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1 Aulas muito relevantes 2 Olá, alunos! Sejam bem-vindos ao E-book das aulas muito relevantes! O presente E-book contém os conteúdos referentes as aulas muito relevantes do nosso curso. Com o intuito de facilitar a sua localização, o presente E-book segue a sequência em que as aulas muito relevantes estão dispostas em nosso portal. Qualquer dúvida a respeito da distribuição dos conteúdos, estaremos à disposição para auxiliá-los através da ferramenta “Pergunte ao professor”! Bons estudos, Abraços, Equipe Ceisc. 3 2ª FASE OAB | PENAL | 38º EXAME Direito Penal e Processual Penal SUMÁRIO Acordo de Não Persecução Penal 1.1. Conceito ............................................................................................................... 10 1.2. Requisitos ............................................................................................................. 10 1.3. Condições ............................................................................................................. 12 1.4. Vedações à celebração do acordo de não persecução penal .............................. 12 1.5. Exercícios para resolver após a aula .................................................................... 13 Conflito aparente de normas 2.1. Introdução ............................................................................................................. 15 2.2. Conflito aparente de normas X Concurso de crimes ............................................ 16 2.3. Princípios para dirimir o conflito aparente de normas ........................................... 16 2.3.1. Princípio da especialidade ................................................................................. 16 2.3.2. Princípio da subsidiariedade .............................................................................. 17 2.3.2.1. Subsidiariedade expressa .............................................................................. 17 2.3.2.2. Subsidiariedade tácita .................................................................................... 18 2.3.3. Princípio da consunção ou da absorção ............................................................ 19 2.3.3.1. Introdução ....................................................................................................... 19 2.3.3.2. Hipóteses de incidência do princípio da consunção ....................................... 20 2.3.4. Princípio da alternatividade ............................................................................... 22 2.4. Exercícios para resolver após a aula .................................................................... 22 4 Concurso de crimes 3.1. Introdução ............................................................................................................. 25 3.2. Concurso material................................................................................................. 26 3.3. Concurso formal .................................................................................................. 27 3.4. Concurso material benéfico .................................................................................. 29 3.5. Crime continuado.................................................................................................. 29 3.6. Exercícios para resolver após a aula .................................................................... 31 Concurso de pessoas 4.1. Conceito ............................................................................................................... 33 4.2. Da autoria ............................................................................................................. 33 4.3. Da participação ..................................................................................................... 34 4.3.1. Formas de participação ..................................................................................... 34 4.3.2. Natureza jurídica da participação ...................................................................... 35 4.3.3. Participação impunível ....................................................................................... 36 4.3.4. Participação posterior ao crime ......................................................................... 36 4.5. Requisitos do concurso de pessoas ..................................................................... 37 4.6. Punibilidade do concurso de pessoas .................................................................. 40 4.7. Comunicabilidade das elementares e circunstâncias do crime ............................ 42 4.8. Efeito extensivo .................................................................................................... 43 4.9. Exercícios para resolver após a aula .................................................................... 43 Emendatio Libelli e Mutatio Libelli 5.1. Introdução ............................................................................................................. 48 5.2. Emendatio Libelli .................................................................................................. 48 5.2.1. Conceito ............................................................................................................ 48 5.2.2. Emendatio libelli e suspensão condicional do processo .................................... 49 5.2.3. Desclassificação ................................................................................................ 50 5 5.3. Mutatio Libelli ........................................................................................................ 51 5.3.1. Procedimento da mutatio libelli .......................................................................... 52 5.3.2. Exclusividade dos crimes de ação pública ........................................................ 52 5.3.3. Impossibilidade de aplicação da mutatio libelli em grau recursal ...................... 52 5.4. Exercícios para resolver após a aula .................................................................... 53 Reformatio in pejus 6.1. Introdução ............................................................................................................. 55 6.2. Recurso da acusação ........................................................................................... 55 6.3. Recurso da defesa................................................................................................ 56 6.4. Reformatio in pejus direta ..................................................................................... 56 6.5. Reformatio in pejus indireta .................................................................................. 57 2ª Fase do Júri 7.1 Procedimento do Tribunal do Júri – 2ª Fase .......................................................... 58 7.1.1 Preclusão da decisão de pronúncia .................................................................... 58 7.1.2. Preparação e organização do júri ...................................................................... 58 7.1.3. Desaforamento .................................................................................................. 59 7.1.3.1. Conceito ......................................................................................................... 59 7.1.3.2 Interesse da ordem pública ............................................................................. 59 7.1.3.3 Dúvida sobre a imparcialidade do júri .............................................................. 59 7.1.3.4 Segurança pessoal do réu ............................................................................... 59 7.1.3.5 Iniciativa do desaforamento ............................................................................. 59 7.1.3.6 Suspensão do julgamento pelo relator ............................................................60 7.1.3.7. Inadmissibilidade do pedido de desaforamento .............................................. 60 7.1.4. Excesso de Serviço ........................................................................................... 60 7.1.5. Ausência do defensor ........................................................................................ 60 7.1.6. Ausência do acusado ........................................................................................ 61 7.1.7. Imprescindibilidade do depoimento da testemunha ........................................... 61 6 7.1.8. Suspensão dos trabalhos para condução coercitiva ou adiamento da sessão .. 