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As lesões cranioencefálicas encontram-se entre os tipos de trauma mais frequentemente vistos nos Serviços de Emergência. Muitos doentes com lesões cerebrais graves morrem antes de chegar ao hospital, e quase 90% das mortes préhospitalares relacionadas ao trauma envolvem lesão cerebral. Aproximadamente 75% dos doentes com TCE que recebem cuidados médicos podem ser classificados como vítimas de trauma leve, 15% como vítimas de trauma moderado e 10% como vítimas de trauma grave. A maioria dos dados mais recentes nos EUA estimam 1.700.000 traumatismos cranioencefálicos (TCE) anualmente, incluindo 275.000 hospitalizações e 52.000 mortes. As vítimas sobreviventes de TCE frequentemente apresentam dano neurofisiológico que resulta em invalidez, comprometendo o trabalho e as atividades sociais. O objetivo principal do tratamento dos doentes com suspeita de TCE grave é prevenir a lesão cerebral secundária. Fornecer oxigenação adequada e manutenção de pressão arterial suficiente para garantir a perfusão do cérebro são as maneiras mais importantes para limitar dano cerebral secundário e assim melhorar o resultado do doente. Após a aplicação dos ABCDE é crucial que se identifiquem lesões de massa que necessitam de intervenção cirúrgica. Isso é conseguido da melhor maneira pela realização imediata de TC do crânio. Entretanto, a obtenção de TC não deve retardar a transferência do doente para um centro de trauma capaz de realizar intervenção neurocirúrgica imediata e definitiva. A triagem do doente portador de TCE depende da gravidade da lesão e dos recursos disponíveis na comunidade em questão. Para os hospitais sem cobertura neurocirúrgica, devem estar em vigor acordos previamente estabelecidos com hospitais mais equipados. Recomenda-se enfaticamente que se consulte precocemente um neurocirurgião. Considerações Anatômicas • Laceração do couro cabeludo pode levar a perdas sanguíneas significativas, choque hemorrágico e mesmo morte. Isso é particularmente verdadeiro em doentes com tempo muito longo de transporte. • A base do crânio é irregular, possibilitando a ocorrência de lesões quando o cérebro se desloca e desliza no interior do crânio, em decorrência de movimentos de aceleração e desaceleração. • A laceração dos seios venosos pode resultar em hemorragia maciça. • Fraturas cranianas acima das artérias meníngeas podem lacerá-las e resultar em hematoma epidural. A artéria meníngea média, que se encontra localizada sobre a fossa temporal, é o vaso meníngeo lesado com maior frequência. Um hematoma em expansão, provocado pela laceração arterial nessa localização pode causar deterioração rápida e morte. • Os hematomas epidurais também podem resultar de lesões dos seios durais e de fraturas do crânio, que tendem a expandir mais lentamente, e provocam menor pressão sobre o cérebro subjacente. Entretanto, a maioria dos hematomas epidurais representam uma emergência com risco de morte. • No TCE as veias que vão da superfície do cérebro para os seios venosos, no interior da dura (veias em ponte), podem romper-se levando à formação de hematoma subdural. • Hemorragia para dentro do espaço subaracnóideo (hemorragia subaracnóidea) é frequentemente causada por contusão cerebral ou trauma de grandes vasos na base do encéfalo. • O nervo oculomotor passa ao longo da margem da tenda do cerebelo, podendo ser comprimido contra ela durante uma herniação do lobo temporal. Fibras parassimpáticas, que são constritoras das pupilas, repousam sobre sua superfície e a compressão dessas fibras durante a herniação causa dilatação pupilar devida à atividade simpática sem oposição. Herniação do uncus também causa compressão do trato córtico-espinal (piramidal) do mesencéfalo. O trato motor cruza para o lado oposto do forame magno, e a sua compressão resulta em défice motor do lado oposto do corpo (hemiplegia contralateral). A dilatação da pupila ipsilateral associada à hemiplegia contralateral é Neurologia: trauma cranioencefálico Igor Mecenas a síndrome clássica de herniação do uncus. Raramente, a lesão de massa pode empurrar o lado oposto do mesencéfalo contra a margem da tenda do cerebelo, provocando hemiplegia e dilatação da pupila no mesmo lado do hematoma. Fisiologia Pressão Intracraniana A pressão intracraniana elevada pode reduzir a perfusão cerebral e causar ou exacerbar a isquemia. A PIC normal no estado de repouso é aproximadamente 10 mmHg. Pressões maiores do que 20 mmHg, especialmente se mantidas e refratárias ao