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1 Cirurgia Cardíaca: Doença Valvar Mitral Introdução Insuficiência mitral Ocorre sobrecarga de volume e o átrio esquerdo se distende e perde cada vez mais sua força. Algumas diferenças da insuficiência aórtica: ● A sobrecarga volumétrica não é entre o ventrículo esquerdo e aorta, mas átrio esquerdo e ventrículo esquerdo (ambas cavidades são acometidas) ● O mecanismo do ventrículo perdendo força na insuficiência aórtica acontece muito mais tardiamente se comparado a insuficiência mitral, isto é, é muito mais precoce e grave Devemos sempre avaliar a função ventricular, pois pode evoluir com insuficiência cardíaca muito rapidamente Estenose mitral Assim como na estenose aórtica, aqui a sobrecarga gerada também é de pressão. Entretanto, o aumento de pressão gerado no átrio esquerdo é muito menor, uma vez que é uma cavidade com quantidade muscular inferior – proporcionalmente, ocorre de forma semelhante, mas seu impacto clínico é menos perceptível. Outra diferença é que na estenose mitral o mecanismo envolve a diástole (diferente da estenose aórtica, que ocorre durante a sístole ventricular), por esse motivo os reflexos da sobrecarga de pressão também são menores. Gráfico de Sobrevida Atuarial de Kaplan e Mendel No ano zero (início do estudo), todos os pacientes estão vivos (valor 1 no eixo vertical). Conforme os anos passam, a quantidade de pacientes presentes no estudo vai se reduzindo porque estão morrendo. Observe que mesmo os pacientes assintomáticos morrem conforme os anos passam; por outro lado, cerca de metade dos pacientes com sintomas moderados ou moderadamente severos morrem no primeiro ano – esses pacientes necessitam de uma conduta adequada muito mais rápida. 2 Essa curva demonstra a sobrevida dos pacientes após a cirurgia de correção da estenose mitral, comparando diversas técnicas. Alguns pacientes, que segundo o gráfico anterior teriam 1 ano de vida, passam a ter 20 ou mais anos de vida. Anatomia básica do aparelho valvar mitral Esse aparelho não é composto apenas pelas cúspides (folhetos), mas por uma série de estruturas essenciais que garantem seu bom funcionamento. ● Duas cúspides ● Anel valvar mitral ● Cordoalhas tendíneas ● Músculos papilares (ligados ao ventrículo e cordoalhas tendíneas) A lesão de qualquer uma dessas estruturas leva a disfunções/doenças valvares. Essa válvula abre cerca de 4 a 6 cm2, um valor muito maior que a válvula aórtica – essa última não precisa se abrir tanto, afinal o potente ventrículo esquerdo consegue impulsionar o sangue com facilidade. Estenose valvar mitral (parte 1) Quando há uma obstrução da passagem livre do sangue do átrio esquerdo para o ventrículo esquerdo, que deveria acontecer durante a diástole. Quando essa obstrução acontece, gera-se um gradiente pressórico entre o AE e VE, isto é, uma diferença de pressões – que se elevam no AE, afinal essa câmara passa a sofrer uma sobrecarga pressórica. Esse gradiente pressórico é medido durante a diástole. Como não existe uma válvula entre o AE e pulmão, a consequência dessa sobrecarga pressórica do AE se manifesta na como congestão das veias pulmonares e capilares pulmonares. A pressão dos capilares pulmonares gira em torno de 8 a 12 mmHg, e quando esses valores perpassam 18 mmHg, os alvéolos pulmonares ficam congestos em decorrência do transudato que passa dos capilares para os alvéolos (aumento da pressão hidrostática). Em outras palavras, ocorre hipertensão venocapilar pulmonar secundária a estenose valvar mitral. 