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1 Cirurgia Cardíaca: Cardiopatias Congênitas São anormalidades estruturais do coração (75%) e grandes vasos (25%) decorrentes de alterações embriológicas, associadas a fatores ambientais e genéticos, isto é, suas causas são multifatoriais. Clinicamente são divididas em acianóticas e cianóticas. Anamnese O sopro ao nascimento (antecedentes pessoais) é um dos achados mais importantes quando se pensa em cardiopatias congênitas; a rubéola (antecedentes familiares) no primeiro trimestre de gestação também pode ser um importante fator desencadeante de cardiopatias congênitas. Sempre devemos nos atentar aos antecedentes pessoais, familiares, condições de gestação e condições de nascimento. Além desses dados, sempre devemos investigar: ● Perda de peso e altura – dependendo da cardiopatia, as crianças são incapazes de se desenvolver pelo hipofluxo aórtico devido ao hiperfluxo pulmonar ○ Não chegam nutrientes nos tecidos ● Data de descoberta da cardiopatia ● Dispnéia aos esforços e atividades físicas ○ Há dificuldade de mamar por parte da criança, o que pode indicar insuficiência cardíaca ● Infecções respiratórias ● Malformações associadas – TGI e neurológicas Manifestações clínicas ● Sopro (principal) ● Insuficiência cardíaca e todas suas manifestações (estase jugular, hepatomegalia, edema, etc) ● Infecções respiratórias de repetição – comuns nas acianóticas de hiperfluxo pulmonar ● Alterações de bulhas – principalmente nas doenças valvares ● Alterações de pulso – na CoA, a criança não tem pulso femoral ● Alterações pressóricas – na CoA, há HAS (principalmente diastólica) ● Arritmias – tanto no pulso, quanto ausculta ou ECG ● Síncope – comum na estenose da válvula aórtica (diminuição do débito cardíaco) ○ Na vida adulta pode haver angina ● Cianose ● Crises de hipóxia Cardiopatias congênitas acianóticas Não cursam com cianose no início da doença, mas podem cursar em fases finais. Correspondem a <5% de todas as cardiopatias, sendo que ⅓ dos casos são graves. São mais comuns em meninos e 25% acontecem nos grandes vasos. Alguns fatores influenciam no desenvolvimento da doença, como hereditariedade (CIA e PCA principalmente), alterações cromossômicas (Sd. Down leva a DSAVT), teratógenos, altitude, idade 2 materna acima de 40 anos, patologias maternas (DM/LES), rubéola no 1º trimestre (PCA/CIA) e consumo de álcool pela gestante. São elas: ● Comunicação Interatrial (CIA) – uma das mais comuns ● Comunicação Interventricular (CIV) ● Defeito no Septo Atrioventricular Total (DSAVT) – a mais grave ● Estenose aórtica e Estenose pulmonar – mais comuns que mitral/tricúspide, que não serão abordada ● Persistência do Canal Arterial (PCA) ● Coarctação da Aorta (CoA) Manifestação clínica As crianças podem evoluir como acianóticas de duas formas: ● Fluxo pulmonar normal São praticamente assintomáticas e representam o grupo de maior risco, pois o diagnóstico não é feito precocemente; quando se descobre a doença, muitas vezes o tempo de intervenção cirúrgica já se perdeu. ● Hiperfluxo pulmonar (mais comum) Cansaço aos esforços, as mamadas, broncopneumonia de repetição e hipodesenvolvimento corporal (altura e peso). Soprologia O sopro desse grupo é sistólico. ● Regurgitativo ○ Comum nas insuficiências valvares ● Ejetivo ○ Comum na estenose aórtica, estenose pulmonar, CIV, CIA e CoA ● Contínuo ○ Comum na PCA (sopro em maquinário/locomotiva) Eletrocardiograma Pode apresentar sinais indiretos, como SVE, SVD ou sobrecarga biventricular. Radiografia de Tórax É um marcador tardio das doenças: se há alterações radiológicas de hiperfluxo pulmonar, a criança já está vivendo com a patologia por muito tempo. É possível observar, no hiperfluxo pulmonar: ● Cardiomegalia variável ● Hiperfluxo pulmonar ● Tronco pulmonar abaulado Essas são alterações típicas de hipertensão pulmonar; devemos sempre evitar que a criança desenvolva