tratamento, são associadas a pior resultado. Doutrina de Monro-Kellie A doutrina de Monro-Kellie é um conceito simples, mas de vital importância para a compreensão da dinâmica da PIC. Ela afirma que o volume total do conteúdo intracraniano deve permanecer constante, já que o crânio é uma caixa rígida não expansível. O sangue venoso e o LCR podem ser comprimidos para fora do recipiente dando algum grau de compensação à pressão. Assim, na fase inicial após o trauma, uma massa tal como um coágulo sanguíneo pode aumentar e a PIC permanecer normal. Entretanto, uma vez atingido o limite de deslocamento do LCR e do sangue intravascular, a PIC aumenta rapidamente. Fluxo Sanguíneo Cerebral A lesão cerebral suficientemente grave para produzir coma pode causar redução importante do FSC durante as primeiras horas após o trauma. Habitualmente aumenta nos próximos 2 a 3 dias, mas nos doentes que permanecem em coma, o FSC permanece abaixo do normal por dias ou semanas após o trauma. Há evidências níveis baixos de FSC são inadequados para satisfazer a demanda metabólica do cérebro precocemente após o trauma. Por razões conhecidas e desconhecidas, a isquemia cerebral regional, e mesmo global, são comuns após o TCE grave. Os vasos cerebrais pré-capilares têm normalmente a capacidade de contrair ou dilatar reflexamente em resposta a mudanças na pressão arterial média (PAM). Para efeitos clínicos, a pressão de perfusão cerebral (PPC) é definida como pressão sanguínea arterial média (PAM) menos a pressão intracraniana (PPC = PAM - PIC). A PAM entre 50 e 150 mm Hg é "autorregulada" para manter o FSC constante (autorregulação pressórica). O TCE grave pode prejudicar a autorregulação pressórica de tal modo que o cérebro fica incapaz de compensar adequadamente as mudanças na PPC. Assim, se a PAM for muito baixa pode ocorrer isquemia e infarto e se a PAM for muito alta pode ocorrer inchaço com aumento da PIC. Os vasos cerebrais também normalmente se contraem ou dilatam em resposta a alterações na pressão parcial de oxigênio (PaO2) ou na pressão parcial de dióxido de carbono (PaCO2) do sangue (autorregulação química). Portanto, a lesão secundária pode ocorrer por hipotensão, hipóxia, hipercapnia ou por hipocapnia iatrogênica. Deve ser feito todo esforço para aumentar perfusão e fluxo sanguíneo cerebrais pela redução da pressão intracraniana elevada, mantendo o volume intravascular normal, mantendo a PAM normal e restaurando a oxigenação normal e a normocapnia. Hematomas e outras lesões que aumentam o volume intracraniano devem ser precocemente evacuados. Como meio de melhorar o FSC, é recomendada a manutenção da pressão de perfusão cerebral em níveis normais, entretanto, a PPC não é igual nem assegura o FSC. Uma vez que os mecanismos de compensação encontram-se esgotados e existe um aumento exponencial da PIC, a perfusão cerebral fica comprometida. Classificação Pela Gravidade da Lesão O Escore da Escala GCS é usado como medida clínica objetiva da gravidade do TCE. Um escore na GCS igual ou inferior a 8 tem se tornado a definição geralmente aceita de coma ou TCE grave. Doentes com TCE com escore GCS de 9 a 12 são classificados como "moderados", e aqueles com escore de 13 a 15 são designados como "leves". Ao avaliar o escore na GCS, quando existe assimetria direita/esquerda ou superior/inferior, é importante que se use a melhor respostamotora no cálculo do escore porque esta é o preditor mais confiável do resultado. Entretanto devem- se anotar as respostas efetivas em ambos lados do corpo, face, braços e pernas. Pela Morfologia O TCE pode incluir fraturas de crânio e lesões intracranianas tais como contusões, hematomas, lesões difusas e inchaço resultante de edema/hiperemia. Fraturas de Crânio As fraturas de crânio podem ocorrer na calota ou na base do crânio. Elas podem ser lineares ou estreladas e abertas ou fechadas. Para identificação das fraturas da base do crânio habitualmente é necessário o uso de TC com "janela" para osso. Os sinais clínicos de fratura de base de crânio incluem a equimose periorbital (olhos de guaxinim), a equimose retroauricular (sinal de Battle), fístula liquórica através do nariz (rinorreia) ou do ouvido (otorreia) e disfunção dos sétimo e oitavo nervos cranianos (paralisia facial e perda de audição) que podem ocorrer imediatamente ou poucos dias após a lesão inicial. A presença desses sinais clínicos deve aumentar o índice de suspeita e ajudar na identificação das fraturas da base do crânio. Fraturas da base do crânio que atravessam os canais