Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
COPYRIGHT © 2023 NAYARA BERNARDI Todos os direitos reservados. Esta obra foi revisada conforme o Novo Acordo Ortográfico. Estão proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte desta obra, através de quaisquer meios ― tangível ou intangível ― sem o devido consentimento. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei nº 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal. Esta obra literária é uma ficção. Qualquer nome, lugar, personagens e situações são produtos da imaginação do autor. Qualquer semelhança com pessoas e acontecimentos reais é mera coincidência. Revisão Textual: Ana Carolina Assis Leitura Crítica: Larissa Castilho Leitura Sensível: Alessandra Guedes Leitoras betas: Sarah Rodrigues, Rhanya Reis e Tainá Fagundes Ilustrações do casal: Mare Cavalli Design de Capa: Genevieve | GB Design Editorial APOSTANDO NO AMOR [Recurso Digital] / Nayara Bernardi — 1ª Edição; 2023 1. Romance Contemporâneo 2. Literatura Brasileira 3. Romance 4. Ficção I. Título sinopse avisos dedicatória nota da autora aviso de gatilhos glossário hierarquia playlist ilustração epígrafe sobre viver sem arrependimentos ATO I: APOSTAS capítulo 01 capítulo 02 capítulo 03 capítulo 04 capítulo 05 capítulo 06 capítulo 07 capítulo 08 capítulo 09 capítulo 10 capítulo 11 capítulo 12 capítulo 13 capítulo 14 capítulo 15 capítulo 16 capítulo 17 capítulo 18 capítulo 19 capítulo 20 capítulo 21 capítulo 22 capítulo 23 capítulo 24 capítulo 25 capítulo 26 capítulo 27 capítulo 28 capítulo 29 capítulo 30 capítulo 31 capítulo 32 capítulo 33 capítulo 34 capítulo 35 capítulo 36 capítulo 37 capítulo 38 capítulo 39 capítulo 40 capítulo 41 capítulo 42 capítulo 43 capítulo 44 capítulo 45 capítulo 46 capítulo 47 capítulo 48 capítulo 49 ATO II: RISCOS capítulo 50 capítulo 51 capítulo 52 capítulo 53 capítulo 54 capítulo 55 capítulo 56 capítulo 57 capítulo 58 capítulo 59 capítulo 60 capítulo 61 capítulo 62 capítulo 63 capítulo 64 capítulo 65 capítulo 66 capítulo 67 capítulo 68 capítulo 69 cena bônus capítulo 70 cena bônus capítulo 71 capítulo 72 capítulo 73 capítulo 74 capítulo 75 epílogo¹ “Existem amores que transbordam e, eventualmente, transformam o mundo ao seu redor” epílogo² cena bônus agradecimentos “Ao espreitar pela fresta da porta, certifique-se de que está pronta para lidar com os segredos que irá revelar.” cena extra¹ cena extra² Renato Trevisan construiu uma reputação exemplar nos últimos anos, o que fez com que se tornasse uma referência no mercado financeiro da América Latina e um empresário de renome. Contudo, o prestígio sempre trazia consequências, e para Renato não foi diferente. A ausência na vida dos filhos e a rotina estressante que levava, fez com que ele acabasse aceitando a proposta de uma velha amiga da faculdade. A fusão entre as duas empresas oferece a ele uma chance de ter mais tempo de qualidade com os seus filhos, e Renato lutará para garantir que isso dê certo. Nathalia Gama se acostumou com uma rotina em meio ao caos, mas no último semestre da especialização, ela se viu obrigada a aceitar uma fusão inesperada no escritório que gerenciava — ciente de que aquilo desalinharia os planos que traçou para o seu futuro. E por mais que todos vissem aquela transação como um movimento assertivo, algo lhe dizia que parecia bom demais para ser verdade — e após um período de reestruturação para reerguer a firma, tudo o que ela não queria, era colocar o seu esforço em risco. No entanto, juntamente com a fusão, Renato trouxe uma nova rotina; novos hábitos e planos aos quais Nathalia teria que se adaptar para que a parceria funcionasse perfeitamente. O que os dois não esperavam era que a junção dos escritórios fosse ser essencial para entrelaçar seus destinos de maneira definitiva. Os vínculos que deveriam ser estritamente profissionais se tornaram a combinação perfeita entre a loucura e o proibido, e por mais que soubessem dos riscos que a relação traria para as suas carreiras, se esquivar do sentimento intenso que os dominava não parecia ser uma opção aceitável. Decididos a não fugir da paixão avassaladora, um lance de alto risco é feito e Nathalia e Renato precisam lidar com as consequências da aposta. Eles, que sempre prezaram pela carreira acima de qualquer coisa, acabam se aventurando por um caminho incerto, colocando o amor e as suas carreiras em xeque. Este é o primeiro livro da série “Desencontros” — que conta a história de um grupo de amigos que integram a elite brasileira. Caso tenha lido outras obras minhas anteriormente, Renato e Nathalia aparecem na comédia romântica “Uma obra do acaso”, que aborda o romance do Pedro Zimmermann e da Mia Rangel, e se passa alguns dias após o primeiro epílogo deste livro. Desencontros é uma série de romance contemporâneo, que trata de inúmeros temas delicados e contém cenas gráficas e descritivas na abordagem destes, atente-se a lista de gatilhos. E mais importante, por favor, não consuma o meu trabalho por quaisquer outros meios, senão a plataforma da Amazon. Publicar um livro exige custos que saem diretamente do bolso do autor independente e quando você pirateia uma obra, além de prejudicar o criador do conteúdo, está infringindo a lei. Tenho certeza de que você não gostaria de ralar durante meses e após tanto esforço, perrengue e dedicação não receber pelo seu trabalho. Assim como você, eu também tenho contas para pagar e a escrita é a minha única fonte de renda. Peço, acima de tudo, respeito e bom senso. Para aquelas que cresceram sob a necessidade constante de serem extraordinárias em todas as situações e, por isso, lidam com a pressão de não poderem falhar nunca. Acredite em mim, por mais difícil que seja, com o tempo aprendemos que a perfeição está nos pequenos deslizes que cometemos ao longo da jornada. E às vezes, o maior acerto que você pode ter na vida, vêm como consequência de uma aposta que todos ao seu redor julgaram ser a pior decisão que tomou. Vale a pena viver para atender as expectativas de terceiros e deixar de lado os seus próprios sonhos? No seu último dia de vida, você vai conseguir seguir adiante com o peso de uma lista de sonhos abandonados marcados nas suas costas? Lembre-se que algumas pessoas irão encontrar motivos para criticar mesmo quando você fizer tudo certo, apenas porque sentem prazer em apontar o dedo para o outro. Por isso, teste todas as alternativas que surgirem em seu caminho. Faça tudo da forma que te trará mais satisfação. Siga a carreira dos seus sonhos. Cante sempre que sentir vontade. Dance quando a sua música preferida tocar. Sorria mais. Chore mais. Abandone a busca pela perfeição e aprenda a ver a beleza por trás da imperfeição. Abrace as suas falhas, porque são elas que te tornam especial. Não aceite que outra pessoa diga o que você merece. Não deixe que desmereçam suas conquistas. Não escute opiniões de quem não andou nos seus sapatos, metade do caminho que você percorreu aos tropeços. Não permita que roubem a sua voz e que te aprisionem numa gaiola. Você é grande demais para viver presa. Arrisque-se. E se alguém estiver descontente com a maneira que vive a sua vida, mande para a casa do caralho! A única pessoa que tem poder de comandar o seu destino, é você. Pode parecer clichê, mas você só tem essa vida. Certifique-se de que vai embora dela sem arrependimentos. Olá, desde já, seja bem-vinda ao condomínio que aluga um país inteiro na minha cabeça. Desencontros é uma série que nasceu há alguns anos e levou um tempo até que eu estivesse totalmente confiante de que estava pronta para trazê-los ao mundo. Desde já tudo o que posso adiantar é que os personagens que você vai conhecer ao longo da narrativa contavam os dias para compartilharem suas respectivas histórias. Apostando no amor é o primeiro livro da série e abre esse multiverso contando a história da Nathalia e do Renato, que são os responsáveis por cada personagem meu que você conhece, e ainda vai conhecer em projetos futuros. Eles são o motivo para que hoje eu seja escritora e para que vocêesteja lendo este livro, então, saiba que esse projeto é especial para mim e foi feito com muito carinho. Apesar de "ANA" ser o início de tudo, há um conto prequel[1] que aborda a história da Maria Júlia e do Paulo anos antes. "Uma jogada de sorte" pode ser lido separadamente, assim como todos os livros da série que funcionam de forma independente, no que se refere aos arcos dos casais protagonistas. No entanto, se não gosta de receber spoilers, recomendo que leia na ordem, pois apesar das histórias dos casais terem seus respectivos desenvolvimentos concluídos, algumas brechas permanecem abertas para ganchos nos demais livros, e os casais já estabelecidos continuam aparecendo nos enredos subsequentes. Além disso, o livro termina em um cliffhanger[2] para outro casal desse grupo de amigos. Antes que inicie a leitura, também preciso alinhar as suas expectativas para que ao longo da narrativa, não acabe se frustrando por não encontrar exatamente o que esperava, tudo bem? Primeiro, se você já leu outros livros meus anteriormente, precisa estar ciente de que o universo de "Desencontros" funciona de uma forma totalmente diferente do que encontrou em outros projetos. "Apostando no amor" é um livro de romance contemporâneo com cenas explícitas de ação, drama e violência. Ele também aborda temas como misoginia, abuso de poder, elitismo, corrupção, negligência e abandono materno. Estes e outros temas, são essenciais para a construção do enredo e serão trazidos à tona com recorrência. A história da Nathalia e do Renato é um romance ambientado em um escritório dentro do mercado financeiro, e é importante que esteja ciente de que isso não significa, em momento algum, que o relacionamento entre chefe e funcionária deve ser romantizado. Apesar dos percalços que enfrentaram ao longo da história, Nathalia sempre esteve em pé de igualdade com o Renato. A aproximação dos dois foi consensual e ela esteve no controle de tudo o tempo todo. Além