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Multilateralismo e organizações internacionais O tratamento multilateral de questões internacionais não é algo dado nem observado em períodos muito remotos da história. De maneira geral, o tratamento histórico de questões internacionais era realizado via bilateral. A introdução do multilateralismo, seja para lidar com questões comerciais ou quaisquer outros temas da agenda internacional é uma novidade que emerge no século XIX. Do ponto de vista conceitual, o multilateralismo pressupõe o arranjo de três ou mais Estados em torno de determinada temática. A partir desse conceito, alguns autores reconhecem características próprias do multilateralismo: • Custo de transação reduzidos: divisão de ônus e responsabilidades. Países que não tem excedente de poder tem grande apreço pelo multilateralismo justamente por ser menos custoso atuar no âmbito multilateral. • Transparência: a diplomacia pública melhora as possibilidades de entendimento, cooperação e, consequentemente, contribui para a manutenção da paz. As instituições reduzem também, de acordo com os teóricos neoliberais, o “medo da trapaça”. • Horizontalidade: revela maior e melhor equilíbrio nas negociações. • Representatividade/legitimidade: países com menor excedente de poder e envergadura possuem maior espaço de articulação com outros países também menos poderosos para barganhar com grandes potências e ter suas demandas ouvidas, assim como maior força para resistir às pressões dessas potências. • Indivisibilidade: segurança coletiva e princípio da nação mais favorecida são exemplos dessa indivisibilidade. O grande impulso ao multilateralismo é dado ao final da Segunda Guerra Mundial. As organizações internacionais são um tipo de instituição internacional. As instituições internacionais refletem interação e articulação (promovem ou regulam as interações) entre os Estados, com vistas a assegurar a estabilidade do sistema internacional (exemplos de instituições: comércio internacional, diplomacia, direito internacional, guerra, equilíbrio de poder, etc). As organizações internacionais são dotadas de grande institucionalização, característica que as singulariza em relação a outras instituições internacionais. • As OIs são formadas a partir de cartas constitutivas • Toda OI tem uma sede • Toda OI fica adstrita a um orçamento • Toda OI tem um aparato burocrático As organizações internacionais podem ser de dois tipos: ➢ Organizações internacionais governamentais: ONU, OMC, OEA, OTAN, FMI, OCDE, etc. ➢ Organizações internacionais não governamentais: Greenpeace, WWF, Médicos Sem Fronteiras, etc. As primeiras organizações internacionais surgem da segunda metade do século XIX. Destacam- se: • Cruz Vermelha (1864) – caráter não governamental • União Internacional de Telégrafos (1865) – caráter governamental (união pública internacional) • União Postal Universal (1871) – caráter governamental (união pública internacional) Não havia ainda, entretanto, uma organização para a manutenção internacional da paz. As Conferências de Haia de 1889 e 1907 tinham caráter inovador justamente porque estavam voltadas para a paz – os Estados se reuniram em âmbito multilateral para debater a paz. Não se estabelece, entretanto, uma organização internacional propriamente dita. A primeira organização internacional com o objetivo principal de manter a paz e a segurança internacionais será a Liga das Nações, criada em 1919 pelo Tratado de Versalhes, que colocou fim à Primeira Guerra Mundial. Para tanto, a Liga adotou um sistema de segurança coletiva, incorporou o princípio da diplomacia pública em detrimento da velha diplomacia secreta e ensaiou um controle de armamentos. Além de atuar no campo da segurança, a Liga também promoveu ações relevantes no tocante à: proteção de minorias étnicas e refugiados, combate ao tráfico de entorpecentes, sistema de mandatos (transição de colônias para Estados independentes), etc. Fragilidades da Liga: • Falta de universalismo e representatividade (ex: ausência dos EUA) • Processo decisório pautado pelo consenso • Decisões carentes de efetividade (sem força vinculante), sem poder efetivo de impor sanções • Inércia diante de graves atos de agressão internacional: avanço das tropas alemãs na Europa, invasão da Etiópia pelas tropas italianas, ocupação da Manchúria pelo Japão Como resultado de tantas fragilidades, a Liga não consegue evitar a eclosão da II Guerra Mundial em 1939. A Liga foi extinta em 1946, embora não tivesse mais atuação efetiva desde a eclosão da II Guerra. Isso não significa que a Liga tenha sido um completo fracasso: foi essencial para a resolução da questão da Letícia, para disputas entre Grécia e Bulgaria, etc. Além disso, a Liga deixa importante legado: sistema de segurança coletiva, diplomacia pública, Corte Permanente de Justiça Internacional, OIT, etc. Organização das Nações Unidas Conferências que antecederam a criação da ONU: ✓ Conferência de Moscou (1943): as quatro partes atuantes no encontro (EUA, URSS, Reino Unido e China) decidem pela criação de uma nova organização internacional para substituir a Liga. ✓ Conferência de Dumbarton Oaks (1944): conferência preparatória para o lançamento da ONU, rascunhando sua estrutura e funcionamento; reúne os quatro participantes da conferência anterior. É nessa conferência que se discute a composição do Conselho de Segurança, e que o presidente norte-americano sugere o Brasil como um sexto membro permanente do Conselho (proposta rejeitada pela URSS). A Conferência deixa em aberto, entretanto, a questão do processo decisório no Conselho. ✓ Conferência de Ialta (1945): são decididas várias questões sensíveis acerca da geopolítica europeia para o pós guerra, e também retoma a questão pendente do processo decisório, aprovando a questão do veto (exigência da URSS). ✓ Conferência de São Francisco (1945): 50 Estados participantes, incluindo o Brasil. Adota- se a Carta de São Francisco – a carta constitutiva da ONU. A ONU entra em funcionamento no dia 24 de outubro de 1945, com 51 membros fundadores (a Polônia, embora não tenha participado da Conferência de São Francisco, faz parte dos membros fundadores). Objetivos da ONU (art.1) • Manutenção da paz e segurança internacionais • Desenvolver relações amistosas entre as nações • Realizar a cooperação internacional para resolver os problemas mundiais de caráter econômico , social, cultural e humanitário, promovendo o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais. A Carta da ONU é o primeiro tratado internacional da história a assumir o compromisso com os direitos humanos. Os direitos humanos, depois da segunda guerra mundial, saem da esfera privada