carotídeos podem lesar as artérias carótidas (dissecção, pseudo- aneurisma ou trombose) e deve-se considerar a realização de arteriografia cerebral (angioTC ou por cateterismo arterial). Fraturas de crânio abertas ou compostas podem estabelecer comunicação direta entre a laceração do couro cabeludo e a superfície cerebral, porque a dura- máter encontra-se frequentemente rota. A importância da fratura de crânio não deve ser subestimada pois para que ela ocorra é necessária a aplicação de força considerável. Uma fratura linear da calota craniana em doentes conscientes aumenta em cerca de 400 vezes a possibilidade de ocorrência de hematoma intracraniano. Lesões lntracranianas Lesões intracranianas podem ser classificadas como focais ou difusas, embora as duas formas de lesão frequentemente coexistam. Lesões Cerebrais Difusas Variam de concussões leves, nas quais a TC da cabeça é habitualmente normal, até lesões hipóxicas isquêmicas graves. Com concussões, o doente tem um distúrbio neurológico não focal transitório que frequentemente inclui perda de consciência. Lesões difusas graves resultam mais frequentemente de agressão hipóxica/isquêmica ao cérebro devido a choque prolongado ou apneia que ocorrem imediatamente após o trauma. Nesses casos, a TC pode ser inicialmente normal, ou o cérebro aparece com inchaço difuso com perda da distinção normal entre cinza e branco. Outro padrão difuso, frequentemente visto em impactos de alta velocidade ou em lesões por desaceleração, pode produzir hemorragias pontilhadas por todos os hemisférios cerebrais, concentrando-se nos limites entre as substâncias cinzenta e branca. Essas "lesões por cisalhamento" mencionadas como LAD (lesão axonal difusa) definiram uma síndrome clínica de lesão cerebral grave, com desfecho variável, mas geralmente reservado. Lesões Cerebrais Focais Hematomas Epidurais: São relativamente raros, ocorrendo em 0,5% de todos os doentes com TCE e em 9% dos doentes com lesão cerebral traumática e que estão em coma. Tipicamente adquirem a forma biconvexa ou lenticular à medida em que empurram a dura aderente em direção oposta à da tabua interna do crânio. Estão mais frequentemente localizados na região temporal ou temporoparietal e habitualmente resultam da ruptura da artéria meníngea média causada por uma fratura. Esses coágulos em geral têm origem arterial; entretanto, podem também resultar de ruptura de um seio venoso importante ou do sangramento da fratura de crânio. O intervalo lúcido entre o momento da lesão e a deterioração neurológica é a apresentação clássica do hematoma epidural. Hematomas Subdurais: Os hematomas subdurais são mais comuns que os epidurais ocorrendo em aproximadamente 30% dos TCEs graves. Eles ocorrem mais frequentemente por dilaceração de vasos superficiais pequenos ou vasos ponte do córtex cerebral. Contrastando com a forma lenticular do hematoma epidural à TC, os subdurais frequentemente parecem assumir a forma do contorno do cérebro. O comprometimento cerebral subjacente ao hematoma subdural costuma ser muito mais grave do que nos hematomas epidurais devido à presença de lesão parenquimatosa concomitante. Contusões e Hematomas Intracerebrais: Contusões cerebrais são bastante comuns (presentes em cerca de 20-30% dos TCEs graves). A maioria das contusões ocorre nos lobos frontal e temporal, embora possam ocorrer em qualquer parte do cérebro. As contusões podem, em um período de horas ou dias, evoluir para formar um hematoma intracerebral ou uma contusão coalescente com efeito de massa suficiente para exigir evacuação cirúrgica imediata (cerca de 20% dos que apresentam contusão na TC inicial). Por esta razão, doentes com contusão devem ser submetidos a TC repetidas para avaliar as mudanças nos padrões da contusão nas 24h após a TC de crânio inicial. Tratamento de TCE Leve TCE leve (TCEL) é definido por uma história de desorientação, amnésia, ou perda transitória da consciência em um doente que está consciente e falando. Isso correlaciona com um escore de 13 a 15 na GCS. A história de perda momentânea de consciência frequentemente é de difícil confirmação e muitas vezes o quadro fica confuso pela coexistência de abuso de álcool ou de outros tóxicos. Entretanto, alterações do estado mental nunca devem ser atribuídas a fatores de confusão até que a lesão cerebral tenha sido definitivamente excluída. A maioria dos doentes portadores de TCEL evolui com recuperação sem intercorrências. Entretanto, cerca de 3% desses doentes apresentam piora inesperada que resulta em