disso, apesar da história acontecer em um espaço ambientado no mercado de capitais, algumas regras de operação e funcionamento foram alteradas para que se adequem à história. Um exemplo é que os personagens operam tanto na bolsa de valores nacional quanto internacional, e na realidade isso é proibido pelos órgãos reguladores. Eles também atuam como gerenciadores de crise, cuidando de tudo que se refere ao “patrimônio” de um cliente. Segundo, "Apostando no amor" é uma leitura longa, descritiva e humanizada. Apesar de serem feitos de folhas de papel, os personagens que moram nestas páginas são personificações humanas e agem como tais. Eles erram e acertam no meio do caminho. Eles sentem medo e agem impulsivamente. Eles têm pontos positivos e negativos. Eles se contradizem o tempo inteiro. Eles brigam e se arrependem por coisas ditas na hora da raiva... e não vão esconder isso de você ao longo da leitura. Eles vão te irritar porque são humanos e complexos, e vão acabar falhando e agindo de uma forma diferente do que você espera. Faz parte do processo para que amadureçam e se tornem versões melhores de si. Tenha em mente que, em nenhum momento, eles prometeram perfeição, o segredo para compreendê-los é justamente aprender a enxergar a beleza na imperfeição... e isso, bem, eles têm de sobra! Esteja ciente também de que não recomendo a leitura dinâmica ou que você pule páginas de narração. Cada história que eu conto, é desenvolvida da forma como os protagonistas querem que seja feita, não tenho controle sobre isso. Nathalia e Renato são personagens que passam mais tempo observando e refletindo sobre as situações ao seu redor que, de fato, falando sobre elas com outras pessoas. Avançar páginas ou pular diretamente para os diálogos, fará com que você perca muito da identidade de cada um deles e do que está acontecendo na história. Outro ponto importante é que uma das minhas características quando trabalho num livro, é permitir que meus personagens desenvolvam relações com outras pessoas do seu círculo. Nenhuma pessoa, ainda que fictícia, deve ter sua vida girando apenas em torno do seu relacionamento amoroso. Ao longo da narrativa, você encontrará vários momentos em que ocorre desenvolvimento nos círculos de amizade dos protagonistas, afinal, Desencontros tem como principal trope[3] um grupo de amigos que, eventualmente, se transformam em uma família. Lembre-se também que a série gira em torno da burguesia e tem como tema central a maneira como o poder e a ambição podem corromper as pessoas. Essa construção ocorrerá gradualmente, e é importante que desde já você tenha em mente que os personagens não agirão corretamente. Ninguém é justo, ético e moral o tempo todo, e isso será trabalhado ao longo deste e dos próximos livros. Afinal, ninguém que conquistou tanto poder e dinheiro o fez sem ultrapassar limites. A linha entre certo e errado para eles está dentro do que os favorece. Todos os personagens possuem tendências anti-heroicas e agirão de acordo com essas tendências. Terceiro, em alguns trechos você encontrará estrangeirismo, termos de mercado e linguagem imprópria; ofensiva, informal e regional. Há também o uso constante de gírias. Um exemplo é o termo "boiola" que em várias cidades do país e até mesmo na internet, não passa de um jargão popular usado para dizer que uma pessoa está apaixonada. Você também encontrará referências a elementos da cultura pop e, em um caso específico, dois amigos brincam com os termos: “caipiranha” e “cleputamaníaca” – alusões a dublagem brasileira no filme “As branquelas” (2004). Quarto, a protagonista vivencia a Síndrome do Impostor, Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) e Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG). Constantemente você irá presenciar ela em crise e tomando atitudes guiadas pela impulsividade devido aos pensamentos obsessivos. Nathalia é uma personagem que se sabota o tempo inteiro e que tem como maior antagonista a sua própria cabeça. Quinto, o universo de Desencontros faz crossover com o Genevieverso (@autoragenevieve), e ao longo da história você irá encontrar alguns personagens que pertencem à Genevieve, sendo eles: Rodrigo e Alícia Werneck (Uma aposta irresistível). As aparições são breves e pontuais e, caso se interesse por eles, recomendo que leia suas respectivas histórias. Tenho certeza de que vai amar conhecer mais de cada um deles! E por fim, por favor, se atente aos gatilhos na página seguinte. Apostando no amor é um romance para maiores de idade e contém cenas de sexo explícito, assim como cenas gráficas e detalhadas de violência psicológica, verbal e física. Caso não tenha 18 anos ou mais, saiba que este livro não foi escrito para você. Conto com o seu bom senso para saber quais os seus limites e assim não os ultrapassar. Quando terminar o passeio pela casa dos Gama-Trevisan, te convido a avaliar a história aqui na Amazon e se quiser, compartilhe suas impressões nas redes sociais. Fique à vontade para me marcar também no Instagram/ TikTok (@autorabernardi), ou no Twitter (@bernardiautora). Vou adorar acompanhar e surtar contigo durante a leitura. Um beijo e bom passeio pelo condomínio! Com amor, Apostando no Amor é um romance contemporâneo que combina cenas de ação e drama, e apresenta elementos sensíveis que são tratados de maneira gráfica e descritiva, visando o desenvolvimento da trama e dos personagens, e explorando a complexidade humana em sua profundidade. É fundamental ter em mente que nem todos os gatilhos podem ser explicitamente mencionados nesta lista, a fim de preservar a integridade da história e evitar spoilers que comprometeriam a experiência do leitor. No entanto, minha equipe e eu nos empenhamos em listar, de maneira geral, os principais temas abordados, com o intuito de te preparar para os elementos presentes na narrativa. Sendo eles: Abandono e negligência materna; Assédio sexual e moral; Adoção afetiva e não-convencional; Chantagem e extorsão; Consumo de bebidas alcoólicas e drogas ilícitas (consensual e não-consensual);Descrição gráfica de episódios de pânico e ansiedade; Exposição digital de conteúdo sexual; Machismo e misoginia; Menção gráfica a estupro; Violência física, psicológica e verbal; Se em algum momento, você se sentir desconfortável, pare imediatamente com a leitura. Sua saúde mental está acima de qualquer coisa. Gestora de Recursos/Asset management: são empresas com especialização em gerir recursos financeiros de terceiros, tendo como objetivo maximizar a relação risco x retorno dos clientes. A gestão do recurso é feita através de fundos de investimentos, podendo ser aberto para qualquer investidor ou exclusivo — onde é gerido o patrimônio de um único investidor. Gestora de Patrimônio/Wealth management: serviço de gestão patrimonial ou gestão de fortunas. A função desses escritórios é aconselhar e gerir grandes patrimônios familiares, pessoais e/ou empresariais. Indo além do aconselhamento sobre investimentos, gerindo também contabilidade, planejamento jurídico e outros. Corretora: responsável por captar recursos com os investidores para aplicar no mercado de ações. Ao contrário da asset e da wealth, em que a equipe de gestão decide pelos melhores investimentos, na corretora é o próprio investidor quem define onde coloca o seu dinheiro. Boletar: enviar ordem de compra ou venda, via home broker ou mesa de operações. Mesa de operações: área operacional de uma corretora/gestora em que existe um time de pessoas responsáveis por colocar as ordens no sistema. Derreter: termo usado para dizer que um determinado mercado está em forte movimento de queda. Circuit-breaker: é um mecanismo de segurança utilizado na bolsa de valores para paralisar as negociações por um período quando o índice cai mais do que 10%, independente do motivo. Caso o índice continue em queda na retomada das negociações, novos circuit-breakers são acionados. É uma forma de garantir a proteção de investidores e do próprio mercado de ações. Mão de alface: investidor que não tolera volatilidade e acaba zerando a posição e assumindo prejuízo pela queda. Zerar: liquidar todos os ativos. RV: Renda variável — investimentos diretamente na bolsa de valores. Trader: termo norte-americano, usado internacionalmente para identificar o indivíduo que opera no mercado financeiro, especificamente na bolsa de valores. Manager/ Wealth Manager: termo norte-americano, usado internacionalmente para identificar o indivíduo que opera no mercado financeiro como administrador/gestor de portfólio. CVM/SEC: comissões de valores mobiliários, são as entidades responsáveis por regulamentar e supervisionar as movimentações que acontecem no mercado. CVM é o termo para a brasileira e SEC a entidade estadunidense. Hedge: cobertura, um instrumento que visa proteger operações financeiras contra o risco de grandes variações de preço de um determinado ativo. O hedge tem como objetivo reduzir ou eliminar o risco com a variação de preços indesejados. CEO (Chief Executive Officer): O CEO é o diretor executivo da empresa e tem a responsabilidade geral pela gestão estratégica e operacional da organização. Ele define a visão, missão e objetivos da empresa, toma decisões-chave, supervisiona as operações e representa a empresa perante o conselho. COO (Chief Operating Officer): O COO é o diretor de operações e é responsável por supervisionar as operações diárias da empresa. Garante que as operações sejam executadas eficientemente, coordena diferentes departamentos e processos, gerencia recursos e busca melhorias operacionais. Sócio Sênior: é um membro de destaque, com um alto nível de experiência e com um portfólio notável de clientes. Ele usufrui das cotas societárias que garantem uma cadeira no conselho, assim como o peso de um voto. Suas cotas ficam na tesouraria. Sócio Fundador: é um membro fundador da empresa. Eles desempenham papel crucial na criação e gestão do escritório. Seu peso de voto no conselho é equivalente a 20% de suas cotas (ou seja, se um sócio tem 