Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 1/44 Fundamentos da interceptação telefônica Prof.ª Bruna Figueira Marchiori Descrição Abordagem conceitual e prática dos fundamentos da interceptação telefônica. Propósito A interceptação telefônica é um importante meio de obtenção de prova, sendo frequentemente utilizada na investigação criminal ou na instrução processual penal. O conhecimento dos fundamentos dela e de suas características principais fornece uma bagagem teórica necessária para os alunos que futuramente desejarem exercer profissões jurídicas em tal área. Preparação Antes de iniciar os estudos deste conteúdo, você precisa acessar na internet a Constituição Federal (CF) de 1988 e a Lei nº 9.296/1996. Objetivos Módulo 1 Direitos fundamentais e a interceptação telefônica 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 2/44 Analisar a relação existente entre os direitos fundamentais e a interceptação telefônica. Módulo 2 Fundamentos legislativos da interceptação telefônica Reconhecer as principais previsões legislativas acerca do tema da interceptação telefônica. Módulo 3 Questões probatórias Identificar as principais características da interceptação telefônica como um meio de obtenção de prova. 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 3/44 1 - Direitos fundamentais e a interceptação telefônica Ao �nal deste módulo, você será capaz de analisar a relação existente entre os direitos fundamentais e a interceptação telefônica. O tema das interceptações telefônicas é um dos assuntos mais polêmicos do cenário jurídico atual, tendo sido pano de fundo de diversos debates jurisprudenciais recentes e de importantes novidades legislativas nos últimos anos. Diante da atual relevância adquirida pelos meios de comunicação telefônicos e telemáticos na interlocução das pessoas, a interceptação passa a ser uma poderosa ferramenta de prova à disposição do processo penal e de seus agentes para a elucidação de crimes. Por isso, neste conteúdo, compreenderemos de que forma a utilização da interceptação telefônica como meio de obtenção de prova pode ser compatibilizada com o direito fundamental ao sigilo de comunicações a fim de se garantir o respeito à dignidade da pessoa humana. Além disso, veremos quais são os principais fundamentos legislativos que disciplinam o tema da interceptação telefônica. Por fim, identificaremos de que maneira a interceptação é utilizada como meio de obtenção de prova na investigação criminal ou na instrução processual penal. Introdução 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 4/44 Dignidade da pessoa humana O conceito de dignidade da pessoa humana A dignidade da pessoa humana representa o principal valor do ordenamento jurídico brasileiro. Tanto é assim que a Constituição Federal (CF), em seu artigo 1°, afirma que essa dignidade é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Isso significa dizer que o ser humano precisa, como alguém possuidor de um valor, ou seja, em sua dignidade ou humanidade, ser o elemento central de proteção da ordem jurídica brasileira. É importante ter em mente que a consagração da dignidade humana como o princípio central do ordenamento jurídico não é uma exclusividade do direito brasileiro. Diante de todos os desastres humanos decorrentes da Segunda Guerra Mundial, o mundo passou a perceber a necessidade de colocar a proteção do ser humano como valor fundamental a ser protegido. Com isso, esse princípio se tornou a base de grande parte dos ordenamentos jurídicos ocidentais modernos. A dignidade humana corresponde a um valor intrínseco presente em cada ser humano que deve ser defendido e preservado pelo Estado, seja por meio do respeito à esfera de liberdade que cada indivíduo tem, seja a partir da promoção de condições de vida dignas. É a partir dessa premissa que todas as demais regras e os princípios do ordenamento jurídico precisam ser formulados tendo em vista a proteção de tal dignidade. Além de fonte de disposições normativas, a dignidade da pessoa humana corresponde a uma fonte irradiadora de valores. Conforme deixa claro a Declaração universal dos direitos humanos, ela é o 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 5/44 fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. Não é possível, portanto, compreender o sentido desses valores sem considerar que todos eles possuem uma essência única: a preservação do homem e de sua dignidade. A dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais A partir do seu Título II, a CF passa a disciplinar o tema dos chamados direitos fundamentais. Trata-se de um conjunto de direitos humanos expressamente incorporados na Constituição que não podem ser violados pelo Estado ou por outros sujeitos particulares. Como já tivemos a oportunidade de observar, o valor principal a ser protegido pela CF é o da dignidade da pessoa humana. Os direitos fundamentais representam justamente algumas concretizações desse princípio maior. A conquista desse feixe de direitos invioláveis do sujeito, porém, não se deu de uma hora para outra. Foi necessário um longo caminho de lutas durante a história até que todos esses direitos fundamentais estivessem efetivamente consolidados. Para simbolizar todo o histórico de evolução e conquista desses direitos, a literatura jurídica costuma dividir os direitos fundamentais em gerações, que representam as principais categorias de direitos conquistadas em cada período histórico com base nas demandas sociais operantes em cada época. Atenção! As gerações não substituíam simplesmente as anteriores. Na verdade, elas agregavam novos direitos àqueles anteriormente consolidados. Cada geração de direitos, assim, é associada a determinado valor, que acaba se materializando por conta de direitos específicos que passam a ser tutelados a partir de um momento histórico. Para entender melhor, observe a tabela: Gerações Valor defendido Direitos 1° geração Liberdade Civis e políticos 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 6/44 Gerações Valor defendido Direitos 2° geração Igualdade Sociais, econômicos e culturais 3° geração Fraternidade/ solidariedade Difusos e transindividuais 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 7/44 Ainda que alguns autores defendam a existência de uma quarta ou quinta geração de direitos fundamentais, a divisão tripartite da tabela acima representa a visão mais clássica