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Cir Card Valvulopatia aortica OK

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Cirurgia Cardíaca: Doença Valvar Aórtica
Introdução
Conforme a população envelhece, as doenças valvares aumentam; isso se dá porque uma das principais
etiologias dessas doenças compreende a própria degeneração senil.
O coração, como uma estrutura mecânica, sofre sobrecargas; as válvulas cardíacas e o miocárdio também
são importantes alvos dessas sobrecargas, que podem ser de volume e pressão.
Insuficiência valvar aórtica
Toda vez que existe uma insuficiência valvar aórtica, essa válvula não fecha adequadamente, o que leva ao
refluxo sanguíneo para os ventrículos após a contração cardíaca. Os ventrículos nesse momento precisarão
lidar com esse volume adicional que deveria ter sido ejetado completamente na grande circulação.
Os ventrículos são cavidades musculares com capacidade de contração e relaxamento: no caso da
insuficiência valvar, cada vez que o sangue volta para o interior do ventrículo, esse volume deve ser
acomodado: a cada final de sístole, o ventrículo distende um pouco – o que acontece 100% do tempo. Quanto
mais a doença valvar progride, mais sangue reflui para o interior do ventrículo, distendendo-o cada vez mais.
Conforme o tempo passa, a estrutura física do coração se dilata, até o ponto que esse órgão começa entrar
em fadiga e perde a sua capacidade contrátil, o que piora cada vez mais. Eventualmente, esse coração dilata
exageradamente e contrai muito pouco, o que leva a diminuição do débito cardíaco, congestão pulmonar
(fluxo retrógrado para o átrio esquerdo e veias pulmonares) e baixa perfusão tecidual.
Na sobrecarga de volume, o que acontece na insuficiência aórtica, a insuficiência cardíaca ocorre por
perda de capacidade contrátil.
Estenose valvar aórtica
A válvula espessada e endurecida apresenta redução de sua abertura, isto é, dificulta a saída do sangue
durante a sístole ventricular. Para vencer esse aumento de resistência, o ventrículo deve sofrer hipertrofia,
que acontece de forma concêntrica.
A estenose provoca uma sobrecarga de pressão, e a partir dessa hipertrofia concêntrica ventricular, o coração
consegue vencer essa resistência e ejetar o sangue para a grande circulação. O problema é que a
sobrecarga de pressão progride e a hipertrofia ventricular também: ocorre perda de distensibilidade e a
capacidade de armazenar volume durante a diástole também se reduz.
Cada vez que cabe menos volume, esse sangue que não coube fica no átrio esquerdo e veias pulmonares.
Nesse caso, a perda de complacência leva à congestão venosa, que gera dispnéia.
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Ao mesmo tempo que não coube volume, na próxima sístole quase nada será ejetado: isso repercute em um
débito cardíaco muito reduzido, provocando manifestações como:
● Lipotímia/síncope
○ Devido ao baixo fluxo cerebral
● Angina pectoris de demanda (não obstrutiva)
○ Houve aumento muscular, sem aumento de coronárias, gerando uma baixa oferta de sangue
para esse coração aumentado; muita demanda, pouca oferta
● Dispnéia
○ Em decorrência do acúmulo de sangue nos vasos pulmonares, o que aumenta a pressão
hidrostática e extravasamento de plasma para os alvéolos; com a evolução da doença, há
também aumento da resistência para a chegada de sangue pelas artérias pulmonares
● Arritmias
○ A distensão dos átrios leva a fibrilação atrial
● Morte súbita
Na sobrecarga de pressão, o que acontece na estenose aórtica, a insuficiência cardíaca ocorre por perda
de distensão ventricular. O ventrículo esquerdo pode ficar tão pequeno que o indivíduo entra em choque,
com pulsos filiformes e morre.
Em qualquer um dos dois casos, quando a insuficiência cardíaca está estabelecida já não existe mais
intervenção cirúrgica ou clínica para resolver esse problema. O tratamento adequado e no momento correto
melhora a qualidade de vida e impede a evolução natural da doença.
A válvula aórtica
Assim como a válvula pulmonar (ambas são semilunares), a válvula aórtica apresenta 3 folhetos.
