, deste modo, o monitoramento dos intervalos subsequentes aos treinamentos e competições, do manejo do estresse, do tempo adequado para o reequilíbrio orgânico frente aos agentes estressores podem influenciar sobremaneira os estados de humor positivos e consequentemente o desempenho das futebolistas. Assim sendo, embora as informações obtidas no presente estudo se restrinjam à um grupo es- pecífico de mulheres futebolistas, é de grande relevância que futuras investigações tratem a recuperação como variável inseparável do estresse e que a considerem componente poderoso no controle de outras variáveis vinculadas aos treinamentos e competições, e que, portanto, pode em grande medida, auxiliar na intervenção profissional para melhora do desempenho no futebol feminino. Nas correlações dos fatores que envolvem as variáveis de burnout, estresse, recu- peração e estados de humor das atletas de futebol feminino da categoria Adulta, pode se Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 144 constatar que os níveis de estresse e burnout estiveram positivamente associados aos valores de humor negativo, exceto o fator de Tensão para esta categoria. A figura 3 ilustra as associações positivas, de acordo com o efeito e a significância, encontradas entre as dimensões de estresse e burnout e em relação aos fatores das variáveis de humor negativo das atletas da categoria adulta. A dimensão de EGE explicou, por meio do coeficiente de correlação ao quadrado, 41% da variação do RSR e 28% da EFE e 75% da variação do fator raiva, 60% da depressão e 36% da confusão. O fator EE foi responsável por 45% da variação do RSR e 34% da EFE e EGL explicou 47% do relacionamento com o RSR e 34% da EFE. Vale ressaltar que o Estresse Geral e o Estresse Global estão relacionados a condições mais amplas ineren- tes ao contexto social e de vida do sujeito, enquanto o Estresse Específico está ligado ao que é percebido especificamente nas situações das atividades esportivas, deste modo, pode-se observar que em todas as esferas de estresse, tanto as esportivas quanto as mais afastadas das atividades do futebol, tiveram associações positivas com outras variáveis consideradas negativas. Figura 3. Associações positivas entre as dimensões de estresse, burnout estados de humor negativos da categoria Adulta. Fonte: Elaborado pelos autores. Na figura 4 é ilustrada a relação, entre recuperação, estresse, humor e burnout de acordo com cada dimensão, para esta categoria, é possível afirmar parcialmente que os escores de recuperação estão negativamente associados com níveis de estresse, de humor negativo e positivamente relacionados ao fator de humor positivo. Todas as dimensões de estresse e da síndrome de burnout ficaram negativamente associadas significativamente a todos os fatores de recuperação, bem como as dimensões Depressão e Raiva se associaram Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 144 145 negativamente à todas as dimensões de recuperação, porém, o fator confusão associou-se negativamente apenas com o fator de RGL e os fatores negativos de humor Fadiga e Tensão não relacionaram-se com a recuperação, além disso, o fator Vigor ficou positivamente rela- cionado a todas as dimensões de recuperação. Figura 4. Associações das dimensões de recuperação em relação aos estados de humor e burnout em atletas de futebol feminino da categoria Adulta. Fonte: Elaborado pelos autores. Para a categoria Adulta as dimensões de recuperação se relacionaram negativamente vinte e oito vezes das trinta manifestadas e conhecidas como benéficas ao desempenho de atletas, assim sendo, a recuperação exerceu um papel fundamental no que se refere a proteção a aspectos potencialmente danosos aos sujeitos envolvidos no esporte, pois repre- senta uma pausa ao estresse prolongado e maneiras de lidar com os agentes estressores e estados de humor negativos. Assim como na categoria anterior, confirma-se, portanto, que as associações positivas entre as variáveis que podem prejudicar o desempenho, bem como as relações negativas entre recuperação e fatores negativos para saúde e performance, e relações positivas entre as dimensões de recuperação e Vigor representaram resultados benéficos as atletas, isto é, a variação da recuperação mostrou-se, várias vezes e com gran- de magnitude significativa, influente nas outras variáveis investigadas, corroborando para a importância do gerenciamento e a devida atribuição de importância para recuperação nos treinamentos e competições do futebol feminino. DISCUSSÃO A expansão e a popularização recente do futebol feminino, em âmbito mundial, exigem maior atenção em termos econômicos, sociais e em cuidados sobre a saúde psicológica das Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 146 atletas. Portanto, pesquisas que abordam temas relacionados às variáveis do presente traba- lho são relevantes no que diz respeito a qualidade das abordagens e métodos profissionais. Os dados obtidos do presente estudo descreveram cada categoria e revelaram que a quantidade de treinos e competições foram maiores na Adulta do que na Sub17. Apesar de não confirmado pelos resultados, tal fato poderia influenciar de maneira diferente cada cate- goria nas percepções sobre fatores psicológicos, de acordo com a experiência das atletas, assim como em um estudo de Gustafsson, Kentta e Hassmén (2011) que afirmou que atletas mais jovens que estiveram propensos a problemas de motivação e perfeccionismo, se encon- traram mais vulneráveis às percepções de burnout e problemas com a motivação esportiva. Também não foi possível observar diferenças entre as categorias em relação aos estados de humor percebidos com os valores médios elevados do fator Vigor e níveis mais baixos dos fatores negativos para ambas as categorias que se revelaram apropriado ao desempenho esportivo (DEVONPORT; LANE; HANIN, 2005; MORGAN, 1987). No entanto, o distúrbio total de humor (DTH) atingiu