insuficiência cardíaca crônica e hipertensão pulmonar. A partir do momento que a criança desenvolve 3 hipertensão pulmonar, já não é possível corrigir a patologia primária, afinal o VD precisa fazer muita força para vencer essa resistência, levando a hipertrofia ventricular direita e insuficiência ventricular direita. Já quando o fluxo pulmonar é normal, a área cardíaca não se altera. Como calcular se existe hipertensão pulmonar [pode cair na prova] A partir do shunt, isto é, a comunicação patológica cardíaca, o sangue flui do lado com maior pressão para o lado com menor pressão. Na comunicação interatrial (CIA), o sangue vai do átrio esquerdo para o átrio direito, desce para o ventrículo direito e, em seguida, tronco da pulmonar. Na comunicação interventricular (CIV), o sangue vai do ventrículo esquerdo para o ventrículo direito e tronco da pulmonar – obviamente nesse caso a repercussão será muito maior se comparada a CIA, uma vez que as pressões ventriculares são superiores. Através do ecocardiograma ou cateterismo calculamos o volume do fluxo pulmonar (Qp), o volume do fluxo sistêmico (Qs) e fazemos uma conta(Qp/Qs), que deve ter resultado 1: a mesma quantidade de sangue que vai para a aorta deve ir para o tronco pulmonar. No caso dessas doenças há um desvio, que altera essa conta. Se o Qp/Qs for de 1 a 1,5, considera-se esse fluxo pulmonar com aumento discreto (e consequentemente hipertensão pulmonar discreta). Qp/Qs de 1,5 a 2 é um fluxo pulmonar com aumento moderado e já é indicação cirúrgica (ou por cateter)! Acima de 2 (fluxo pulmonar com aumento importante), a cirurgia deve ser feita o mais rápido possível, pois o volume de sangue que vai para os pulmões é 2 vezes maior que o volume de sangue que vai para a circulação sistêmica – por isso que essa criança não ganha peso e seu desenvolvimento fica atrasado. Se essa condição não for corrigida rapidamente, a criança desenvolverá falência do ventrículo direito. Nesse momento, a patologia primária já não pode ser corrigida, pois há um problema mecânico. Nesse momento a única solução é o transplante cardíaco, que na faixa etária pediátrica é raro (não há doadores). Principais cardiopatias acianóticas com hiperfluxo pulmonar [pode cair na prova] 1. PCA: sangue vai do arco aórtico para o tronco pulmonar 2. CIV: mais grave que CIA por maiores pressões 3. CIA 4. DSAV CIA+CIV e válvula atrioventricular única em vez de Válvula mitral e tricúspide – a mais grave de todas Essas patologias podem ser descobertas com ecocardiograma fetal sendo interessante que o parto aconteça em um local com equipe preparada! 4 ● Comunicação interatrial (CIA) A mais assintomática, afinal o volume de sangue desviado do AE para o AD e TP são menores. Por esse motivo, as suas manifestações são mais tardias, em torno dos 3 a 5 anos da criança – resfriados de repetição, pneumonia e retardo de crescimento. Sopro Sopro sistólico ejetivo de pequena magnitude BEE (foco pulmonar), desdobramento fixo de B2. Geralmente é mesossistólico (auscultado no meio da sístole). Pode ser auscultado no 2º EIE ou 3º EIE. Radiologia Quando essas crianças não são tratadas, podem apresentar o seguinte RX: Típico de hipertensão pulmonar: área cardíaca aumentada, trama vascular proeminente (muito sangue) e tronco da pulmonar dilatada. Em outras palavras: aumento das câmaras direitas, hiperfluxo pulmonar e dilatação do tronco pulmonar. Ecocardiograma Faz o diagnóstico de todas as patologias dessa aula – inclusive pode ser feito o ECO fetal. Tem a capacidade de localizar a CIA, seu tamanho, sua repercussão (Qp/Qs), aumento das câmaras direitas, alteração da função ventricular – a dilatação do átrio direito também pode levar a fibrilação atrial. Tratamento Cirúrgico e por catéter – que é a primeira opção, porém apresenta contraindicações: o orifício da CIA deve estar bem centralizado no septo, caso contrário (se estiver perto das veias cava), trata-se de um caso cirúrgico, que utiliza a circulação extracorpórea. O tratamento cirúrgico é curativo. ● Comunicação interventricular (CIV) É mais grave que a CIA pelas grandespressões ventriculares, portanto as manifestações clínicas são mais precoces; é mais frequente que a criança tenha resfriados de repetição, pneumonia e retardo de crescimento. Devido ao aumento do fluxo e turbilhonamento, pode gerar endocardite caso haja circulação de bactérias no sangue. 