dos Estados e passa a ser um tema central da agenda internacional. • Ser um centro destinado a harmonizar a ação dos povos para a consecução desses objetivos comuns. Princípios da ONU (art.2) • Igualdade soberana de todos os membros • Cumprir de boa-fé os compromissos da Carta • Resolver as controvérsias internacionais por meios pacíficos • Abster-se em suas relações internacionais de recorrer à ameaça ou ao emprego da força contra outros Estados (o art.51 da Carta prevê o direito à legitima defesa individual ou coletiva como exceção à esse princípio, além da autorização de uso da força pelo CSNU) • Nenhum preceito da Carta autoriza as Nações Unidas a intervir em assuntos que são essencialmente da alçada nacional de cada país (consequência do princípio de soberania) Órgãos principais: • Assembleia Geral (AGNU) Todos os Estados membros tem assento na Assembleia Geral (193 Estados membros). Cada membro tem direito a um voto. A principal atribuição da AGNU é aprovar resoluções recomendatórias sobre qualquer tema da Carta da ONU. O art.12 da Carta prevê, entretanto, que a AGNU deve se abster de atuar em temas sob os quais o CSNU estiver exercendo suas atribuições. Além das resoluções recomendatórias, a AGNUelege os membros dos demais órgãos permanentes (membros rotativos do CSNU, membros do ECOSOC, juízes da CIJ – votação conjunta com o CSNU, etc) e do Secretário-geral. Por ser o órgão mais representativo da ONU, a AGNU é o órgão dotado de maior legitimidade para fazer essas escolhas. Existem dois quóruns possíveis na AGNU: os assuntos importantes são aprovados por maioria de 2/3, enquanto os demais assuntos são aprovados por maioria simples. A Carta da ONU deixou em aberto a definição dos assuntos importantes. A ausência de classificação dos assuntos em importantes e simples não se deu por mero esquecimento do legislador, mas sim de forma proposital para que ajustes pudessem ser feitos ao longo do tempo. Ex: no início da organização, a admissão de novos membros era aprovada por maioria simples, entretanto, quando na década de 60 a China comunista tenta entrar na ONU, os EUA propõem uma alteração nesse quórum. Essa mudança só foi possível porque não havia previsão taxativa sobre o tema. Resolução Unidos para a Paz (United for peace) – RES/A/377/1950 Essa resolução autoriza que, no caso de paralisia do CSNU, o AGNU tome a matéria para si. Essa resolução “burla” o art.12, aprovada no contexto da Guerra da Coreia, para contornar o veto da URSS à continuidade da ação militar na Coreia (ação que havia sido aprovada diante da ausência de atuação da URSS em protesto ao não reconhecimento da China comunista). Foi a primeira vez em que o sistema de segurança coletiva foi acionado. Foi graças a essa resolução que as tropas da ONU se mantiveram na Coreia até 1953, não mais amparada pelo CSNU mas sim pela AGNU. Essa resolução foi acionada poucas vezes na história da ONU (crise no Congo, crise de Suez, etc.). Fazia pouco mais de duas décadas que a resolução não era acionada, mas foi invocada em 2022 no contexto da Guerra da Ucrânia. A AGNU tomou o tema para si, diante do veto russo, e emitiu uma resolução condenando a ação militar russa em território ucraniano. • Conselho de Segurança (CSNU) Composto por 15 membros: 5 permanentes e 10 não permanentes. O CSNU passou por uma reforma ao longo de sua história, quando o número de membros não permanentes foi ampliado de 6 para 10 (totalizando 15 membros no lugar de 11), em 1963. Os membros não permanentes cumprem mandatos de dois anos não renováveis. Cabe ao CSNU aprovar resoluções vinculantes sobre questões de paz e segurança. Atua com base no capítulo VI (solução pacífica de controvérsias) e VII (uso da força). As decisões sobre procedimentos necessitam dos votos afirmativos de nove dos quinze membros do Conselho. Não se aplica poder de veto para questões procedimentais. As decisões relativas a questões substantivas (“de fundo”) também necessitam de nove votos afirmativos, incluindo os dos cinco membros permanentes. A leitura do art.27,§3º da Carta da ONU sugere que as decisões substantivas necessitam de unanimidade dos P5. Entretanto, na prática, vale a ideia de consenso – são necessários os nove votos afirmativos apenas não podendo haver voto negativo de algum dos P5. Essa interpretação contra legem se deu para facilitar, no contexto da Guerra Fria, a atuação do CSNU diante do boicote soviético ao CSNU. A ideia dos EUA, que propôs a ideia do consenso, era que a abstenção de um Estado não deveria ser interpretado como um veto. Durante a Guerra Fria o veto foi usado cerca de 270 vezes, o que explica, em certa medida, a inércia do CSNU em temas sensíveis ao longo desse período. Não existe menção direta ao veto na Carta da ONU – ele é deduzido da interpretação do art.27,§3º da Carta. É quase impossível pensar em uma extinção do poder de veto – para que isso ocorresse, seria necessária uma emenda à Carta da ONU que alterasse o art.27. Uma emenda à Carta, entretanto, só ocorre mediante aprovação e ratificação de 2/3 da AGNU, incluindo os 5 membros permanentes – que não tem interesse na extinção do poder de veto. • Conselho Econômico e Social (ECOSOC) Quando foi criado, tinha 18 membros – após uma reforma em 1963, passou a ter 27 membros, e por fim, numa segunda reforma em 1971, passou a ter os atuais 54 membros. Cada um dos 54 membros, escolhidos pela AGNU, cumpre mandatos de 3 anos. Cabe a ele fazer recomendações sobre temas econômicos e sociais e lançar atividades nessas áreas. O ECOSOC, por ter um rol variado de atribuições, é auxiliado por Comissões Temáticas (ex: Comissão sobre o Direito da Mulher, Comissão sobre Desenvolvimento Sustentável, etc.). Além disso, há também Comissões Econômicas Regionais vinculadas ao ECOSOC, como a CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina). O ECOSOC tem ainda uma segunda atribuição, que é a coordenação das chamadas agências funcionais – agências especializadas da ONU, como a UNESCO, a FAO, a OIT, a OMS, o FMI, o Banco Mundial, etc. O ECOSOC não tem grande destaque em suas atribuições, ficando à sombra de outros órgãos com maior destaque em cada tema. Falta ao ECOSOC ascendência hierárquica às agencias especializadas, o que acaba impedindo um trabalho adequado de coordenação. • Corte Internacional de Justiça (CIJ) Sediada em Haia, no local da antiga Corte Permanente de Justiça. É composta por 15 juízes escolhidos em votações concomitantes da AGNU e no CSNU. Os mandatos são de 9 anos, renováveis por igual período. Os juízes da CIJ são escolhidos a título pessoal, ou seja, não são representantes de seus países. A regra, entretanto, é que não pode haver na CIJ dois juízes de mesma nacionalidade. A