35% das ações, um voto dele, equivale sete) Associado: O associado é um profissional em um nível mais júnior. Ele geralmente trabalha em colaboração com os sócios, fornecendo suporte administrativo, realizando pesquisas, ajudando na análise financeira e auxiliando na gestão de relacionamento com os clientes. Operador de Mesa de Operações: é responsável por executar as transações financeiras. Eles acompanham o mercado, analisam dados financeiros e econômicos, identificam oportunidades de negociação e executam ordens de compra e venda de ativos financeiros. Além disso, gerenciam os riscos associados às transações e fornecem relatórios e análises sobre as atividades de negociação. Wealth Manager: é o profissional especializado em ajudar indivíduos ou famílias a gerenciar e expandir seu patrimônio. Eles colaboram com os clientes para entender seus objetivos, avaliar perfil de risco e criar um plano de serviço personalizada. Dentre suas funções estão: orientação sobre alocação de ativos, planejamento de sucessão e tributário, gerenciamento de riscos, gestão de crise e imagem, e outros serviços relacionados a tudo que se referir ao patrimônio do cliente. > Apenas sócios (sênior e fundador) atuam como gestores de patrimônio. > O CEO, embora seja o cargo mais alto da hierarquia, está sujeito a supervisão do conselho de sócios e, em caso de votação majoritária, suas ações durante a ocupação do cargo podem ser submetidas a revisão e uma nova avaliação. Caso queira ouvir a playlist oficial do livro durante a leitura, basta clicar na barra de busca do aplicativo Spotify e selecionar o ícone da câmera. Em seguida, aponte a sua câmera e escaneie o código abaixo: Se estiver lendo pelo aplicativo Kindle no seu celular, clique aqui. https://open.spotify.com/playlist/7xIgZpfeCFLgbSBggDpbes?si=d7d56ccaf38f4edc “Existe um ditado na minha família: mate um demônio hoje, enfrente o diabo amanhã. E ainda que dance sobre o túmulo desse demônio, você não deixa de se questionar: ele estava sozinho ou existem outros mais mortíferos esperando para entrar? Mesmo que celebre a vitória na batalha, será que você está realmente preparado para a guerra?” THE ORIGINALS Não recordo de nenhum momento da vida em que me arrependi de uma decisão que tomei. Certo… talvez, não devesse ter bebido tanto na comemoração de formatura, assim, não teria feito com que meus amigos me procurassem por uma tarde inteira, enquanto estava preso em uma vala no meio de uma trilha íngreme em Ilhabela — após escorregar e cair nela, podre de bêbado. Contudo, se pensasse bem, aquela experiência catastrófica proporcionada por uma quantidade absurda de cerveja, rum e tequila, me garantiu uma história para compartilhar com meus filhos no futuro. Será uma lembrança que tenho certeza de que me arrancará boas gargalhadas quando estiver mais velho e recordar delas. Tudo bem que certos deslizes no meio do percurso, me desviaram do que planejei para o meu futuro, mas no final... tudo acabou sendo melhor do que o esperado. Obviamente, quando estamos no meio do olho do furacão as coisas tendem a ganhar proporções catastróficas. Alguns dos meus objetivos precisaram ser deixados de lado para que eu pudesse lidar com os frutos da minha inconsequência alcoólica..., mas nunca me arrependerei de ter renunciado determinadas coisas pelos meus filhos. No fim das contas, não perdi nada. Apenas ganhei! Todas as escolhas que fiz, as pessoas que encontrei e que ajudaram a conduzir a minha trajetória, foram determinantes para me guiar diretamente para onde eu tinha que estar. No caminho em que, eventualmente, eu encontraria a mulher da minha vida. Me arrepender de qualquer coisa que aconteceu no percurso, seria colocar em xeque todas as circunstâncias que me guiaram direto para os braços dela. Sempre fui um homem que acreditou piamente no amor. Como não seria, quando era o único filho de uma escritora de romances? Incontáveis vezes meus pais se sentaram e conversaram comigo sobre relacionamentos, e quandoalcancei a adolescência, essas conversas se tornaram mais frequentes, afinal, meus amigos estavam namorando a torto e a direito; deixando alguns destroços de corações partidos pelo caminho. E lembro perfeitamente de ouvir minha mãe dizer que aceitaria que eu fosse qualquer coisa, exceto o responsável por ter o coração de outra pessoa nas mãos e manuseá-lo de forma leviana. Diferente dos meus amigos que saltavam de um relacionamento para outro, decidi que se um dia nomeasse alguém como minha mulher, seria porque eu tinha certeza de que ficaria com ela até o meu último suspiro. Posso soar piegas, mas sempre entendi que quando entramos em uma relação, é para que ela dure até o fim dos dias; eu compartilharia a minha trajetória com essa pessoa e rezaria todos os dias para que o seu rosto fosse a última coisa que meus olhos pudessem contemplar antes de fechá-los pela última vez. Não era uma escolha a se fazer de forma imprudente. Isso nunca impediu que me envolvesse com outras mulheres no meio do caminho. Duas crianças que surgiram de surpresa no roteiro da minha história tornavam os meus desvios autoexplicativos. Mas, sempre tive em mente de que esses casos eram passageiros — nos conectaríamos por um breve instante e depois disso, cada um seguiria sua vida. Ainda que alguns amigos acreditassem que era tolice da minha parte insistir nesse pensamento, sendo que eu estava chegando aos trinta anos, solteiro e com dois filhos... nunca me pressionei a procurar por alguém. Sempre soube que no momento ideal, a pessoa que eu almejava surgiria, e se não tinha aparecido ainda... era porque não estava na hora certa. Nunca tive pressa com nada. É como naquele ditado, sabe? A pressa é a inimiga da perfeição. A prova disso é que a minha espera foi essencial para que a pessoa certa e perfeita me encontrasse. Não me importo que soe uma hipérbole o que direi, mas, acredite ou não... eu soube quando meus olhos colidiram com os dela, que Nathalia seria a mulher que me pegaria pela gola da camisa e me colocaria aos seus pés. Por mais que meus amigos neguem, um homem sabe reconhecer o momento exato em que a pessoa certa cruzou o seu caminho. E quando o seu perfume invadiu meus sentidos e o sorriso lindo, doce e gentil cobriu os seus lábios, eu soube que Nathalia seria meu começo, meio e fim; porque bastou um olhar para que ela me tivesse de joelhos, disposto a ir ao inferno para ser o motivo por trás de cada sorriso seu. Até este momento, não tenho certeza se foi o Universo, destino, Deus, lei da atração ou qualquer que tenha sido o responsável por colocar Nathalia no meu caminho. Mas, sei que ganhei na loteria com a chegada dela e serei eternamente grato pela oportunidade de partilhar a minha vida com uma mulher tão extraordinária. Todas as escolhas que fiz e os erros que cometi me guiaram para que eu entrasse em seu mundo e fosse o responsável por zelar do seu lindo coração, e por isso, sou o homem mais sortudo do mundo. Apostei com a vida, aceitei os riscos do jogo e conquistei o maior prêmio que poderia existir: a minha família. O que mais eu poderia pedir? Talvez, se na entrada do paraíso alguém estiver anotando pedidos, eu implore para que na próxima vida, Nathalia permaneça sendo minha. Pela primeira vez naquele dia, meus ombros relaxaram sobre o couro do estofado e permiti que minhas costas afundassem na poltrona confortável. Cinco minutos. Era apenas disso que eu precisava. Trezentos míseros segundos em que meu cérebro não se dedicaria a resolver os problemas de alguém, ou a escutar as queixas infantis de um dos operadores, associados ou sócios. Aspirei o ar, mantendo-o preso nos pulmões por alguns segundos, antes de soltá-lo vagarosamente. Fechei os olhos na tentativa de aliviar a ardência que incomodava minha visão, pressionei as pontas dos dedos nas têmporas e massageei até sentir que uma parte de todo o estresse que me acompanhou durante o expediente havia passado. Contudo, meu desejado descanso não durou muito tempo. Nunca durava. Abri os olhos ao escutar a porta da sala abrir e virei o rosto na direção, espreitando para observar a figura sorrateira que entrava em silêncio. As luzes apagadas impossibilitavam que ela me visse de cara, e a iluminação do prédio vizinho iluminava apenas a minha mesa; as persianas desse lado estavam fechadas, fazendo com que o ponto em que eu me escondia não passasse de um breu. — O que houve? — Minha voz não passou de um ruído áspero ao escapar dos lábios. A mulher virou o rosto bruscamente em minha direção e xingou alto, resmungando pelo susto. Ignorei-a por tempo suficiente para que eu alcançasse o controle remoto e acendesse algumas lâmpadas, o bastante para que não ficássemos na escuridão e para que meus olhos não ardessem com a claridade repentina. Minha cabeça parecia pesar uma tonelada e eu sabia que era por conta da rotina insana que vinha levando nas últimas semanas. Não lembrava de quando tinha sido a última noite em que dormi por mais de quatro horas. Se dividisse essa informação com a minha mãe, Tatiana largaria tudo e pegaria um avião direto para cá, apenas para fazer uma intervenção. Honestamente, não fazia ideia de quantos dias de repouso eu precisaria para repor todas as noites em claro, mas tinha certeza de que uma não seria o bastante. — Pensei que já tivesse ido embora — murmurou Roberta, abandonando o envelope no sofá à minha direita e se sentou. Minha atenção recaiu no embrulho escuro, a logomarca de um dos maiores escritórios de advocacia do país me permitiu descobrir o motivo da sua invasão repentina e, instintivamente, meus ombros enrijeceram quando percebi qual seria o tema da nossa conversa. — Tenho uma reunião com a Maitê em meia hora. Impulsionei o corpo para me levantar, temendo que não pudesse completar o movimento apenas com um comando do meu cérebro, e me aproximei do minibar. O cheiro de nicotina com canela se impregnou em cada centímetro da sala, como acontecia sempre que Roberta me visitava. Torci o nariz, aborrecida. Eu precisava