níveis classificados como elevados. A comparação entre o Vigor e os outros fatores de humor podem ser úteis para monitorar cargas excessi- vas de treinamento (KENTTÄ, HASSMÉN; RAGLIN, 2006) bem como identificar um perfil adequado para o desempenho esportivo em períodos competitivos (MORGAN, 1980). Os baixos níveis para estresse e síndrome de burnout, além de escores mais eleva- dos para recuperação são considerados aspectos positivos para performance esportiva (KELLMANN, et. al. 2009). Destacou-se que as atletas de ambas categorias perceberam bai- xos níveis de estresse e escores adequados de recuperação, no entanto, houve associações significativas das variáveis de estresse e recuperação com humor e burnout, Portanto, são de suma importância que novas investigações busquem identificar os agentes estressores específicos da modalidade, se as atletas possuem estratégias de manejo e apoio social e se outras variáveis podem estar associadas ao cotidiano esportivo. Quando comparadas entre as categorias, as variáveis de estresse, humor e burnout não demonstraram diferenças significativas para todas as subascalas. Estudos de Verardi (2008) e de Pires et. al (2019) não encontraram distinções entre o tempo de prática, as ca- tegorias diferentes e a síndrome de burnout em atletas de futebol masculino, porém Pires et. al (2019) encontraram associações significativas entre o tempo como atleta federado e as estratégias de enfrentamento sob pressão, concluindo que, os atletas mais experientes que apresentarampercepções importantes da síndrome de burnout tenderam a obter melhor performance e maior capacidade de lidar com o estresse. No que diz respeito às associações das variáveis de estresse e à síndrome de burnout, pode ser verificado relações positivas entre elas, especialmente entre as dimensões Estresse Específico e Estresse Global em relação a algumas dimensões de burnout e humor negativo https://psycnet-apa-org.ez87.periodicos.capes.gov.br/search/results?term=Gustafsson, H.&latSearchType=a Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 146 147 em ambas as categorias analisadas e em todas as subescalas de estresse e burnout na categoria Adulta. Isso corrobora com o estudo de De Francisco et. al. (2016) que destacaram que o estresse foi responsável por 43% da variação dos sintomas de burnout em seus acha- dos, levantando questões sobre qual tipo de estresse é potencialmente prejudicial às atletas. Para a categoria Sub17, destacou-se a influência, por meio do coeficiente de corre- lação ao quadrado, do Estresse Específico dimensões de burnout. Já na categoria Adulta, as dimensões de Estresse Geral Estresse Específico e Estresse Global explicaram muitas variações dos fatores de burnout bem como dimensões associadas ao humor. Tais resultados sugerem que o estresse no âmbito esportivo pode estar associado a dimensões de burnout e a fatores negativos de humor em mulheres atletas de futebol, revelando similaridade ao que ocorre em outros atletas de outras modalidades expostas à condições estressantes de atividades que aumentam a vulnerabilidade para acometimentos psicológicos deleté- rios (HANNA, 2019). Vale ressaltar que os elementos subjacentes ao esporte e aos treinamentos intensos, por si, são fontes de estresse que exercem influência sobre desempenho esportivo e reque- rem a devida atenção sobre a recuperação em atletas (KELLMAN, 2017). No caso do futebol feminino observado nesse estudo, o estresse percebido, apesar de ter se manifestado em níveis considerados baixos, exerceu papel relevante diante das associações com outras variáveis consideradas importantes para a percepção e o comportamento de atletas e que devem ser levados em consideração nos planejamentos de treinamentos e competições de profissionais, de modo a evitar o excesso de treinamento e consequências graves ao desenvolvimento esportivo (DA SILVA; ENUMO; AFONSO, 2016; DE ROSE JUNIOR et. al., 2004; RAEDEKE; SMITH, 2001). Além disso, os resultados sustentaram a concepção de que as dimensões da recuperação exercem relacionamentos negativos com estresse e burnout e associações positivas com o fator Vigor, dado que pode auxiliar no processo de prevenção da síndrome. No futebol masculino, por exemplo, Tabei, Fletcher e Goodger (2012) mostraram que o ambiente pode ser fonte de estresse de acordo com o relacionamento com os colegas e o estilo de treinamento. Assim, é necessário repensar os planejamentos de treinos, competi- ções, relacionamentos entre colegas na modalidade e compreender como são concebidos os fatores psicológicos no contexto esportivo do futebol que se relacionam com o estresse, a re- cuperação, o humor e a síndrome de burnout (ÁLVAREZ; CASTILLO; MORENO-PELLICER, 2019; MARTÍNEZ-ALVARADO; GUILLÉN; FELTZ, 2016; SMITH; HILL; HALL, 2018). Na categoria Adulta, os resultados confirmaram parcialmente que os níveis de estresse, burnout e humor negativo se relacionaram positivamente em quase todas as dimensões e se relacionaram negativamente com os fatores de recuperação. Além disso, o fator positivo Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 148 de humor se relacionou positivamente com todas as dimensões de recuperação. O balanço adequado entre os níveis de estresse e recuperação importa de maneira determinante para assistência em saúde e melhora no desempenho esportivo (KELLMANN; KALLUS, 2001). CONCLUSÃO Os resultados indicaram, de maneira geral, que apesar das atletas estratificadas por categorias apresentarem rotinas diferentes no número de treinos, competições e experiências variadas na carreira futebolística, não foi possível observar diferença entre as categorias para as variáveis psicológicas investigadas, como o estresse, o humor e o burnout. Em muitas das dimensões analisadas, revelaram-se médias e medianas consistentemente semelhantes, assim sendo, e esses achados permitiram analisar aspectos psicológicos que contribuem no