61 7.1.9. Infrutífera condução coercitiva ........................................................................... 61 7.1.10. Realização do julgamento ............................................................................... 62 7.1.11. Preparo para a composição do conselho de sentença .................................... 62 7.1.12. Abertura dos trabalhos .................................................................................... 62 7.1.13. Ausência de quórum ........................................................................................ 63 7.1.14. Reunião prévia do juiz com os jurados ............................................................ 63 7.1.14.1. Conceito ....................................................................................................... 63 7.1.14.2. Incomunicabilidade dos jurados.................................................................... 63 7.1.14.3. Manifestação da opinião acerca do processo ............................................... 64 7.1.14.4. Fiscalização da incomunicabilidade durante o julgamento ........................... 64 7.1.14.5. Certidão do oficial de justiça ......................................................................... 64 7.1.15. Formação do conselho de sentença ................................................................ 65 7.1.16. Recusas motivadas e imotivadas .................................................................... 65 7.1.17. Separação do julgamento ................................................................................ 65 7.1.18. Arguição de impedimento, suspeição ou incompatibilidade ............................ 66 7.1.19. Estouro da urna ............................................................................................... 67 7.1.20. Compromisso e entrega de peças aos jurados ............................................... 67 7.1.21. Instrução em plenário ...................................................................................... 67 7.1.22. Interrogatório do acusado ................................................................................ 68 7.1.23. Dos debates..................................................................................................... 68 7.1.23.1. Correlação entre acusação e pronúncia ....................................................... 68 7.1.23.2. Manifestação inicial do querelante ............................................................... 69 7.1.24. Limite de tempo para as partes ....................................................................... 69 7.1.25. Referências proibidas ...................................................................................... 69 7.1.26. Do questionário e sua votação ........................................................................ 70 7.1.27. Sentença ......................................................................................................... 71 7.1.28. Execução antecipada da pena no júri .............................................................. 72 7.2. Apelação das decisões do júri .............................................................................. 74 7 7.2.1. Identificação ...................................................................................................... 74 7.2.2. Base legal: ......................................................................................................... 74 7.2.3. Prazo ................................................................................................................. 75 7.2.4. Conteúdo ........................................................................................................... 75 7.2.5. Estruturação ...................................................................................................... 78 7.4. Peça resolvida ...................................................................................................... 82 7.5 Exercícios para resolver após a aula ..................................................................... 88 Lei de Execução Penal 8.1. Noções introdutórias ............................................................................................. 91 8.1. Comentários à lei de execução penal ................................................................... 91 8.2 Detração penal ...................................................................................................... 94 8.3 Regimes Prisionais e Modificação do Regime durante a execução da pena ........ 95 8.4 Unificação de Penas .............................................................................................. 96 8.5 Regime disciplinar diferenciado ............................................................................. 97 8.6 Progressão de regime ........................................................................................... 99 8.7 Exame criminológico............................................................................................ 106 8.8 Regressão de Regime ......................................................................................... 107 8.9 Prisão domiciliar .................................................................................................. 108 8.10 Remição de pena: hipóteses legais ................................................................... 109 8.11 Permissão de saída e saída temporária ............................................................ 110 8.12 Monitoração eletrônica ...................................................................................... 111 8.13 Exercícios para resolver após a aula ................................................................. 112 Defesa Preliminar 9.1 Introdução ............................................................................................................ 116 9.2 Identificação ........................................................................................................ 116 9.3 Prazo ................................................................................................................... 117 9.4 Conteúdo ............................................................................................................. 117 8 9.5 Estrutura da Peça ................................................................................................ 117 9.6 Peça resolvida ..................................................................................................... 119 9.7. Exercícios para resolver após a aula .................................................................. 122 Prisão processual 10.1 Introdução .......................................................................................................... 123 10.2 Da audiência de custódia .................................................................................. 124 10.3 Prisão em Flagrante .......................................................................................... 126 10.3.1 Espécies de flagrante ..................................................................................... 127 10.3.2 Procedimento para a lavratura do auto de prisão em flagrante ...................... 133 10.3.3 Garantias legais e constitucionais do preso................................................... 134 10.3.4 Providências judiciais ao receber o auto de prisão em flagrante .................... 136 10.4 Peças práticas no contexto de Prisão em Flagrante.......................................... 139 10.4.1 Relaxamento de prisão ................................................................................... 139 Liberdade provisória 11.1 Liberdade provisória .......................................................................................... 145 Prisão Preventiva e Prisão Temporária 12.1 Prisão preventiva ............................................................................................... 153 12.1.1 Legitimação .................................................................................................... 154 12.2. Pressupostos .................................................................................................... 155 12.2.1 Fundamentos da prisão preventiva................................................................. 156 12.2.4 Condições de admissibilidade da Prisão Preventiva ...................................... 160 12.2.5 Peças privativas de advogado no contexto de prisão preventiva ................... 