de uma bebida forte antes de iniciarmos a conversa que sabia que me tiraria dos trilhos. Calmamente, servi mais duas doses de The Macallan com gelo antes de retornar para o sofá e oferecer um copo para a Roberta. Respirei fundo. Uma... duas... três vezes. Em um dia menos exaustivo, eu colocaria a garrafa sobre a mesa e me esforçaria para argumentar sobre todos os prós e contras da escolha que ela fez. Entretanto, não me senti disposta a permanecer discutindo sobre o assunto sabendo que não venceria aquela briga. Eu estava cansada. Não só no físico, mas no mental e psicológico também. Eu nunca admitiria aquilo em voz alta, mas me sentia um caco. — Como andam as coisas na D.A? — perguntou, comendo pela beirada. Sentei-me na poltrona em que estava antes de ter a sala invadida, e esmaguei os dedos livres na têmpora esquerda para aliviar a latência que estava crescendo e embaçando a minha visão. Minha cabeça explodiria a qualquer segundo. — Nada de importante. Maitê está trabalhando na coleção de primavera. — Dei um longo gole, apreciando a sensação da bebida aquecendo a garganta. — Não precisa fingir que está interessada nas excentricidades dela, Roberta... seja direta. Ela deu um meio sorriso, endireitou os ombros e virou a bebida de uma única vez, antes de empurrar o envelope na minha direção. Abandonei o copo pela metade e estiquei a mão para alcançar o embrulho, demorando mais tempo do que o necessário para romper o lacre e retirar o amontoado de folhas que ele protegia. Como se isso pudesse de alguma forma minimizar o desgosto que me atingiria quando visse a notícia que ele carregava. Lentamente, arrastei os olhos entre as linhas milimetricamente reformuladas com as alterações que eu havia instruído. Porque para completar a minha desgraça, era óbvio que eu precisava ter sido a responsável por encontrar a melhor solução para o problema. Um que eles sequer teriam notado se eu não tivesse insistido em ler o contrato antes que Roberta assinasse o termo de compromisso.Talvez, se eu não fosse tão intrometida e tivesse deixado que a minuta fosse assinada antes de ser enviada ao advogado responsável, Roberta teria se dado conta de como era insanidade entrar em uma fusão, dois anos depois da última. A mesma em que seu antigo sócio retirou milhões da conta bancária da firma; roubou clientes importantes e levou metade da equipe; deixando-a com um escritório naufragando, uma reputação na lama e uma pilha de processos para enfrentar sozinha. O mesmo escritório que eu encontrei prestes a declarar falência, e que passei cada maldito dia dos últimos dois anos dando meu sangue e suor para reerguer o que havia sido destruído. E ainda assim, minha opinião foi desconsiderada e mesmo sabendo de todas as minhas ressalvas, Roberta iria adiante. Por pura ganância pelos números. Engoli a vontade de rir de desgosto ao ver como tudo ao que me dediquei nesses anos tinha sido reduzido a dois dígitos no novo quadro societário. — Vinte por cento? — Arqueei a sobrancelha, erguendo o rosto para encará-la. Roberta não parecia contente em ter ficado com uma fatia tão pequena, mas não era como se pudesse dizer que não sabia que isso aconteceria, eu a avisei. Desde que invadiu a minha sala com um sorriso estranho e uma garrafa do meu uísque preferido; noticiando que tinha reencontrado com dois velhos amigos e que depois de um jantar, decidiram estudar a possibilidade de uma fusão. Ela sabia o que eu pensava e os motivos de não concordar com aquilo. Eu poderia argumentar que, não somente, tinha avisado, como seus “amigos” foram muito generosos com a sua participação na sociedade — o que na minha percepção era, no mínimo, muito suspeito. Afinal, eu pessoalmente estudei cada extrato, relatório, posição e receita dos envolvidos na negociação, e se fosse ser imparcial, a Roberta valia no máximo quinze por cento. Por pior que fosse, era assim que uma fusão funcionava; tudo o que importava eram os números e a receita que esses dados geravam. Os longos anos de amizade? Não valiam de nada. A quantia absurda de dinheiro envolvido em uma transação dessas, fazia um filho trair a própria mãe. O fato de um dos sócios ter tentado usar a negociação para passar a perna nela, dizia muito sobre como esse tipo de operação funcionava. — Foi o máximo que eu consegui negociar — disse a contragosto, servindo-se com outra dose de uísque. — E mesmo assim, você vai seguir adiante? — Sim. Respirei fundo, largando a cópia do contrato em cima da mesa de centro e me levantando. Precisava dar uma volta para que os pensamentos fluíssem melhor, antes que o cansaço me fizesse despejar toda a minha frustração em cima dela. — Ok. — Ok? — Repetiu, engolindo uma risada sarcástica. — É tudo o que tem para dizer sobre isso? Obriguei-me a virar e fitar seu rosto, confusa com a sua pergunta. — O que prefere que eu diga? Que é uma decisão equivocada? — indaguei, apoiando as mãos no encosto do sofá branco em frente as enormes janelas que cobriam a parede atrás de mim. — E que, apesar de insistir em dizer que a minha opinião é valiosa, bastou que eu não dissesse o que você queria escutar, para que me desse as costas e seguisse em frente com a fusão? Roberta apertou os olhos nos meus, surpresa com a minha irritação repentina. A verdade era que estava de saco cheio de pisar em ovos com ela. Lidar com Roberta sempre me despertava uma frustração que demorava tempo demais para passar. Se as coisas não fossem como queria, ela simplesmente ignorava tudo e garantia que sua vontade prevalecesse. E se eu tivesse que continuar fingindo que não estava vendo a enorme furada em que estávamos entrando só para manter a nossa relação confortável para ela, eu preferia arrumar as minhas coisas e ir embora. Me recusava assistir tudo o que construí nos últimos anos desmoronar, porque ela foi inconsequente e gananciosa. — Eu tomei uma decisão, Nathalia — falou, chateada. — E vou para casa ciente do que pode acontecer, e ainda assim, dormirei tranquila. Não me dignei a responder, a latência na minha cabeça havia piorado, e sabia que discutir com ela não me levaria a lugar algum. Roberta fez uma escolha. — É a sua empresa — declarei, apertando os dedos em volta do copo de cristal, os cubos de gelo derreteram um pouco, mas nada que atrapalhasse no gosto da bebida. — Faça como preferir. A mulher acenou, me dando as costas para sair da minha sala como se a nossa conversa nunca tivesse acontecido. Apostaria o meu maior cliente na certeza de que na segunda-feira, ela agiria como se nunca tivéssemos discordado sobre a fusão e que estava tudo bem entre nós. — Estou confiante, Nathalia… porque sei que se algo der errado, podemos nos reerguer de novo. — Roberta parou perto da porta, segurando a maçaneta e me olhando com aquele sorrisinho polido que eu tanto detestava. — Tenho você ao meu lado, e sei que sempre estará na minha retaguarda... e, a propósito, foi você quem me disse que eu deveria pensar positivo, não foi? — Boa noite, Roberta — soprei, incapaz de responder outra coisa. Claro que ela estava confiante. Fui eu quem passou noites e mais noites em claro, quem se dividiu entre uma especialização e a administração de um escritório com mais de quatrocentos funcionários, e que ainda se desdobrava para atender aos clientes dela quando sua agenda estava apertada demais. Talvez meu pai estivesse certo no fim das contas. Eu precisava tomar cuidado com as pessoas para quem estendia a mão, porque elas costumavam arrancar tudo no processo. Respirei fundo, meus olhos se moveram para o celular que não parava de vibrar em cima da mesa e me aproximei, reconhecendo o nome da minha cliente e amiga na tela. — Oi, Maitê. — Vadia, por favor... não fique irritada com o meu atraso — choramingou. Pude ouvir o barulho dos seus saltos afiados ecoando no piso, e afastei um pouco o celular para conferir o horário. Ela estava vinte minutos atrasada. — Fiquei presa em uma reunião com o designer e preciso ir até Milão ainda essa noite, você se importa se remarcarmos? Esfreguei a mão livre na lateral da calça e desbloqueei a tela do iPad, verificando minha agenda online — apenas para confirmar que precisava dar um jeito de fazer com que o meu dia passasse a ter vinte horas a mais. — Tudo bem, Maitê... remarcamos quando você voltar para São Paulo. Joguei-me na poltrona, encarando a quantidade absurda de compromissos amontoados no calendário. — Dia difícil? — Tão na cara assim? Maitê riu, dispensando alguém e dando ordem para o motorista seguir direto para o aeroporto. — Você foi compreensiva demais... isso só me faz pensar que sua cabeça já está mais para lá, do que para cá — disse, divertida. — Que tal ao invés de remarcarmos a reunião no seu escritório, você me encontra em casa e jantamos? Faz um tempo desde a última vez em que tivemos uma pausa no meio dessa bagunça. Sorri, encarando a tela e confirmando que até os meus finais de semana foram destinados para assuntos do escritório. — Claro, vou adorar. — Ok! Se você não estivesse tão ocupada, eu te arrastaria para ir comigo. Quando foi a última vez em que viajou? Afundei o corpo na poltrona, analisando a sala que estava se tornando praticamente a minha segunda casa, e não foi difícil perceber que a última vez em que consegui uma folga fazia tanto tempo que eu sequer lembrava. A viagem rápida para encontrar meus avós e meus pais nas festas de fim de ano contava como descanso, mesmo que tivesse durado menos de dois dias? Tenho certeza que não. Não foi difícil mudar de assunto com a Maitê, e ela rapidamente explicou o motivo da viagem repentina. O seu novo fornecedor estava dando alguns problemas, e ela preferia resolver a situação pessoalmente a enviar um representante. Não podia criticá-la por isso, uma vez que eu estava presa nessa avalanche de merda justamente por querer abraçar o mundo sozinha. Tudo porque sentia que ninguém era capaz de fazer as coisas melhor do que eu. Esse era o problema de ser extremamente perfeccionista. Minutos depois, desliguei a chamada com ela e aproveiteio