e tradicional acerca do assunto. Por isso, essa divisão será a posição adotada neste texto. A literatura jurídica costuma apontar diversas características próprias dos direitos fundamentais. Tendo em vista os objetivos do presente material, estas são as características mais importantes a serem analisadas: Historicidade Os direitos fundamentais estão constantemente evoluindo, e o conteúdo de cada direito se relaciona com o momento histórico em que ele foi reconhecido. Inalienabilidade e irrenunciabilidade Os direitos fundamentais não podem ser alienados ou renunciados, porque eles são indisponíveis e não possuem valor econômico. Universalidade Os direitos fundamentais devem ser assegurados a todos. Todavia, é preciso ter em mente que nem todos esses direitos são de titularidade de todas as pessoas. Limitabilidade ou relatividade Os direitos fundamentais não são absolutos. Isso significa que, diante de tensões entre direitos constitucionalmente protegidos, um desses direitospode ser limitado para a salvaguarda de outro direito em conflito. 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 8/44 Sigilo das comunicações O direito ao sigilo de comunicações Imprescritibilidade Os direitos fundamentais não são perdidos por seus titulares pelo decurso do tempo. Vedação de retrocesso Todas as conquistas socialmente adquiridas em relação aos direitos fundamentais não podem retroceder, ou seja, os direitos garantidos não podem ser retirados. Não taxatividade Não existe uma lista estanque de direitos fundamentais. Por isso, os direitos elencados no Texto Constitucional representam um rol exemplificativo, pois há direitos fundamentais que não foram diretamente referenciados na Constituição. Essencialidade Os direitos fundamentais são elementos fundamentais para o desenvolvimento de uma vida com dignidade e qualidade de vida. 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 9/44 O sigilo das comunicações e suas restrições Entenda a seguir sobre o direito ao sigilo das comunicações e a interceptação como uma forma de restrição a tal direito. Entre os diversos direitos fundamentais protegidos pela CF, encontram- se aqueles relativos à privacidade e à intimidade. Trata-se, em suma, dos direitos relacionados à proteção de intromissões indevidas na esfera pessoal e íntima do indivíduo. O direito à privacidade e à intimidade busca, assim, resguardar o recato e o acesso coletivo de informações privadas. O tema do direito à privacidade é abordado em vários dispositivos da Constituição. No entanto, ele é especialmente tratado no inciso X do artigo 5°, segundo o qual são protegidas a intimidade e a vida privada das pessoas, sendo possível àquele que tenha tal direito violado pleitear indenização pelo dano material ou moral sofrido. Um dos desdobramentos de tal direito é o direito ao sigilo de comunicações, que é expressamente defendido no artigo 5°, XII, da CF. A parte inicial do mencionado dispositivo legal afirma ser “inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas” (BRASIL, 1988). Essa inviolabilidade significa que os sujeitos têm, como regra, um direito de garantir a confidencialidade do conteúdo de suas comunicações, não devendo o Estado ou terceiros invadirem tal esfera de liberdade comunicativa advinda do direito fundamental à privacidade. A interceptação telefônica como restrição ao sigilo de comunicações Como destacamos, uma das características dos direitos fundamentais é a sua limitabilidade ou relatividade. Determinado direito fundamental, portanto, poderá ser relativizado se entrar em conflito com outros direitos fundamentais. 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 10/44 Para que a limitação dos direitos fundamentais ocorra, quatro importantes requisitos precisam ser observados: 1. A limitação ao direito fundamental deve possuir previsão legal. 2. Essa limitação tem de ser justificada pela necessidade de proteção de outro direito fundamental ou do interesse social como um todo. 3. O direito fundamental não pode ser limitado a ponto de ser totalmente anulado. É o que a literatura jurídica chama de teoria do limite dos limites. 4. A limitação precisa ser proporcional, devendo-se sempre analisar a razoabilidade e a adequação da limitação do direito no caso concreto. Em sua parte final, o artigo 5°, XII, da Constituição estabelece a possibilidade de restrição do direito ao sigilo de comunicações telefônicas por intermédio das interceptações telefônicas. A interceptação autorizada a partir desse dispositivo diz respeito à captação de comunicação telefônica alheia para o conhecimento de seu conteúdo com o objetivo de averiguar a ocorrência de práticas criminosas. Vejamos o seguinte exemplo: Em uma investigação penal de crime de homicídio qualificado, a autoridade policial identifica indícios razoáveis da autoria de Tício e Mévio. Todavia, encontra dificuldades para valer-se dos meios convencionais de prova para a elucidação dos fatos. Desse modo, ela requer ao juízo qualificado a interceptação das comunicações telefônicas de ambos, já que identifica a possibilidade de 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 11/44 elucidação dos fatos a partir do acesso ao conteúdo das ligações telefônicas dos investigados. Atenção! Não se deve confundir a interceptação telefônica com a quebra de sigilo de dados telefônicos. Na interceptação, tem-se acesso ao teor das conversas realizadas a partir da linha telefônica interceptada. Já com a quebra do sigilo dos dados telefônicos, obtém-se o simples acesso ao registro das ligações realizadas e recebidas em determinada linha telefônica. O Texto Constitucional apresenta três requisitos a serem preenchidos para a admissibilidade das interceptações telefônicas: Cada um desses requisitos será explorado com mais profundidade nos próximos módulos. Fique atento! A violação das comunicações telefônicas depende de ordem judicial. Essa violação só pode ocorrer com a finalidade de subsidiar investigação criminal ou instrução processual penal. Tal restrição de direitos só é possível na forma e nas hipóteses previstas em lei. 