disfunção neurológica grave, a menos que a deterioração do estado mental seja identificada precocemente. A avaliação secundária é de particular importância na avaliação dos doentes com TCEL. Identifique o mecanismo de lesão, com particular atenção para a ocorrência de qualquer perda da consciência, incluindo o tempo de duração de estado não responsivo, qualquer episódio de convulsão e o nível subsequente do estado de consciência. Determine a duração da amnésia tanto retrógrada quanto anterógrada ao evento traumático. O exame seriado e a documentação do escore na GCS é importante em todos os doentes com escore <15. A TC é o método de imagem preferido. Aplicando esses parâmetros para os doentes com escore de 13 na GCS, aproximadamente 25% deles apresentarão achados indicativos de trauma na TC, e 1,3% necessitarão intervenção neurocirúrgica. Usando essas regras em doentes com escore de 15 na GCS, 10% apresentarão achados na TC e 0,5% necessitarão intervenção neurocirúrgica. Tendo por base as melhores evidências atuais, não ficará sem identificação nenhum doente com lesão cerebral clinicamente importante nem doentes que requeiram intervenção neurocirúrgica. A realização da TC não deve retardar a transferência do doente. No caso de se observarem anormalidades na TC, ou se o doente continua sintomático ou neurologicamente anormal, ele deve ser hospitalizado e um neurocirurgião deve ser consultado. Se o doente estiver assintomático, completamente acordado e alerta, e neurologicamente normal, ele poderá ser observado por algumas horas, reexaminado, e se estiver ainda normal, receber alta com segurança. Em condições ideais, o doente recebe alta devendo ficar aos cuidados de um acompanhante que possa ficar junto dele e observá-lo durante as próximas 24 horas. Tanto o doente como seu acompanhante são orientados de acordo com um protocolo de instruções de manter o doente sob observação cuidadosa e de trazê-lo de volta ao serviço de emergência se aparecer cefaleia, se houver declínio no estado mental ou se houver desenvolvimento de défices neurológicos focais. Em todos os casos, deve ser dado ao doente um protocolo de instruções para alta porescrito, que deve ser cuidadosamente revisto pelo doente e/ou acompanhante. Se o doente não está suficientemente alerta e orientado para entender claramente as instruções escritas e verbais, deve-se reconsiderar a decisão de alta. Doentes portadores de TCEL podem estar aparentemente normais neurologicamente, porém, continuam sintomáticos por algum tempo. Assegure-se de que esses doentes evitem qualquer risco desnecessário de "segundo impacto" durante o período sintomático, o que pode resultar em edema cerebral devastador. Enfatizar a necessidade de acompanhamento e de alta por profissionais competentes, antes de reassumir atividades normais, especialmente esportes de contato. Tratamento de TCE Moderado Aproximadamente 15% dos doentes portadores de TCE examinados no serviço de emergência apresentam TCEM. São ainda capazes de obedecer a ordens simples, mas em geral estão confusos ou sonolentos e podem apresentar déficit neurológico focal como hemiparesia. Aproximadamente 10 a 20% desses doentes apresentam piora e entram em coma. Por este motivo é crítico utilizar o exame neurológico seriado para tratar estes doentes. Na admissão no serviço de emergência, antes da avaliação neurológica deve-se obter uma história breve e assegurar a estabilidade cardiopulmonar. A TC do crânio é realizada e um neurocirurgião é contatado. Todos esses doentes necessitam de hospitalização para observação numa UTI ou unidade semelhante capaz de observação rigorosa de cuidados de enfermagem e frequente reavaliação neurológica nas primeiras 12 a 24 horas. É recomendado seguimento com TC em 12 a 24 horas se a TC inicial for anormal ou se há piora das condições neurológicas do doente. Doentes portadores de TCEM podem apresentar piora rápida com hipoventilação ou uma perda sútil de sua habilidade em proteger a via aérea, como consequência do declínio do estado mental. A analgesia com narcóticos deve ser utilizada com precaução. Evitar a hipercapnia utilizando a monitoração constante do estado respiratório e da habilidade do doente para manter a via aérea permeável. A intubação urgente pode tornar-se necessária sob tais circunstâncias. Tratamento de TCE Grave Aproximadamente 10% dos doentes vítimas de lesão cerebral que são tratados na sala de emergência apresentam lesão cerebral grave. Doentes que sofreram TCEG não são capazes de obedecer a ordens