tempo livre para colocar alguns relatórios em dia. No entanto, por mais que tentasse muito focar nas tarefas, hora ou outra, meus olhos vagavam para o envelope em cima da mesa de centro do outro lado da sala. Fisguei o lábio inferior entre os dentes e ignorei a forma ansiosa que meus dedos batucavam contra a madeira. Isso não é um problema meu... Mas e se... Ciente de que não conseguiria ir embora sem dar uma última olhada naquele documento, busquei o maldito e o joguei em cima dos relatórios que eu deveria estar examinando. Se fosse um pouco menos estúpida, deixaria que Roberta visse por conta própria a furada que estava se metendo, mas não... eu precisava bancar a salvadora do mundo! Ignorei o celular vibrando, afinal, para qualquer efeito eu estava em reunião com Maitê. E com atenção redobrada, meus olhos correram por cada linha do contrato e do termo de partnership que havia sido reformulado pelo advogado que era amigo dos outros dois sócios. Para a minha frustração, Marc tinha feito todas as alterações que sinalizei e o odiei por ser tão competente no que fazia. Meus olhos recaíram novamente para a divisão societária, sem conseguir ignorar o gosto amargo na garganta ao ter que engolir aquilo. Renato Monteiro Trevisan: 43.000.000 quotas Leandro Barbieri Salazar: 32.000.000 quotas Roberta Montes Faroni: 20.000.000 quotas Guilherme Bastos: 3.000.000 quotas Tesouraria: 2.000.000 quotas Não sei ao certo quanto tempo fiquei encarando os números e cláusulas que asseguravam onde os direitos como sócios começavam e terminavam, mas quando me dei conta de que aquelas condições não mudariam, guardei as folhas de volta no envelope e coloquei no cofre da minha sala. Cansada, optei por terminar de resolver as pendências do dia em casa, e enquanto me preparava para descer, chequei algumas mensagens e respondi apenas a Bianca — porque na correria do dia, acabei esquecendo completamente de ver como ela estava. Menos de dez minutos depois, atravessei a garagem do meu prédio, acenando para um senhor simpático que sempre esbarrava comigo naquele horário. Todos os movimentos seguintes foram automáticos, meu cérebro parecia estar se desligando gradativamente e qualquer sinapse mais complexa era impossível de ser concluída. Quando me dei conta, estava no hall do meu apartamento e o quadro bizarro com o rosto do Leonardo DiCaprio segurando uma nota de dólar — em alusão ao filme O Lobo de Wall Street —, me encarava de volta. Eu odiava aquela pintura em aquarela, mas como perdi uma aposta com meu pai, a minha punição era ser a guardiã daquele presente cafona que ele ganhou de um cliente. Não era nem pelo DiCaprio. O problema era que a pintura berrante me incomodava demais, destoava de toda a decoração daquele espaço e nem mesmo os milhares de dólares que a peça de arte valia, fazia com que sua presença se tornasse menos desagradável. Estava prestes a me desfazer da roupa no meio do caminho, ansiando por afundar o corpo na banheira e aproveitar do silêncio na companhia de uma boa garrafa de vinho, quando parei no meio do corredor. Larguei a chave do carro e minha bolsa no aparador, buscando pela origem da música baixa que ecoava. O elevador só permitia a subida de pessoas com uma impressão biométrica autorizada e senha, e poucos tinham acesso a isso. Então, eu sabia que não havia motivo para pânico. Busquei meu celular, verificando as mensagens para saber se meus pais avisaram de alguma visita ou se um dos seguranças tinha vindo para fazer a checagem de rotina, mas antes que entrasse no aplicativo para consultar a senha usada, meus olhos repousaram no homem extraordinariamente lindo do outro lado da ilha. Ele usava apenas uma camiseta preta de algodão, os músculos bem definidos nos braços marcavam a peça e a gola V me permitia vislumbrar o peitoral malhado, fruto da rotina obsessiva na academia. O cabelo preto contrastava com a pele branca e eu odiava o quanto ele era bonito sem precisar de esforço. Os olhos grandes e cor de avelã costumavam ficar verdes quando expostos à claridade, o que realçava ainda mais sua beleza. Mesmo com a barba por fazer, o maldito conseguia ficar lindo em um nível quase transcendental. Tê-lo como melhor amigo era uma benção e uma desgraça na mesma proporção. A quantidade de garotas que se aproximaram e fingiram querer ser minhas amigas, apenas para me usar para chegar nele, era digno de entrar no livro dos recordes. E eu odiava isso. Detestava me sentir um meio para um fim. Aquela era a história da minha vida desde que nasci. Um meio para alcançar o magnata dos investimentos. Um meio para alcançar o cara mais cobiçado de Manhattan. Precisei aprender a desconfiar de cada pessoa que se aproximava de mim e mesmo após aprender a filtrar, ainda tinha a sensação de que as pessoas só gostavam de mim porque era conveniente. — Você poderia ter me avisado que estava na cidade — comentei, recostando o corpo no pilar e o olhando com alívio genuíno. O meio sorriso prepotente que ele deu trouxe um acalento que apenas o meu melhor amigo era capaz de proporcionar. — Considere uma surpresa — disse, limpando as mãos. Ele pegou uma taça de cristal e enquanto se aproximava, me serviu um pouco de vinho. — Eu estava por perto e decidi fazer uma visita. Sorri, sabendo que não era bem assim que as coisas funcionavam com ele. Aceitei a taça e deixei um suspiro escapar dos meus lábios quando depositou um beijo em minha testa, antes de voltar para o que estava fazendo. — Perto... onde? — Medellín. — Deu de ombros, tranquilo. Bom, levando em consideração nosso histórico… até que era perto. — Foi ver meu pai? — Precisei levar alguns documentos para ele assinar. Franzi o cenho. — E desde quando você carrega documentos para ele? — perguntei, sentando-me na banqueta e o fitando com atenção. Antônio ergueu os olhos do suco de limão siciliano que preparava e, sem disfarçar, esquadrinhou o meu rosto. Ele não escondeu o descontentamento com o que encontrou. — Bianca me disse que você estava com o humor péssimo, que não come direito há dias e não dorme também — falou, sério. Quase sorri ao me dar conta de como ele sempre assumia o cargo de irmão mais velho quando queria me dar bronca. Ignorando seu olhar de repreensão, bebi um gole do vinho; fechei os olhos e soltei um gemidinho ao sentir o gosto suave. Era disso que eu precisava para o meu dia ficar melhor. Antônio esperou pacientemente que eu terminasse de beber aquela taça para servir mais um pouco. Encarei-o, curiosa. — Então, você e Bianca estão fofocando sobre mim agora? Levantei-me e caminhei para a lavanderia ao lado da cozinha, me desfazendo da blusa que usava e permanecendo com o sutiã preto de renda. Abandonei os saltos e meus pés agradeceram o conforto do piso morno, enquanto eu retornava para a cozinha e via Antônio colocar algo no forno. — Nós cuidamos dos nossos, bebê — falou simplesmente e sorri, agradecida. — E de toda forma, eu viria de um jeito ou de outro. Você não responde minhas mensagens há dias. Revirei os olhos para o seu drama. — Dois dias. — Muito tempo — frisou, dando um peteleco na minha testa. — Agora vá tomar banho, o jantar fica pronto em vinte minutos. Assenti, bebendo o restante do líquido antes de dar as costas para ele e correr para o quarto. Depois de responder a Bianca, deixei o celular no quarto e desci para a sala de jantar, onde Antônio arrumou a mesa apenas para nós dois. Não era um cômodo da casa que usava com frequência, na maior parte do tempo éramos apenas eu e a Bianca — quando ela não saía com alguém ou ficava com a mãe e irmã. Era um apartamento muito grande para uma única pessoa, mas como eu não costumava passar muito tempo em casa, não me importava em frequentar todos os cômodos. — Como anda a abertura de capital da… Antônio me interrompeu. — Shh… sem falar de trabalho — repreendeu, obrigando-me a sentar na cadeira e como se eu fosse uma criança, começou a me servir. — Desliga essa cabecinha workaholic um pouco, tudo bem? É noite de sexta-feira. — Mas… Seu olhar me caloue como uma boa garota, deixei que Antônio fizesse o que queria. Minha ajuda foi recusada todas às vezes em que a ofereci e aguardei até que ele retornasse para a mesa e se sentasse comigo. Antônio era o meu melhor amigo desde… sempre. Nunca houve um momento da minha vida em que ele não estivesse ao meu lado. Quando eu nasci? Antônio segurava a mão da minha mãe, porque meu pai estava em um avião retornando às pressas de Pequim e eu decidi nascer antes do previsto. Quando precisei retirar o apêndice? Antônio segurou a minha mão e me distraiu enquanto o anestesista me dopava. Quando terminei um namoro de dois anos e fui largada nas Ilhas Turcas na véspera do réveillon? Antônio saiu de Tóquio e abandonou uma orgia de três dias para ficar comigo. Era isso o que representamos para o outro, um abrigo e um ombro- amigo sempre que fosse preciso. Não importava aonde ou com quem estivéssemos, estaríamos ali. Mataríamos e morreríamos pelo outro, e não percebi o quanto precisava disso, até vê-lo na minha frente. — Você pretende ficar quanto tempo na cidade? — indaguei, tentando esconder o nó que se instalou na minha garganta. Antônio ergueu o olhar para mim e deu um sorriso enviesado. — Quanto tempo você precisar, bebê. — E seus compromissos? — Nada que eu não possa resolver daqui. — Sabe que não é do trabalho que estou falando — retruquei, beliscando um damasco da salada. Antônio riu baixo, balançando a cabeça vagarosamente, como se estivesse com preguiça de responder minha pergunta. — Coma, bebê. — Mas… — Vou precisar ligar para o seu pai e contar como anda a rotina da menininha dele? — ameaçou, arqueando a sobrancelha. Fiz bico e isso arrancou outra risada dele. — Chato. — Mimada. Rolei os olhos. — E o Luke? — Vai passar alguns dias com a minha mãe em Vermont — respondeu, nos servindo outra taça de vinho. — Ele sente saudades da madrinha. A culpa me atingiu duramente. Eu estava ausente em tantas áreas da minha vida desde que essa fusão caiu no meu colo, que sequer me