CIJ possui duas atribuições principais: uma função contenciosa – onde cabe à Corte resolver controvérsias jurídicas entre os Estados, e uma função consultiva – onde emite pareceres sobre questões jurídicas. Somente Estados, nunca indivíduos, podem recorrer à CIJ. A jurisdição da CIJ é obrigatória apenas para os Estados que assinaram a Cláusula Facultativa, ou que, para determinada disputa, aceitem a jurisdição da Corte. Além disso, vale ressaltar que admite-se que Estados não membros da ONU assinem o Estatuto da Corte, se autorizado pelo CSNU. • Secretariado É a estrutura burocrática da ONU, chefiado pelo Secretário-Geral (que é escolhido pela AGNU para um mandato de 5 anos que pode ser renovado uma única vez). O art.99 da Carta da ONU prevê que o Secretário-geral pode encaminhar qualquer questão que julgue importante para a apreciação do CSNU – ou seja, pode provocar de ofício a atuação do Conselho (além do Secretário-geral, quem pode provocar de ofício o CSNU é a AGNU por maioria de 2/3). O Secretariado presta serviço a outros órgãos da ONU e administra os programas e políticas que elaboram. • Conselho de Tutela Cabia a ele a supervisão da administração dos territórios sob regime de tutela internacional. Suas metas consistiam em promover o progresso dos habitantes dos territórios e desenvolver condições para a progressiva independência e estabelecimento de governo próprio. Esse órgão interrompeu suas atividades em 1994, com a independência de Palau (último Estado administrado pelo Conselho de Tutela). OBS: Não há hierarquia entre esses órgãos. A ONU no pós-Guerra Fria Durante os anos da Guerra Fria a ONU se manteve à sombra do conflito, sem ter condições de realizar plenamente os objetivos para os quais tinha sido constituída, justamente pelo fato de EUA e URSS, membros permanentes do CSNU, serem os protagonistas desse conflito bipolar. A ONU não teve papel algum diante do conflito do Vietnã, por exemplo. O fim da Guerra Fria abre uma janela de oportunidade para novo protagonismo das Nações Unidas; é um cenário internacional marcado por grande otimismo, que sugeria a possibilidade de consecução plena dos objetivos da Carta. Com o fim da Guerra Fria, a ONU abraça de maneira contundente uma agenda social – que havia sido deixada de lado por muito tempo em favor das questões de paz e segurança. Já na década de 90, essa agenda social será consagrada com uma série de conferências (fazendo a décadade 90 ficar conhecida como a década das conferências): ❖ Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – Rio, 1992 ❖ Conferência Internacional sobre Direitos Humanos – Viena, 1993 ❖ Conferência sobre População – Cairo, 1994 ❖ Conferência sobre os Direitos da Mulher – Beijing, 1995 ❖ Conferência sobre Desenvolvimento Social – Copenhague, 1995 ❖ Conferência sobre Assentamentos Humanos (Habitat) – 1996, Istambul Além disso, há uma atualização da agenda de segurança da ONU, com a identificação de novos desafios (ex: nacionalismos, conflitos étnicos, terrorismo, conflitos intra-estatais, etc) O conceito de desenvolvimento sustentável foi consagrado inicialmente em 1987, no Relatório “Our common future”, e foi publicizado e consagrado internacionalmente durante a CNUMAD (Rio92), já assentado em três dimensões: econômica, social e ambiental. A ideia de segurança humana também surge nesse momento; a ênfase das atividades da ONU recai sobre os indivíduos, não mais sobre os Estados. Em 1994, o PNUD vai consagrar o conceito de segurança humana, entendendo que a segurança humana aponta para um conjunto amplo de “seguranças” (alimentar, ambiental, econômica, etc) necessárias para realizar a dignidade e o bem estar da pessoa humana. Esse conceito será ainda mais importante quando, ao longo da década, ocorrerem embates entre o Estado e o indivíduo. Em alguns casos, será observado que é o Estado o responsável pela violência contra o indivíduo. A segurança, tradicionalmente enxertada como um assunto de Estados, passará a ser assunto também intra-estatal. Essa nova dimensão da segurança, entretanto, vai esbarrar nos próprios princípios da Carta, como o princípio consagrado no art.2,§7º - o princípio da não intervenção (“nada na presente Carta autorizará as Nações Unidas a intervir em assuntos domésticos dos Estados”). A ONU, dessa forma, traz novidades normativas para lidar com essas situações: • Fortalecimento das operações de paz para atuar diante de crises humanitárias: peace enforcement e peace building. No documento intitulado “Agenda para a Paz”, lançado em 1992, o Secretário-Geral fala em duas novas modalidades de operações de paz. Ao contrário das tradicionais operações de peace keeping, que usa armamentos leves (somente utilizados em situações de legitima defesa) e precisa do consentimento das partes, o peace enforcement revela uma lógica de armamento pesado, utilizado não apenas para a legítima defesa mas também para ações ofensivas, e que dispensa o consentimento das partes (assentada no cap.VII da Carta). Outra novidade é o conceito de peace building, que aponta para o compromisso que a ONU deve assumir em construir uma paz duradoura – em nome da paz e da estabilidade, as Nações Unidas devem lidar não somente com questões de segurança stricto sensu, mas também com as raízes mais profundas dos conflitos (muitas vezes relacionadas a questões de desenvolvimento, pobreza, políticas, etc). As operações de consolidação da paz são operações complexas, que envolvem efetivos de diversas áreas (saúde, política, econômica, etc.). O Brasil é um grande incentivador do peace building, um conceito que dialoga com a relação entre paz e desenvolvimento defendida pelo Brasil. • Responsabilidade de Proteger (R2P): em 2005, aprova-se o conceito de R2P, que embora tenha os mesmos efeitos do “direito de ingerência” praticado na década anterior, é um conceito mais palatável e que se propõe a suavizar tal relativização da soberania. Esse conceito propõe que a responsabilidade de proteger os indivíduos é primariamente dos Estados (cada Estado tem a obrigação de proteger sua população), mas caso o Estado não cumpra sua responsabilidade ou seja ele próprio o agente da violência contra o indivíduo, a responsabilidade passa subsidiariamente para a comunidade internacional. Sua primeira aplicação prática ocorre em 2011, durante a Guerra Civil na Líbia. O bombardeio da OTAN contra as forças de Gadaf foi feito na esteira do R2P. O Brasil não é propriamente contra ao R2P, mas entende que esse conceito pode ter usos abusivos. Por conta disso, o Brasil propôs, em 2011, o conceito de responsabilidade ao proteger (RWP). Esse conceito aponta, em primeiro lugar, para a necessidade de esgotar a diplomacia