Eventualmente, por alterações congênitas, a válvula aórtica pode se formar com apenas 2 cúspides, o que é
patológico... nesse cenário, a válvula não se abre adequadamente e se comporta como uma estenose aórtica
– com o tempo, essa válvula vibra tanto em decorrência do fluxo sanguíneo que sofre calcificações precoces,
evoluindo como estenose aórtica de fato.
A obstrução à ejeção (estenose) ventricular ocorre devido:
● Fusão comissural
● Espessamento das cúspides
● Calcificação do anel e das cúspides
Normalmente essas alterações acontecem concomitantemente, todas contribuindo para a limitação da
abertura da válvula no momento da sístole ventricular.
Essas alterações estruturais podem ser vistas através do ecocardiograma. O comportamento evolutivo da
estenose depende da intensidade do processo inflamatório, podendo ocorrer em poucos ou muitos anos. Não
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existem muitos tratamentos médicos para evitar a progressão, mas um deles é evitando surtos de
endocardite; também devem ser tratadas as doenças do colágeno, como artrite reumatóide, lúpus, espondilite
anquilosante, etc.
Etiologias mais frequentes no jovem
● Doença reumática
● Valva aórtica bicúspide (congênita)
Etiologias mais frequentes no idoso
● Doença aórtica senil (aterosclerótica)
● Degeneração e calcificação idiopática
● Degeneração e calcificação secundária
O gradiente pressórico
Quando a válvula aórtica está estreitada devido à estenose valvar aórtica, o coração encontra dificuldades em
ejetar o sangue através dela. Isso gera uma diferença de pressão entre o ventrículo esquerdo e a aorta,
conhecida como “gradiente de pressão”.
O gradiente de pressão é a diferença entre a pressão no ventrículo esquerdo, onde o coração impulsiona o
sangue, e a pressão na aorta, onde o sangue deveria ser expelido. Normalmente, a pressão na aorta é em
torno de 120 mmHg. Entretanto, na presença de estenose aórtica, o coração precisa gerar mais pressão no
ventrículo para superar o estreitamento da válvula e permitir que o sangue passe para a aorta.
Esse gradiente de pressão reflete a gravidade da estenose valvar aórtica. Quanto maior o gradiente de
pressão, mais séria é a obstrução da válvula (isto é, quanto menor o diâmetro da válvula, mais grave). Assim,
ao medir o gradiente de pressão, conseguimos avaliar indiretamente o grau de severidade da doença valvar
aórtica.
Esses dados da gravidade da estenose são adquiridos através do ecocardiograma:
● Mensura-se a pressão na aorta e ventrículo esquerdo ao mesmo tempo
● Ou mensura-se a dimensão da área da válvula aórtica
A hipertrofia do ventrículo esquerdo gera uma diferença de pressões para ser capaz de ejetar o sangue, mas
ao longo do tempo o coração entra em fadiga, uma vez que há descompensação dos mecanismos de
autorregulação e o coração começa a entrar em falência. É nesse momento que os sinais e sintomas clínicos
começam a aparecer, existindo risco de morte.
Anamnese
Durante a fase inicial, quando os mecanismos adaptativos estão funcionantes, o paciente é assintomático e
não tem limitações funcionais no seu dia-a-dia. Se essa for a realidade do indivíduo, sua sobrevida e risco de
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morte são praticamente iguais aos de alguém que não tem estenose aórtica (independentemente da
gravidade dessa estenose).
Se esse paciente começa a apresentar sintomas, entretanto, significa que seus meios de autorregulação já se
foram e que a qualquer momento pode ocorrer descompensação clínica e/ou morte. O início dos sintomas é
o momento da indicação cirúrgica:
● Angina
● Dispnéia
● Síncope
● Insuficiência cardíaca e suas manifestações
● Arritmias
Diagnóstico
O diagnóstico de qualquer doença valvar é feito através da ausculta e identificação do sopro. As
características da estenose aórtica são:
● Sopro no foco aórtico (2º espaço intercostal, à direita do esterno, perto da borda esternal)
● Comumente irradia para a fúrcula e carótida direita
● Mesossistólico e rude, isto é, bem audível
○ Termina antes da segunda bulha
A identificação do sopro é o suficiente para o diagnóstico de estenose aórtica. A partir desse momento,ainda devemos investigar outras características, como grau de estenose e gradiente pressórico.