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 12/44 Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 Sobre os direitos fundamentais, marque a alternativa correta. A Os direitos fundamentais, em razão de sua importância, não podem ser submetidos a limitações. B 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 13/44 Parabéns! A alternativa E está correta. A vedação ao retrocesso é uma das mais importantes características dos direitos humanos constitucionalizados. Também associada ao chamado efeito cliquet dos direitos fundamentais, tal característica demonstra que, na “escalada” de conquista de direitos fundamentais, não pode haver regressões. Ou seja, é inadmissível qualquer medida política ou normativa que busque enfraquecer ou retirar direitos. Questão 2 Acerca do tema da interceptação telefônica, marque a alternativa correta. A ideia de gerações de direitos fundamentais indica que a conquista daqueles mais modernos suplanta os direitos fundamentais anteriores. C O direito à privacidade só pode ser considerado um direito fundamental por ter previsão expressa no Texto Constitucional. D A inviolabilidade do sigilo de comunicações pode ser considerada uma regra absoluta. E A proibição do retrocesso garante que direitos humanos conquistados não sejam reduzidos. A Não há distinção entre a interceptação das comunicações telefônicas e a quebra de sigilo de dados telefônicos. B As interceptações telefônicas somente podem ser autorizadas para fins de investigação policial ou instrução processual penal, sendo vedadas em processos cíveis ou administrativos. 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 14/44 Parabéns! A alternativa B está correta. A utilização exclusiva da interceptação telefônica para fins de investigação policial ou instrução processual penal configura um dos requisitos constitucionais para a utilização de tal meio de obtenção de prova, conforme expressamente preleciona o artigo 5°, XII, da Constituição. 2 - Fundamentos legislativos da interceptação telefônica Ao �nal deste módulo, você será capaz de reconhecer as principais previsões legislativas acerca do tema da interceptação telefônica. C A interceptaçãodas comunicações telefônicas não pode ser autorizada durante o período de investigação criminal, sob pena de violação do sistema acusatório. D A interceptação telefônica realizada sem autorização judicial poderá, a partir do consentimento posterior dos interlocutores, ser validada pelo juiz da causa. E A possibilidade de restrição do direito ao sigilo telefônico não tem previsão expressa no Texto Constitucional, sendo apenas disciplinada pela legislação infraconstitucional. 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 15/44 Aspectos gerais da interceptação telefônica O signi�cado de interceptação telefônica Interceptação telefônica e outras �guras Veja a seguir a diferença entre interceptação e outras figuras. Para podermos nos aprofundar no tratamento legislativo desse tópico, será necessário primeiramente compreender o que exatamente significa a interceptação telefônica e como ela se diferencia de outros métodos semelhantes de captura da comunicação, como a escuta telefônica, a gravação telefônica e a escuta ambiental. Para isso, observe as figuras, diferindo interceptação de escuta telefônica: Interceptação telefônica (stricto sensu) Um terceiro adquire conhecimento do conteúdo da comunicação telefônica alheia sem que nenhum dos interlocutores tenha Escuta telefônica Um terceiro adquire conhecimento do conteúdo da comunicação telefônica alheia com o conhecimento de algum dos interlocutores. 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 16/44 tido ciência e dado seu consentimento para essa interferência. Observe agora as diferenças entre gravação telefônica e interceptação ambiental: Gravação telefônica Ocorre sem a intromissão de terceiros. Nela, um dos interlocutores realiza a captação do conteúdo da conversa telefônica que ele está tendo com outra pessoa. Interceptação ambiental Um terceiro realiza a interceptação da conversa realizada entre dois interlocutores em determinado ambiente sem a intermediação de qualquer aparelho telefônico ou telemático. A evolução do tratamento normativo da interceptação telefônica A disciplina legislativa do tema das interceptações telefônicas não se restringe à previsão constitucional da matéria do artigo 5°, XII, da CR. Por conta disso, será pertinente a realização de uma breve explanação da evolução do tratamento normativo do tema: “Art. 153. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] Constituição da República de 1967 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 17/44 §9°: É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas e telefônicas.” Esse dispositivo constitucional tratava do tema da inviolabilidade das comunicações telegráficas e telefônicas sem estabelecer, de forma expressa, a possibilidade de restrição a tal direito. “Art. 57. Não constitui violação de telecomunicação: [...] II - O conhecimento dado: [...] e) ao juiz competente, mediante requisição ou intimação deste.” Para parte da literatura jurídica, apesar do silêncio constitucional, o artigo 57, II, do Código Brasileiro de Telecomunicações tornava admissível a realização da interceptação telefônica no país desde que ela fosse autorizada judicialmente. Lei nº 4.117/1962 (Código Brasileiro de Telecomunicações) Constituição da República de 1988 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 18/44 “Art. 5°, XII: É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.” O Texto Constitucional estabelece a possibilidade de limitação ao direito ao sigilo telefônico por meio da interceptação telefônica desde que determinados requisitos sejam respeitados. A partir de então, a literatura jurídica passou a divergir sobre a recepção e a possibilidade de utilização do Código de Telecomunicações enquanto não fosse editada a lei regulamentadora das interceptações telefônicas, uma exigência expressa do Texto Constitucional. Pacificando o tema, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela não recepção do artigo 57, II, do Código Brasileiro de Telecomunicações, o que vedou a utilização da interceptação até que a lei regulamentadora fosse editada. “Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.” Lei nº 9.296/1996 (lei regulamentadora) 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 19/44 Trata-se da lei que regulamentou o tema da interceptação telefônica. Conforme veremos adiante, ela estabeleceu novos requisitos para a admissibilidade da interceptação além daqueles elencados no texto da Constituição, bem como disciplinou a forma e as hipóteses de realização