164 12.2.5.1 Revogação da Prisão Preventiva................................................................. 164 13.2.5.2 Relaxamento de Prisão Preventiva .............................................................. 167 13.3 Prisão temporária .............................................................................................. 169 13.3.1 Decretação por autoridade judicial ................................................................. 170 9 13.3.2 Prazo .............................................................................................................. 170 13.3.3 Procedimento.................................................................................................. 171 13.3.4 Revogação da prisão temporária .................................................................... 171 13.3.5 Relaxamento da prisão temporária ................................................................. 172 13.7 Exercícios para resolver após a aula ................................................................. 176 Embargos de declaração 14.1 Cabimento/conteúdo.......................................................................................... 185 14.2 Identificação ...................................................................................................... 186 14.3 Base legal .......................................................................................................... 186 14.4 Prazo ................................................................................................................. 186 14.5 Efeito interruptivo ............................................................................................... 187 14.6 Estruturação do recurso .................................................................................... 187 Olá, aluno(a). Este material de apoio foi organizado com base nas aulas do curso preparatório para a 2ª Fase do 38º Exame da OAB e deve ser utilizado como um roteiro para as respectivas aulas. Além disso, recomenda-se que o aluno assista as aulas acompanhado da legislação pertinente. Bons estudos, Equipe Ceisc. Atualizado em julho de 2023 10 Acordo de Não Persecução Penal Prof. Mauro Stürmer @profmaurosturmer 1.1. Conceito Trata-se de negócio jurídico extrajudicial, celebrado entre o Ministério Público e o autor da infração penal, devidamente acompanhado por advogado, e, revestindo-se de todas as formalidades, homologado pelo juiz competente, no caso, a princípio, pelo juiz de garantias (CPP, art. 3º-B, XVII). Em outras palavras, verificando-se que não se trata de caso de arquivamento do inquérito policial, o Ministério Público e o acusado poderão entabular acordo, com a finalidade de evitar o oferecimento da denúncia, e desencadeamento da ação penal, mediante o cumprimento de de- terminadas condições. 1.2. Requisitos Nos termos do artigo 28-A do CPP, o acordo de não persecução penal poderá ser celebrado desde que preenchidos os seguintes requisitos: a) Infração penal com pena mínima cominada inferior a quatro anos Aqui um especial cuidado. O requisito leva em conta a pena mínima e não a máxima cominada ao delito. Para verificação desse requisito, deverão ser consideradas as causas de aumento e diminuição da pena, bem como o concurso de crime. Em se tratando de causa de aumento de pena, deve-se utilizar a fração que menos aumenta. 11 Assim, se a infração penal prever causa de aumento de pena de 1/6 a 1/2, deve-se considerar a fração de 1/6. Em relação à diminuição da pena, deve-se utilizar a fração que mais diminua (Exemplo: se o crime for tentado a redução será de 1/3 a 2/3 – art. 14, parágrafo único, do CP. Nesse caso, deve-se considerar a fração que mais diminua: 2/3). Tudo isso para se chegar à pena mínima. Podem-se usar por analogia as Súmulas 723 do STF1 e 243 do STJ2. b) Infração penal praticada sem violência ou grave ameaça A expressão infração penal constitui gênero das espécies crimes e contravenções. Logo, o acordo de não persecução penal poderá ser celebrado no contexto de crimes e contravenções penais. Além disso, a violência deve ser considerada na conduta e não em relação ao resultado. Logo, a exigência de crime praticado sem violência ou grave ameaça está relacionada aos crimes dolosos, não alcançando os crimes culposos. Assim, seria possível, desde que preenchidos os demais requisitos, acordo de não persecução penal em relação a crime de homicídio culposo (CP, art. 121, § 3º), já que não há dolo no resultado. c) Confissão formal e circunstanciada Havendo interesse em celebrar o acordo, o acusado deverá contribuir para a elucidação dos fatos, confessando formal e circunstanciadamente a prática delituosa. Súmula 723 STF: “Não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado, se a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto for superior a um ano.” Súmula 243 STJ “O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano 12 1.3. Condições Além de preencher os requisitos previstos em lei, o acusado deverá concordar cumprir as condições ajustadas cumulativa e alternativamente. Nos termos do artigo 28-A do CPP, as condições são as seguintes: I – reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo; II – renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime; III – prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); IV – pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade públi- ca ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos apa- rentemente lesados pelo delito; ou V – cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada. 1.4. Vedações à celebração do acordo de não persecução penal Nos termos do artigo 28-A, § 2º, do CPP, o acordo de não persecução penalnão se aplica nas seguintes hipóteses: I – se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais, nos termos da lei; II – se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas; III – ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo; e 13 IV – nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor. 1.5. Exercícios para resolver após a aula 1) QUESTÃO 4 – XXXII EXAME Maria, no dia 07 de julho de 2020, compareceu à Delegacia e narrou que foi vítima, dois dias antes, de um crime de lesão corporal praticada por seu marido, Francisco, e motivada pela insatisfação com a qualidade da refeição que teria sido feita pela vítima. Maria foi encaminhada para perícia, que constatou, por meio de laudo, a existência de lesão corporal de natureza leve. Ouvido, Francisco confessou a prática delitiva, dizendo que este seria um evento isolado em sua vida. Diante disso, Francisco foi indiciado pelo crime do Art. 129, § 9º, do CP, na forma da Lei nº 11.340/06. Considerando a pena prevista para o delito e a inexistência de envolvimento pretérito com aparato judicial ou policial pelo autor do fato, o Ministério Público apresentou proposta de acordo de não persecução penal a Francisco. Ao tomar conhecimento dos fatos, Maria procura você, como advogado, para esclarecimentos. Considerando apenas as informações expostas, responda na qualidade de advogado de Maria, aos itens a seguir. A) Existem argumentos para questionar a proposta de acordo de não persecução penal formulada pelo Ministério Público? Justifique. (Valor: 0,65) B) Em caso de denúncia, diante da natureza da ação pública incondicionada, existe alguma forma de participação direta da vítima no processo, inclusive com posição ativa na produção das provas e interposição de recursos? Justifique. (Valor: 0,60) Obs.: O(a) examinando(a) deve fundamentar as respostas. A mera citação do dispositivo legal não confere pontuação. 