passou pela cabeça que eu não via meu afilhado há semanas. — Prometo que assim que tudo isso acabar, levo ele para onde quiser. — Não faça esse tipo de promessa. Na última vez que a fez, você nos colocou em um safari embaixo do sol de quarenta graus. Estremeci, ainda lembrava perfeitamente de como meu afilhado decidiu que queria ir para um safari na pior época do ano, onde as temperaturas chegavam em quase quarenta e sete graus, e não importava a potência do ar-condicionado do hotel… as noites eram infernais. — Mas pense pelo lado positivo, ele teve uma experiência única. — Claro... ele nunca vai esquecer que uma girafa roubou a bolsa da madrinha dele, e que ela considerou uma boa ideia perseguir o animal para recuperar a peça. Ri, a memória daquele fim de semana sempre me arrancava uma boa gargalhada. — Proporcionamos um ótimo entretenimento para a criança. — Ou alguns traumas para ele tratar futuramente — brincou, piscando para mim antes de me atualizar de tudo o que aconteceu na sua vida nos últimos dois dias. Isso foi bom porque durante todo o jantar, nada do que vinha me perturbando nas últimas semanas arriscou disputar com Antônio pela minha atenção. Depois de colocarmos tudo o que usamos na lava-louças, voltamos para a sala de estar. Antônio acendeu a lareira e abriu a nossa quarta garrafa de vinho naquela noite chuvosa. Joguei-me no sofá macio e minhas costas agradeceram o descanso. Meu corpo vibrou quando Antônio capturou meus pés e pressionou seus dedos com habilidade nos pontos de tensão. — Sua cabeça ainda está doendo? — perguntou, preocupado. — Como sabe? — A veia saltando na sua testa denunciou — disse, sem parar de massagear meu pé esquerdo enquanto eu bebericava o vinho. — Como andam as coisas no escritório? — Roberta assinou com eles. — Então, é oficial — declarou, trazendo à tona a verdade que eu estava evitando enfrentar. — O que você vai fazer sobre isso? — Honestamente? Não faço ideia. Um vinco surgiu em sua testa, seus dedos pararam de fazer a pressão e as íris avelãs me fitaram com uma atenção meticulosa. — Não faz ideia? Desde quando? Uma risada sem resquício de humor escapou pelos meus lábios. — É complicado... — Não te ofereceram nada? — A indignação em sua voz era palpável, e eu compartilhava desse sentimento. Não era como se eu esperasse que Leandro, Guilherme ou Renato tivessem consideração por mim e pelo meu trabalho no escritório nos últimos dois anos. Eles não me conheciam, o máximo de interação que tivemos havia sido através de e-mails. Mas eu esperava alguma coisa da Roberta. Afinal, ela era minha mentora. Investi tempo, conhecimento, energia e muito dinheiro naquela firma. E ela não apenas ignorou a minha opinião, como permitiu que eu fosse reduzida a uma mera funcionária entre todos os outros. — Foi ingenuidade da minha parte ter esperado reconhecimento, né? — Miei, após explicar como ficou a repartição da empresa. Antônio apertou a mandíbula, abandonando sua taça e voltou a massagear meu pé, pressionando os pontos doloridos pelo uso constante de sandálias altas. — Não, não foi. Você veio de um lugar que recompensa a lealdade… — disse, virando-se para me observar. — É normal que espere que eles ajam do mesmo jeito que você agiria. Eu sabia que ele estava sendo gentil. Antônio nunca era dos mais cuidadosos com as palavras; sua fama era justamente de ser um babaca imbatível, e ser sua amiga raramente me poupava do seu sarcasmo. Mas eu agradeci que ele estivesse sendo um pouco cuidadoso naquele momento. — Eu me sinto uma idiota. — Imagino… — Antônio franziu o cenho, absorto. — Por que não volta para casa? Com casa, ele queria dizer: a Alpha Capital Investiments Group — a gestora do meu pai. O lugar do qual fugi, porque não importava o que fizesse, sempre me viam como a filha do Miguel. — Ainda não — resmunguei, tateando o estofado para alcançar o controle da televisão e passeando pelos programas disponíveis. — Podemos assistir e amanhã conversamos sobre isso? — pedi. Antônio concordou, apagando a luz pelo comando de voz e deu início a uma maratona da nossa sitcom favorita, apenas para preencher o silêncio. O meu lance fez com que a bola atravessasse a rede em uma curva alta, alcançando o outro lado da quadra antes de ser rebatida por Antônio e voltar em minha direção com força. Minha respiração se agitou no peito e meus dedos apertaram o cabo da raquete, antes de golpear a bola novamente e por um pequeno descuido do meu oponente, um ponto ser marcado ao meu favor. Sorri, ouvindo o alerta de que aquela partida havia se encerrado e ergui os braços, vitoriosa. Jogar contra o Antônio sempre era desafiador e fazia com que a vitória tivesse um gosto mais saboroso. — Você melhorou o seu forehand[4] — elogiou, arrastando os dedos no cabelo preto e deu um meio sorriso, soberbo. — Está quase no meu nível. Rolei os olhos, ignorando seu comentário pretensioso e aceitei a toalha que um funcionário do clube ofereceu, enquanto caminhávamos para a pequena arquibancada disposta para quem quisesse assistir aos treinos. Bianca estava distraída no seu celular, os fios tingidos em um tom de loiro perolado foram enrolados no alto da sua cabeça, presos por uma caneta que ela encontrou na minha bolsa. O top preto que usava deixou seus ombros e braços expostos, revelando todas as suas tatuagens. Isso não foi o suficiente para livrá-la do calor que parecia estar sentindo, e quando os olhos castanho-escuro vieram em minha direção, seu descontentamento ficou explícito. — Por que justo hoje que decidi vir comportada, o tempo decidiu abrir? — reclamou, agitando as mãos em frente ao rosto para amenizar o calor. Antônio retirou a camiseta polo e jogou em cima dela, que não demorou para estapeá-lo no ombro e xingar todas as suas gerações passadas e futuras, o que não o incomodou nenhum pouco. Se precisasse perturbá-la todos os dias para fazer com que Bianca saísse da concha, era exatamente o que Antônio faria, sem hesitar. Aproveitei a toalha que havia acabado de usar para forraro degrau ao lado dela e me sentei, buscando pelo celular, para verificar se um cliente específico tinha respondido o meu e-mail sobre a troca de portfólio. Infelizmente, meus amigos eram péssimas companhias e antes que eu apertasse o ícone do aplicativo, o celular foi arrancado da minha mão, e o olhar enfezado de Bianca fuzilou meu rosto. — Sem trabalho, sua obcecada. — Não é trabalho, eu só... — Não quero saber — retrucou, enfiando o aparelho dentro da sua bolsa e se levantou, olhando para mim com firmeza. — O escritório não vai desmoronar se você descansar por um dia, ok? Os clientes sobreviverão! Olhei para Antônio, vendo que ele estava respondendo um e-mail de trabalho e voltei para Bianca, como se aquilo fosse autoexplicativo. Foi o suficiente para que ela repetisse o movimento anterior com ele, que xingou alto quando o celular foi arrancado de sua mão antes que conseguisse concluir o envio. — Preciso boletar uma ordem, loira. — Gesticulou com os dedos para que ela devolvesse o aparelho, de nada adiantou. — Falta escrever mais alguma coisa? — Bia indagou, recebendo uma resposta negativa do meu melhor amigo e isso a fez sorrir. Seus dedos voltaram para o aparelho e ela nos encarou. — Pronto, enviado. — Pensei que o combinado fosse deixar ela fora do celular — ralhou Antônio, tal qual um idoso. — E se você estiver trabalhando também, ela vai usar isso como argumento para continuar com o celular. — Vocês podem parar de falar sobre mim como se eu não estivesse aqui? — pedi. — Não. Cala a boca! — disseram em uníssono. Bufei, levantando-me e deixei os dois sozinhos para dar uma volta no clube. Eu precisava de um banho gelado com urgência. Bianca estava terrivelmente certa quanto ao clima, depois de um fim de ano com temperaturas que não passavam de 20º, eu precisava confessar que não estava pronta para voltarmos para a casa dos 30º. O pior era que sequer passava de 10h00, ou seja, tendia a ficar ainda mais quente. Durante todo o trajeto para o vestiário, acompanhei a discussão de Bianca e Antônio sobre o nosso cronograma do dia, uma vez que minha agenda do fim de semana havia sido dominada pelos dois que tinham uma preocupação desnecessária com a minha rotina de trabalho. Tinha total ciência de que estava sobrecarregada, mas o que eu poderia fazer quanto a isso? A resposta era simples, nadinha. Fazia parte da rotina de qualquer um que trabalhava no mercado financeiro, e eu não soltaria os pratos, porque se o fizesse, seria o mesmo que confirmar para todos que não dava conta do trabalho. Não permitiria que as suspeitas sobre mim se confirmassem. Eu conseguia administrar o escritório, atender os meus clientes e da Roberta, gerir dezessete equipes internas na empresa, concluir minha especialização, preparar minha inscrição para o estágio de outono na Bentley & Hathaway, auxiliar na conclusão da fusão indesejada e ainda manter uma saúde mental estável. Só precisava de cinco minutos de silêncio para colocar os meus pensamentos e as tarefas intermináveis em ordem. Depois de tomar uma ducha, Bianca me acompanhou até o salão de beleza do clube e aproveitei para roubar meu celular de sua bolsa e verificar as mensagens pendentes. O número de conversas sem respostas me angustiava e não esperava que meus amigos entendessem a carga que eu tinha nos ombros, mas facilitaria muito se não me tratassem como se fosse louca. — Você conversou com a Roberta ontem? — perguntou Bianca, sentando-se na cadeira ao meu lado, enquanto Janine ensaboava meu cabelo. — Ela comentou sobre a fusão, por quê? — O aniversário dela está chegando... acho que vai fazer um almoço no apartamento só para os mais próximos — explicou, deitando a cabeça no suporte do lavatório e não demorou para que um funcionário estivesse massageando seu couro cabeludo, assim como Janine fazia comigo. — Não sei o que dar de presente. Acedi, desviando o olhar para o teto perfeitamente branco, sentindo as pálpebras pesarem conforme os dedos de Janine esfregavam minha cabeça. — Apareça e