simples mesmo após estabilização cardiopulmonar. Embora esta definição inclua um amplo espectro de lesões cerebrais, ela identifica os doentes que apresentam o maior risco de sofrerem morbidade e mortalidade significativas. Para tais doentes, a abordagem à maneira "vamos esperar para ver como fica" pode ser desastrosa e o diagnóstico e o tratamento imediatos são de suma importância. Não retarde a transferência do doente para realizar uma TC. Avaliação Primária e Reanimação A lesão cerebral é frequentemente agravada por agressões secundárias. Em doentes portadores de TCEG, a hipotensão na admissão é acompanhada de taxa de mortalidade que é maior que o dobro da mortalidade de doentes sem hipotensão. A presença de hipóxia somada à hipotensão está associada a um aumento relativo no risco de mortalidade de 75%. Portanto, em doentes portadores de TCEG, é imperativo que a estabilização cardiopulmonar seja alcançada rapidamente. Via Aérea e Ventilação A parada respiratória transitória e a hipóxia são comuns em doentes portadores de lesão cerebral grave e podem causar lesão cerebral secundária. A intubação endotraqueal precoce deve ser realizada em doentes comatosos. O doente é ventilado com oxigênio a 100% até que seja colhida gasometria e sejam feitos os ajustes apropriados da FiO2. Oximetria de pulso é um suplemento útil e saturações de O2 >98% são desejáveis. Os parâmetros ventilatórios devem ser ajustados para manter a PCO2 de aproximadamente 35mmHg. A hiperventilação (PCO2 <32mmHg) deve ser usada com cautela em doentes portadores de TCE grave e somente quando ocorre piora neurológica aguda. Circulação De modo geral, a hipotensão não é consequência da lesão cerebral por si só exceto em estágios terminais, quando sobrevém a insuficiência medular ou quando existe lesão de medula espinal concomitante. A hemorragia intracraniana não pode causar choque hemorrágico. Se o doente está hipotenso, deve-se estabelecer a normovolemia logo que possível utilizando-se produtos de sangue, sangue total ou soluções isotônicas conforme a necessidade. Deve-se enfatizar que o exame neurológico do doente hipotenso não é confiável. Doentes hipotensos que não respondem a qualquer forma de estímulo podem recuperar-se e melhorar substancialmente tão logo a pressão seja restabelecida para níveis normais. A fonte primária da hipotensão deve ser procurada e tratada imediatamente. Exame Neurológico Tão logo tenha sido estabilizado o estado cardiopulmonar do doente, realiza-se um exame neurológico rápido e direcionado. Esse exame consiste primariamente em avaliar o escore da Escala de Coma de Glasgow, a resposta pupilar ao estímulo luminoso e a ocorrência de déficit neurológico localizado. É importante reconhecer a presença de fatores de confusão na avaliação do doente portador de TCE, incluindo a utilização de drogas, álcool e substâncias intoxicantes bem como outras lesões associadas. Não deixe passar despercebido o TCEG porque o doente também se encontra intoxicado. O estado pós ictal que se segue a uma convulsão traumática tipicamente piora a resposta do doente por minutos ou horas. No doente comatoso, a resposta motora pode ser produzida pressionando o músculo trapézio, o leito ungueal ou a região supraorbitária. Os movimentos de olho de boneca (óculo-cefálico), a resposta calórica (óculo-vestibular) e o reflexo corneal são referidos para um neurocirurgião. Testar movimentos de olho de boneca nunca deve ser tentado antes de excluir lesão da coluna cervical. É importante obter o escore GCS e realizar exame das pupilas antes de administrar sedativos ou relaxantes musculares ao doente, pois é importante conhecer a condição clínica do doente para decidir sobre o tratamento subsequente. Não se devem usar relaxantes musculares de longa duração e sedativos durante a avaliação primária. A sedação deve ser evitada, exceto quando o estado de agitação do doente pode colocá-lo em risco. Os agentes de curta duração disponíveis são recomendados quando paralisia farmacológica ou sedação breve forem necessárias para intubação endotraqueal segura, ou para a obtenção de resultados diagnósticos com boa qualidade. Avaliação Secundária Devem ser realizados exames seriados (escore GCS, lateralização, e resposta pupilar) para detectar piora neurológica logo que possível. Sinal precoce bem conhecido de herniação do lobo temporal (do uncus) é a dilatação da pupila e perda de sua resposta à luz. O trauma direto do olho também é causa potencial de resposta pupilar anormal e pode dificultar a avaliação