da interceptação. Vale ressaltar que a lei em questão não possui efeito retroativo; portanto, ela só se aplica a fatos ocorridos da vigência da lei em diante. “Art. 1° As rotinas de distribuição, registro e processamento das medidas cautelares de caráter sigiloso em matéria criminal, cujo objeto seja a interceptação de comunicações telefônicas, de sistemas de informática e telemática, observarão disciplina própria na forma do disposto nesta resolução.” Após um amplo debate travado acerca da utilização abusiva das interceptações telefônicas no país na denominada CPI dos grampos telefônicos, o CNJ editou a Resolução nº 59 com o intuito de disciplinar e uniformizar o procedimento de interceptação de comunicações telefônicas pelo Poder Judiciário. Resolução nº 59 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 20/44 A resolução em questão foi objeto da ADI 4145. Em seu julgamento, o STF acolheu parcialmente o pedido formulado na ação direta, declarando a inconstitucionalidade do artigo 13, §1º, da resolução, que dispunha sobre a inadmissibilidade do pedido de prorrogação do prazo de medida cautelar de interceptação telefônica durante o plantão judiciário, à exceção da hipótese de risco iminente e grave à integridade ou à vida de terceiros. “Art. 7º O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos: [...] II - Inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei; III - inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial.” A lei ratifica o direito ao sigilo ao fluxo de comunicações e inova, estabelecendo a inviolabilidade e o sigilo dos dados armazenados. A concretização legislativa da interceptação telefônica A interceptação telefônica e a Lei nº 9.296/1996 Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 21/44 Como já vimos, o artigo 5°, XII, da CF atesta que as hipóteses e a forma de ocorrência da interceptação telefônica devem ser previstas em lei. Por isso, em 1996, é publicada a Lei nº 9.296 com a finalidade de regulamentar essa matéria. O artigo 1° da lei afirma que ela disciplinaas interceptações telefônicas de qualquer natureza utilizadas como prova em: Investigação criminal Instrução processual penal Nossa primeira tarefa é identificar o que significa a expressão “de qualquer natureza” presente na lei. Ao estabelecer essa amplitude terminológica, a lei, ao nosso ver, indica que disciplinará tanto as interceptações telefônicas propriamente ditas (ou stricto sensu) quanto a escuta telefônica. Em ambos os casos, um terceiro intercepta a comunicação estabelecida entre dois interlocutores. Além disso, conforme deixa claro o parágrafo único de seu artigo 1°, a Lei nº 9.296/1996 não se aplica somente às interceptações telefônicas, já que ainda regulamenta a interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática. Ela, portanto, também se aplica à interceptação de mensagens instantâneas, e-mails e afins, ou seja, engloba métodos mais modernos de comunicação que o feito por via telefônica. Além dos requisitos presentes no Texto Constitucional, a lei regulamentadora apresenta mais alguns a serem cumpridos para possibilitar a realização da interceptação. Com o objetivo de facilitar a compreensão desse tema, a seguir é demonstrado todos os requisitos positivos e negativos a serem observados, isto é, tanto os mencionados na CF quanto aqueles apenas referenciados na legislação infraconstitucional. Confira! Requisitos positivos • Necessidade de autorização judicial. • Utilização da interceptação para investigação criminal ou instrução processual penal. • Demonstração da necessidade da interceptação e indicação dos meios a serem empregados. 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 22/44 • Descrição clara da situação objeto da investigação e indicação e qualificação dos investigados, salvo em caso de impossibilidade manifesta devidamente justificada. Requisitos negativos • Inexistem indícios razoáveis de autoria ou participação em infração legal. • A prova pode ser realizada por outro meio de prova disponível. • O fato investigado constitui uma infração penal punida, no máximo, com detenção. Estando presentes todos os requisitos positivos e ausente qualquer dos requisitos negativos, a realização da interceptação telefônica será considerada admissível. Sobre tais requisitos, contudo, é importante fazer mais algumas observações. Observações gerais da interceptação telefônica Outros aspectos da interceptação telefônica Conforme estudamos, a interceptação só pode ocorrer a partir de uma ordem judicial. Segundo o artigo 5° da Lei nº 9.296/1996, essa decisão autorizativa pode ser determinada pelo juiz a partir de decisão fundamentada, fator que a coloca sob pena de nulidade da decisão. Além disso, a forma de execução da diligência tem de constar em tal decisão. Outra questão importante ainda relacionada à autorização judicial se refere ao juízo competente para proferir a decisão. No julgamento do crime investigado, o juízo competente será justamente o juiz competente para decidir acerca da interceptação telefônica. 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 23/44 Temos o seguinte exemplo: um crime é praticado por um governador de estado; assim, a competência para o julgamento dele é do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Somente esse tribunal tem competência para decidir acerca da interceptação telefônica do governador durante a investigação criminal. Mas de quem será a iniciativa para requerer a realização dessa interceptação? Resposta A solução para essa questão encontra-se no artigo 3° da Lei nº 9.296/1996. Tal meio de obtenção de prova pode ser determinado de três formas: • De ofício pelo juiz. • A partir do requerimento da autoridade policial na investigação criminal. • A partir do requerimento do Ministério Público na investigação criminal e na instrução processual penal. Assim como a decisão de autorização precisa ser bem fundamentada, o requerimento realizado pelo MP ou pela autoridade policial também deve ser formulado de maneira completa, sendo, dessa forma, dotado de certas exigências. O motivo para esse formalismo é fácil de perceber: como se trata de uma medida muito drástica de invasão do sigilo das comunicações, todo o procedimento que envolve a interceptação telefônica, desde seu requerimento até o deferimento, precisa ser dotado de garantias. Por isso, o requerimento deve ser realizado