14 Acesse aqui o e-book com o padrão de respostas: https://ceisc.com.br/ceisc_arquivos/8EFftIRYJ4MBIQW1kWTms9LyBrmRrxayE1ADuLXy.pdf/E-book:%20Padr%C3%A3o%20de%20respostas%20quest%C3%B5es%20Imprescind%C3%ADveis,%20Muito%20relevantes%20e%20Relevantes 15 Conflito aparente de normas Prof. Nidal Ahmad @prof.nidal 2.1. Introdução O conflito aparente de normas se revela quando se tem a percepção da incidência, em tese, de duas ou mais normas em vigor sobre determinado fato. Neste caso, surge o que se denomina conflito aparente de normas penais, também chamado concurso aparente de normas, concurso aparente de normas coexistentes, concurso ideal impróprio e concurso impróprio de normas. Há um fato, em tese, punível, mas que sobre ele podem incidir, aparentemente, duas ou mais normas penais. Todavia, tendo em vista ser vedada a incidência de mais de uma norma penal sobre fato único, apenas uma das normas possíveis deverá ser aplicada ao caso concreto. Assim, no conflito aparente de normas, há a presença dos seguintes elementos: a) unidade do fato (há somente uma infração penal); b) pluralidade de normas (duas ou mais normas pretendendo regulá-lo); c) todas as normas em vigor, com a incidência de apenas uma delas sobre o fato. Imaginemos o caso de uma mãe matar, sob influência do estado puerperal, o próprio filho, logo após o parto. Há um único fato sobre o qual, aparentemente, pode incidir o crime de homicídio, previsto no art. 121 do CP, ou infanticídio, previsto no art. 123 do CP. Eis o conflito de normas estabelecido, já que apenas uma delas deverá incidir sobre o fato. A solução do conflito aparente de normas ganha especial importância sobretudo para evitar o bis in idem, já que não se admite no nosso ordenamento jurídico dupla punição pelo mesmo fato. Ou seja, não se mostra possível punir a mãe pelo crime de homicídio e de infanticídio, devendo, no caso, incidir apenas uma dessas normas. O conflito de normas é aparente, pois será sanado com a aplicação do princípio adequado ao caso. Em outras palavras, o conflito que se estabelece entre as normas é apenas aparente, porque, na realidade, somente uma delas acaba regulamentando o fato, ficando afastadas as demais. 16 2.2. Conflito aparente de normas X Concurso de crimes No conflito aparente de normas há um único fato, retratado por única conduta, devendo sobre ela incidir apenas uma das normas vigentes. No concurso de crimes há pluralidade de condutas, ensejando a incidência de dois ou mais fatos delituosos. Nesse caso de pluralidade de crimes, evidentemente será possível a aplicação de mais de uma norma penal, uma para cada fato praticado, resultando na soma ou exasperação da pena final. O conflito aparente de normas não encontra previsão expressa no ordenamento jurídico, sendo suas bases construídas pela doutrina e jurisprudência. Já as regras do concurso de crimes estão expressamente previstas no Código Penal, mais especificamente nos arts. 69 a 72 do referido diploma legal. 2.3. Princípios para dirimir o conflito aparente de normas Diante da ausência de expressa previsão legal de regras voltadas a dirimir o conflito aparente de normas, a doutrina aponta quatro princípios para solucionar tal conflito: a) especialidade; b) subsidiariedade; c) consunção; e d) alternatividade. 2.3.1. Princípio da especialidade Trata-se da aplicação da regra de que a lei especial afasta a aplicação da lei geral. A lei especial, ou específica, caracteriza-se por se revestir de sentido diferenciado, individualizado, que a particulariza em relação às demais normas. Dito de outro modo, além de reunir todos os elementos que integram a lei geral, a lei especial contém outros que a torna específica, que a particulariza, chamados elementos especializantes. E, nos termos do art. 12 do CP, a lei especial prevalece sobre a lei geral. Tomemos, novamente, como exemplo o caso de uma mãe matar, sob influência do estado puerperal, o próprio filho, durante ou logo após o parto. Há um único fato sobre o qual, aparentemente, pode incidir o crime de homicídio, previsto no art. 121 do CP, ou infanticídio, previsto no art. 123 do CP. O crime de infanticídio possui núcleo idêntico ao do crime de homicídio, ou seja, reúne todos os elementos descritos no art. 121 do CP, consistentes em 17 “matar alguém”. Todavia, além dos elementos da norma geral, prevista no art. 121 do CP, o art. 123 do CP contém elementos que o especializa e o diferencia do crime de homicídio, quais sejam: autora do fato ser a própria genitora da vítima; vítima nascente ou neonato; crime praticado sob influência do estado puerperal. Note-se que se estabeleceu um conflito entre as normas dos arts. 121 e 123 do CP, mas que é aparente, pois será solucionado pelo princípio da especialidade, prevalecendo, no caso, a norma penal que define o crime de infanticídio, já que as elementares contidas neste crime o torna especial em relação à norma geral que define o homicídio. 2.3.2. Princípio da subsidiariedade Para melhor compreensão do princípio da subsidiariedade, convém, por primeiro, estabelecer distinção entre norma primária e norma subsidiária. A norma primária ou principal é aquela que descreve a conduta de forma mais abrangente, contemplando, inclusive, aquela descrita na norma subsidiária. Trata-se, pois, de norma que descreve conduta de forma mais abrangente, que atinge com maior gravidade determinado bem jurídico. Considera-se subsidiária a norma que descreve uma conduta que atinge emmenor grau um determinado bem jurídico, sendo, pois, menos grave do que a norma principal. A norma subsidiária, portanto, além de ser menos grave, descreve conduta que representa parte da execução do delito previsto na norma principal. A norma subsidiária está abarcada pela norma principal. A subsidiariedade pode ser expressa ou tácita. 2.3.2.1. Subsidiariedade expressa A subsidiariedade expressa se caracteriza por estar formalmente declarada na norma. A própria norma penal prevê expressamente que será aplicável somente quando outra norma de maior gravidade não incidir. Em outras palavras, a própria lei faz expressa ressalva ao seu caráter de subsidiariedade, admitindo incidir somente se o fato praticado não caracterizar crimes mais grave. 18 O crime de expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente constitui exemplo de subsidiariedade expressa, porquanto o próprio art. 132 do CP prevê que incidirá a pena de detenção, de três meses a um ano pela prática de tal delito, “se o fato não constitui crime mais grave”. Assim, se não restar caracterizada a prática, por exemplo, de tentativa de homicídio (norma primária), poderá, conforme o caso, incidir o delito previsto no art. 132 do CP (norma subsidiária). O crime de lesão corporal seguido de morte também se reveste de caráter de subsidiariedade, uma vez que, como expressamente consta no art. 129, § 3º, do CP, somente incidirá se “as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo”. Logo, se não restar demonstrado que o agente quis a morte da vítima ou assumiu o risco de causá-la, o que ensejaria a aplicação do art. 121 do CP (norma primária), incidirá o crime previsto no art. 129, § 3º, do CP (norma subsidiária). O crime de importunação sexual, previsto no art. 215-A do CP, incluído pela Lei nº 13.718/ 2018, incidirá “se o ato não constitui crime mais grave”, conforme expressamente prevê o referido dispositivo legal. Logo, o delito de importunação sexual somente incidirá se a conduta do agente não caracterizar crime mais grave, como, por exemplo, estupro (CP, art. 213) ou estupro de vulnerável (CP, art. 217-A). 2.3.2.2. Subsidiariedade tácita A subsidiariedade tácita ou implícita ocorre quando a norma penal não ressalva, de modo expresso, a sua incidência na hipótese de outra norma de maior gravidade punitiva não ser aplicável ao caso concreto. Não há previsão expressa da natureza subsidiária da norma, extraindo-se essa condição do contexto que envolveu o fato praticado, que não se enquadra em norma penal mais grave. Busca-se, agora, adequar o fato ao tipo penal subsidiário, que prevê tratamento menos grave, tanto que, não raras vezes, constitui elementar, qualificadora, causa de aumento de pena, agravante ou meio de execução do crime previsto na norma principal ou primária. O crime de constrangimento ilegal (CP, art. 146) é tacitamente subsidiário em relação ao crime de estupro (CP, art. 213). Assim, se, no caso concreto, não restar caracterizado que o constrangimento, praticado mediante violência ou grave ameaça, tinha por finalidade a prática 19 de conjunção carnal ou qualquer ato libidinoso, possível incidir o crime de constrangimento ilegal. Logo, a conduta do agente que aponta uma arma em direção à vítima maior de idade, determinando que fique nua, sem o dolo lascivo, mas tão somente para constrangê-la, não se enquadra no crime de estupro, porque não foi compelida a praticar ou permitir que com ela se pratique ato sexual. Todavia, porque a vítima foi constrangida a fazer algo contra sua vontade, incide a norma subsidiária, prevista no art. 146 do CP. 2.3.3. Princípio da consunção ou da absorção 2.3.3.1. Introdução Diversamente do princípio da subsidiarieda- de, em que a prática de um ato delituoso deve ser enquadrada na norma mais grave, o princípio da consunção é aplicado para dirimir conflito aparente de normas decorrente de uma sequência de fatos delituosos, que, isoladamente, constituem crime, mas que, ao final, devem ser subsumidos a um único tipo penal. Em