pupilar. Entretanto dentro do quadro de TCE deve-se considerar em primeiro lugar a lesão cerebral. Procedimentos Diagnósticos Uma TC de urgência deve ser realizada logo que possível após a normalização hemodinâmica. Deve ser repetida sempre que houver mudança no estado clínico do doente e rotineiramente durante as 24h após o trauma naqueles com contusão ou hematoma à TC inicial. Achados significativos nas TCs incluem inchaço do couro cabeludo ou hematomas subgaleais na região do impacto. Fraturas de crânio podem ser identificadas com maior segurança lançando mão de janela para osso, porém também são frequentemente aparentes mesmo na janela para partes moles. Os achados cruciais na TC são hematoma intracraniano, contusões e desvio da linha média (efeito de massa) e obliteração das cisternas da base. Um desvio de 5 mm ou mais é frequentemente indicativo da necessidade de cirurgia para evacuar o coágulo ou contusão causadores do desvio.Deve-se ter cautela com a avaliação de doentes com lesão cerebral traumática que se encontram anticoagulados ou fazendo uso de antiagregante plaquetário. A razão de normalização internacional (RNI) deve ser obtida e a TC deve ser realizada rapidamente quando indicada nesses doentes. Como regra geral deve-se reverter a anticoagulação desses doentes. Mesmo doentes com lesões cerebrais traumáticas aparentemente devastadoras podem apresentar recuperação significativa. O tratamento vigoroso e o progresso na compreensão da fisiopatologia do TCE grave, especialmente o papel da hipotensão, hipóxia e da perfusão cerebral, tiveram um impacto significativo no resultado dos doentes. Tratamento Clínico do TCE O objetivo principal dos protocolos de cuidados intensivos é prevenir a lesão secundária em um cérebro já lesado. O princípio básico é que, se ao tecido nervoso lesado for oferecido um ambiente ótimo para a recuperação, esta pode ser alcançada e o neurônio pode recuperar sua função normal. O tratamento clínico do TCE inclui líquidos intravenosos, hiperventilação temporária, manitol, solução salina hipertônica, barbitúricos e anticonvulsivantes. Fluidos Intravenosos Os fluidos intravenosos, sangue e produtos de sangue devem ser administrados conforme a necessidade, para reanimar o doente e para manter a normovolemia. A hipovolemia nestes doentes é prejudicial. Também deve-se tomar o cuidado de não sobrecarregar o doente com líquidos. Não se devem usar líquidos hipotônicos. Além disso, o uso de soluções que contêm glicose pode produzir hiperglicemia, que se mostrou prejudicial ao cérebro lesado. Portanto, para a reanimação, recomenda-se o uso de solução salina isotônica ou de Ringer lactato. Os níveis séricos de sódio devem ser monitorados muito cuidadosamente em doentes portadores de TCE. A hiponatremia está associada ao edema cerebral e deve ser prevenida. Hiperventilação A normocapnia é preferida na maioria dos casos. A hiperventilação age reduzindo a PaCO2 e produzindo vasoconstrição cerebral. Hiperventilação agressiva e prolongada pode produzir isquemia cerebral, no cérebro já lesado, por causar vasoconstrição cerebral grave, prejudicando, portanto, a perfusão cerebral. Isto é particularmente verdadeiro quando se permite que a PaCO2 caia abaixo de 30 mmHg (4,0 kPa). Entretanto, a hipercapnia (PaCO2 > 45 mmHg) promove vasodilatação e aumento de pressão intracraniana e deve ser evitada. A hiperventilação deve ser usada somente com moderação e, tanto quanto possível, por período de tempo limitado. Em geral é preferível manter a PaCO2 em 35 mmHg (4,7 kPa), o limite inferior do intervalo de normalidade (35-45 mmHg). Curtos períodos de hiperventilação (PaCO2 de 25 a 30 mm Hg [3,3 a 4,7 kPa]) são aceitáveis, se necessários, em casos de déficit neurológico agudo, enquanto outras medidas terapêuticas são iniciadas. A hiperventilação reduz a PIC em doentes que estão deteriorando com hematoma intracraniano em expansão até que a craniotomia de emergência seja realizada. Manitol O manitol é usado para reduzir a pressão intracraniana elevada. Utiliza-se, habitualmente, uma solução a 20% (20g de manitol por 100mL de solução). O manitol não deve ser administrado a doentes hipotensos porque manitol não abaixa a PIC em situação de hipotensão além de ser um diurético osmótico potente. Isso pode exacerbar a hipotensão e a isquemia cerebral. Uma indicação clara para o uso de manitol em doente normovolêmico é déficit neurológico agudo, como apresentação de pupila dilatada, hemiparesia, ou perda de consciência enquanto o doente está