por escrito – salvo nas hipóteses de urgência, ocasiões nas quais ele poderá ser realizado por escrito e posteriormente reduzido a termo –, demonstrando nesse texto que a sua realização é necessária para a apuração da infração penal e indicando os meios a serem empregados. Outra importante colocação acerca dos aspectos gerais da interceptação telefônica descritos na Lei nº 9.296/1996 se refere ao 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 24/44 sigilo. O artigo 1° dessa lei afirma que a interceptação ocorre sob segredo de justiça. Na mesma linha, o artigo 8° afirma que “a interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas” (BRASIL, 1996). Pelo juiz Sem que ninguém tenha solicitado ao magistrado a sua realização. Mas por que o sigilo na interceptação telefônica é tão importante? É possível apontar, pelo menos, duas razões para isso. A primeira se refere à preservação da intimidade da pessoa investigada. O acesso amplo e irrestrito de todos as informações encontradas a partir da interceptação telefônica seria um abuso da relativização do direito ao sigilo. O segundo motivo relaciona-se à própria eficácia da interceptação. Caso o investigado/acusado ou seu defensor tenha um conhecimento da ocorrência da diligência de interceptação, nenhuma informação comprometedora seria obtida a partir da quebra desse sigilo e o objetivo próprio da interceptação seria desnaturado, já que, como vimos, tal medida visa à elucidação de fatos criminosos. Essa realidade não quer dizer que a interceptação não permite o contraditório entre as partes, pois isso iria frontalmente contra o sistema constitucional e tornaria tal prova inadmissível. O que ocorre, na verdade, é o diferimento do contraditório: somente após a gravação e a transcrição das informações obtidas pela interceptação telefônica, é oferecida ao investigado ou acusado a possibilidade de se manifestar sobre a prova colhida. 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 25/44 Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 (Cespe - 2018 – Sefaz/RS - assistente administrativo fazendário). Nas hipóteses e na forma que a lei estabelece para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, a quebra do sigilo de comunicações telefônicas pode ser determinada por: A Judiciário e Ministério Público. B Judiciário. 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 26/44 Parabéns! A alternativa B está correta. Deve-se diferenciar a requisição da interceptação telefônica da determinação da interceptação. Enquanto a requisição pode ser feita pelo MP ou pela autoridade policial, a autorização dessa medida só pode ser dada pelo Poder Judiciário. Questão 2 Aponte a alternativa correta sobre a decisão autorizativa de interceptação telefônica. C Autoridade policial e Ministério Público. D Fiscalização tributária. E Ministério Público. A Diante da urgência da medida de interceptação, a decisão não precisa ser fundamentada. B É dispensável, pois a interceptação podeser realizada pela autoridade policial independentemente de autorização. C É um dos requisitos positivos que devem estar presentes para possibilitar a realização da interceptação. D A decisão deve estar fundamentada, mas não precisa descrever a forma de realização da diligência. E Pode ser substituída por uma simples requisição do Ministério Público ou da autoridade policial. 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 27/44 Parabéns! A alternativa C está correta. A decisão de autorização da interceptação é um dos requisitos positivos indispensáveis para a ocorrência válida de uma interceptação telefônica. Essa decisão tem de estar fundamentada e deve descrever a forma de realização da diligência. 3 - Questões probatórias Ao �nal deste módulo, você será capaz de identi�car as principais características da interceptação telefônica como um meio de obtenção de prova. A prova no processo penal A questão da prova no processo penal Antes de pontuar algumas importantes questões probatórias especialmente vinculadas ao tema da interceptação telefônica, é preciso compreendê-la como um meio de obtenção de prova disponível ao sistema de justiça e que, em função disso, ela deve estar em sintonia com os princípios processuais penais elencados na CF de 1988 e aqueles extraídos dos tratados internacionais de direitos humanos firmados pelo Brasil. Elencaremos agora os princípios mais importantes: Princípio da proporcionalidade O E t d ã d t t t 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 28/44 Atenção! É importante compreender a distinção entre os termos “meio de prova” e “meio de obtenção de prova”, porque o “meio de prova” busca convencer o órgão julgador da existência do crime. Acompanhe o exemplo a seguir e entenda melhor sobre esses termos: O Estado não pode cometer excessos; portanto, suas ações devem ser aferidas sob o manto da razoabilidade. Princípio da comunhão da prova Uma vez levada ao processo penal, a prova não pertence a nenhuma das partes, devendo servir ao processo como um todo. Princípio da autorresponsabilidade das partes Está intimamente ligado ao ônus da prova no processo penal, já que, em função desse princípio, a parte assume as consequências de sua inatividade, erro ou negligência sobre a prova daquilo que alega. Princípio do favor rei ou favor libertatis Decorre da ordem constitucional vigente, pois materializa a tentativa de reequilibrar a desigualdade entre as partes do processo penal por meio da criação de mecanismos processuais que promovam a igualdade substancial entre o acusado e o titular da ação penal. 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 29/44 Maria é arrolada como testemunha de um crime de roubo; ouvida pelo juízo, ela narra a ocorrência dos fatos imputados ao denunciado, servindo o depoimento, portanto, como prova testemunhal. O “meio de obtenção de prova”, por sua vez, não se confunde com a “prova” propriamente dita, pois nada mais é que um instrumento por meio do qual será possível obtê-la. Desse modo, nada mais natural que o percebimento da interceptação telefônica como um meio de obtenção de prova, já que sua colheita acontecerá a partir dela. Sobre a terminologia “prova”, aliás, a sua origem etimológica é idêntica à de “probo”, palavra advinda do latim probatio e probus. Extrai-se, a partir daí, a noção de exame, verificação, inspeção ou confirmação. Em resumo, a prova tem o objetivo de demonstrar que um acontecimento do mundo dos fatos realmente ocorreu. Veja um exemplo disso: Adalberto furtou o celular de Julia durante o espetáculo de Réveillon na Praia de Águas Claras. Existir uma prova significa verificar que um dado fático levado pela parte ao processo é verídico. 