3 Área valvar mitral normal – 4 a 6 cm2 ● Início de sintomas de baixo débito cardíaco: 2cm2 ● Estenose leve: >1,5cm2 ● Estenose moderada: 1 a 1,5cm2 ● Estenose importante: <1cm2 Alguns ecocardiografistas consideram a estenose <1,5cm2 como estenose importante. Etiologias A principal etiologia é a febre reumática, totalizando 70% dos casos. Outras causas incluem: doenças congênitas, doenças inflamatórias, obstruções a partir de tumores (mixomas) ou trombos, que podem impactar essa região e gerar um quadro clínico exatamente igual do indivíduo que teve febre reumática. Fisiopatologia As pressões que se elevam nos átrios equivalem a toda a circulação venocapilar pulmonar, aumentando retrogradamente para veias, capilares, arteríolas e artéria pulmonar. Quando essas pressões “caminham” para o lado direito, causam sobrecarga ventricular direita, insuficiência atrial direita e insuficiência cardíaca direita. Em suma: aquilo que no início era uma insuficiência cardíaca esquerda pode evoluir também como insuficiência cardíaca direita, caso o paciente não seja tratado adequadamente. Essa evolução é muito ruim para o ventrículo direito, que se adapta muito mal às sobrecargas (por ser muito mais delgado que o VE), o que faz com que essa câmara entre em falência muito rapidamente. Quando isso acontece, o único “tratamento” é o transplante cardiopulmonar. Como impedir essa progressão? Monitorando o nível de pressão arterial pulmonar. Até 50 mmHg o ventrículo direito suporta bem, mas valores superiores levam a insuficiência cardíaca direita. Quando o tratamento medicamentoso é estabelecido, a pressão da artéria pulmonar deve ser sempre monitorada, pois se exceder 50 mmHg deve-se fazer cirurgia. Diuréticos e vasodilatadores não funcionam bem e os transplantes também têm um resultado ruim; portanto, o melhor a se fazer é tratar cirurgicamente enquanto há apenas insuficiência cardíaca esquerda e monitorando a pressão da artéria pulmonar. Gradiente pressórico AE/VE (diferença de pressão entre o AE e VE durante a diástole) ● Leve: <5 mmHg ● Moderado: 5 a 10 mmHg ● Importante: >10 mmHg Podemos avaliar o nível da estenose pelo gradiente (acima) e pela área da estenose (início da página). 4 Quadro clínico Como a congestão venocapilar pulmonar é o evento fisiopatológico mais significativo, a principal manifestação clínica é a dispnéia em todas as suas variações. Outras manifestações: ● Hemoptise devido a ruptura de veias brônquicas ● Rouquidão: o AE aumentado comprime o nervo laríngeo recorrente (Sinal de Ortner) ● Fibrilação atrial ● Tromboembolia ● Insuficiência cardíaca direita: estase jugular, hepatoesplenomegalia, ascite, edema MMII Fibrilação atrial Os átrios devem contrair, capacidade garantida pelo sistema excito-condutor e pela camada muscular, que responde aos estímulos elétricos. Na estenose mitral o sangue represa no AE, aumentando as pressões nessa câmara e distendendo-a. Teoria 1 (alteração bioquímica): ao aumentar as pressões nessa cavidade, a tensão na sua parede também fica aumentada. Esse aumento de tensão faz com que o fluxo iônico das células dessa parede fiquem disfuncionais, prejudicando a despolarização dessas mesmas células. Teoria 2 (alteração estrutural): o fato do átrio distender, a estrutura das fibras de condução elétrica fica alterada, e a condução em si, prejudicada. Esses dois mecanismos associados levam a um átrio que não contrai adequadamente: diversas porções tentam enviar estímulos simultâneos para o nó atrioventricular, mas o átrio não contrai de forma correta adequadamente (fica apenas “tremendo”). Eventualmente esses diversos estímulos do átrio começam a chegar no nó atrioventricular; quando a fibrilação atrial é de alta resposta, a quantidade de estímulos que passam para o ventrículo fazendo com que este faça contrações é muito alta, podendo chegar a 200 batimentos por minuto. O problema disso é que a frequência cardíaca se eleva demasiadamente, o que reduz muito o tempo de diástole; dessa forma, o enchimento ventricular já ficaria difícil em um coração “normal”. Lembre-se que estamos falando de um coração com estenose mitral, portanto o enchimento ventricular fica infinitamente dificultado, o que piora muito a congestão venocapilar pulmonar – o sangue não é ejetado para a grande circulação e fica retido retrogradamente. Além da consequência da diminuição do tempo de diástole, a FA também promove a perda do débito cardíaco do átrio, que corresponde entre 20 a 30% do volume diastólicofinal. Dessa forma, a congestão também piora por conta do débito cardíaco reduzido. 