sendo observado. Nestas condições, o manitol (1g/kg) deve ser rapidamente (por 5 minutos) administrado em bolus e o doente deve ser transportado imediatamente para a realização de TC ou diretamente para a sala de cirurgia no caso da lesão causadora já ter sido identificada. Solução Salina Hipertônica A solução salina hipertônica também é usada para reduzir a PIC elevada. São usadas concentrações de 3% a 23,4% e esse pode ser o agente preferido para ser usado em doentes hipotensos pois ela não age como diurético. Entretanto, não existe diferença entre o manitol e a solução salina hipertônica em relação à redução da PIC e nenhuma das duas diminuem adequadamente a PIC em doentes hipovolêmicos. Barbitúricos Os barbitúricos são eficientes na redução da pressão intracraniana refratária a outras medidas. Estas drogas não devem ser usadas na presença de hipotensão ou hipovolemia. Além disso, o uso desses agentes frequentemente produz hipotensão. Portanto o seu uso não está indicado na fase aguda de reanimação do trauma. A vida média longa da maioria dos barbitúricos também prolonga o tempo para a determinação da morte encefálica, uma consideração importante em doentes com lesões devastadoras e provavelmente incompatíveis com a vida. Anticonvulsivantes A epilepsia pós-traumática ocorre em cerca de 5% de todos os doentes admitidos no hospital com TCE fechado e em 15% daqueles com TCE grave. Os três fatores principais ligados à alta incidência de epilepsia tardia são as convulsões que ocorrem durante a primeira semana, o hematoma intracraniano e a fratura com afundamento de crânio. As convulsões agudas podem ser controladas com anticonvulsivantes, porém o uso precoce de anticonvulsivantes não muda a evolução das convulsões pós traumáticas de longo prazo. Os anticonvulsivantes também podem inibir a recuperação do cérebro, portanto eles só devem ser usados quando absolutamente necessários. Atualmente a fenitoína ou fosfenitoína são os agentes habitualmente empregados na fase aguda. A dose de ataque habitual para adultos é 1g administrado por via endovenosa com velocidade não superior a 50 mg/minuto. A dose de manutenção habitual é 100 mg/8 horas, com titulação da dose para obter níveis séricos terapêuticos. O diazepam ou lorazepam são usados além de fenitoína em doentes com convulsões prolongadas, até a parada da convulsão. O controle de convulsões contínuas pode exigir anestesia geral. É imperativo que a convulsão seja controlada tão logo que possível porque convulsões prolongadas (30 a 60 minutos) provavelmente causam lesão cerebral secundária. • Caso o tratamento ativo da PIC tenha sido iniciado, é importante realizar a sua monitoração. Por exemplo, o manitol pode apresentar um efeito rebote significativo na PIC, e podem estar indicadas terapêuticas adicionais caso seja necessário continuar o tratamento • É importante lembrar que as convulsões não são controladas com os relaxantes musculares. Convulsões prolongadas em doentes cujos músculos encontram-se farmacologicamente relaxados podem ainda ser devastadoras para a função cerebral e podem não ser diagnosticadas nem tratadas caso as contrações musculares sejam mascaradas por um bloqueador neuromuscular tal como o vecurônio ou a succinilcolina. Tratamento Cirúrgico Lesões de Couro Cabeludo É importante limpar e inspecionar a ferida cuidadosamente antes da sutura. As causas mais comuns de infecção de feridas do couro cabeludo são a limpeza e o desbridamento inadequados. As perdas sanguíneas oriundas de ferimentos de couro cabeludo podem ser abundantes, especialmente em crianças. O sangramento de couro cabeludo geralmente pode ser controlado aplicando-se pressão direta, e cauterizando- se ou ligando-se os vasos maiores. Podem então ser aplicados suturas, clipes ou grampeadores apropriados. A presença de vazamento de LCR indica que existe laceração da dura-máter associada. O neurocirurgião deve ser consultado em todos os casos com fratura exposta ou afundamento. Fraturas com Afundamento de Crânio Geralmente a fratura com afundamento de crânio deve ser reduzida cirurgicamente se o grau de depressão for maior do que a espessura da calota adjacente, ou se estiver exposta e grosseiramente contaminada. As fraturas com afundamento menos significativo podem ser tratadas com segurançacom fechamento do ferimento do couro cabeludo, quando presente. A TC é útil para a identificação do grau de afundamento, mas, principalmente, para excluir a presença de hematoma ou contusão intracranianos. Lesões Intracranianas de