5 Sopro Ejetivo, mais rude que da CIA, de grande magnitude e holossistólico (dura toda a sístole); pode ser acompanhado de frêmito, a depender de sua intensidade. RX e ECO: mesmos achados da CIA. Tratamento (sempre cirúrgico, nesse caso [diferente da CIA]) Se não há repercussão clínica (Qp/Qs <1,5) ● Fazer acompanhamento clínico periódico Se há repercussão clínica (Qp/Qs >1,5) ● Fazer cirurgia antes dos 6 meses de vida ● Persistência do canal arterial (PCA) Geralmente seu fechamento é fisiológico, podendo levar dias ou algumas semanas. O protocolo inicial é aguardar o fechamento natural; se não fechar, avaliar Qp/Qs. Se houver repercussão (>1,5), o tratamento cirúrgico deve ser feito. Apresenta sopro em maquinaria/locomotiva – achado típico que pode ser perguntado em provas. Tratamento cirúrgico A primeira indicação é a oclusão com catéter. O tratamento cirúrgico pode ser feito por minitoracotomia ou videotoracoscopia; geralmente é feito após o primeiro ano de idade. Se a repercussão do Qp/Qs for importante, pode ser feito precocemente (antes do primeiro ano). ● Defeito do septo atrioventricular (DSAV) É a mais grave das cardiopatias congênitas acianóticas. Essa é a patologia cardíaca mais comum nos indivíduos com Síndrome de Down: existe uma válvula atrioventricular única, CIV e CIA. A correção deve ser feita preferencialmente até os 3 meses de idade, e obrigatoriamente até os 6 meses devido a grande repercussão Qp/Qs. Radiologia: área cardíaca muito aumentada. 6 Cardiopatias congênitas acianóticas obstrutivas (valvares) ● Estenose valvar de semilunares (aórtica e pulmonar) As crianças não apresentam a mesma sintomatologia que os adultos, mas eventualmente podem apresentar cansaço às mamadas e sinais de fadiga. O diagnóstico é dado através do ecocardiograma e gradiente – esse último significa a diferença de pressão entre duas áreas. Se a diferença de pressão entre a aorta e o ventrículo for de maior que 40 mmHg, trata-se de uma estenose importante – nesse momento a intervenção já é recomendada, caso contrário o ventrículo pode evoluir com hipertrofia e insuficiência. Quando a criança é muito nova, utiliza-se cateter com um balão, insuflando-o para “rasgar” a válvula estenosada; a válvula torna-se insuficiente, o que também é um problema, mas o ventrículo tolera bem a insuficiência (não tolera a estenose). Na vida adulta, o indivíduo é operado novamente para corrigir a insuficiência. ● Coarctação Aórtica (CoA) Trata-se de uma obstrução localizada no istmo aórtico, que fica abaixo da subclávia esquerda e antes do canal arterial, internamente na camada íntima da aorta. É comum que a criança tenha a válvula aórtica bicúspide, pulsos femorais ausentes (característica muito importante) e sinal de Roesler: As costelas apresentam erosões: devido a obstrução, há um desvio de alto fluxo para as artérias intercostais. 7 Tratamento Após o diagnóstico feito com Angiotomografia ou ressonância magnética, faz-se a cirurgia precoce se for pré-ductal (até 6 meses); pós-ductal entre 1 a 5 anos. Tudo depende do gradiente e da pressão diastólica da criança. Se a pressão diastólica for superior a 90 mmHg ou seu gradiente antes/depois da coarctação >20 mmHg, a estenose já é muito importante, sendo indicado o tratamento imediato. Consiste em abrir a coarctação com um balão semelhante ao stent. Cardiopatias congênitas cianóticas Apresentam cianose desde o início da doença e maior potencial de gravidade, sendo a Tetralogia de Fallot (T4F) a doença de maior prevalência (10% dentre todas as cardiopatias). De forma geral, as cardiopatias congênitas comprometem a homeostase hemodinâmica, causa de muitas emergências pediátricas – necessitando de um diagnóstico precoce e rápido. A cianose nos lábios e extremidades é um achado importante dessa doença. Quando se torna crônica, o indivíduo pode apresentar unha em vidro de relógio e dedo em baqueta de tambor. 