5 Existe outro problema: como o fluxo sanguíneo no AE fica em estase (tanto pela estenose mitral quanto pela FA), existe a possibilidade de formação de trombos. Quando esse trombo se desprende, faz embolia em qualquer sítio a partir da aorta – encéfalo, intestino, etc. Exame físico Raramente será visto na atualidade, pois os pacientes costumam receber bom tratamento. As alterações a seguir só são observadas em pacientes crônicos e maltratados. ● Fácie mitral ○ O baixo débito do VE leva a palidez facial, com o centro das bochechas rosadas ● Quando ocorre aumento do VD ○ Ictus de VD, que fica na porção esternal esquerda ■ Bordo paraesternal esquerdo ou subxifóide ● Hipertensão arterial pulmonar ○ O sangue não chega no ventrículo esquerdo, logo o débito cardíaco é baixo. A segunda bulha no foco aórtico é hipofonética se comparada a segunda bulha no foco pulmonar, que apresenta hipertensão ○ O tum TÁ é alto no 2EIE (foco pulmonar) e baixo no 2EID (foco aórtico) ○ Lembre-se que a B2 representa o fechamento das válvulas semilunares; a válvula aórtica não se fecha com força porque o sangue ejetado na aorta foi pouco; mas o sangue ejetado na artéria pulmonar volta com muita força por conta da hipertensão arterial pulmonar ○ Esse achado é o suficiente para fazer diagnóstico ● Inicialmente há hiperfonese da primeira bulha (B1), que é a mitral (o “TUM” é alto); com a evolução da doença, essa válvula endurece e pode se tornar afonética, sendo possível auscultar apenas a B2. ○ Hipofonese/afonese de B1: válvula mitral muito endurecida ● Sopro diastólico em ruflar no ápice do VE; representa a passagem do sangue na fase diastólica do átrio para o ventrículo. Quanto maior a duração, maior a severidade da lesão. Exames complementares - ECG As melhores derivações para se observar as alterações atriais (onda P) são DII e V1. ● Sobrecarga atrial direita (SAD) A onda P apresenta-se apiculada com um aumento de amplitude (↑). Lembre-se que o átrio direito alonga verticalmente quando cresce (devido a sua conformação verticalizada), e que isso repercute no traçado eletrocardiográfico. 6 Em DII, o crescimento da onda P é de pelo menos 2 quadradinhos e meio. Ainda, o diagnóstico de SAD em V1 pode ser dado pelo crescimento da onda P em pelo menos 1 quadradinho e meio. ● Sobrecarga atrial esquerda (SAE) A onda P apresenta-se bífida (P mitrale) com um aumento de duração (→). Lembre-se que o átrio esquerdo se alonga horizontalmente quando cresce (devido a sua conformação horizontalizada), e que isso repercute no traçado eletrocardiográfico. Em DII e V1, a onda P deverá apresentar 3 ou mais quadradinhos de duração (0,12s ou mais). O índice de Morris diz que se a onda P possuir 1 quadradinho de profundidade e um quadradinho de duração na derivação V1, trata-se de SAE. ● Sobrecarga biatrial Trata-se da combinação dos dois critérios explicados acima. Basta um critério presente para cada átrio. ● Sobrecarga de ventrículo direito (SVD) Desvio do eixo para a direita e/ou R em V1 e S em V6. ● Fibrilação atrial Ausência de onda P e R-R irregular. Exames complementares - RX Tórax ● Aumento do AE: duplo contorno ○ Também é possível ver o aumento do VD e AD, mas nunca do VE ● Aumento (abaulamento) da artéria pulmonar ● Aumento da trama vascular nos ápices (inversão do fluxo) Se o pulmão estiver na fase de congestão (sem atingir o lado direito do coração), o pulmão fica mais hiperdenso, uma vez que há acúmulo de sangue nos pulmões; já na fase de hipertensão arterial pulmonar, o coração fica mais hipodenso, já que o sangue não está chegando direito nos pulmões (o VD tem dificuldade de bombear o sangue para o tronco pulmonar). Exames complementares – Ecocardiograma Exame padrão ouro, capaz de avaliar o todas as alterações do aparelho valvar mitral: ● Área valvar ● Gradiente AE/VE (transvalvar) ● Avalia anel, cúspides, cordoalhas e músculos papilares ● Avalia o VE, que deve se mostrar sem alterações estruturais ● Avalia pressão da artéria pulmonar ● Avalia possíveis trombos intra-atriais ● Etc 7 Exames complementares – Cateterismo Não é necessário, a menos que o paciente necessite ser operado por coronariopatias. Tratamento feito para qualquer valvulopatia ● Tratar a causa base ● Tratar para profilaxia de endocardite infecciosa ● Tratamento da arritmia (FA) ● Tromboprofilaxia