planejamento, no monitoramento, na avaliação de treinos e nas competições para ambas amostras de categorias Sub17 e Adulta, de modo que reflete implicações importantes ao rendimento esportivo e à qualidade de vida de mulheres atletas inseridas no futebol. Tendo em vista que a variável estresse, em quase todos fatores, se relacionou de maneira marcante com a síndrome de burnout e estados de humor, tal elemento pode ser considerado epicentro das relações entre as percepções psicológicas em atletas de futebol feminino da presente pesquisa. Portanto, é de grande relevância que novas investigações, bem como a atenção de profissionais da área se direcionem para os agentes estressores, o estresse percebido, a recuperação e quais as implicações destes aspectos em outras esferas do desenvolvimento humano e desempenho esportivo. Nesta perspectiva, as contribuições deste trabalho, com as devidas reservas, estão no âmbito das intervenções profissionais no futebol feminino, em especial nas situações em que mulheres futebolistas enfrentam e como manejam o estresse percebido por meio da recuperação, com a finalidade de proteger a saúde psicológica e desenvolvimento das próximas atividades. Assim sendo, as dimensões de recuperação incluídas na variável de estresse, são elementos que podem repercutir em inúmeros aspectos de saúde, sociais e do desempenho em campo. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 148 149 REFERÊNCIAS 1. ÁLVAREZ, O.; CASTILLO, I.; MORENO-PELLICER, R. Transformational parenting style, au- tonomy support, and their implications for adolescent athletes burnout. Psychosocial Inter- vention, 28(2), 91–100. 2019. 2. ANDRADE, A.; BEVILACQUA, G.; CASAGRANDE, P.; BRANDT, R.; COIMBRA, D.; Sleep quality associated with mood in elite athletes, The Physician and Sportsmedicine, 2019. 3. BRANDIT, R.; VIANA, M. da S.; SEGATO, L.; ANDRADE, A. Estados de humor de velejadores durante o Pré-Panamericano. Motriz, Rio Claro, v.16 n.4 p.834-840, out./dez. 2010. 4. BRAUNER, V. L. Desafios Emergentes Acerca Do Empoderamento Da Mulher Através Do Esporte. Movimento, Porto Alegre, v. 21, n. 2., p. 521-532, abr./jun. de 2015. 5. CALLEGARI-JACQUES S. 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São José do Rio Preto, 2008. 10 Níveis de conhecimento e desidratação em jogadores juniores de futebol Vanessa MachadoLustosa UNIFSA Fátima Karina Costa de Araújo UFPI Henrilla Mairla Santos de Morais UNIFACEMA Fabiane Araújo Sampaio UFPI 10.37885/210504580 https://dx.doi.org/10.37885/210504580 Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 154 Palavras-chave: Esportes, Hidratação, Desidratação. RESUMO Introdução: A desidratação é uma condição fisiológica que decorre de uma prolon- gada perda hídrica, com consequente elevação da temperatura corporal e redução do desempenho de atletas. Objetivo: Avaliar o nível de conhecimento de hidratação e o grau de desidratação de jogadores juniores de futebol. Métodos: Trata-se de um estudo transversal, com a participação de 14 jogadores de futebol, nos quais foram avaliados o percentual de perda de peso após exercício (desidratação relativa), o pH e a densi- dade da urina além do nível de conhecimento sobre hidratação. A análise estatística foi realizada por meio do programa SPSS v. 18.0, utilizando um intervalo de confiança de 95%, com nível de significância com p <0,05. Resultados: Verificou-se que 92,85% dos jogadores apresentaram eutrofia e os valores médios para desidratação relativa, densi- dade urinária e pH foram de -0,89%, 1034,43, e 5,64, respectivamente. Observaram-se também níveis de desidratação apresentaram conhecimento regular sobre hidratação. Conclusão: A desidratação encontrada em jogadores juniores pode ser influenciada por diferentes posições em campo e pelo esquema tático do jogo. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 154 155 INTRODUÇÃO O futebol de campo é um dos esportes que cresce a cada ano, com importantes reper- cussões no mundo esportivo (FRANCISCO et al.,2020). Essa modalidade é caracterizada pela disputa entre duas equipes, que contam cada uma com 11 jogadores dos quais 10 são atletas de linha, divididos em posições de defesa, meio de campo e ataque (HILDAGO et al., 2015; SILVA et al., 2018). A desidratação é uma condição fisiológica que decorre de uma prolongada perda hídrica, o que afeta as funções fisiológicas e térmicas do corpo, levando a complicações e prejuízos no desempenho esportivo (CAMERINO et al., 2017). As consequências da desidratação podem ser diminuídas ou até evitadas por meio de uma adequada hidratação, o que é fundamental para um bom desempenho atléti- co, especialmente para atletas que realizam atividades intensas e prolongadas no calor (NÓBREGA et al., 2007). Estudos demonstraram impactos negativos da desidratação na performance física dos atletas (SILVA et al., 2018). Na prática da modalidade esportiva a reidratação geral- mente não é suficiente para compensar os níveis de água perdida devido ao calor gerado na atividade. Além disso, fatores como as condições ambientais e a inexistência de pausas regulares nos jogos para a reidratação são fatores que podem exacerbar essa situação (BALIKIAN et al., 2002). Para essa adequada reidratação, muitas vezes é necessário a ingestão de líquidos com diferentes eletrólitos e a introdução de carboidratos (ANDREW E TREVON, 2018). Essa prescrição deve ser sempre considerada de acordo principalmente com o tempo da atividade esportiva e as condições climáticas e, no caso do futebol de campo, de acordo também com as diferentes posições e consequentes demandas no jogo (JOHAN et al., 2015; CARVALHO T; MARA, 2010. Devido aos potenciais benefícios que um nível de hidratação adequado propicia aos atletas, principalmente no Brasil, que é um país tropical, nota-se a necessidade de se es- tudar e fornecer evidências científicas sobre o tema. Os objetivos do estudo foram avaliar o grau de desidratação e o nível de conhecimento sobre hidratação em atletas juniores de futebol de campo. MÉTODO Estudo transversal, realizado em um clube de futebol na cidade de Caxias, no estado do Maranhão, que contou com a participação de 14 jogadores de futebol de campo, do sexo masculino, com faixa etária entre 16 e 19 anos de idade. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 156 Primeiramente foram avaliadas as condições climáticas por meio da temperatura e umidade relativa do ar e posteriormente, foram coletados peso e altura dos participantes para o cálculo do índice de massa corpórea (IMC). Para a verificação do grau de hidratação foram coletados a massa corporal antes (MCpré) e após a sessão de treinamento (MCpós) de cada jogador, identificando sua posição tática no jogo. Para o cálculo da desidratação relativa foi calculado a diferença entre a MCpré e a MCpós. Caso o resultado da variação de peso corporal estivesse entre os limites positivos e de perda de 1 kg o atleta era consi- derado hipohidratado. Continuamente, se as variações fossem de 1 a 3 kg negativos seria considerado com desidratação mínima, de 3 a 5 kg negativos de desidratação significativa e maior que 5 kg negativos de desidratação grave (CASA et al., 2000). A urina foi coletada antes e após o treino para a determinação da densidade por meio de um refratômetro óptico, e a determinação do pH da urina por foi realizada por meio de fitas de determinação de pH (Labtest Diagnostica S.A.®). Os estados de hidratação por meio da densidade da urina foram divididos em hipohidratados (≥1030 sg;), hidratados (1013 a 1029 sg;) e hiperhidratados (1001 a 1012 sg) (CASA et al., 2000). sg: specific gravity: densidade relativa. Para a avaliação do conhecimento dos atletas sobre hidratação foi realizado um ques- tionário (autoadministrado) adaptado de estudo prévio de Brito (2002) e Ferreira (2003), o qual continha oito perguntas objetivas relacionadas aos hábitos e nível de conhecimento sobre a temática hidratação. Para análise dos dados, foi utilizada a distribuição da porcen- tagem obtida em cada resposta, onde foi considerado conhecimento ruim os atletas que acertaram até 30% do questionário, conhecimento regular os que acertaram de 30% a 50% do mesmo, conhecimento bom os que acertaram de 50% a 70% do questionário e ótimo os que acertaram mais que 70%. Os dados foram organizados em planilhas do Excel®, posteriormente exportados para o programa SPSS (for Windows® versão 18.0). Os dados foram descritos através de estatística descritiva e analítica. Os dados quantitativos foram analisados pelo teste de Mann-Whitney). A normalidade dos dados foi verificada pelo teste Kolmogorov-Smirnov em todas as variáveis analisadas. Para as variáveis que apresentaram uma distribuição normal foram utilizados testes paramétricos. Para caracterização da amostra, foi utilizada análise descritiva, com distribuição da frequência, cálculo de tendência central (média) e de dispersão (amplitude de variação, desvio padrão) das variáveis numéricas e para a comparação de média foi utilizada o teste t de student. Nas respectivas análises estatísticas, foi utilizado nível de significância de p ≤ 0,05 e nível de confiança de 95%. O projeto foi aprovado sob o número do CAAE 42339015.1.0000.5554 e todos os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 156 157 RESULTADOS Os participantes do estudo apresentaram idade média de 17,07 ± 1,07 anos, com 92,85% considerados eutróficos, segundo indicador IMC/ idade). Os valores de peso antes e após o treino para a determinação da desidratação relativa demonstraram que apenas os jogadores do lateral direito e esquerdo, volante e o zagueiro 03 estavam desidratados, os demais jogadores apresentaram euhidratação. Em relação à densidade urinária antes e após o treino dos jogadores, foi verificado que apenas quatro jogadores apresentaram quadro de hidratação adequada antes de começar a partida, sendo eles o goleiro, o zagueiro 02, o atacante e o volante, os demais jogadores antes de iniciar a partida já revelava desidratação. Evidenciamos que o volante estava hi- dratado antes de iniciar a partida e no final da mesma apresentou-se desidratado. Na Tabela 1 estão descritos os valores médios e desviopadrão dos parâmetros densi- dade urinária pós-treino, desidratação relativa e o ph pré e pós-treinos, onde foi observado que a desidratação relativa classificou os jogadores como Euhidratado, enquanto a densidade urinária pós-treino classificou os mesmos como Hipohidratados, houve diferença estatística entre o pH antes e após a partida (p<0,05), com redução do pH urinário. A temperatura, sensação térmica e umidade relativa do ar referente ao dia do treino da coleta de dados estão descritos na Tabela 2. Tabela 1. Valores médios e desvio padrão da densidade urinária pós-treino, desidratação relativa e o ph pré e pós-treino dos jogadores de futebol. Parâmetros Desidratação relativa Densidade urinária pós-treino pH pré-treino pH pós-treino Média ± DP -0,89 ± 0,47 1034,43 ± 5,42 5,93 ± 0,82* 5,64 ± 0,50* Mínimo -2 1024 5 5 Máximo -0,3 1041 7 6 *Valores significativamente diferentes entre o pH pré e pós-treino, teste t de Student (p<0,05). Tabela 2. Distribuição dos valores de médios das variáveis referente as condições climáticas no dia do treinamento. Parâmetros Temperatura Sensação Térmica Umidade Média 29ºC 36ºC 72,5% Mínimo 23ºC 30ºC 50% Máximo 35ºC 42ºC 95% Fonte: Dados da pesquisa. O percentual do nível de conhecimento dos jogadores avaliados foi descrito de acordo com a ordem das perguntas. Em relação a preocupação dos jogadores em se hidratarem durante os treinos e competições foi observado que 64,28% e 71,42% dos atletas sempre se hidratavam durante os treinos e competições, no entanto 28,7% e 28,58% ás vezes rea- lizavam hidratação no momento do treino e durante as competições e apenas 7,15% quase nunca se hidratavam durante o treino. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 158 Tabela 3. Percentual do Nível de conhecimento sobre hidratação. Nível de Conhecimento Jogadores de Futebol (n) (%) (%) média de acerto das questões 14 48,9% Fonte: Dados da pesquisa. Quando foi abordado sobre a preocupação dos jogadores com o tipo de hidratação (água ou isotônico), antes, durante ou depois de uma partida, foi demonstrado que 57,2% dos jogadores se preocupavam com o tipo de hidratação. Onde foi possível observar que todos os jogadores utilizavam apenas água como fonte de hidratação. Em relação ao momento ideal do consumo de líquido, 64,28% dos jogadores declararam que a ingestão deve ser feita antes da sensação de sede, enquanto que 28,57% e 7,15% acreditam que deve ser realizada somente após a sensação de sede ou muita sede, respec- tivamente. Quando questionados sobre a importância da hidratação em diferentes estações do ano, o resultado revelou que 57,2% se preocupavam com a hidratação independente da estação do ano e 42,8% se preocupavam apenas no verão. Na Figura 1 são descritos os principais sintomas apresentados pelos jogadores no momento do treino ou competições devido à desidratação e na Figura 2 é apresentado a relação entre volume de líquido adequado e a frequência que eles devem consumir. Quanto ao conhecimento dos jogadores sobre a função dos isotônicos apresentado na Figura 3, foi observado que 50% deles acertaram qual a principal função do isotônico. Figura 1. Sintomas relatados pelos jogadores decorrentes da desidratação. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 158 159 Figura 2. Relação entre tempo e quantidade de líquidos consumidos pelos jogadores. Figura 3. Conhecimento dos jogadores sobre a função dos isotônicos. DISCUSSÃO No presente estudo foi avaliado o grau de desidratação de jogadores de futebol junio- res e o conhecimento destes sobre a hidratação. Foi observado que eles em sua maioria apresentaram eutrofia segundo o indicador IMC por idade, condição que pode ter sido fa- vorecida pelo treino contínuo e bom desenvolvimento físico deles, resultados semelhantes foram encontrados em outros estudos (PROTEL et al., 2019; ROSA, 2011; PETREÇA; RUSKE NETO, 2016). Quanto avaliação do grau de desidratação, um dos métodos utilizados para a verificação foi a aferição do peso pré e pós-treino, para a determinação do percentual de Desidratação Relativa (DR%) dos jogadores avaliados. Eles em maior parte apresentaram a classificação Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 160 Euhidratados, corroborando com os resultados de Ersoy et al. (2016), Motta e Quintão (2016) e Alves e Lopes (2021). Em relação a temperatura e a umidade relativa do ar, as mesmas estavam em condições favoráveis para a manutenção da hidratação em níveis aceitáveis no dia da avaliação. Por outro lado, o estudo de Mota et al. (2011) e Borusch et al. (2007), verificaram que a maioria dos atletas desidrataram em virtude da elevada temperatura no dia do treino. No presente estudo apenas o volante e os laterais direito e esquerdo demonstraram desidratação mínima, em virtude de serem posições mais suscetíveis ao desgaste físico e aumento de temperatura durante a partida. Segundo Ravagnani et al. (2013), os laterais precisam correr do campo de defesa até o campo de ataque e ainda realizam cruzamentos, o que favorece o aumento da produção de suor e consequentemente pode levar a desidratar Com relação à densidade urinária foram encontradas divergências com os dados da densidade relativa, enquanto que na avaliação de DR%f oi diagnosticado que a maioria dos atletas estavam Euhidratados ,a densidade urinaria diagnosticou a maioria dos jogadores em estado de Hipohidratação antes de entrar em campo, e apenas o goleiro, zagueiro 02 e o atacante permaneceram Euhidratados após o treino, esses últimos são jogadores de posições que realizaram exclusivamente movimentos de curta duração e alta intensidade e baixo volume de deslocamento quando comparados aos outros atletas (COSTA et al., 2009). É importante ressaltar que ambos os métodos são válidos para verificar o estado de hidratação, entretanto, o peso antes e depois do treino avalia apenas mudanças rápidas na hidratação do atleta, fato este que pode ter influenciado os resultados encontrados. Nóbrega et al. (2007) também revelou que o estado Euhidratado para jogadores amadores de futsal por meio do método de DR% e Hipohidratação, segundo a densidade urinária. Enquanto que os estudos de Nery et al. (2014), Pinto et al. (2014) e Ersoy et al. (2016), a DU não apresentou diferença significativa entre o pré e pós-treinamento. Além disso, verificou-se redução do pH urinário após o treino, decorrente principalmente do aumento na concentração da urina dos atletas investigados, logo também um indicador de desidratação, este estudo corrobora com os dados encontrados por Protel et al. (2019). A uri- na naturalmente é ácida, com o pH entre 4,5 e 8, considerada adequada ligeiramente ácido com valores entre 5.5 a 6.5, superiores ao encontrado nesse estudo (SILVERTHORM, 2010). Quanto ao nível de conhecimento sobre hidratação observou-se que os jogadores apresentaram um conhecimento intermediário e no que diz respeito ao hábito de se hidratar durante os treinamentos e competição, foi observado que grande parte dos avaliados sem- pre realizaram hidratação. O resultado encontrado por Drumond et al. (2007) demonstrou que apenas 50% dos participantes dos estudos consumiram líquidos sempre durante os treinos e competições. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 160 161 Em relação à preocupação com tipo de hidratação (água ou isotônico) nos momentos que antecedem, durante e depois de um treinamento e competição, mais que 50% dos jo- gadores reconheceram a importância de outras bebidas para a hidratação, entretanto, 100% dos mesmos utilizavam apenas água para hidrata-se, corroborando com estudos anteriores realizados em adultos e adolescentes futebolistas (SILVA et al., 2011; KURDAK et al., 2010). Atividades com tempo inferior a 60min de duração, a água é a bebida mais indicada, porém, atividades que ultrapassam esse período como uma partida de futebol que possui duração média de 90min, a ingestãode apenas água é insuficiente para a hidratação dos jogadores (CARVALHO T; MARA, 2010). A SBME (2003) recomenda para atividades de duração superior a uma hora ou ativida- des intensas do tipo intermitente mesmo com menos de uma hora a reposição de carboidrato e sódio, ou seja, a utilização de bebidas com 6% de carboidrato passam a ser mais importante na recuperação do atleta, além de evitar quadros de hipoglicemia e acelerar a reposição do glicogênio muscular (CARVALHO T; MARA, 2010; CÂMARA et al., 2017). No presente estudo a maioria dos jogadores se hidratavam antes da sensação de sede, resultado semelhante foi encontrado por Prado et al. (2010). Enquanto Ferreira et al. (2009) encontraram dados preocupantes em atletas de futebol de base, pois a maioria somente se hidratavam após a sensação de sede. Assim, os resultados encontrados revelaram a necessidade de sensibilização os es- portistas, uma vez que iniciar a ingestão de líquidos apenas após a sensação de sede pode induzir a sérios dados a saúde, pois a literatura afirma que quando o indivíduo sente sede já se encontra 2% desidratado. Dentre os sintomas relatados pelos jogadores durante ou após o treino, grande parte relataram cãibras, seguido por sede muito intensa, dificuldade de concentração e sensação da perda de força. No estudo de Drumond et al. (2007), os sintomas mais frequentes foram sede muito intensa e cãibras, o primeiro indica que o jogador necessita repor seus estoques hídricos, uma vez que apresenta 2% de desidratação, enquanto que as cãibras também indicam desidratação e ainda concentrações anormais de eletrólitos séricos. No estudo de Cardoso et al. (2020) os sintomas mais frequentes foram sede muito intensa seguido por sensação de perda de forca. A dificuldade na concentração e perda de força podem estar relacionados à presença de hipoglicemia (GERALDINI et al., 2017). Portanto, os resultados encontrados nesse estudo indicam que somente a água não são suficientes para a hidratação dos jogadores avaliados e reforça a importância da repo- sição adequada hidroeletrolítica. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 162 Além disso, deve ocorrer equilíbrio entre o volume e a frequência na ingestão de lí- quidos. Nossos jogadores apresentaram bom conhecimento sobre este tema, uma vez que quase metade dos atletas responderam que o consumo de líquidos deve ser de 250 mL a cada 15 minutos, no entanto, o número de jogadores que não tinham ideia de como se hidratar ou não sabiam a informação adequada ainda é alarmante. A SBME (2003) recomenda que a ingestão de água deve ser duas horas antes do jogo em torno de 250 a 500 mL para garantir que o indivíduo inicie o exercício bem hidratado, enquanto que durante o exercício recomenda-se iniciar a ingestão nos primeiros 15 minutos e continuar bebendo a cada 15 a 20 minutos. Em relação à função dos isotônicos, metade dos jogadores sabiam o valor de seu uso, compreendendo sua verdadeira função, apesar de nenhum deles realizarem a ingestão de bebida hidroeletrolítica. O modo mais conveniente e eficiente de reposição ocorre por meio de isotônicos, onde além de promoverem hidratação, apresentam ainda quantidades sufi- cientes de eletrólitos e carboidratos (REALE et al., 2017). Nesse sentido, a desidratação presente em alguns jogadores desse estudo pode estar relacionada ao nível de conhecimento regular desses atletas ou mesmo decorrente da soli- citação metabólica individual, o que reforça a necessidade de orientações sobre a temática para o grupo, visando corrigir os hábitos inadequados sobre hidratação. CONCLUSÃO A desidratação encontrada nos jogadores foi influenciada por diferentes posições em campo e esquema tático do jogo, uma vez que apenas atletas com funções de maior solicita- ção metabólica demonstraram hidratação insuficiente. Além disso, os jogadores apresentaram nível de conhecimento regular sobre hidratação, que influenciou alguns atletas já entrarem em campo desidratados e apresentem sintomas característicos dessa condição, sugerindo a necessidade da utilização de isotônicos e não apenas água durante as atividades intensas e de duração superior a uma hora. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 162 163 APÊNDICE APÊNDICE A - QUESTIONÁRIO PARA VERIFICAÇÃO DO NÍVEL DE CONHECIMENTO E PRÁTICA DE HIDRATAÇÃO Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino Idade: (___) anos Categoria: (____________) 1. Você tem o costume de hidratar-se durante: Durante o treinamento: ( ) Nunca ( ) Quase nunca ( ) Ás vezes ( ) Sempre Durante Competições: ( ) Nunca ( ) Quase nunca ( ) Ás vezes ( ) Sempre 2. Quando você se hidrata, preocupa-se com o tipo de hidratação (água ou isotônicos), nos momentos que antecedem, durante e depois de um treinamento e competição? ( ) Sim ( ) Não 3. Qual o tipo de solução líquida que você tem o costume de se hidratar? ( ) Água ( ) Isotônicos ( ) Refrescos ( ) Sucos naturais ( ) Coca Cola ( ) Cerveja ( ) Café ( ) Outras _______________________________________________________ 4. Quando se deve beber líquidos? ( ) Antes da sensação de sede Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 164 ( ) Somente depois de sentir sede ( ) Quando se sente muita sede 5. Sua preocupação quanto à necessidade de hidratar é mais frequente: ( ) No verão ( ) No inverno ( ) Independente da estação ( ) Não me preocupo 6. Durante uma competição ou treinamento, você já apresentou algum destes sinto- mas? ( ) Sede muito intensa ( ) Dificuldade de concentração ( ) Câimbras ( ) Desmaios ( ) Palidez ( ) Insensibilidade nas mãos e pés ( ) Olhos fundos ( ) Alterações visuais ( ) Sensação de perda de força ( ) Fadiga generalizada ( ) Dor de cabeça ( ) Alucinações ( ) Sonolência ( ) Perda momentânea de consciência ( ) Convulsões ( ) Coma ( ) Interrupção da produção de suor ( ) Interrupção da atividade planificada ( ) Dificuldade de realização de um movimento técnico facilmente realizado em condições normais. 