vai ser um ótimo presente — falei simplesmente. Meus olhos recaíram no aparelho entre meus dedos, notando que mesmo respondendo algumas mensagens, o número de conversas pendentes nunca diminuía, ao contrário, apenas aumentava. Puxei o ar lentamente, expirando aos poucos e senti a atenção das duas mulheres que mais me conheciam nesse mundo – depois da minha própria mãe –, se concentrarem em mim. — Tudo bem, Nath? — perguntou Janine, preocupada. Estava angustiada com a quantidade de coisas que tinha para resolver. A sensação que eu tinha era como se nunca tivesse tempo suficiente para resolver tudo, e me sentia péssima por isso. — Tudo — soprei, forçando um meio sorriso que não pareceu convencê-la. Janine me conhecia desde criança. Quando estávamos no Brasil, meu pai costumava marcar suas reuniões no clube para que eu não ficasse sozinha em casa, e era Janine quem se dedicava a me distrair com algumas traquinagens que aprontávamos no meu cabelo. Ainda me lembrava da expressão de choque que cobriu o rosto de Miguel quando veio me buscar e me encontrou com os fios tingidos de rosa, às vésperas de um evento da família real espanhola. Janine se tornou uma boa amiga e era a única pessoa que eu confiava para mexer no meu precioso cabelo, não importava em que lugar do mundo estivesse, era atrás dela que corria quando precisava. Então, era normal que ela soubesse reconhecer quando eu estava incomodada com algo. — É tão irritante como você sempre dá essa resposta — resmungou Bianca em relação a sua pergunta anterior, ela se sentou na cadeira com uma toalha enrolada nos fios. Seus olhos escuros espreitaram meu rosto e ela suspirou. — Não vai cair o mundo se disserem o que querem de presente, sabia? Sorri, achando graça e escutei Janine rir baixinho. — Não preciso de presentes, Bia. — É, eu sei que se quiser alguma coisa é só estalar os dedos que ela aparece na sua frente, mas... é legal ajudar a amiguinha a ser uma boa amiga, sabe? — Fez beicinho, dramática. Rolei os olhos, bloqueando o celular e deixando para resolver as mensagens acumuladas em outro momento. Janine sinalizou que deixaria o produto agindo no cabelo por alguns minutos e se afastou, nos deixando a sós. — Dê algo que ela usa com frequência... — sugeri. — Cigarros? — perguntou, divertida, me arrancando uma risada. — É o que ela mais usa. — Os adesivos de nicotina não funcionaram? — Não, ela nem abriu a caixa. Deixei um documento na sala ontem, e percebi que ainda está no mesmo lugar... nem saiu do embrulho. Torci os lábios, pensativa. Bianca havia me feito a mesma pergunta na semana do Natal e como Roberta tinha comentado que estava planejando parar de fumar, achei que seria um bom presente... já que se dependesse de Roberta dar o primeiro passo, certamente nada mudaria. Pelo visto, o pequeno incentivo ainda não tinha surtido efeito. — Hum... ainda podemos pensar um pouco, é só no fim do mês. — Pensei em férias... ela está saindo com alguém? — Não faço a menor ideia. — Vocês são mais próximas. — Não nesse nível. — Suspirei, vendo de canto de olho que Janine se aproximava para enxaguar o meu cabelo. — Sabe melhor do que ninguém como ela é… complicada. Bianca apertou os lábios, pensativa, depois meneou a cabeça concluindo o mesmo. Roberta e eu nos conhecíamos há pouco mais de dois anos, e ela ainda era uma incógnita. A sensação que eu tinha era de que mesmo quando estava abrindo uma parte de sua vida para mim, ela ainda escondia mais coisas e eu nunca ultrapassava a superfície. Era… estranho. Compreendia que ela era mais retraída e desconfiada, conhecia sua carreira e entre alguns goles de uísque e vinho, consegui descobrir um pouco mais de sua origem…, mas se alguém me perguntasse se a conhecia? Certamente, seria incapaz de confirmar. Conhecia a sua rotina, seus modus operandi no trabalho, sua filha e a sua mãe — por quem eu tinha um verdadeiro apreço e aprendi a considerar como parte da minha família nos últimos meses. Mas isso não amortecia a sensação de que quandoolhava para ela, Roberta era uma completa desconhecida. Tudo o que eu sabia, era o que ela me permitia vislumbrar. E muitas vezes precisava refletir se estava lidando com sua verdadeira essência ou com um dos personagens que criava para agradar os seus clientes. Em alguns momentos, era difícil distinguir com qual alter ego estava lidando. Nos dávamos bem nos negócios — ou ao menos costumava ser assim antes da fusão entrar em pauta. Segundo Roberta, eu era a pessoa em quem mais confiava… só que se eu fosse ser franca, não sentia que era realmente assim que ela se sentia. Ela confiava mesmo em mim? Eu não apostaria nisso. — Acho que vou comprar alguma quinquilharia de papelaria… é o que ela gosta — disse Bianca, atraindo minha atenção enquanto Janine me guiava para a cadeira em frente ao espelho que cobria toda a parede onde ficava o balcão. — É mais fácil dar presente para você. Arqueei a sobrancelha, virando na sua direção com curiosidade pelo comentário repentino. — Não quero presentes. — Pau no seu cu, princesa. Ri fraco, balançando a cabeça e vendo uma senhora olhar feio na nossa direção, como se o simples fato de Bianca ter dito um palavrão pudesse ser um crime. Revirei os olhos, satisfeita em saber que minha amiga não se importava mais em se controlar quando estávamos dentro do Niké. Nas primeiras vezes em que a trouxe para ficar comigo, ela sempre parecia estar a um passo de escavar um buraco no gramado para se esconder, e quando falava, eu precisava me aproximar dela para escutar os miados que escapavam dos seus lábios. No entanto, isso felizmente havia mudado e depois de alguns anos, ela finalmente conseguiu se soltar e deixar escapar as coisas que passavam pela sua cabeça, sem medo da censura. Era uma vitória. Um pigarro soou, atraindo nossa atenção e meus olhos se desviaram de Bianca para o reflexo de Ofélia no espelho, seus braços cruzados em frente ao corpo e o queixo erguido, cheia de soberba. — Algum problema, Sra. Ofélia? — Seria um grande incômodo que as senhoritas tivessem um pouco mais de cuidado com a forma como falam aqui dentro? — indagou, e suas narinas inflaram em clara irritação. Senti o olhar de Janine em cima de mim, assim como a minha amiga que não moveu sua atenção para a esposa do senador do estado. Por algum motivo, Ofélia insistia em cismar com a presença de Bianca no clube e sempre tinha algum pretexto para implicar. Minha amiga não falou alto, tanto que as outras pessoas no salão sequer prestaram atenção na conversa, mas Ofélia não deixaria isso de lado porque era o que fazia sempre. — O que exatamente a senhora não gostou? — Usei de toda a minha educação para manter o tom de voz ameno, ainda que aquela mulher não a merecesse. Quando os olhos verdes desviaram do meu rosto e se moveram para Bianca que estava fingindo verificar suas mensagens, pigarreei e trouxe sua atenção de volta para mim, sentindo o sangue esquentar. — Sugiro que leve suas queixas ao Marcel. — Forcei um sorriso, tamborilando meus dedos no forro de couro do apoio de braço, sem desviar a atenção dela. — Garanto que ele vai te dar uma solução mais do que satisfatória para o problema que tanto te aflige. Ofélia estreitou os olhos, duas veias saltaram em sua garganta e ela inspirou profundamente. Acompanhei o movimento de deglutição conforme digeria a minha resposta com desgosto. Tínhamos lidado com aquilo no passado e a mulher sabia exatamente qual seria a resposta do gerente de filiação do clube. Se eu estivesse em um dia ruim, poderia lembrá-la de que o motivo dela frequentar o clube era meramente pelo fato de seu esposo ser o atual senador do estado e, por isso, a administração abriu uma exceção para a entrada deles. Se ela não tivesse a vantagem de estar de alguma forma ligada aos políticos que frequentavam o clube, nunca passaria dos portões que rodeavam a propriedade. Logo, não era tão superior a Bianca como acreditava. Mas eu não precisava fazer aquilo porque Ofélia tinha consciência de que se fosse da minha vontade, bastava uma ligação e não importaria a influência política do seu esposo, ela nunca mais pisaria nesse salão ou em qualquer outro estabelecimento que pertencia ao Niké. — Algum problema? — Jaque, administradora do espaço, veio em nossa direção com um vinco em sua testa. — Não — resmungou Ofélia, nos dando as costas e caminhando para fora. — O que ela queria? — Encher a minha paciência — murmurei, dando de ombros, indiferente. — O Ashford sabe das liberações que o Marcel fez para o senador? — Sim. — Entendi — resmunguei, voltando para Bianca, que pareceu ficar um pouco amuada, desconfortável pela situação desnecessária. — Se você demonstrar que se importa com o que aquela mulher fala, ela vai continuar implicando. Bianca soltou o ar lentamente e bloqueou o aparelho, virando-se para mim enquanto o rapaz começava a pentear seu cabelo. — É fácil falar, você é sócia e cresceu com os donos desse lugar jantando na sua casa... eu sou apenas a sua amiga. — E isso te transforma em uma sócia tanto quanto qualquer um, Bianca. — Rolei os olhos, endireitando a postura para que Janine pudesse continuar trabalhando. Bianca permaneceu quieta, e a conhecia o suficiente para saber que continuaria remoendo a situação estúpida pelo restante do dia. Era sempre assim. Eu conseguia ajudá-la a avançar alguns degraus para sair do fundo do poço, comemorava a vitória... e bastava que uma pessoa que não significava absolutamente nada na nossa vida dissesse algo, para que ela retrocedesse. — Por que não clareamos um pouco mais o seu cabelo? — O rapaz perguntou para ela, atraindo sua atenção e Bianca encarou seu reflexo no espelho. — Ainda não... estou tentando me acostumar com esse tom. — Loiro combina com você — comentou Janine, dando um sorriso terno na sua direção e isso a relaxou um pouco. Era bobeira que ela se deixasse abater pela Ofélia, todos no clube a adoravam e sempre a tratavam com muito respeito e carinho, e eu não permitiria que uma única pessoa a fizesse se sentir desconfortável em