com anticoagulantes, para evitar embolias Tratamento específico para insuficiência cardíaca ● NYHA Classe I ○ Apenas os medicamentos mencionados acima ● NYHA Classe II ○ β-bloqueadores (ao abaixar a frequência cardíaca, aumentam o tempo de diástole e enchimento ventricular) ○ Diuréticos (diminuem a volemia e reduzem a sobrecarga pressórica) ● NYHA Classe III ou IV ○ Tratamento cirúrgico (e continuar as medicações da classe II) Outro critério para cirurgia: pressão arterial pulmonar ≥ 50 mmHg, independentemente da classe funcional (NYHA). Insuficiência valvar mitral (parte 2) Quando a válvula mitral não se fecha (os folhetos não coaptam), permitindo o refluxo sanguíneo do VE para o AE durante a sístole. Etiologias ● Degeneração mixomatosa (isto é, do tecido valvar) ● Prolapso Mitral (1 a 2,5% da população) ● Disfunção isquêmica (afeta os músculos papilares) ● Endocardite infecciosa (pode destruir anel, cúspides e/ou cordoalhas) ● Doença reumática ● Miocardiopatia dilatada (o crescimento do coração distancia as cúspides) ● Cardiopatia hipertrófica (por alteração estrutural) ● Calcificação da válvula ● Congênita 8 Fisiopatologia O ventrículo esquerdo contrai durante a sístole e parte do sangue vai para o AE, gerando sobrecarga de volume. Esse refluxo para o AE também está atrelado a diminuição do débito cardíaco e congestão venocapilar pulmonar – que também leva a dispnéia e, eventualmente, a hipertensão arterial pulmonar. Um fato interessante é que esses pacientes são mais sintomáticos que os que possuem estenose mitral, portanto a maioria deles busca atendimento médico mais rapidamente. O resultado dessa busca precoce ao médico é que não são observadas tantas repercussões de hipertensão arterial pulmonar (como o indivíduo com estenose mitral é menos sintomático, o seu quadro normalmente piora com mais frequência). Uma diferença importante é que o ventrículo esquerdo é poupado na estenose mitral, mas na insuficiência mitral ele é lesado, pois está envolvido na doença. Por que esses pacientes são mais sintomáticos? Porque o ventrículo esquerdo entra em falência muito mais rapidamente que em qualquer outra valvulopatia. Se o tratamento desse paciente demorar para se iniciar, ele evoluirá com insuficiência cardíaca refratária. Quadro clínico A fase inicial pode ser assintomática, mas evolui para sintomas típicos de insuficiência cardíaca. Também pode ocorrer fibrilação atrial e embolia. Exame físico As manifestações são mais evidentes que na estenose mitral (lembre-se que atualmente não aparecem tanto [página 5]). ● Ictus cordis palpável e desviado para baixo e para esquerda, com 2 ou mais polpas digitais (em decorrência do aumento do VE) ● Sopro sistólico (holossistólico) irradiado para a axila esquerda ECG Mesmas alterações que da estenose mitral RX tórax ● Aumento do AE (duplo contorno) ● Aumento do ventrículo esquerdo ● Pulmão mais hiperdenso em decorrência da congestão venocapilar pulmonar Ecocardiograma Exame padrão ouro, assim como na estenose mitral. 9 Cateterismo Não é necessário, a menos que o paciente necessite ser operado por coronariopatias. Tratamento feito para qualquer valvulopatia ● Tratar a causa base ● Tratar para profilaxia de endocardite infecciosa ● Tratamento da arritmia (FA) ● Tromboprofilaxia com anticoagulantes, para evitar embolias Tratamento específico para insuficiência cardíaca Se o paciente é assintomático, não há risco, portanto não há tratamento. Se o paciente tem sintomas (Classe II, III ou IV), ele deve fazer cirurgia, se: ● A insuficiência mitralfor importante (fração de ejeção <60%) ● E o VE for dilatado (quando o DSVE, isto é, diâmetro sistólico ventricular final >45mm) Medicações usadas ● Diuréticos ○ Diminuem o volume ● Vasodilatadores ○ Abaixa a pressão na aorta para que a cada sístole o sangue vá mais para a aorta que para o átrio esquerdo ● Digoxina ○ Aumenta força de contração Nota: os vasodilatadores jamais devem ser usados na estenose mitral. Os vasodilatadores também podem ser usados na insuficiência aórtica, pois o sangue fica mais facilmente mantido na aorta.
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