Eletrocardiograma
Podemos observar sobrecarga ventricular esquerda (Sokolow: maior onda S [seja de V1 ou V2] somada com
a maior onda R [seja de V5 ou V6]. Se o resultado for ≥ 35 mm [35 quadradinhos], trata-se de SVE).
RX de Tórax
O ventrículo apresenta-se bojudo/circular, mas não necessariamente maior em tamanho. O RX também é
importante para descartar se a dispnéia do paciente é decorrente de pneumonias, DPOC, etc.
Ecocardiograma
Exame padrão ouro que avalia a estrutura valvar, se há aumento da área valvar, calcificações, fusão
comissural, grau de hipertrofia ventricular esquerda/hipertrofia septal, gradiente pressórico, etc.
Cateterismo
Exame dispensável, pois o ecocardiograma avalia todas as informações adquiridas por ele.
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Exemplo de raciocínio clínico
● Ao atender um paciente ausculta-se um sopro típico de estenose aórtica; o diagnóstico de estenose valvar
aórtica está feito.
● Se o paciente for jovem, pensar que a etiologia pode ser doença reumática ou válvula aórtica bicúspide.
○ Se for idoso, pensar em degeneração senil.
● Avaliar se o paciente apresenta sintomas
○ Sem sintomas é benigno
○ Com sintomas há risco de vida
● Pedir exames
○ Eletrocardiograma para avaliar hipertrofia
○ RX de Tórax
○ Ecocardiograma para melhor análise da estenose
● Classificação da gravidade da estenose
○ Feita através da área (quanto menor, pior)
○ Feita através do gradiente pressórico (quanto maior, pior)
■ Estenose Leve: Gradiente < 25 mmHg e área valvar > 1,5 cm2
■ Estenose Moderada: Gradiente de 25 a 40 mmHg e área valvar 1,5 a 0,8 cm2
■ Estenose Severa: Gradiente > 40 mmHg e área valvar < 0,8 cm2
A partir desses dados, o que fazer? Qual a estratégia?
● Se o paciente é assintomático, é improvável que ele tenha algum problema no próximo ano
○ Nesse caso, acompanhar com ecocardiograma anual se o gradiente for < 50
■ Se > 50, acompanhar semestralmente
○ Se iniciarem sintomas, fazer novo ecocardiograma e reavaliar
● Se o paciente é sintomático, devemos descartar outras doenças que possam causar os mesmos sintomas
(dispnéia, síncope, etc)
○ Se não existe outra doença senão estenose aórtica que explique os sintomas, seu risco de morte é
aumentado e o paciente deve ser operado
Risco da cirurgia x Risco de não operar
● Se o paciente apresenta dispnéia, o seu risco de mortalidade em 2 anos é de 50%
● Síncope ou lipotímia: risco de mortalidade em 3 anos é de 50%
● Angina: risco de mortalidade em 5 anos é de 50%
○ Assintomáticos tem risco de morte, mas o risco da cirurgia é maior
○ Assintomáticos mesmo com estenose grave apresenta risco de morte de 1%
■ O risco de morrer operando é de 8%
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Medicamentos para estenose aórtica
● Não são usadas medicações para estenose aórtica como único problema de saúde
○ Ex.: o paciente com HAS não deixará de tomar vasodilatadores, o paciente com arritmia não
deixará de tomar β bloqueadores, etc
● Profilaxia de endocardite bacteriana
○ Qualquer indivíduo pode apresentar endocardite bacteriana, porém indivíduos com
valvulopatias tem maior predisposição (as bactérias têm maior tropismo por esse tecido)
○ A profilaxia consiste em usar uma dose de antibiótico antes e depois de qualquer tratamento
médico/dentário
● Controle das doenças reumatológicas
Tratamento cirúrgico
Valvotomia por balão ou cirurgia aberta com valvotomia, plastia ou troca valvar; as próteses usadas são de
pericárdio bovino (prótese biológica) ou válvulas metálicas. A cirurgia aberta é o método mais feito.