preventiva e exaurir os meios não violentos de proteção aos civis; caso essas duas práticas não funcionem, o uso da força deve ser dirigido por um mandato claro e objetivo, com critérios e orientações explícitas. Além disso, deve haver um monitoramento do uso da força. Reforma da ONU No pós-Guerra Fria passa a haver um clamor mais efetivo pela reforma das Nações Unidas, justamente porque uma ONU mais atuante precisaria de reformas não só do ponto de vista político como do ponto de vista orçamentário e administrativo. Passa a haver a certeza de que a ONU não mais reflete a realidade do poder mundial. Existem três agendas principais de reforma: ❖ Reforma financeira/orçamentária: a ONU sofre uma crise orçamentária grave, especialmente com o aumento das despesas no pós-Guerra Fria. Além disso, a ONU sofre com atrasos e inadimplências na contribuição dos Estados. ❖ Reforma administrativa: busca reformar o aparato burocrático, levando em consideração o equilíbrio de representação regional, o equilíbrio de gênero, etc. ❖ Reforma institucional: busca tornar a ONU uma organização mais atenta à realidade de poder mundial. Em 2006, criou-se a Comissão de Consolidação da Paz, um novo órgão - na esteira de uma reforma institucional, para lidar com os novos desafios. Há também uma reforma no plano de direitos humanos, com o fim da Comissão de Direitos Humanos (muito criticada em sua atuação) e sua substituição pelo Conselho de Direitos Humanos. Existem discussões sobre a reforma das reuniões da AGNU, e, por fim, a reforma do Conselho de Segurança. O ECOSOC também é alvo de pedidos de reforma, visto que não consegue coordenar as agências especializadas devido à ausência de qualquer hierarquia sobre elas. Reforma do Conselho de Segurança O CSNU passou por uma única reforma em toda sua história; em 1963, o Conselho ampliou-se de 11 para 15 membros, expansão que se deu apenas entre os membros rotativos (aumento de quatro membros não permanentes). O Conselho sofre com um problema de falta de representatividade – não reflete as relações de poder atual. Na década de 90, no contexto de otimismo em que a ONU busca resgatar suas credenciais como agente importante, foram formuladas diversas propostas de reforma do órgão. Duas são as propostas principais surgidas na década de 90: ✓ Proposta “Quick Fix”: realizada pelos EUA, propunha uma expansão entre os membros permanentes do Conselho, com a entrada de dois novos Estados – Japão e Alemanha. Essa proposta sofreu resistência de boa parte do mundo em desenvolvimento, que não se viu contemplado. ✓ Proposta 2+3: realizada pelo embaixador da Malásia na ONU, que previa a criação de 5 novos assentos permanentes – sendo dois para países desenvolvidos e três para países em desenvolvimento. A proposta foi rejeitada pelos EUA. Qualquer reforma do CSNU só pode se efetivar mediante uma emenda à Carta de São Francisco, exigindo-se para tanto a aprovação (e ratificação) de 2/3 da AGNU, incluindo-se os cinco membros permanentes. O Secretário-Geral Kofi Annan enfatiza a necessidade urgente de uma reforma em 2003, diante de uma profunda perda de credibilidade da ONU principalmente após a intervenção dos EUA no Iraque. Kofi Annan convoca um “High Level Painel” com diversos especialistas para discutir o tema e elaborar propostas. Apresentaram-se diversas propostas, duas das quais versavam sobre o CSNU: a primeira proposta previa um aumento de 15 para 24 no número de membros, com aumento de 6 membros permanentes, que entrariam sem poder de veto; a segunda proposta não previa aumento dos membros permanentes, que permaneceriam cinco, e previa a criação de mais um assento não permanentee de uma categoria nova – semi-permanentes, que seriam escolhidos para mandatos maiores e poderiam ser reeleitos indefinidamente. Em 2004, articula-se o G4, reunindo Brasil, Japão, Índia e Alemanha. A proposta do G4, feita em 2005, previa uma expansão de 15 para 25 membros no Conselho, sendo criados 4 novos assentos rotativos e 6 novos membros permanentes. Os novos membros permanentes entrariam com poder de veto. Na proposta, os novos membros permanentes seriam os 4 que compõe o grupo (Brasil, Índia, Japão e Alemanha) e dois países africanos. A proposta foi muito mal recebida dentro da ONU, o que levou o G4 a fazer um ajuste pragmático na proposta, pela qual os novos membros permanentes entrariam sem o poder de veto temporariamente. Na primeira avaliação da reforma que se fizesse, ao cabo de 10 ou 15 anos depois, a prerrogativa do veto poderia ser estendida ou não aos novos membros permanentes. Em paralelo ao G4, existe a proposta do grupo “Unidos pelo Consenso”, composto por países como Argentina, México, Paquistão, Coreia do Sul, Itália, Espanha, etc. Essa proposta é contrária à proposta do G4, alegando que a criação de novos membros permanentes seria um risco para a ONU. A proposta do Unidos pelo Consenso vai, portanto, na linha da proposta de criação de uma categoria intermediária, com maiores mandatos e que poderiam ser reeleitos sucessivamente. A proposta foi bem recebida, mas não houve mais discussões intensas em relação ao tema. Ainda que se experimente dificuldades no tema da reforma, o Brasil é um país que possui credenciais sólidas, com efetiva capacidade de pleitear um assento permanente na eventualidade de uma reforma ser aprovada. ✓ É o segundo país, após o Japão, que mais vezes foi escolhido como membro rotativo do CSNU (11 mandatos) ✓ É membro originário da ONU ✓ Tem destacada participação em operações de paz ✓ É um país pacífico e mediador de conflitos ✓ É representante natural da América Latina, com maior território, população e economia ✓ É importante contribuinte para o orçamento da ONU ✓ Situa-se na “Zona mais desmilitarizada do mundo” – a América Latina é a maior zona densamente povoada livre de armas nucleares do mundo O Brasil entende que a reforma do CSNU atende à necessidade de se promover uma democratização dos fotos multilaterais de decisão. A escolha do Brasil como membro permanente do CSNU ensejaria uma maior representatividade da América Latina no órgão, bem como reforçaria o protagonismo e a participação do país no sistema internacional. Desarmamento e não proliferação A Liga das Nações tomou para si a responsabilidade pioneira de contribuir para o controle de armas, por conta do sofrimento humanitário testemunhado durante a Primeira Guerra. A ONU herda a agenda de desarmamento. Quando falamos de desarmamento estamos falando em armas de destruição em massa (ex: armas nucleares, armas biológicas, armas químicas) e armas leves. Convenções relacionadas ao desarmamento de armas de destruição em massa foram aparecendo ao longo do tempo, devido aos esforços da