outras palavras, os atos delituosos praticados para alcançar o resultado esperado serão absorvidos pelo crime desejado, resultando, assim, na responsabilização do agente pela prática de um crime. Contextualizando para melhor compreensão. Imaginemos um agente que desfere golpe de faca na vítima, causando-lhe lesões corporais; na sequência, desfere outro golpe de faca na vítima, gerando outra lesão corporal; e, por fim, desfere o golpe fatal, matando-a. Temos duas lesões corporais em sequência e, ao final, o homicídio. Dessa sequência de fatos delituosos surge o conflito aparente de normas. O agente deverá responder por três crimes (duas lesões corporais e homicídio) ou apenas pelo crime de homicídio? Pelo princípio da consunção, ou da absorção, o fato mais abrangente e grave consome, absorve, o(s) fato(s) menos abrangentes. Os fatos menos abrangentes figuram como meio necessário ou normal fase de preparação ou execução de outro crime. Nesse caso, a norma consuntiva prevalece sobre a norma consumida. Trata-se da hipótese de o crime meio ser absorvido pelo crime fim. 20 Prevalece, nessa hipótese, a norma penal que define o crime mais abrangente, que absorverá a norma que prevê conduta de menor amplitude, evitando-se a incidência do bis in idem. A aplicação do princípio da consunção se justifica, porque o bem jurídico protegido pela norma menos abrangente já está tutelado pela norma mais abrangente. Além disso, a violação da norma menos abrangente constitui meio necessário para atingir o bem jurídico tutelado pela norma mais abrangente. Assim, considerando o exemplo acima, a integridade corporal (bem jurídico tutelado pelo art. 129 do CP) também está protegido pela norma mais abrangente prevista no art. 121 do CP. E, ainda, como a ofensa à integridade corporal constitui meio necessário para alcançar o crime de homicídio, as lesões corporais previamente praticadas serão absorvidas pelo crime de homicídio. Em síntese, o agente responderá unicamente pelo crime de homicídio (CP, art. 121). 2.3.3.2. Hipóteses de incidência do princípio da consunção O princípio da consunção pode ser aplicado em quatro situações distintas: crime progressivo, progressão criminosa, crime complexo e fatos impuníveis. a) Crime progressivo No crime progressivo, o agente, desejando desde o início produzir um resultado mais grave, pratica previamente sucessão de fatos, que, isoladamente, constituem crime, até alcançar o resultado final almejado. Ou seja, para alcançar o resultado pretendido, o agente pratica atos antecedentes de menor gravidade, sem os quais não seria possível atingir a consumação do delito desejado. O ato final, ensejador do resultado inicialmente pretendido, absorve todos os anteriores. Trata-se da hipótese dos denominados crimes de passagem. Tomemos como exemplo o agente que pretende desde o início produzir a morte da vítima. Para tanto, utiliza-se de uma faca, golpeando a vítima em várias partes do corpo, vindo ao final a aplicar o golpe fatal, causando-lhe a morte. Há um único elemento subjetivo, sendo a conduta composta por vários atos praticados de forma progressiva até atingir o resultado mais grave. Surge, assim, o conflito aparente de normas: o agente responderá pelos delitos de lesão corporal (CP, art. 129) e homicídio (CP, art. 121) ou apenas pelo crime de homicídio 21 (CP, art. 121). Nesse caso, aplicando-se o princípio da consunção, o agente responderá apenas pelo crime de homicídio (CP, art. 121), pois as várias lesões corporais produzidas pelos golpes de faca constituíram meio necessário para a execução do delito pretendido, sendo, por isso, absorvidas pelo crime de homicídio. Convém ressaltar que o princípio da consunção somente poderá ser adotado se evidenciada relação de dependênciaou de subordinação entre as condutas, bem como que os delitos sequenciais foram praticados no mesmo contexto fático. Essa premissa é fundamental para a verificação da incidência do princípio da consunção em relação aos crimes de porte ilegal de arma e homicídio, bem como crime de porte ilegal de arma de fogo e roubo majorado pelo emprego de arma de fogo. E, nesse aspecto, o STJ sedimentou entendimento no sentido de que a absorção do crime de porte ilegal de arma de fogo pelo de homicídio exige que as condutas tenham sido praticadas no mesmo contexto, guardando relação de dependência ou subordinação, de modo que o porte tenha como fim unicamente a prática do delito de homicídio. Assim, se restar demonstrado que o agente portava a arma em ocasiões distintas da prática do crime de homicídio, não será aplicado o princípio da consunção, diante da incidência de crimes autônomos e independentes entre si. Logo, nesse caso, o agente responderá pelo delito previsto na Lei nº 10.826/2003 e crime de homicídio, em concurso material de crimes. b) Progressão criminosa A progressão criminosa não se confunde com crime progressivo. Enquanto no crime progressivo há, desde o início da conduta do agente, único elemento subjetivo, na progressão criminosa a intenção inicial é praticar o delito menor, e, durante a execução do delito, o agente delibera por cometer o crime mais grave. Há, portanto, pluralidade de fatos e de desígnios em progressividade delitiva. Assim, se o dolo inicial era o de praticar apenas lesão corporal, mas, ao longo da execução, o agente decidir matar a vítima, haverá pluralidade de desígnios, com modificação do dolo (primeiro, pretendia lesionar; após, deliberou por matar a vítima) e pluralidade de condutas, praticadas em progressividade delitiva. Nesse caso, o agente responderá apenas pelo crime de homicídio, restando absorvidas as lesões corporais praticadas. c) Fatos impuníveis Pode ocorrer de o agente realizar uma conduta anterior ou posterior, previstos como delitos autônomos, mas que, ao final, são impuníveis. Trata-se das hipóteses dos chamados ante factum impunível e pos factum impunível. O ante factum não punível ocorre quando um fato anterior menos grave constitui meio necessário para a prática de outro fato, mais grave, ficando, por conseguinte, o primeiro absorvido, sendo o fato antecedente mero indiferente penal. Tomemos como exemplo o fato de o agente quebrar o vidro de um veículo, caracterizando fato definido como crime de dano (CP, art. 163), para subtrair uma bolsa feminina que se encontra no interior do automóvel. Nesse caso, o dano provocado na porta caracteriza o ante factum impunível, já que funcionou como meio de execução para a subtração da bolsa. Logo, o agente responderá apenas pelo crime de furto qualificado pelo rompimento de obstáculo (CP, art. 155,§ 4º, I), sendo o fato anterior (dano) absorvido. Nos termos da Súmula nº 17 do STJ, o crime de falso é absorvido pelo de estelionato, quando nele se exaure. O post factum impunível ocorre quando, após realizada a conduta, o agente pratica nova conduta voltada a ofender o mesmo bem jurídico, visando apenas tirar proveito da prática anterior. Trata-se, pois, de mero exaurimento. Assim, se após o furto o agente destrói a coisa subtraída, só responde pelo furto (CP, art. 155), que absorverá o crime de dano (CP, art. 163). Neste caso, a lesão ao interesse jurídico causada pela conduta precedente torna indiferente o crime de dano. Adotando esse fundamento, o STJ já decidiu no sentido de que o uso de documento falsificado (CP, art. 304) deve ser absorvido pela falsificação do documento público ou privado (CP, arts. 297 e 298), quando praticado pelo mesmo agente, caracterizando o delito de uso post factum não punível, ou seja, mero exaurimento do crime de falso, não respondendo o falsário pelos dois crimes, em concurso material . 2.3.4. Princípio da alternatividade O princípio da alternatividade se aplica nos crimes de ação múltipla ou de conteúdo variado, no qual o tipo penal descreve duas ou mais condutas como verbos nucleares do tipo. Nesse caso, o tipo penal descreve várias condutas, que, se praticadas pelo agente, de forma sucessiva, configura fato único. Se o agente adquirir, guardar e vender determinada droga, praticando, assim, três das condutas previstas no art. 33 da Lei nº 11.343/2006, deverá ser imputado a ele a prática de um crime de tráfico de drogas, não incidindo, no caso, concurso de três infrações. 