7. Como você acha que deveria ser feita uma hidratação: ( ) Beber um litro de uma só vez ( ) Beber ¼ litro para cada ¼ de hora Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 164 165 ( ) Beber ½ litro para cada ½ hora ( ) Não tenho ideia 8. Você acredita que o consumo de um isotônico: ( ) Repõe só líquidos ( ) Repõe só eletrólitos ( ) Repõe só energia ( ) Repõe eletrólitos e energia ( ) Hidrata e repõe eletrólitos e energia ( ) Apresenta a mesma função da hidratação com água. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 166 REFERÊNCIAS 1. ANDREW, J. C e TREVOR, N. S. Nutritional Peak Week and Competition Day Strategies of Competitive Natural Bodybuilders. Sports Nutritions, v 24, n 6 p 126, 2018. 2. ALVES, R.F.; LOPES P.R.N.R. Hidratação no futebol infantil. Rev Bras Futebol, v. 14, n. 1, 35 – 47, 2021. 3. BALIKIAN, P et al. Consumo máximo de oxigênio e limiar anaeróbio de jogadores de futebol: comparação entre as diferentes posições. 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Rev Bras Futebol, v.8, n.2, p.43- 50, 2017. 11 Percepções de futebolistas profissionais sobre fatores de risco de lesões e estratégias de prevenção utilizadas Henrique Barbosa Ramos UFJF - Campus Governador Valadares Styllon Ferreira dos Santos UFJF - Campus Governador Valadares Danilo Reis Coimbra UFJF - Campus Governador Valadares Renato Siqueira de Souza UFJF - Campus Governador Valadares Flávio de Jesus Camilo UFJF - Campus Governador Valadares Cristiano Diniz da Silva UFJF - Campus Governador Valadares 10.37885/210504677 https://dx.doi.org/10.37885/210504677 Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 170 Palavras-chave: Futebol, Fatores de Risco, Prevenção de Lesões, Percepção. RESUMO Objetivo: investigar a percepção de jogadores profissionais de futebol sobre suas percep- ções a respeito dos fatores de risco e sobre preferências quanto ao uso das estratégias de prevenção utilizadas nos últimos seis meses. Método: utilizou-se um questionário anônimo baseado em plataforma on-line (Survey MonkeyTM). Resultados: nossa amostra contou com 113 jogadores profissionais (23,7 ± 5 anos [18-39]; 6,9 ± 5 anos de carreira) que retornaram as respostas (taxa= 94,2%). Foi observada prevalência de lesões na carreira de 80% dos participantes do estudo (taxa de lesão, 1.84 por jogador). Observou- se também maior faixa etária (p<0,05) e tempo de carreira (p<0,01) naqueles jogadores com histórico de lesão. Os isquiotibiais (~26,2 %) e a articulação do tornozelo (~24%) foram os segmentos anatômicos mais acometidos. Quanto ao fator “risco externo à lesão”, ~76,9% dos futebolistas concordam totalmente (43,2%) ou parcialmente (33,7%) sobre o futebol ser de “alto risco” para lesões; aproximadamente metade dos respondentes descreveram “desequilíbrio muscular” (48,3%) e “fadiga” (47,1%) como os fatores inter- nos com maior taxa de concordância total sobre os riscos implicados para lesões em futebolistas. No que tange às estratégias de prevenção, os atletas se descreveram como “gostar muito” de minijogos (76%) e de treinos que envolvam a bola (79,2%). Conclusão: o futebol é percebido pelos próprios atletas como um esporte de alto risco para lesões. Faixa etária e tempo de carreira são fatores de suscetibilidade à lesão. Notou-se que a prevalência de lesões musculoesqueléticas são as que mais afetam os jogadores, e que os membros inferiores são os mais acometidos. Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 170 171 INTRODUÇÃO O futebol é caracterizado por esforços intermitentes aleatórios e elevada taxa de des- prendimento de energia para eventos de jogo que exigemaceleração e desaceleração, como a disputa de bola, preenchimento rápido dos espaços no campo de jogo e oposição aos adversários (STØLEN et al., 2005). Além disso, no futebol, o contato físico constante entre os atletas torna eminente o risco de lesão, estando este entre os esportes com maior prevalência (Junge et al., 2009), sendo reportado aproximadamente cinco (5) lesões para cada mil horas de treinamento e 30 lesões para cada mil horas de jogo para atletas de elite (EKSTRAND; WALDÉN; HÄGGLUND, 2004; WALDÉN; HÄGGLUND; EKSTRAND, 2005). Portanto, órgãos gestores da modalidade e comissões técnicas de clubes têm se mostrado cada vez mais preocupados com aspectos epidemiológicos do jogo, considerando a incidên- cia, as causas, a severidade das lesões e as estratégias preventivas nos atletas das mais diferentes faixas etárias e níveis competitivos, tendo em vista o impacto que esse esporte tem para a sociedade como meio de lazer e prática de atividade física (FERNANDES et al., 2015). No futebol a lesão pode ser definida como qualquer queixa física reportada por um jogador que o impeça de participar plenamente das sessões de treinamento por um ou mais dias (FULLER et al., 2006). As lesões são classificadas, durante as notificações, quanto à localização anatômica e aos mecanismos de desfecho (traumático ou overuse [i.e., uso excessivo]), e se a lesão foi uma recorrência (FULLER et al., 2006). As lesões traumáticas são ocasionadas por fatores externos relacionados ao ambiente (calçado, bola, condições climáticas e tipo de gramado) (FULLER et al., 2006; Poulos et al., 2014). As chamadas lesões por overuse se caracterizam pelo uso excessivo do sistema musculoesquelético, repercutindo em síndrome dolorosa com início insidioso e sem nenhum trauma ou doença conhecida (Hagglund et al., 2005). Portanto, essas lesões são geralmente causadas por motivos intrínsecos, ou seja, relacionados ao atleta, sendo possível observar fatores como idade, anatomia ou anormalidade