Massa Estas lesões são tratadas por um neurocirurgião. Somente em circunstâncias extremas e no doente que apresenta deterioração rápida, pode-se considerar a realização de trepanação feita por um médico que não é neurocirurgião. Um cirurgião treinado para fazer tal procedimento pode realiza-lo apenas após o aconselhamento de um neurocirurgião. As indicações para a realização de trepanações feitas por um médico que não é neurocirurgião são poucas e o seu uso como uma manobra heróica, não é recomendado nem recebe o apoio do Comitê de Trauma. O Comitê de Trauma recomenda enfaticamente que aqueles que antecipam a necessidade deste tratamento sejam adequadamente treinados por um neurocirurgião Ferimentos Encefálicos Penetrantes A TC de cabeça é fortemente recomendada para a avaliação dos doentes portadores de ferimentos encefálicos penetrantes. Radiografias simples de crânio podem ser úteis na avaliação da trajetória do projétil, e na presença de grandes corpos estranhos e de ar intracraniano. Entretanto, quando a TC estiver disponível, as radiografias simples não são essenciais. Em todo ferimento penetrante do cérebro ou quando a trajetória do projétil é próxima ou através de um seio venoso dural maior ou a base do crânio, recomenda-se a realização da angioTC ou angiografia convencional. Hemorragia subaracnoidea importante ou hematoma tardio também devem induzir a realização de exame vascular por imagem. Doentes vítimas de ferimento penetrante envolvendo as regiões orbitofacial ou pterional devem ser submetidos a angiografia para a identificação de aneurisma ou fístula arteriovenosa (AV) intracraniana traumática. Quando um aneurisma ou uma fístula AV é identificada, recomenda-se o tratamento cirúrgico ou o endovascular. Imagens de Ressonância Magnética podem desempenhar papel importante na avaliação de ferimentos penetrantes por madeira ou outros objetos não magnéticos. A presença de grandes contusões, hematomas ou hemorragia intraventricular identificadas pela TC, está associada a aumento da mortalidade, especialmente quando estão envolvidos ambos hemisférios. É adequada a utilização de antibioticoterapia profilática de amplo espectro nos doentes portadores de ferimentos encefálicos penetrantes. A monitoração precoce da PIC é recomendada quando o clínico não é capaz de avaliar o exame neurológico de forma acurada; quando não está clara a necessidade de evacuar uma lesão em massa; ou quando os exames de imagem sugerem uma PIC elevada. É correto tratar os orifícios de entrada de projétil na cabeça com cuidados locais de feridas e com fechamento quando essas lesões forem pequenas, não apresentarem tecidos desvitalizados nem lesões intracranianas importantes. Os objetos que penetram o compartimento intracraniano ou a fossa infra-temporal e estão exteriorizados (por exemplo, flechas, facas ou chaves de fenda) não devem ser retirados até que sejam excluídas possíveis lesões vasculares e que o tratamento neurocirúrgico tenha sido estabelecido. A mobilização ou a remoção precoce de objetos penetrantes pode levar a lesão vascular fatal ou a hemorragia intracraniana. • A craniotomia por perfurações com broca (de 10 a 15 mm) no crânio tem sido defendida como método de emergência para diagnosticar hematomas em doentes que apresentam deterioração rápida em ambientes remotos e inóspitos quando os neurocirurgiões e os métodos de imagem não se encontram imediatamente disponíveis. Infelizmente mesmo em mãos muito experientes, essas perfurações com brocas são facilmente posicionadas em locais errados e raramente elas conseguem realizar uma drenagem suficiente do hematoma, para fazer alguma diferença clínica. Em doentes que necessitam evacuação do hematoma, a craniotomia com a retirada de uma porção óssea (e não simplesmente a perfuração com broca) é o procedimento definitivamente salvador da vida para descomprimir o cérebro, e todas as tentativas devem ser feitas para se ter um profissional treinado e experiente na realização desse procedimento, e que ele o faça no momento adequado. Prognóstico Todos os doentes devem ser tratados agressivamente enquanto se aguarda consulta com o neurocirurgião. Isto é particularmente verdadeiro para crianças que geralmente possuem capacidade considerável de recuperar-se de traumatismos que parecem devastadores. Avaliação e Tratamento de Trauma de Cabeça e Pescoço Referências: American College of Surgeons. Advanced Trauma Life Support – Manual do Curso de Alunos. 9. Ed. 2012.
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