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 30/44 Tipos de provas Apesar de, sozinha, a terminologia “prova” não dar margens a muitas dúvidas sobre a sua correta interpretação, ela, ainda assim, pode ser acompanhada de outras palavras que aumentam a sua gama de sentidos. Isso pode ser percebido na redação do artigo 155 do Código de Processo Penal (CPP): nele, o legislador afirma que, à exceção das provas cautelares, das não repetíveis e das antecipadas, o juiz formará a sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial. Mas o que seriam provas “cautelares”, “não repetíveis” e “antecipadas”? Aliás, quais são os significados da prova “direta”, da “indireta” e da “emprestada”, que também são citadas em outras passagens da legislação processual? Entenderemos agora o significado de cada uma delas: Prova cautelar Obtida tanto na fase de investigação quanto ao longo da instrução judicial, ela normalmente depende de autorização judicial, estando presente o risco de desaparecimento do objeto da prova em função do decurso do tempo. Exemplo: interceptação telefônica. Prova não repetível É aquela que só pode ser produzida uma única vez por conta de destruição ou desaparecimento da sua fonte. Exemplo: perícia de vítima de agressão corporal leve. Prova antecipada U i t t d it ã d ê i 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 31/44 Unicamente por conta de uma situação de urgência e relevância, a prova que normalmente aconteceria em um momento do processo penal é antecipada. Exemplo: a vítima de um crime de agressão corporal gravíssima, hospitalizada e consciente, pode ser ouvida até mesmo antes do início do curso processual dada a gravidade do seu estado físico. Prova direta O dado do mundo real pode ser comprovado a partir dessa prova. Exemplo: na forma da acusação, testemunha depõe em juízo e confirma que viu o acusado cometendo o delito contra a vítima. Prova indireta Para comprovar o fato a partir dessa prova, é preciso promover mais de uma diligência. Exemplo: narra a acusação que Eduardo atentou contra a vida de Marta em um shopping. No entanto, ele comprova que, naquele dia e horário, estava no seu ambiente de trabalho, que fica no outro lado da cidade. Trata-se do chamado “álibi”. Prova emprestada Prova produzida em outro processo criminal é trazida ao processo para comprovar a tese sustentada pela parte. Exemplo: em um processo em que Armando é investigado por tráfico de drogas, o depoimento prestado pelo acusado é “emprestado” a outro com o fim de certificar de que, na verdade, ele é apenas um usuário habitual de drogas ilícitas. 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 32/44 Entender os princípios sobre os quais estão fundadas as bases do direito probatório no processo penal e o leque de terminologias exposto acima é uma tarefa importante para que você possa analisar com propriedade a natureza e as implicações decorrentes da interceptação telefônica no universo jurídico. O caráter subsidiário da interceptação telefônica Ultima ratio Subsidiariedade da interceptação telefônica Entenda a seguir a subsidiariedade da interceptação e de suas consequências processuais. Segundo o artigo 2º, inciso II, da Lei nº 9.296/1996, a interceptação de comunicações telefônicas não será admitida quando a prova puder ser feita por outros meios disponíveis. A prova advinda do procedimento, portanto, é subsidiária, pois a interceptação é a ultima ratio (último recurso) a ser empregada. A jurisprudência do STF e do STJ é pacífica no sentido da ilegalidade da interceptação feita com base apenas em uma “denúncia anônima” ou “delação apócrifa”. Para o STJ, é preciso harmonizar a proteção contra o anonimato com a supremacia dointeresse e da segurança pública e, assim, admitir a denúncia anônima com reservas. Por isso, os órgãos de investigação devem tomar medidas efetivas para colher elementos e informações capazes de confirmar que a acusação 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 33/44 contida na “denúncia anônima” é plausível. Não é possível adotar a medida mais gravosa (no caso em questão, trata-se da interceptação) sem qualquer outra diligência prévia para coletar indícios razoáveis da autoria criminosa, sob pena de se violar o direito fundamental às comunicações telefônicas e, com isso, gerar a nulidade absoluta do processo que se inicia com fundamento nessa prova. Vejamos um exemplo: Um membro do MP recebe do setor de ouvidoria denúncia anônima dando conta de que Tício comanda o tráfico de drogas em uma região periférica da cidade. A primeira diligência a ser empreendida pelo promotor será solicitar à autoridade policial a realização de investigações preliminares com o intuito de averiguar os fatos narrados, caso já não exista investigação em andamento. Uma vez comprovada a plausibilidade da denúncia por outros meios de prova, os autos retornam ao MP e o promotor requer ao juízo competente a quebra do sigilo telefônico de Tício, que está sendo investigado, por entender tal providência como imprescindível para a elucidação do crime de tráfico de entorpecentes. Com esse exemplo, é fácil perceber mais dois pontos de grande relevância para a dinâmica do processo penal e que se associam às questões probatórias. No caso da interceptação telefônica, compreendido o seu caráter subsidiário em relação aos outros meios de obtenção de prova, o representante do MP e a autoridade policial podem requerê-la ou o próprio juiz pode determiná-la de ofício. 