ONU. Há, hoje, o compromisso pelo banimento de armas químicas (Convenção sobre Armas Químicas) e biológicas (Convenção sobre Armas Biológicas); as armas nucleares são questão mais complexa, embora exista um compromisso amplo com sua não proliferação desde o final da década de 60 (TNP, e mais recentemente, TPAN). Desde o nascimento das Nações Unidas, as metas do desarmamento multilateral e da limitação de armas foram consideradas centrais para a manutenção da paz e da segurança internacionais. As metas vão desde a redução e eventual eliminação das armas de destruição em massa até a suspensão da proliferação de minas terrestres e de armas leves e de pequeno calibre. A Conferência sobre o Desarmamento é o único fórum de negociação multilateral da comunidade internacional para acordos sobre o desarmamento, tendo negociado com sucesso tanto a Convenção sobre Armas Químicas como o Tratado Abrangente de Proibição de Testes Nucleares. Já em 1945, os EUA tornam-se uma potência nuclear. Em agosto do mesmo ano, os EUA lançaram as duas bombas atômicas no Japão, demonstrando o grande potencial destrutivo dessa tecnologia – que não voltou a ser usada desde então. Pouco depois, a URSS também desenvolve armas nucleares (1949). Em 1952, o Reino Unido; 1960, a França; e em 1964, a China. São essas as cinco primeiras potências nuclearmente armadas do mundo. Outros atores adquiriram artefatos nucleares a posteriori – Índia, Paquistão, Israel e Coreia do Norte. A posse de armamentos nucleares serviria de instrumento dissuasório; no embate bipolar da Guerra Fria, mostrava-se importante que as duas potências detivessem esse tipo de armamento em favor de um equilíbrio de poder. A Destruição Mútua Assegurada (em inglês, Mutual Assured Destruction) é a ideia de que, fazendo uso de armas nucleares contra uma potência nuclear, ambos serão completamente destruídos. Essa ideia desestimula o primeiro ataque, dissuadindo uma ofensiva com armas nucleares. Durante a Crise dos Mísseis, ocorrida em outubro de 1962, as duas potências se deram conta da necessidade de lançamento de um regime de não proliferação nuclear. A Crise foi o momento em que as duas potências quase se lançaram em uma guerra nuclear. Já no ano seguinte, em 1963, ocorre o lançamento do PTBT – Tratado para Proibição Parcial de Armas Nucleares. Esse tratado proibiu alguns testes de armas nucleares, como por exemplo, testes atmosféricos e subaquáticos. Ao restringir os tipos de teste, o tratado dificulta o acesso a esses armamentos. Evolução do regime de não proliferação de armas nucleares: • PTBT (1963) • TNP (1968) – entra em vigor em 1970; • SALT I e II (1972) • INF (1987) • START I e II • V Conferência de Exame do TNP (1995) • CTBT (1996) • VI Conferência de Exame do TNP (2000) • VII Conferência de Exame do TNP (2005) • Novo START (2010) • VIII Conferência de Exame do TNP (2010) • IX Conferência de Exame do TNP (2015) • Lançamento do TPAN (2017) – entra em vigor em 2021 • X Conferência de Exame do TNP (2022) – seria em 2020, mas foi adiada por conta da pandemia Inicialmente, havia muita resistência ao Tratado de Não proliferação Nuclear; Índia, Paquistão, Israel e Coreia do Norte estão fora do regime, assim como o Sudão do Sul. Todos os demais países do mundo são parte do tratado. Ao longo das décadas de 70 e 80, muitos Estados foram aderindo ao tratado, e na década de 90, os últimos Estados resistentes, como é o caso do Brasil e da Argentina, finalmente aderiram ao TNP. O TNP se assenta em três pilares: 1. Não proliferação: esforço normativo inédito, proibindo os Estados que até aquele momento não possuíam armas nucleares de desenvolvê-las. 2. Desarmamento nuclear: traz o compromisso do desarmamento aos Estados que já possuíam armamento nuclear. 3. Direito ao desenvolvimento de tecnologia nuclear para fins pacíficos: mostra que o tratado não significa uma renúncia à tecnologia nuclear, mas uma renúncia ao uso militar dessa tecnologia. O TNP, desde sua origem, revela uma grande assimetria. Muito embora se assente nesses três pilares, havia inequivocamente uma ênfase absoluta ao pilar da não proliferação. Há menor ênfase pelo desarmamento nuclear. Os cinco Estados nuclearmente armadas seriam alcançados apenas pelo objetivo do desarmamento nuclear – sem quaisquer prazos ou metas práticas para isso, enquanto os demais Estados estariam taxativamente proibidos de desenvolver armamento nuclear. O art.6 do Tratado, que versa sobre o desarmamento, possui linguagem branda – “os Estados que possuem armas nucleares devem realizar esforços para progressivamente eliminarem as armas nucleares”. A ausência de metas e prazos torna difícil a realização do desarmamento, algo que foi muito criticado pelos demais países – inclusive o Brasil. O tratado foi inicialmente lançado com prazo de caducidade de 25 anos. A cada cinco anos,estabelecem-se compromissos de avaliação e exame do tratado. Ocorreu em agosto de 2022 a X Conferência de Exame do TNP. No contexto da détente – período de arrefecimento das tensões da bipolaridade, na década de 70, EUA e URSS realizaram conversas para a limitação de armas estratégicas, SALT I e SALT II. No âmbito do SALT I, em 1972, foi assinado um tratado histórico – o Tratado ABM, que proíbe os mísseis anti-balísticos, com o propósito de preservar a lógica da Destruição Mútua Assegurada. Esse tratado durou até o início dos anos 2000, quando o governo Bush rompeu com o tratado. A détente acaba com a invasão do Afeganistão pela URSS em 1979, retomando as tensões entre as duas potências. A segunda metade da década de 80, entretanto, é marcada pelo desmonte da Guerra Fria – numa parceria entre Gorbachev e Ronald Reagan. Nesse cenário, temos a assinatura do Tratado IMF, em 1987, que proíbe as forças nucleares intermediárias (mísseis e vetores de curto e médio alcance). Esse tratado foi renunciado recentemente pelo Governo Donald Trump, que rompeu com uma série de acordos de controle de armas e desarmamento, alegando que a Rússia já não cumpria o tratado. Já no contexto pós-Guerra Fria, temos o START I e o START II para redução de armas estratégicas. O START II acabou nunca entrando em vigor, pois não foi ratificado pela Duma russa. O START I, que entrou em vigor, impôs uma redução de em torno de 30% do arsenal estratégico dos EUA e da URSS (mais tarde, Rússia). Na década de 90, teve destaque a V Conferência de Exame do TNP (1995), que decidiu pela prorrogação por tempo indeterminado da vigência do TNP. Nessa Conferência também surge a proposta de uma Conferência especificamente direcionada para o Oriente Médio, para fazer da região uma zona livre de armas nucleares. Já havia, nesse momento, uma série de zonas livres de armas