2.4. Exercícios para resolver após a aula 2) QUESTÃO 1 – XXX EXAME Beto e Juca eram vizinhos em um prédio que veio a ser atingido por incêndio. Em razão das longas obras que seriam necessárias para recuperar os apartamentos, decidem se hospedar em quarto de hotel por 06 meses, novamente sendo vizinhos de quarto. Em determinada data, policiais militares surpreenderam Juca entrando com uma sacola preta no seu quarto do hotel, ficando claro que ele estava fugindo ao avistar os agentes da lei. Diante disso, ingressaram no quarto e apreenderam 100g de maconha, que estavam na sacola que Juca trazia consigo, e mais 50g de cocaína que estavam sendo guardadas no cômodo, sendo confirmado por Juca que o material seria destinado à venda. Em seguida, os policiais optaram por fazer diligência tam bém no quarto vizinho, que era de Beto, apreendendo uma série de documentos que, após https://ceisc.com.br/LINK_PODCAST_AQUI investigação, foi verificado que estavam relacionados a um crime de estelionato. O Ministério Público ofereceu denúncia em face de Juca pela prática de dois crimes de tráfico em concurso, tendo em vista que guardava cocaína e trazia consigo maconha. Já Beto, exclusivamente em razão da documentação apreendida, foi denunciado pelo crime de estelionato. Considerando apenas as informações narradas, na condição de advogado(a) dos denunciados, responda aos itens a seguir. A) Qual argumento deve ser apresentado pela defe- sa técnica, em busca da absolvição de Beto? Justifique. (Valor: 0,60) B) Qual argumento a ser apresentado pela defesa técnica para questionar a capitulação jurídica constante na denúncia em face de Juca? Justifique. (Valor: 0,65) Obs.: O(a) examinando(a) deve fundamentar as respostas. A mera citação do dispositivo legal não confere pontuação. Acesse aqui o e-book com o padrão de respostas: https://ceisc.com.br/ceisc_arquivos/8EFftIRYJ4MBIQW1kWTms9LyBrmRrxayE1ADuLXy.pdf/E-book:%20Padr%C3%A3o%20de%20respostas%20quest%C3%B5es%20Imprescind%C3%ADveis,%20Muito%20relevantes%20e%20Relevantes Concurso de crimes Prof. Nidal Ahmad @prof.nidal 3.1. Introdução O concurso de crimes caracteriza-se quando um ou mais agentes, em concurso de pessoas, praticam vários crimes. Diversamente do que ocorre no concurso de pessoas, onde, via de regra, há um único crime praticado por várias pessoas em conjunto, no concurso de crimes, há pluralidade de crimes, devendo-se estabelecer regras para a aplicação da pena nesses casos. Para a fixação da pena no caso de concurso de crimes, a legislação brasileira prevê dois critérios: a) sistema da acumulação material ou cúmulo material; b) sistema da exasperação da pena. De acordo com o sistema da acumulação material, a incidência de mais de um crime implica a soma das suas penas. Em outras palavras, havendo mais de um resultado delituoso, as penas serão somadas. É adotado no concurso material (CP, art. 69, caput) e no concurso formal imperfeito (CP, art. 70, caput, 2ª parte). Conforme o sistema da exasperação da pena, por política criminal, o legislador estabeleceu que, na hipótese de produção de mais de um resultado delituoso, será considerada a pena do crime mais grave, aumentada de determinada quantidade em fração por conta da prática dos demais delitos. Em suma, considera-sea pena do crime mais grave, servindo os demais crimes apenas para exasperar ou aumentar a pena em determinada quantidade de fração. É o critério adotado nos casos de concurso formal próprio (CP, art. 70, 1ª parte) e no crime continuado (CP, art. 71). Se o agente ingressa na residência da vítima, furta (pena fixada em 2 anos) e comete estupro (pena fixada em 8 anos), terá, pelo sistema do cúmulo material, pena definitiva em 10 anos. 3.2. Concurso material Ocorre o concurso material quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não (CP, art. 69, caput). Na hipótese de crimes conexos apurados na mesma ação penal, a soma das penas, pelo concurso material, será realizada na própria sentença, após a adoção do critério trifásico para cada um dos delitos. EXEMPLO: Por sua vez, se os delitos não são conexos, cada qual deve ser apurado em um processo distinto e receber pena isoladamente (uma sentença para cada crime). A soma só acontecerá posteriormente, no juízo das execuções criminais. Nos termos do art. 69, caput, do CP, no concurso material de crimes “aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido”. Portanto, no concurso material as penas são cumuladas, somadas. Aplica-se, pois, o sistema do cúmulo material de crimes. Assim, se o agente for condenado pelo crime de furto e estupro, as penas privativas de liberdade deverão ser somadas. 3.3. Concurso formal Ocorre o concurso formal (ou ideal) quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes (CP, art. 70, caput). Difere do concurso material pela unidade de conduta. EXEMPLO 1: O agente, com apenas um disparo de arma de fogo, ofende mais de uma pessoa. Ocorre concurso formal homogêneo quando os crimes se encontram descritos na mesma figura típica, havendo diversidade de sujeitos passivos. EXEMPLO 2: Condutor de veículo automotor que, de forma imprudente, atropela duas pessoas, causando-lhes a morte por atropelamento culposo de duas ou mais pessoas. O concurso formal heterogêneo ocorre quando os crimes se acham definidos em normas penais diversas. Exemplo: Atropelamento culposo com morte de uma pessoa e ferimentos em outra. O concurso formal perfeito está previsto na primeira parte do art. 70 do CP. Ocorre quando o agente pratica duas ou mais infrações penais por meio de uma única conduta. Resulta de um único desígnio. O agente, por meio de um só impulso volitivo, dá causa a dois ou mais resultados. Tomemos como exemplo o agente que, na condução de veículo automotor, imprime, de forma impudente, velocidade excessiva, e provoca o atropelamento de três pessoas, causando-lhes a morte. Com uma conduta, provocou três resultados, praticando, assim, três crimes. No concurso formal perfeito, adota-se o critério da exasperação da pena, ou seja, se todas forem iguais, aplica-se a pena de qualquer dos crimes, acrescida de 1/6 até a metade. Se forem diversas, aplica-se a pena do mais grave, aumentada de 1/6 até a metade. O aumento varia de acordo com o número de resultados produzidos: O concurso formal imperfeito, previsto na segunda parte do art. 70 do Código Penal, caracteriza-se pelo fato de o agente apresentar desígnios autônomos em relação a cada um dos resultados. Ou seja, com uma conduta, o agente deseja a produção de mais de um resultado, tem desígnios autônomos em relação a cada um dos resultados. Por isso, o concurso formal imperfeito somente é possível em crimes dolosos. É o caso de o agente, pretendendo matar toda a família, composta de quatro pessoas, colocar fogo na residência. Com uma conduta, o agente produziu quatro resultados, praticando, portanto, quatro crimes, com desígnios autônomos em relação a cada um dos moradores da residência. No concurso formal imperfeito, as penas devem ser somadas, de acordo com a regra do concurso material. Número de crimes • 2 crimes • 3 crimes • 4 crimes • 5 crimes • 6 ou mais crimes Aumento da pena • 1/6 de aumento • 1/5 de aumento • 1/3 de aumento • 1/3 de aumento • 1/2 de aumento 3.4. Concurso material benéfico Se, da aplicação da regra do concurso formal, a pena tornar-se superior à que resultaria da aplicação do concurso material (soma de penas), deve-se seguir este último critério (CP, art. 70, parágrafo único). Exemplo: Suponha-se que o agente tenha praticado um homicídio simples e uma lesão corporal leve em concurso formal. Aplicado o princípio do concurso material, sofreria pena mínima de 7 anos de reclusão (6 anos pelo homicídio, mais 1/6 previsto no art. 70 do CP). Aplicada a pena de acordo com o concurso material, seria de 6 anos de reclusão pelo homicídio e 3 meses de detenção pela lesão corporal leve (6 anos e 3 meses de pena privativa de liberdade). Diante disso, a pena a ser aplicada não pode ser superior à que seria cominada se fosse caso de concurso material. Daí a razão da regra do parágrafo único do art. 70 do CP: “não poderá a pena exceder a que seria cabível” pelo princípio do concurso material. 