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 34/44 Praticamente na totalidade dos casos – considerando que o magistrado deve manter-se equidistante e imparcial ao interesse das partes na condução do processo –, a interceptação está a serviço da acusação. Ter isso em mente é importante, pois: O ônus da prova precisa recair tanto sobre o MP quanto sobre a autoridade policial, a quem caberá provar, legal e moralmente, a verossimilhança das informações que dão alicerce à necessidade de quebra do sigilo telefônico do investigado. Daí se extrai a referência aos princípios comumente chamados de presunção de inocência ou de presunção de não culpabilidade, já que o ônus de demonstrar a culpabilidade do investigado, além de qualquer dúvida razoável, cabe a quem o acusa, e não ao acusado. Requisição da interceptação telefônica O momento de requisição da interceptação telefônica Graças à leitura do inciso XII do artigo 5º da CF, percebemos que a inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, telefônicas e de dados não é absoluta, pois, por ordem judicial, na forma da Lei nº 9.296/1996, o sigilo poderá ser rompido para fins de: Investigação criminal 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 35/44 Instrução processual penal É interessante notar que a Constituição usa “investigação criminal”, expressão reproduzida no caput do artigo 1º da Lei nº 9.296/1996. Investigação criminal não se confunde com a instauração de inquérito policial, porque o inquérito não é a única forma de investigação existente no sistema de justiça criminal, conforme enuncia o parágrafo único do artigo 4º do CPP, que autoriza outras espécies de investigação presididas por autoridades administrativas. Eis alguns exemplos de espécies de investigação criminal distintas do inquérito policial: 1. Inquérito parlamentar presidido por Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) nos termos do artigo 58, §3º, da CF. 2. Investigação iniciada por agentes florestais. 3. Inquérito policial militar presidido pela Polícia Judiciária Militar (art. 8º do Código de Processo Penal Militar). 4. Investigação de autoridades com foro por prerrogativa de função. 5. Investigação feita pelo MP em inquérito civil público. 8. Inquérito presidido pelo Tribunal de Justiça em caso de crime praticado por juiz. Dessa forma, supondo que não exista inquérito policial instaurado pela autoridade policial, mas que uma investigação criminal destinada a averiguar indícios de autoria ou de participação em infração penal punida com pena de reclusão tenha sido iniciada, a interceptação telefônica será admitida, desde que sejam preenchidas as exigências da Lei nº 9.296/1996. Ainda que não seja tão comum, a interceptação também pode ocorrer no curso da instrução processual, período que se inicia com o oferecimento da peça acusatória e que termina quando não há requerimento de diligências ou, sendo ele indeferido, após as alegações finais da acusação e da defesa na forma do artigo 402 e dos artigos seguintes do CPP. Essa possibilidade faz total sentido, já que, no andamento regular do processo criminal, podem surgir novas 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 36/44 informações e circunstâncias que despertem a necessidade do requerimento da interceptação telefônica pelo MP ou o seu reconhecimento, de ofício, pelo magistrado. Sobre tal possibilidade de reconhecimento, aliás, parcela da literatura jurídica tem tecido comentários críticos aos poderes investigatórios e instrutórios conferidos ao juiz. Vejamos a lição de Aury Lopes Jr. sobre esse tema: A imparcialidade do juiz �ca evidentemente comprometida quando estamos diante de um juiz- instrutor (poderes investigatórios) ou quando lhe atribuímos poderes de gestão/iniciativa probatória. É um contraste que se estabelece entre a posição totalmente ativa e atuante do instrutor, contrastando com a inércia que caracteriza o julgador. Um é sinônimo de atividade, e o outro, de inércia. (LOPES JÚNIOR, 2019, p. 71-72) Tais poderes são atribuídos ao órgão julgador pelo próprio ordenamento jurídico quando: • O CPP, no artigo 156, faculta ao juiz duas ações: ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas urgentes e relevantes (inciso I) ou determinar, no curso da instrução ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvidas 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 37/44 sobre um ponto relevante (inciso II). • A Lei nº 9.296/1996 dá, em seu artigo 3º, caput, carta branca para o juiz determinar de ofício a interceptação das comunicações telefônicas. Assim, em que pese a pertinente crítica da doutrina especializada, você precisa levar em conta a autorização de iniciativa conferida ao juiz pela legislação penal e processual penal nos termos e nas hipóteses legais, compatibilizando-a com a necessária imparcialidade e equidistância das partes. O compartilhamento das provas obtidas em outro processo criminal A serendipidade A 1ª Turma do STF, no julgamento do Habeas Corpus nº 128102/SP, sob relatoria do então ministro Marco Aurélio, decidiu que o fato de a interceptação ter visado a elucidar outra prática delituosa não impede a sua utilização em persecução criminal diversa por meio do compartilhamento de prova. Essa decisão está intimamente ligada à teoria do encontro fortuito de provas (também chamada de serendipidade). A serendipidade ocorre quando, durante diligências ordinárias de cunho investigatório, a autoridade policial descobre uma prova de infração penal diversa daquela que motivou a abertura da investigação. Para não contrariar a validade da prova colhida, esse achado não pode ter sido fruto de desvio ou de abuso de finalidade pela autoridade policial. Luiz Flávio Gomes acentuaque: [...] é válida a prova se se descobre fato delitivo conexo com o investigado, mas desde que de responsabilidade do mesmo 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 38/44 sujeito passivo. Logo, se o fato não é conexo ou se versa sobre outra pessoa, não vale a prova. Cuida-se de prova nula. Mas isso não signi�ca que a descoberta não tenha nenhum valor: vale como fonte de prova, é dizer, a partir dela, pode-se desenvolver nova investigação. Vale, em suma, como uma notitia criminis. Nada impede a abertura de uma nova investigação, até mesmo nova interceptação, mas independente. (GOMES, 2009, apud LIMA, 2019, p. 89) Notitia criminis Advindo do latim, o termo notitia criminis é consagrado no direito processual penal como o conhecimento de um fato definido como infração penal pelo ordenamento jurídico, seja ele um crime ou uma contravenção penal. A partir desse ensinamento, podemos tirar três diferentes conclusões: Se a prova estiver relacionada a outro delito praticado pelo mesmo investigado na interceptação, havendo qualquer conexão entre as infrações, a interceptação será um legítimo meio probatório. 