biomecânica, fraqueza ou desequilíbrio muscular e fadiga em interação com programas de treinamentos (FULLER et al., 2006). Em um estudo retrospectivo com onze clubes da Champions League da temporada 2001-2002 foi demonstrado que 85% das lesões acometeram os membros inferiores e apro- ximadamente um quarto delas ocorreram durantes os jogos oficiais (23%) devido à entrada faltosa do adversário (Waldén; Hägglund; Ekstrand, 2005). Esse mesmo estudo, estratificou a etiologia das lesões, demonstrando que aquelas com origem traumática consistiram majo- ritariamente em contusões (46%) e entorses (37%) (WALDÉN; HÄGGLUND; EKSTRAND, 2005). As lesões por overuse constituíram 27% do total de lesões, sendo dor lombar (13%), tendinopatia de Aquiles (12%), dor na virilha relacionada ao adutor (10%) e tendinopatia patelar (7%) as mais comuns (WALDÉN; HÄGGLUND; EKSTRAND, 2005). A lesão recidiva Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 172 constituiu 15% de todas as lesões, e quase dois terços (61%) delas foram lesões de overuse (WALDÉN; HÄGGLUND; EKSTRAND, 2005). Como os fatores preditores para as lesões por overuse são modificáveis, o interesse principal está no estabelecimento de estratégias de prevenção prioritárias para esse tipo de lesão a serem implementadas nas rotinas de treinamentos. A literatura científica tem recomendado modelos teóricos enfatizando que programas de prevenção adequadamente planejados devem ser implementados como tentativa para redução da incidência de lesões sem contato no futebol (MEURER; SILVA; BARONI, 2017). Assim, focando nas estratégias de prevenção e programas de treinamento, a FIFA (Fédération Internationale de Football Association) criou uma cartilha com métodos de aquecimento (warm-up) específicos para a prática do futebol que, segundo a entidade, fornece uma rotina de exercícios completos para prevenir lesões nesse esporte, o chamado FIFA11+ (FERNANDES et al., 2015). Outros exercícios utilizados tradicionalmente nos programas de prevenção de lesões no futebol brasileiro envolvem, além de alongamentos, exercícios específicos de aquecimento, treinamento de força tradicional, treinamento funcional, exercícios para condicionamento geral, exercícios de equilíbrio/propriocepção, pliometria e exercício nórdico para isquioti- biais, e outros exercícios excêntricos (MEURER; SILVA; BARONI, 2017). No entanto, uma recente revisão sistemática apontou que a maioria das percepções e condutas práticas dos profissionais permanece com um baixo nível de evidência e uma baixa recomendação de uso das diferentes formas de exercícios, devido aos seus subsequentes e insignificantes efeitos práticos na redução das taxas de lesão nas equipes da primeira divisão do futebol inglês (MCCALL et al., 2015). Assim, reduzir a distância entre o que é sugerido pela ciência e o que é usado na prática se faz necessário. A eficácia da implementação de medidas preventivas depende da conformidade do atleta. Por exemplo, no contexto atual, existem apontamentos para uma baixa adesão dos atletas à implementação de programas preventivos e um comprometimento na qualidade de execução dos exercícios, o que possivelmente tem limitado seus efeitos para a redu- ção das taxas de lesões (MCCALL; DUPONT; EKSTRAND, 2016). Assim, para melhorar a prática baseada em evidências, é requerida uma compreensão sobre as atitudes e crenças dos jogadores sobre todo o processo e mecanismos de lesão no futebol. Esse processo e experiência de aprendizagem afetariam a eficácia da adoção e seu sucesso, ao passo que ele internalizaria processos de aprendizagem e experiências específicas com a introdução de estratégias preventivas (VAN TIGGELEN et al., 2008). Dessa forma, conhecendo a magnitude de percepção dos atletas, essa investigação permitirá a compreensão da percepção dos futebolistas sobre fatores de risco inerentes ao futebol e à sua prática como profissionais dessa modalidade, assim como sobre as estratégias Medicina do Esporte no Futebol: pesquisa e práticas contemporâneas 172 173 de prevenção utilizadas nos clubes. Portanto, a percepção do atleta deve contribuir priorita- riamente para compreender o contexto específico dos fatores de risco para lesão primária e secundária (lesão recidiva), e as preferências sobre as estratégias de prevenção de lesão correntemente usadas individualmente ou coletivamente no futebol profissional. OBJETIVO Analisar as percepções de futebolistas profissionais sobre fatores de risco de lesão, uso e preferência das estratégias de prevenção aplicadas no cotidiano dos seus clubes de futebol nos últimos seis meses. Como objetivos específicos, o estudo se propõe a carac- terizar a amostra quanto ao histórico e prevalência de lesão; descrever suas percepções quanto aos fatores de risco intrínsecos e extrínsecos à lesão; e graduar as preferências dos futebolistas quanto aos métodos de prevenção utilizados. MÉTODOS O presente estudo foi do tipo exploratório, buscando informações sobre as ocorrências de lesões dos jogadores na carreira e os fatores de risco associados, e sobre a preferência por programas/estratégias ou propostas preventivas nos últimos seis meses. Um questio- nário anônimo foi utilizado, sendo solicitado respostas àqueles consentidos em participar da pesquisa via web (Survey MonkeyTM)1. O pesquisador recrutador não estava envolvido nas rotinas de treinamento ou na prática médica dos clubes. Participaram deste estudo futebolistas profissionais dos clubes de futebol do Modulo I, Modulo II e Segunda Divisão pertencentes ao Campeonato Mineiro de 2019. Para ser incluído no estudo, o atleta deveria ter mais de 18 anos, ser jogador profissional de futebol, aceitar participar e retornar o ques- tionário respondido. Como critério de exclusão, retornar o questionário não preenchido. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Juiz de Fora (CAAE: 03352818.1.00005147, Parecer 3.094.275). O questionário utilizado