3.5. Crime continuado Ocorre o crime continuado quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie, devendo os subsequentes, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, ser havidos como continuação do primeiro. O furto fraudulento, por exemplo, não guarda nexo de continuidade com o furto mediante arrombamento ou escalada. O crime continuado é uma ficção jurídica. Na realidade, há uma pluralidade de delitos, mas o legislador, por uma ficção, presume que eles constituem um só crime, apenas para efeito de sanção penal. Crimes da mesma espécie são os que estiverem previstos no mesmo tipo penal, consi- derando, inclusive, as figuras simples ou qualificadas, dolosas ou culposas, tentadas ou consumadas. Assim, há possibilidade de haver crime continuado entre furto simples (CP, art. 155, caput). Todavia, não pode haver crime continuado entre furto (CP, art. 155) e apropriação indébita (CP, art. 168), entre furto (CP art. 155, caput) e roubo (CP, art. 157) ou entre roubo (CP, art. 157) e extorsão (CP, art. 158). Deve haver uma conexão temporal entre as condutas praticadas para que se configure a continuidade delitiva. Deve existir, em outros termos, uma certa periodicidade que permita observar um certo ritmo, uma certa uniformidade, entre as ações sucessivas, embora não se possam fixar, a respeito, indicações precisas. A jurisprudência tem admitido crime continuado quando entre as infrações penais não houver decorrido período superior a 30 dias. Deve existir entre os crimes da mesma espécie uma conexão espacial para caracterizar o crime continuado. A lei exige que a forma de execução das infrações continuadas seja semelhante, traduzindo-se no modo a forma e os meios empregados para a prática dos delitos. EXEMPLO: Para a configuração do crime continuado, não é suficiente a satisfação das circunstâncias objetivas homogêneas, sendo de exigir-se, além disso, que “os delitos tenham sido praticados pelo sujeito aproveitando-se das mesmas relações e oportunidades ou com a utilização de ocasiões nascidas da primitiva orientação.” (HC 187.988 atribuído a Aníbal Bruno: https://stj.jusbrasil. com.br/jurisprudencia/18809812/habeas-cor- pus-hc-187988). O art. 71, parágrafo único, do CP prevê a figura do crime continuado específico, que exige, para sua incidência, três requisitos, que devem ocorrer simultaneamente: a) ser praticado contra vítimas diferentes; b) com violência ou grave ameaça à pessoa; c) somente em crimes dolosos. O critério de fixação da pena do crime continuado é o da exasperação da pena. No crime continuado comum, aplica-se a pena do crime mais grave,aumentada de 1/6 até 2/3. No crime continuado específico, aplica-se a pena do crime mais grave aumentada até o triplo. Se, da aplicação da regra do crime continuado, a pena resultar superior à que restaria se somadas as penas, aplica-se a regra do concurso material. 3.6. Exercícios para resolver após a aula 3) QUESTÃO 3 – XXX EXAME Eduardo foi preso em flagrante no momento em que praticava um crime de roubo simples, no bairro de Moema. Ainda na unidade policial, compareceram quatro outras vítimas, todas narrando que tiveram seus patrimônios lesados por Eduardo naquela mesma data, com intervalo de cerca de 30 minutos entre cada fato, no bairro de Moema, São Paulo. As cinco vítimas descreveram que Eduardo, simulando portar arma de fogo, anunciava o assalto e subtraía os bens, empreendendo fuga em uma bicicleta. Eduardo foi denunciado pela prática do crime do Art. 157, caput, por cinco vezes, na forma do Art. 69, ambos do Código Penal, e, em sede de audiência, as vítimas confirmaram a versão fornecida em sede policial. Assistido por seu advogado Pedro, Eduardo confessou os crimes, esclarecendo que pretendia subtrair bens de seis vítimas para conseguir dinheiro suficiente para comprar uma motocicleta. Disse, ainda, que apenas simulou portar arma de fogo, mas não utilizou efetivamente material bélico ou simulacro de arma. O juiz, no momento da sentença, condenou o réu nos termos da denúncia, sendo aplicada a pena mínima de 04 anos para cada um dos delitos, totalizando 20 anos de pena privativa de liberdade a ser cumprida em regime inicial fechado, além da multa. Ao ser intimado do teor da sentença, pessoalmente, já que se encontrava preso, Eduardo tomou conhecimento que Pedro havia falecido, mas que foram apresentadas alegações finais pela Defensoria Pública por determinação do magistrado logo em seguida à informação do falecimento do patrono. A família de Eduardo, então, procura você, na condição de advogado(a), para defendê-lo. Considerando apenas as informações narradas, responda, na condição de advogado(a) de Eduardo, constituído para apresentação de apelação, aos itens a seguir. A) Existe argumento de direito processual, em sede de recurso, a ser apresentado para desconstituir a sentença condenatória? Justifique. (Valor: 0,65) B) Diante da confirmação dos fatos pelo réu, qual argumento de direito material poderá ser apresentado, em sede de apelação, em busca da redução da sanção penal aplicada? Justifique. (Valor: 0,60) Obs.: o(a) examinando(a) deve fundamentar suas respostas. A mera citação do dispositivo legal não confere pontuação. Acesse aqui o e-book com o padrão de respostas: https://ceisc.com.br/ceisc_arquivos/8EFftIRYJ4MBIQW1kWTms9LyBrmRrxayE1ADuLXy.pdf/E-book:%20Padr%C3%A3o%20de%20respostas%20quest%C3%B5es%20Imprescind%C3%ADveis,%20Muito%20relevantes%20e%20Relevantes Concurso de pessoas Prof. Nidal Ahmad @prof.nidal 4.1. Conceito Trata-se de contribuição entre dois ou mais agentes para o cometimento de uma infração penal. Ocorre quando duas ou mais pessoas, em conjugação de esforços, reúnem-se para a prática de um ou mais delitos. A doutrina utiliza também as expressões concurso de agentes e codelinquência. 4.2. Da autoria Para compreender o instituto do concurso de pessoas, mostra-se imprescindível estabelecer o conceito de autoria criminal, já que repercutirá na identificação da conduta de cada agente na prática delituosa. Várias teorias buscam definir o conceito de autor, merecendo destaque três posições apontadas pela doutrina: a) Teoria extensiva Conforme a teoria extensiva, todo aquele que contribui para a prática do delito é considerado autor. Ou seja, essa teoria não distingue autoria e participação. Todos são autores. Em outras palavras, é autor todo aquele que contribui com alguma causa para o resultado. Para ela, instigador e cúmplice são igualmente autores, já que não distingue a relevância causal da conduta de um ou de outro. Não é aplicada pelo Código Penal nem considerada pela doutrina brasileira. b) Teoria do domínio do fato De acordo com a teoria do domínio do fato, autor é quem tem o controle final do fato. É quem domina o decurso do crime e decide sobre sua prática, interrupção e circunstâncias. O partícipe não tem o domínio do fato, pois apenas coopera, induz e incita a prática do delito. Por essa razão, o mandante, embora não re- alize o núcleo da ação típica, deve ser considerado autor, uma vez que detém o controle final do fato até sua consumação, determinando a prática delitiva. Diante da sua natureza conceitual e hipótese de incidência, poder-se-ia cogitar da aplicação da teoria do domínio do fato somente aos delitos dolosos, porquanto somente esses exigem voluntariedade e, portanto, domínio em relação ao resultado final. Os crimes culposos, por se caracterizarem pela ausência de vontade em relação ao resultado final, não estão adstritos à teoria do domínio do fato, por absoluta incompatibilidade. c) Teoria restritiva Segundo essa teoria, autor é aquele que pratica a ação descrita no verbo nuclear do tipo penal, isto é, o que pratica o verbo nuclear do tipo: mata, subtrai, constrange etc., ao passo que partícipe é aquele que contribuiu de algum modo para o delito, mas sem executar a ação descrita no verbo nuclear do tipo, induzindo, instigando ou auxiliando materialmente seu autor. Para a maioria da doutrina, a teoria restritiva é a aplicada pelo Código Penal. 4.3. Da participação 4.3.1. Formas de participação Conforme a teoria restritiva de autoria, partícipe é quem contribui para que o autor ou o coautor realizem a conduta principal, ou seja, aquele que, sem praticar o verbo nuclear do tipo, concorre de algum modo para a produção do resultado. A participação pode ser moral ou material. A determinação (ou induzimento) e a instigação são as formas de participação moral. Ocorre a determinação ou induzimento quando uma pessoa faz surgir na mente de outra a intenção delituosa. Rafa incute na mente de Iuri a ideia homicida contra Jonas. A característica da determinação é a inexistência da resolução criminosa na pessoa do autor principal. Se Iuri matar Jonas, Rafa responde por homicídio na condição de partícipe. EXEMPLO: Instigar significa reforçar uma ideia já existente. O agente já a tem em mente, sendo ape- nas reforçada pelo partícipe. No caso do exemplo anterior, Iuri já tinha em mente matar Jonas. Rafa apenas reforçou a ideia homicida. Rafa é partícipe do crime de homicídio, enquanto Iuri responde pelo crime na condição de autor. A participação moral ocorre na forma de auxílio. Considera-se, assim, partícipe aquele que presta ajuda efetiva na preparação ou execução do delito. Auxilia na preparação quem fornece a arma ou informações úteis à realização do crime. Por sua vez, auxilia na execução quem permanece de atalaia, no sentido de avisar o autor da aproximação de terceiro, leva o ladrão em seu veículo ao local do furto, carrega a arma do homicida. 