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 39/44 Se, no entanto, for descoberta a participação de pessoa diversa do agente inicialmente visado pela interceptação, ela também será válida como meio de obtenção de prova na forma do artigo 2º, parágrafo único, da Lei nº 9.296/1996. Se o fato novo não se relacionar de nenhuma forma com aquele investigado na interceptação, o juiz estará impedido de valorá-lo, mas, mesmo assim, o achado poderá ser utilizado como notitia criminis para dar início a uma nova investigação criminal. Nesse sentido, parcela da doutrina ainda faz nova classificação: Serendipidade de 1º grau Quando os encontros fortuitos são de fato conexos ou continentes com os fatos sob investigação. Nessa hipótese, a prova produzida por acaso poderá ser valorada pelo órgão acusador. Serendipidade de 2º grau Quando os fatos achados não possuem nenhuma relação com aqueles que motivaram a interceptação, ocasião em que a prova produzida valerá como notitia criminis. 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 40/44 Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 Marque a alternativa correta. A A interceptação de comunicações telefônicas só será admitida quando a prova puder ser feita por outros meios disponíveis à autoridade policial. B A interceptação telefônica é reservada para o momento da investigação criminal. C Por ultima ratio, entende-se o caráter subsidiário da interceptação telefônica. D A prova emprestada só pode ser produzida uma única vez. 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 41/44 Parabéns! A alternativa C está correta. Expressão em latim, ultima ratio pode ser traduzida para o português como “último recurso”. Conforme o inciso II do artigo 2º da Lei nº 9.296/1996, a interceptação telefônica só será admitida quando a prova não puder ser colhida por outros meios de obtenção de prova disponíveis. Por conta disso, de forma pacífica, a doutrina comumente atribui a essa interceptação a característica da subsidiariedade, isto é, de ultima ratio. Questão 2 O que se entende por serendipidade? Parabéns! A alternativa E está correta. Também conhecida como “teoria do encontro fortuito”, a serendipidade é utilizada quando a autoridade policial, durante a investigação de um delito, casualmente encontra provas pertinentes a outra infração que não estavam na linha de desdobramento usual da investigação inicial. Se o encontro da prova foi casual e não E A interceptação telefônica pode ser denominada um meio de prova. A Busca inespecífica de informações com teor incriminatório. B Vigilância sobre atos de policiais civis e militares. C Sinônimo de gravação clandestina. D Significa que toda prova produzida em virtude de uma descoberta obtida por meios ilícitos estará contaminada pela ilicitude dela. E Encontro fortuito de prova relacionada a fato diverso daquele investigado. 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 42/44 ficaram comprovados o desvio ou o abuso de finalidade, essa prova será válida ao processo penal. Considerações �nais Este conteúdo demonstrou os fundamentos da interceptação telefônica tanto sob a ótica da dignidade da pessoa humana e dos princípios consagrados na processualística brasileira quanto do ponto de vista legal e probatório. Nossa abordagem, portanto, quis apresentar não somente os aspectos teóricos, mas também – e principalmente – os aspectos práticos dela. Deve-se ter em mente que a interceptação telefônica é matéria discutida em diversas ações judiciais, sendo comuns as mudanças de entendimento, sob uma ótica legal ou constitucional, do STJ ou do STF a respeito de determinado tópico desse tema. Demonstramos, assim, que essa área constitui um campo fértil de atuação profissional. Podcast Para encerrar, ouça um resumo sobre o conceito de interceptação, outras figuras semelhantes, além de seus requisitos. Explore + Confira agora o que separamos especialmente para você! 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 43/44 • Para saber mais detalhes sobre a interceptação telefônica e telemática, leia: FREITAS JUNIOR, A. D. de; JORGE, H. V. N.; GARZELLA, O. C. F. Manual de interceptação telefônica e telemática – teoria, prática e legislação. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2021. • Para entender a importância da cadeia de custódia como garantia de rastreabilidade e fiabilidade na obtenção da informação via interceptação telefônica, leia: SANTORO, A. E. R.; TAVARES, N. L. F.; GOMES, J. C. O protagonismo dos sistemas de tecnologia da informação na interceptação telefônica: a importância da cadeia de custódia. Revista brasileira de direito processual penal. v. 3. n. 2. maio-ago. 2017. p. 605-632. Referências BRASIL. Casa Civil. Constituição da República Federativa de 1967. BRASIL. Casa Civil. Constituição da República Federativa de 1988. BRASIL. Casa Civil. Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962. Institui o Código Brasileiro de Telecomunicações. BRASIL. Casa Civil. Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996. Regulamenta o inciso XII, parte final, do art. 5° da Constituição Federal. BRASIL. Casa Civil. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução nº 59, de 09/09/2008. Disciplina e uniformiza as rotinas visando ao aperfeiçoamento do procedimento de interceptação de comunicações telefônicas e de sistemas de informática e telemática nos órgãos jurisdicionais do Poder Judiciário, a que se refere a Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996. GOMES, L. F.; MACIEL, S. Interceptação telefônica e das comunicações de dados e telemáticas: comentários à Lei 9.296/1996. 4. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018. LIMA, R. B. de. Legislação criminal especial comentada: volume único. 7. ed. Revista, atualizada e ampliada. Salvador: Juspodivm, 2019. LIMA, R. B. de. Manual de processo penal: volume único. 7. ed. Revista, atualizada e ampliada. Salvador: Juspodivm, 2019. LOPES JÚNIOR, A. Direito processual penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. 15/09/2023, 21:20 Fundamentos da interceptação telefônica https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03273/index.html# 44/44 MENDES, G. F.; BRANCO, P. G. G. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. MORAES, A. de. Direitos humanos fundamentais.12. ed. São Paulo: Atlas, 2021. Material para download Clique no botão abaixo para fazer o download do conteúdo completo em formato PDF. Download material O que você achou do conteúdo? Relatar problema javascript:CriaPDF()
Compartilhar