nucleares. A primeira delas foi a Antártica, por força do Tratado da Antártica (1959) que baniu qualquer forma de proliferação de armas no continente antártico. O segundo tratado do tipo foi o Tratado de Tlatelolco (1967), que constituiu a América Latina como uma zona livre de armas nucleares – primeira zona livre de armas nucleares em área densamente povoada. Depois disso, na década de 80, temos os Tratados de Harutunga – Pacífico Sul, de Peindaba – África, e o Tratado de Bangock – Sudeste Asiático constituindo zonas livres de armas nucleares. O Tratado de Zeni-Palatinski, de 2006, vai fazer da Ásia Central uma zona livre de armas nucleares. Em 1996, foi lançado o CTBT, para a proibição completa de testes nucleares. O tratado ainda não entrou em vigor, visto que além de um número mínimo de ratificações prevê também que sua entrada em vigor está condicionada à ratificação de alguns Estados específicos (em nome de sua representatividade), dentre eles os EUA. Os EUA jamais ratificaram o CTBT. Vale lembrar que na década de 90 o Brasil já estava muito engajado no regime de não proliferação, tendo patrocinado o lançamento da ABACC (Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle) em 1991, como uma organização internacional com sede no Rio de Janeiro voltada para o monitoramento e controle dos programas nucleares de Brasil e Argentina. Em 1994 o Brasil assina, juntamente com a Argentina, a ABACC e a AIEA, o Acordo Quadripartite, que prevê o sistema duplo de salvaguardas sobre Brasil e Argentina. São os dois únicos países no mundo duplamente verificados. Em 1994 o Tratado de Tlatelolco entra plenamente em vigor para o Brasil. Em 1995 o Brasil adere ao MTCR – regime para controle de tecnologias de mísseis. O Brasil adere ao CTBT em 1996, e em 1998, o Brasil adere finalmente ao TNP – na lógica da renovação de credenciais do Brasil na cena internacional. Nos anos 2000 temos a VI Conferência de Exame do TNP, com a aprovação do documento “Os 13 passos práticos para o art.6º”, patrocinado pela Coalizão da Nova Agenda (de que o Brasil participa, ao lado do México, Egito, África do Sul, Irlanda, Suécia e Nova Zelândia). Esse documento traz etapas concretas que deveriam ser cumpridas pelos Estados nuclearmente armados para o desarmamento. Já no ano seguinte, com o 11/09, o otimismo se reverte e os esforços pelo desarmamento pelos EUA são abandonados. A VII Conferência, de 2005, foi presidida pelo Embaixador brasileiro Sergio Queiroz Duarte, mas foi um fracasso notável, já com discussões acerca da falta de transparência do sistema nuclear iraniano e com paralisia das discussões acerca do art.6. Há uma pressão pela assinatura do Protocolo Adicional ao TNP de 1997 – que prevê um maior rigor nas inspeções (o Brasil nunca aderiu ao Protocolo), que entretanto não obteve muito sucesso na ocasião. Em 2010, tivemos o lançamento da Declaração de Teerã – articulada pelos governos do Brasil e da Turquia junto ao governo do Ira, pelo qual o pais persa se comprometia a cooperar mais com o regime de não proliferação e com as inspeções nucleares. A Declaração, entretanto, não foi implementado, devido à recusa estadunidense e ao lançamento de sanções contra o Irã pelo CSNU. Em 2010 ocorreu também a Primeira Cúpula sobre Segurança Nuclear, realizada em Washington durante o governo Obama. Essa cúpula discute a segurança em instalações nucleares para evitar acidentes, assim como a segurança no uso e circulação transfronteiriços de material nuclear. Ainda em 2010 ocorreu também o lançamento no Novo START – pelo qual EUA e Rússia se comprometem a reduzir em mais 30% as suas ogivas nucleares mobilizadas. Esse acordo foi renovado em 2021 com o governo Biden. A VIII Conferência de Exame do TNP, de 2010, foi uma conferência mais “lúcida”, não tão contaminada pelos acontecimentos de 2001, fazendo um resgate dos 10 passos práticos, numa retomada do empenho de desarmamento. Nessa mesma ocasião se rejeitou uma manobra norte-americana de tentativa de fazer tornar obrigatório o Protocolo Adicional. Nessa conferência se retoma a ideia de tornar o Oriente Médio uma zona livre de armas nucleares. A Conferência seguinte, entretanto, não observou quaisquer avanços. Em 2017, é lançado o TPAN – Tratado para a Proscrição de Armas Nucleares, onde o Brasil teve participação assertiva e destacada. O Brasil foi também o primeiro país a assinar o TPAN. O TPAN foi amplamente boicotado pelos membros da OTAN – os Países Baixos foram o único país a participar do lançamento, votando contra o tratado. O TPAN entrou em vigor em janeiro de 2021, com 50 ratificações. O Brasil ainda não ratificou o tratado. O TPAN é um tratado inovador, que proíbe armas nucleares sem distinção entre países nuclearmente armados ou não. OBS: além do regime de não proliferação nuclear, cabe destacar outros esforços no tema do desarmamento, como o Tratado de Ottawa de 1997 para a proibição de minas antipessoal e o Tratado Sobre Comércio de Armas (TCA) de 2013. O Tratado sobre Comércio de Armas impõe critérios e orienta os Estados a não venderem armas para países que estejam em crises humanitárias, países onde existem crianças soldados, etc. O tratado já está em vigor, embora algumas importantes fabricantes e exportadores de armas não sejam parte do tratado, como EUA e Rússia. A China, outro importante fabricante, é parte do tratado desde 2020. Há também a Convenção de Oslo (2008) para proibição das bombas de fragmentação. Temos também o Tratado para a Proibição de Armas Biológicas (1972) e o Tratado para a Proibição de Armas Químicas (1993), tendo sido criada uma organização internacional para monitorar o cumprimento do Tratado de Proibição de Armas Químicas – a OPAQ. Em 2012, a OPAQ atuou de forma marcante no contexto da Guerra Civil na Síria, onde existiram acusações de que havia uso de armas químicas pelas tropas leais ao presidente sírio Bashar Al-Assad. Os técnicos da OPAQ vem fiscalizando a situação na Síria e o desmonte das armas químicas no país. Uma outra situação preocupante é a da Coreia do Norte, que no dia 09/10/2006 deflagrouo seu primeiro artefato atômico, e de lá pra cá já ocorrem algumas detonações de artefatos nucleares. A Coreia do Norte já foi parte do TNP, e denunciou o tratado em 2003 por não tolerar às pressões e desconfianças dos EUA. Outra situação delicada é o Irã, quando em 2003 foram feitas denúncias por parte de cientistas iranianos no exílio de que o país possuía instalações nucleares não declaradas e nunca inspecionadas pelos técnicos da AIEA. Iniciaram-se pressões contra o Irã. Em 2015 foi logrado um acordo nuclear, negociado pelo P5+1 – JCPOA, que será denunciado pelo governo Trump. O governo Biden tem negociado um novo