um lugar que frequentava há muito mais tempo. Nos minutos seguintes, mantive-me ocupada e distraída, ouvindo a conversa animada dos três faladores. Eles discutiam uma notícia recente sobre uma atriz que estava namorando um jogador de futebol conhecido por sua reputação de ser um babaca mulherengo. Vez ou outra, murmurei em resposta apenas para me manter dentro do diálogo, mas, minha atenção estava no turbilhão de assuntos pendentes que eu tinha que resolver, antes que tomassem meu celular novamente. Na manhã de domingo, assim que as portas do elevador se abriram no meu andar, escutei as risadas que vinham de algum lugar dentro do apartamento. Abandonei a mochila de treino no armário da lavanderia e atravessei o espaço, procurando pelos hóspedes responsáveis por preencher o silêncio habitual e os encontrei no terraço, aproveitando a manhã quente. — Bom dia, raio de sol — cantarolou Bianca, deixando a sua caneca em cima do apoio e usei a mão para proteger os olhos da claridade repentina. — Estávamos falando sobre você. Olhei para Antônio, reconhecendo que diferente da Bianca que bebia chá, ele estava na metade da garrafa de vinho. — Falando mal? — Sempre. — Bianca estalou a língua, espalmando o espaço ao seu lado para que eu me sentasse. Ainda sentia as pernas tremendo devido ao treino de inferiores, meu personal não tinha pegado leve e eu sabia que sentiria os músculos doloridos em breve. — Novidade. Eu dou um lugar para dormirem... e ganho o quê? — Dois melhores amigos que te aturam, mimadinha — retrucou Antônio, jogando uma almofada em minha direção e ergui o dedo do meio. — Bianca estava falando sobre como acha que você deveria transar. — Que lindos. — O sarcasmo foi inevitável. — Desde quando minha vida sexual entrou em pauta para discussão? — Desde que você parou de se divertir para administrar uma firma que está pouco se importando para o que você pensa — falou Antônio, sem qualquer gentileza. Estava demorando... Virei o rosto em sua direção, sentindo achateação recair novamente sobre meus ombros ao constatar que iriam me obrigar a falar sobre aquilo. Tentei fugir da conversa durante todo o fim de semana, mas Antônio precisava voltar para Nova Iorque na manhã seguinte e não me deixaria sozinha sem ter certeza de que nenhuma pauta ficou de fora. — Ok. — É tudo o que tem a dizer? — indagou Bianca, preocupada. — O que querem que eu diga? — Suspirei, erguendo os pés para cima do estofado e afundando as costas nas almofadas macias. Uma taça de vinho foi servida e colocada na minha mão pelo meu melhor amigo que me observava meticulosamente, como se estivesse pronto para pegar algo escondido nas entrelinhas. — É uma merda. Mas eu sabia que seria assim, não é? — Olhei para os dois de relance, esperando que dissessem que eu havia sido estúpida. — É o escritório dela, a decisão final é dela. — Isso não te impede de ficar chateada. — Não estou chateada. É só que... — Isso foi traição, caralho — disse Antônio, roubando as palavras que eu estava evitando dizer em voz alta. — Você não quer falar, então, eu digo por você. Ela teve a chance de negociar essa fusão por sua causa, a RCI[5] estava prestes a declarar falência quando as duas se conheceram. Foi você quem investiu na contratação de todos os funcionários que ela se gaba por ter, quem custeou a operação por um ano inteiro do próprio bolso enquanto ela cuidava dos processos que recebeu... — Eu sei. — Então, pronto. Use as palavras certas, não fica dourando a pílula — disse, com a sua impaciência e rispidez habitual. — Isso nunca aconteceria na Alpha. Meus ombros retesaram e apertei os dedos em volta da taça. — Eu não estou na Alpha, esqueceu? — Não, eu não esqueci — rebateu, endireitando os ombros e me olhando duramente. — Mas a Nathalia que eu conheço nunca deixaria que dessem uma rasteira dessas nela e ficaria calada. — O que você quer, Antônio? — bufei, estressada. — Não vou exigir uma posição no escritório que reergui. Ela deveria ter feito isso sem que eu precisasse pedir! Se não fosse pela merda da consideração, que fosse pelos meus números. Eles são maiores do que qualquer outro sócio sênior. Senti o olhar da Bianca dançando de um para o outro, como se estivesse tentando decidir qual era o melhor momento para dizer alguma coisa, sem que se perdesse na nossa pequena discussão. — Querem que eu diga que me sinto a pessoa mais estúpida do mundo por achar que ela tinha por mim, a mesma consideração que tenho por ela? — perguntei, arrumando a coluna de forma mais ereta. — Porque é assim que me sinto, e soltar os cachorros em cima dela não vai mudar a decisão que tomou. Bianca pigarreou, atraindo nossa atenção antes que Antônio falasse algo. Viramos o rosto para ela e seus dedos tamborilaram na porcelana da caneca, receosos. — A decisão dela não muda, amiga..., mas a forma como você vai responder ao que aconteceu, sim — disse, contida. — Como assim? — Você vai aceitar calada e o que acontece depois? Eles vão fundir com outro, depois mais um... e você? — indagou, pensativa. — Onde você vai ficar no fim das contas? Olhei para Antônio, vendo que ele concordava com o comentário que Bianca ainda não havia feito em voz alta, mas que era bem óbvio. E para garantir que eu entenderia, meu amigo me encarou sem qualquer empatia e questionou: — Se ela não te deu um lugar na mesa agora, por que faria isso depois? Ela não faria. Eu sabia melhor do que ninguém que o melhor momento para uma movimentação desse tipo, era durante um reajuste geral do escritório. Se passássemos por mais uma fusão, os outros sócios teriam exigências que pesariam mais na negociação e qualquer outra se perderia no meio do caminho. Sorvi um pouco do vinho, usando-o para ganhar tempo antes de precisar concordar com os dois. — Você sabe o que é melhor para você — declarou Bianca, dando de ombros, serena. — Vou te acompanhar para onde você for. Assenti, absorta. Ouvi os dois começarem a falar sobre a balada que havíamos ido à noite passada, mas minha mente estava ocupada refletindo sobre o que disseram. Meus amigos raramente comentavam sobre as decisões que eu tomava. Eles sempre diziam que confiavam no meu julgamento e que se tinha optado por seguir um caminho, era porque sabia que era o melhor para mim. Contudo, escutá-los falando sobre a minha permanência no escritório me fez perceber que eu não fazia ideia se ainda queria estar ali. Eu não confiava em ninguém da outra parte da negociação, e tinha experiência mais do que suficiente para saber que a traição poderia vir de quem menos esperávamos. Meu pai foi traído por um amigo de longa data e sócio. Miguel descobriu que enquanto esteve de licença após o meu nascimento, Charles usou a sua ausência para desviar dinheiro de clientes da Alpha Capital e esconder uma quantia absurda em paraísos fiscais. Charles era meu padrinho... ele esteve ao lado dos meus pais quando se casaram e era o genitor do meu melhor amigo. Isso não o impediu de trair a confiança que meu pai depositou nele. E se isso aconteceu com Miguel que sempre foi muito cuidadoso com todos com quem se associava. O que me garantia que não seria o mesmo com a Roberta? Se meu pai foi traído por um amigo de infância, por que eu deveria confiar que os colegas de faculdade da Roberta – que ela não via há anos –, não fariam o mesmo que Charles? E então eu seria arrastada para o mesmo fundo do poço que a encontrei dois anos atrás e a única coisa que se lembrariam quando falassem de mim, seria sobre como tentei provar para o mundo que me virava sem o meu pai e acabei levando o maior golpe da história. O risco valia a pena? Me parecia uma aposta arriscada demais. Se a fusão desse errado, colocariam a culpa em mim. E se fosse adiante, ninguém se importaria com o que eu havia feito pela firma antes da sua conclusão. Eu sairia no prejuízo em qualquer um dos cenários. — O que acha de sair para almoçar? — Antônio sugeriu, sentando-se ao meu lado e só naquele instante me dei conta de que Bianca havia se distanciado e estava do outro lado do terraço ao telefone. — Consigo reservas para... — Prefiro ficar em casa — cortei, repousando a cabeça no encosto do sofá e deixando que meus olhos fossem em sua direção, esquadrinhando seu rosto. Antônio era tão bonito que me irritava. E ele era ciente de como arrancava suspiros e calcinhas sem precisar de esforço, era exatamente por isso que não nos poupava de sua arrogância. Às vezes, me questionava sobre o que fiz de tão errado para ter como melhor amigo, o cara mais babaca do mundo. — Tudo bem? Um som ininteligível escapou do fundo da minha garganta, e isso fez com que ele se deitasse preguiçosamente ao meu lado; seu braço esquerdo enlaçou meus ombros e com a gentileza de um troglodita, ele me puxou para perto. Senti seus lábios depositarem um beijo em meu cabelo e seus dedos se arrastaram pelo meu braço. Eram raros os momentos em que o ogro dava uma volta e meu amigo conseguia ser gentil e carinhoso, mas, nas pouquíssimas vezes em que isso acontecia, costumava ser comigo. — Por que não pede alguns dias de folga e vai para a fazenda? — sugeriu, baixinho. E a ideia me pareceu mais atrativa do que o normal. Eu amava visitar os meus avós, sempre fui apegada a minha família e apesar de ter morado em Nova Iorque com o meu pai na maior parte do tempo, minhas férias eram sempre na fazenda. Meu avô costumava dizer que aquele lugar era como um pedacinho do céu na terra, e ele não estava errado. Normalmente, quando as coisas ficavam pesadas, era para lá que eu fugia. E apesar de tê-los visitado no Natal, mal tive tempo de realmente aproveitar a estadia. Tinha saído do escritório por volta de 22h00, cheguei na fazenda na madrugada do dia 25 — e voltei para São Paulo no fim do dia, porque precisava estar na empresa para uma reunião na manhã seguinte. O mesmo ocorreu no ano novo. — Os novos sócios mudam para o escritório amanhã... se eu me ausentar agora, vai parecer que estou fazendo birra. — Foda-se — retrucou, puxando uma mecha do meu cabelo por implicância e
Compartilhar