8 ● Saturação periférica normal (oxímetro): entre 95 e 97% A insaturação inicia-se abaixo de 91%; torna-se importante abaixo de 70% – algumas crianças suportam até 50% devido a adaptação crônica. RX: típico, em bota de criança. O ventrículo esquerdo fica bastante evidente. Os 4 componentes da T4F [pode cair na prova]: ● Estenose infundíbulo-valvar pulmonar ● Hipertrofia do ventrículo direito ● Comunicação interventricular (CIV) ● Dextroposição aórtica (fica mais à direita) O sangue chega pelas veias cava, vai para o átrio direito, ventrículo direito e se depara com uma estenose da válvula pulmonar muito acentuada; consequentemente, o ventrículo direito entra em sobrecarga e o sangue segue em direção ao ventrículo esquerdo através da comunicação interventricular – o contrário das patologias que geram hiperfluxo pulmonar, isto é, trata-se de uma doença de hipofluxo pulmonar. Quanto maior a estenose da válvula pulmonar, maior a cianose e menor a saturação, afinal esse sangue sem oxigenação é direcionado do ventrículo esquerdo para a aorta. Diagnóstico Feito através do Ecocardiograma. O indivíduo é classificado como tendo boa anatomia quando o sangue chega aos pulmões e esses órgãos se desenvolvem; Anatomia habitual quando a estenose é importante: o tronco da pulmonar, ramos pulmonares esquerdo/direito se desenvolvem, mas os pulmões não; A anatomia crítica se refere ao indivíduo que apresenta uma extrema estenose, impedindo quase totalmente a passagem do sangue, o que impede o desenvolvimento total das estruturas seguintes – o pulmão é muito rudimentar. 9 Nos dois últimos casos a cirurgia é paliativa (Blalock-Taussig) – a cirurgia curativa só pode ser feita quando a anatomia é boa. Manejo clínico crises Quando uma criança previamente diagnosticada com T4F chega descompensada/com crise cianótica no PS, devemos: ● Morfina – diminui a agitação das crianças e faz vasodilatação periférica ○ Se o sangue fica perifericamente, a pré-carga no átrio direito e ventrículo direito diminuem, portanto o sangue pobre em oxigênio será menos direcionado para o ventrículo esquerdo e aorta, o que diminui a cianose ● Bicarbonato de sódio ○ Combate a acidose metabólica ● Posição genupeitoral – ajuda com a cianose, pois “segura” o sangue na periferia Prevenção de crises ● Combate a infecção e anemia ● Propranolol ○ Relaxa a musculatura da via de saída da válvula pulmonar e facilita a entrada de sangue na aorta ● Prostaglandina E ○ Ajuda na oxigenação Blalock-Taussig Clássico A cirurgia clássica consistia em conectar artéria subclávia ao ramo direito da artéria pulmonar: dessa forma, o sangue que passava pela CIV para o VE e aorta voltava para os pulmões sem “colidir” com a estenose encontrada na válvula semilunar pulmonar. Blalock-Taussig Modificado Fase 1: a conexão da subclávia com o ramo direito da artéria pulmonar foi substituída por um tubo sintético com maior capacidade de transporte de sangue. Aguarda-se os pulmões se desenvolverem – geralmente até os 6 meses a 1 ano de vida – para fazer outra cirurgia, a correção definitiva (fase 2): ● Fecha-se a CIV ● Abre-se a válvula pulmonar É importante aguardar o desenvolvimento pulmonar (fase 1), pois se a CIV for fechada e a válvula pulmonar aberta antes desse momento, a pressão pulmonar será muito alta (o pulmão é todo fechado, subdesenvolvido, com muita resistência), levando a insuficiência do ventrículo direito.
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