texto. Terrorismo, narcotráfico e crimes transnacionais Terrorismo Apesar de ter ganhado centralidade depois do ataque de 11 de setembro, o terrorismo é um tema antigo na agenda internacional, já tratado previamente no âmbito interno dos Estados. Nos anos 70, há uma mudança na dinâmica da agenda de segurança internacional com relação às práticas terroristas após o atentado dos jogos olímpicos de Munique em 1972, praticado pela organização Setembro Negro (grupo palestino) contra os atletas de Israel. Em 1972, a AGNU aprovou a primeira resolução internacional sobre o tema do terrorismo – Resolução 3034. A abordagem dessa resolução possui um tom jurídico-político, onde se discutem as causas e origens do terrorismo, associados ao autoritarismo, racismo, etc. A década de 90 é uma década de refinamento do tratamento internacional do terrorismo – refina-se a abordagem ao tema. Uma nova resolução foi aprovada pela AGNU – Resolução 49/00, onde adota-se maior compromisso com a repressão e o repúdio às práticas terroristas. A década de 90 deixa também algumas convenções internacionais sobre a matéria: Convenção Internacional para eliminação dos atos terroristas à bomba; Convenção Internacional para a eliminação do financiamento ao terrorismo, etc. É um erro dizer que é o 11 de setembro que inaugura o tom jurídico-normativo do tema. O 11 de setembro reforças a abordagem internacional de combate ao terrorismo – deflagra a entrada em cena do CSNU. Poucas horas depois do atentado, aprova-se uma resolução do Conselho de Segurança em caráter emergencial: a resolução 1368, que se assenta no capítulo VII da Carta da ONU, autorizando o uso de todos os meios necessários contra os responsáveis pelo atentado. Além da resolução 1368, o CSNU aprovou também a resolução 1373, que impõe aos Estados uma série de compromissos para lidar com o tema do terrorismo (ex: compromisso de não servirem de refúgio nem apoiarem financeiramente grupos terroristas, cooperação com ações policiais de combate ao terrorismo, etc.). Essa resolução criou o Comitê Anti-terrorismo, para fiscalizar os Estados no cumprimento das obrigações impostas pela resolução. Em 2004, houve a aprovação da resolução 1540, que aborda a questão do terrorismo associado ao uso de armamentos de destruição massivo. Cria-se também um comitê para monitorar as obrigações impostas por essa resolução (sobretudo a obrigação de impedir o acesso de grupos terroristas a esse tipo de armamento). Um ano depois, em 2005, foi aprovada a Convenção para a supressão dos atos de terrorismo nuclear. OBS: Vale ressaltar que foi criado, no âmbito do Conselho de Direitos Humanos, um relatório especial para lidar com os abusos de direitos humanos relacionados ao combate ao terrorismo, visando evitar os excessos que vinham sendo cometidos em nome do tratamento do tema. Em 2005, o Secretário-Geral das Nações Unidas lançou o relatório “In larger freedom”, apontando para a necessidade de interação entre os temas de direitos humanos e contraterrorismo e a ampliação do conceito de liberdade (“sem medo, sem miséria e sem desigualdade”). Em 2006, aprova-se a Estratégia Global de Contraterrorismo – um empenho de pontuar ações e critérios para orientar os Estados a lidar com o tema. A própria ONU toma partido no empenho de capacitação dos Estados para o tema. Em 2010, Barack Obama lança a Cúpula de Segurança Nuclear, que reforçou a necessidade de atenção por parte dos Estados com manuseio e transporte de material nuclear a fim de evitar que este caia em “mãos erradas”. Em 2017, a ONU cria o Escritório de Contraterrorismo das Nações Unidas. O escritório assume a responsabilidade de ajudar os Estados a alcançarem as metas da Estratégia Global de Contraterrorismo. O Brasil é parte de todas as convenções contra o terrorismo; recentemente, no governo Bolsonaro, o Brasil completou a ratificação da Convenção para a supressão de atos de terrorismo nuclear. O Brasil foi também um dos grandes críticos dos abusos praticados durante a Guerra ao Terror, assim como da invasão do Iraque em 2003. Narcotráfico Existem esforços sobre o assunto desde o início do século XX, como a Conferência de Xangai de 1909 – havia nesse momento uma preocupação muito grande com o avanço da produção e exportação de ópio da China. No seio da Liga das Nações também já havia o compromisso com o combate ao narcotráfico; duas convenções internacionais foram aprovadas durante o empenho da Liga das Nações. O proibicionismo patrocinado pela Liga das Nações acaba ampliando o problema do narcotráfico – quanto mais se ampliam os esforços de combate às drogas, mais lucrativo se torna esse mercado. Quando a ONU é criada em 1945, ela herda as atribuições da Liga quanto ao narcotráfico. A ONU também adotou algumas convenções sobre o tema, com destaque para a Convenção de 1961 – é a primeira convenção no âmbito da ONU e é também chamada de Convenção Única, por buscar sintetizar em um só texto dispositivos anteriores. Dez anos depois aprova-se uma nova convenção sobre o tema no âmbito da ONU, a Convenção de 1971, que amplia o tratamento da convenção anterior – visto que no período de dez anos entre uma convenção e outra houve avanço de novas drogas, como por exemplo a heroína. A convenção definitiva da ONU sobre a matéria será a Convenção de Viena de 1988, que atualiza o tratamento da matéria. Do ponto de vista institucional, a ONU vai criar espaços próprios para lidar com a matéria, seja numa lógica repressiva (de combate ao tráfico) ou numa abordagem mais plural e holística. Destacam-se dois espaços principais: 1. Escritório da ONU contra as drogas e o crime (UNODC): espaço onde a ONU coordena e promove ações amplas para enfrentar o problema do narcotráfico e do crime transnacional de forma geral. Há um reconhecimento por parte da ONU de que existe uma estreita correlação entre as distintas formas de crime organizado transnacional. O conceito de “problema mundial das drogas” reflete uma abordagem multitemática – que é expressa no relatório da UNODC, onde chama atenção para o consumo de drogas, suas localidades, o impacto de saúde pública, etc. 2. Comissão sobre drogas narcóticas (CND): comissão temática do ECOSOC, que também faz uma abordagem ampla do problema das drogas. Essa atenção para a pluralidade temática do problema tem o intuito de evitar a limitação da abordagem ao tema da repressão e a negligência com as causas sociais do problema. No que cerne a questão do uso das drogas, a ONU defende três pontos principais: prevenção, tratamento e reabilitação. É fundamental que os países desenvolvam expertise em prevenção, tratamento e reabilitação – dessa forma, os Estados estariam também cumprindo com o terceiro ODS (objetivos do desenvolvimento sustentável), que versa sobre saúde e bem estar. O Brasil é visto como um país de trânsito das drogas, que possui importante estrutura de transporte para os vizinhos produtores (sobretudo Peru, Bolivia e Colômbia), além de complexos sistemas de lavagem de dinheiro. Atualmente, o Brasil atua não somente como um país de transito mas também no beneficiamento de drogas (processos químicos associados a produção de narcóticos). O Brasil é o segundo maior consumidor de cocaína no mundo de acordo com relatórios da UNODC. O governo brasileiro entendeque o tráfico internacional de narcóticos é também um problema de cunho transnacional e que, portanto, tem que ser abordado em âmbitos transnacionais. O Brasil coopera ativamente no tema, sobretudo com a OEA (que possuíam espaço próprio para o tratamento do tema – a Comissão Interamericana de Controle ao Abuso das Drogas). Houve, em 2016, o lançamento de um plano de ação da OEA sobre a questão das drogas, do qual o Brasil participou ativamente. Para além da OEA, o Brasil participa de outros esforços ad hoc sobre o tema; em 2016 houve uma reunião de Ministros do Cone Sul sobre segurança na fronteira, realizada em Brasília, onde se lançou uma declaração reconhecendo a importância da coordenação em âmbito regional, sobretudo no Cone Sul, para tratar do tema (o narcotráfico é um dos problemas mais sensíveis para a segurança nas fronteiras). No âmbito do Mercosul existe a RED, Reunião Especializada de Autoridades de aplicação em matéria de drogas, que busca coordenar esforços no âmbito do Mercosul para lidar com o tema – que atinge todos os países do grupo. O Brasil entende que, para combater o narcotráfico, também é importante o combate de outros ilícitos como o tráfico de armas e a lavagem de dinheiro. O Brasil se coloca também na defesa da ideia de corresponsabilidade, que entende que a responsabilidade no que tange o problema das drogas não é só de quem produz, mas também de quem consome. Não basta focar somente nas áreas produtoras, são necessárias ações nas áreas consumidoras. O Brasil se preocupa com o desenvolvimento das áreas afetadas pela produção de narcóticos – a população precisa de desenvolvimentos alternativos para que ela possa entrar na legalidade. O Brasil diverge do entendimento de guerra às drogas, embora a prática diplomática seja divergente da prática policial interna. Crime organizado transnacional Os regimes internacionais na área de segurança também atentam para a criminalidade transnacional, ou seja, há esforços normativos voltados para combater esse tipo de pratica e estimulando uma coordenação maior entre os Estados. A Convenção de Palermo de 2000 é a grande referência nesse tema, o marco normativo fundamental para combater toda sorte de crime organizado transnacional. Com a globalização, intensifica-se não apenas a circulação de pessoas, bens e capitais, mas também de ilícitos. Além da Convenção de Palermo, alguns protocolos adicionais também se tornaram referência: ❖ Protocolo adicional sobre o tráfico de pessoas (trabalho escravo, prostituição, tráfico de órgãos) ❖ Protocolo adicional sobre contrabando de imigrantes – pressupõe uma manifestação de vontade da própria pessoa (ex: coiotes entre México e EUA) OBS: O Pacto Global sobre Migração é o primeiro documento internacional sobre migração, e traz também algumas orientações para proibir o contrabando de migrantes. O tráfico de armas também é um crime transnacional bastante comum, e já possui alguns dispositivos que visam coibi-lo, como o TCA (Tratado sobre Comércio de Armas). O combate à corrupção, também considerada importante crime transnacional, é regido pela Convenção de Mérida de 2003. Em paralelo à Convenção de Mérida, vale destacar a atuação do GAF (Grupo de Ação Financeira contra a lavagem de dinheiro e o financiamento ao terrorismo). O tema da corrupção e lavagem de dinheiro é um tema que vem sendo constantemente discutido no espaço americano, dentro inclusive da Cúpula das Américas (OEA). Na X Cúpula do BRICS, realizada em Brasília em 2019, falou-se muito diretamente no combate ao crime transnacional. É inegável que a imagem do Brasil na comunidade das nações se vê impactada pelo problema dos escândalos de corrupção; a diplomacia tenta mostrar que há esforços domésticos para ampliação de punições para políticos envolvidos em corrupção, para independência dos órgãos de investigação, etc. O Brasil assume concretamente o compromisso com uma série de documentos da OCDE, que se coloca como uma referência em termos de boa governança e gestão pública, amparada por princípios de transparência e prestação de contas; se dispor a entrar na OCDE significa estar disposto a incorporar as diretrizes da organização. A adesão à OCDE, para o Brasil, é uma forma de se deslocar da imagem negativa sobre o tema da corrupção. Direitos Humanos É comum dividir os direitos humanos em três gerações principais: o 1ª geração: direitos civis e políticos. o 2ª geração: direitos econômicos, sociais e culturais. Exigem prestação positiva dos Estados. o 3ª geração: direitos difusos ou solidários, como o meio ambiente ou a paz. OBS: Direitos positivos: Direitos negativos: Assume-se a ideia de que os direitos humanos de primeira geração, por serem direitos negativos, são justamente direitos de cobrança imediata – já que não exigem nenhum tipo de esforço maior do Estado, uma vez inscritos na lei, podem ser cobrados imediatamente do Estado. Já os direitos de segunda geração, justamente por serem direitos que exigem prestação positiva do Estado, são direitos de realização progressiva e não podem ser cobrados imediatamente. A partir dos traumas e dos horrores praticados na Segunda Guerra Mundial, reconhece-se que os direitos humanos não podem ficar circunscritos apenas à esfera interna aos Estados. A carta de São Francisco é o primeiro tratado internacional da história a assumir um compromisso com a promoção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais (art.1º, Carta da ONU). A teoria liberal aplicada no seio da ONU entende que a proteção aos direitos humanos é um caminho para a paz. Esse chamado para a promoção dos direitos humanos, entretanto, é feito de maneira ampla, sem especificações sobre o que são os direitos humanos. Em 1948, há o lançamento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, composta por 30 princípios (que elencavam e especificavam os direitos humanos). Vale observar que, no seu lançamento, essa declaração tinha caráter meramente recomendatório. Foram necessários quase 20 anos para a aprovação dos Pactos Internacionais de Direitos Humanos, de caráter vinculante.
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