Insuficiência aórtica
É a válvula que não se fecha adequadamente e permite o refluxo para o ventrículo esquerdo; esse ventrículo
se dilata (também há hipertrofia, mas é pouco significativa). A dilatação ventricular se agrava e quando a força
contrátil se perde ocorre congestão venosa pulmonar (sinal mais marcante da patologia, assim como
dispnéia e sopro) e a sintomatologia típica. O aparecimento de sintomas aqui também aumenta muito a
chance de morbimortalidade. A angina e síncope não são tão presentes quanto o coração com estenose
aórtica.
Etiologias
● Febre reumática
● Doenças do colágeno, como Sd. Marfan, Sd. Ehlers-Danlos
● LES e espondilite anquilosante
● Sífilis e endocardite bacteriana
● Dissecção e/ou aneurisma de aorta
● Traumas
Sintomas de pulsos arteriais
Na fase inicial existe um débito cardíaco alto que vai para a aorta e volta para o ventrículo, refletindo em
grande amplitude de pulso, chamada de Pulso em Martelo d’Água (Sinal de Corrigan). Outros sinais incluem:
● Sinal de Musset (oscilação da cabeça a cada batimento cardíaco)
● Sinal de Minervini (pulsação na base da língua)
● Sinal de Quincke (pulsação capilar)
● Sinal de Duroziez (sopro à compressão da artéria femoral)
● Sinal de Traube (duplo batimento)
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Sopro
É regurgitativo, vindo da direção da aorta em direção a ponta do ventrículo; passa pelo foco aórtico acessório
e termina no ventrículo. Na fase final da doença o ventrículo encontra-se sempre cheio de sangue e não
contrai, o que leva a um menor grau regurgitante, isto é, o som do sopro diminui.
Exame físico
Ocorre aumento da pressão diferencial (pressão de pulso): PAS-PAD, que normalmente é de 40 (indivíduo
com 120x80 mmHg). Essa diferença, no indivíduo com insuficiência aórtica, aumenta. Acontece porque o
sangue não para de “cair” quando ocorre a diástole, fazendo com que a pressão diastólica na aorta seja
menor. Pode chegar a ter grandes diferenças como 120x40 mmHg ou a diastólica pode chegar até em zero –
nesses indivíduos é possível auscultar seu pulso na artéria braquial até mesmo sem usar o
esfigmomanômetro.
O ictus cordis apresenta-se desviado para a esquerda e para baixo, hipercinético e com 2 polpas digitais.
ECG
Sobrecarga ventricular esquerda, porém menor.
RX
Aumento do índice cárdio-torácico, diferente da estenose aórtica que não promove aumento do coração.
Ecocardiograma
Identifica a regurgitação do sangue para o ventrículo esquerdo.
Tratamento
● Controle das etiologias (como sempre)
● Profilaxia de endocardite bacteriana
● Medicamentos
● Cirurgia
Os medicamentos vasodilatadores são obrigatórios nessa patologia, pois ao prender o sangue no sistema
arterial, o refluxo diminui, também poupando o ventrículo, que dilata menos.
● NYHA Classe I: vasodilatador (IECA, BRA ou BCC diidropiridinicos)
● NYHA Classe II: vasodilatador, digital (digoxina) e diurético
● NYHA Classe III ou IV: cirurgia
● Coração dilatado e sem força independentemente da classificação NYHA: cirurgia
○ DDVE (diâmetro diastólico final do VE) > 7cm
○ DSVE (diâmetro sistólico final do VE) > 5,5 cm
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Acompanhamento com ECO
Quanto mais dilatado, mais frequentes são os retornos:
● DSVE < 40 mm: improvável ICC em 2 anos. Eco bienal
● DSVE 40 A 50 mm: Eco anual
● DSVE 50 a 55 mm: Eco semestral
● DSVE > 55 mm: cirurgia
A cirurgia também é feita através da troca de válvulas.
Escolha de válvulas
● Crianças: preferencialmente metálica pela maior durabilidade
○ Necessitam de anticoagulantes
● Idosos: pelo risco de sangramento, tumores, AVC e trombose, preferencialmente biológicas
○ Não necessitam de anticoagulantes

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