4.3.2. Natureza jurídica da participação A participação é acessória a um fato principal. Significa que não se pode falar em participação sem que haja uma ação principal, ou seja, sem que alguém realize atos de execução de um crime consumado ou tentado. Como a conduta do partícipe não é descrita no tipo penal, faz-se necessária uma norma de extensão que viabilize a adequação típica da conduta do partícipe à norma incriminadora. Trata-se de uma norma de ligação entre a conduta do partícipe e o tipo penal. E essa norma se encontra no art. 29 do CP, segundo o qual quem concorrer, de qualquer forma, para um crime por ele responderá. Nesse sentido, o art. 29 do CP viabiliza que o agente que contribuiu para um resultado sem praticar a ação descrita no tipo penal seja enquadrado no crime praticadopor conta de uma conduta principal (do autor). Assim, quem ajudou a matar não praticou a conduta descrita no Leocádio instiga Bento a defender-se de uma agressão injusta que está sendo cometida por Tavinho. Leocádio e Bento não respondem pelo resultado lesivo produzido em Tavinho, pois agiram em situação de legítima defesa, fato considerado lícito pela legislação penal. art. 121 do CP, mas, como concorreu para seu cometimento, será alcançado pelo tipo do homicídio, graças à regra do art. 29 do CP. No Brasil, adota-se a teoria da acessoriedade limitada, segundo a qual para a punibilidade da participação basta que o fato principal seja típico e antijurídico. Ou seja, é preciso apurar que o autor praticou um fato típico e antijurídico, pelo menos. Assim, a participação exige, além da tipicidade do fato principal, sua ilicitude. Em outras palavras, se a conduta for típica, mas praticada acobertada por uma excludente de ilicitude, não haverá participação punível. EXEMPLO: 4.3.3. Participação impunível Para a participação ser punível, afigura-se imprescindível que o ato executório do crime tenha sido iniciado, nos termos do artigo 31 do CP. Imaginemos que Fabrício contrate Félix para matar Mafalda. Félix sai em busca de Mafalda e, ao avistá-la, apiedado, não dá início ao intento executório. Nesse caso, tanto Fabrício quanto Félix não respondem pelo delito de homicídio, pois sequer foi dado início ao ato executório. 4.3.4. Participação posterior ao crime A participação em concurso de pessoas exige que a conduta acessória tenha sido praticada antes ou durante a execução do delito. Isso porque, diante do caráter de acessoriedade, a participação do agente deve contribuir para o crime praticado pelo executor até a fase da consumação. Se a contribuição do partícipe for posterior à consumação do crime, pode configurar, conforme o caso, o crime de receptação (CP, art. 180), favorecimento pessoal (CP, art. 348) ou real (CP, art. 349), dentre outros. E aqui cabe uma ressalva. Pode ser que a conduta do partícipe se limite a encorajar ou influenciar o executor a praticar o delito, vindo a ter proveito somente após a consumação do delito. Nesse caso, o partícipe responderá pelo crime praticado pelo autor, uma vez que sua contribuição, no sentido de influenciar, instigar, encorajar, ocorreu antes da consumação do delito. Contextualizando a situação: Imaginemos que uma pessoa estimule o agente a praticar o crime de furto de um veículo, sob a promessa de que ficaria com o automóvel, mediante pagamento em dinheiro. Nesse caso, aquele que estimulou responderá, juntamente com o autor, pelo crime de furto qualificado, uma vez que sua contribuição foi anterior à consumação do delito. Se, eventualmente, sua conduta se restringir a atos praticados posteriormente à consumação do delito, o agente não responderá pelo crime praticado pelo autor, podendo, conforme o caso, responder por delito autônomo. É o caso do sujeito que, sem qualquer contribuição anterior, adquire o veículo subtraído sabendo ser produto de furto. Evidentemente não responderá pelo crime de furto, mas de receptação, previsto no art. 180 do CP, já que sua atuação ocorreu após a consumação do delito de furto. Da mesma forma, se, por exemplo, Wilson tiver subtraído um automóvel. Sabendo que os policiais estavam em seu encalço, foi até a casa de Pedro e lhe pediu para guardar o veícu- lo subtraído, de forma a garantir o proveito de sua empreitada criminosa. Pedro, nesse caso, não contribuiu para a prática do furto, já que sua conduta se limitou a prestar auxílio para tornar seguro o produto do crime anterior, sem obter qualquer vantagem econômica para isso. Logo, à evidência, Pedro não responderá pelo furto do veículo, mas pelo crime de favorecimento real (CP, art. 349), já que sua atuação foi posterior à consumação do crime anterior. 4.5. Requisitos do concurso de pessoas a) Pluralidade de condutas Trata-se de requisito elementar do concurso de pessoas: a concorrência de mais de uma pessoa na execução de uma infração penal. Assim, para que haja concurso de pessoas, exige-se que cada um dos agentes tenha realizado ao menos uma conduta relevante. Pode ser em coautoria, onde há duas condutas principais; ou autoria e participação, onde há uma conduta principal e outra acessória, praticadas, respectivamente, por autor e partícipe. b) Relevância causal das condutas Para justificar a punição de duas ou mais pessoas em concurso, afigura-se necessário que a conduta do agente tenha efetivamente contribuído, ainda que minimamente, para a produção do resultado. Em outras palavras, se a conduta não tem relevância causal, isto é, se não contribuiu em nada para a produção do resultado, não pode ser considerada integrante do concurso de pessoas. A simples manifestação de adesão a uma prática delituosa não configura participação. Assim, se Tereza Cristina simplesmente diz que vai concorrer no homicídio a ser cometido por Ferdinand, não há participação. Agora, se Tereza Cristina instiga Ferdinand a matar, ocorrendo pelo menos tentativa de homicídio, existe participação. Imaginemos, ainda, a conduta da empregada doméstica, que, para se vingar da patroa que lhe havia ofendido, deixa a porta da frente aberta, na expectativa que um agente de atitude suspeita em frente à residência, ingresse no local e subtraia objetos. Se o agente ingressar pela porta dos fundos, a conduta da funcionária doméstica não foi relevante para a subtração, razão pela qual, em relação a ela, não haverá concurso de pessoas, e, por consequência, não responderá pelo crime de furto. Cumpre ressaltar, nesse caso, que não importa apenas o desejo da funcionária doméstica, mas também a sua contribuição objetiva para o resultado, que, no caso, não ocorreu. c) Do liame subjetivo e normativo (vínculo subjetivo e normativo entre os participantes) As várias condutas não são suficientes para a existência da participação ou coautoria. Imprescindível é o elemento subjetivo, pelo qual cada concorrente tem consciência de contribuir para a realização do resultado. Anastácio, desejando matar Grizelda, sua paciente, alcança a Januária, enfermeira contratada para cuidar da velha senhora, com uma substância dizendo ser medicamento, quando, na verdade, tratava-se de veneno. Mesmo percebendo a dosagem inadequada e a coloração diferente, a enfermeira, sem maiores cautelas, de forma negligente, ministra a substância à paciente, causando-lhe a morte. Não há, no caso, concurso de pessoas, por ausência de vínculo subjetivo, já que Anastácio agiu com dolo e Januária, a título de culpa. Há, portanto, dois delitos: homicídio doloso em relação a Anastácio; homicídio culposo em relação a Januária. Os agentes devem atuar conscientes de que participam de crime comum, ainda que não tenha havido acordo prévio de vontades. A ausência desse elemento psicológico inviabiliza o concurso de pessoas, ensejando condutas isoladas e autônomas. Assim, não há participação dolosa em crime culposo. EXEMPLO: A lei não requer acordo prévio entre agentes, sendo suficiente a consciência por parte das pessoas que de algum modo contribuem com o fato. Considerando o exemplo, acima, em que a empregada doméstica, para se vingar da patroa que lhe havia ofendido, deixa a porta da frente aberta, na expectativa que um agente de atitude suspeita em frente à residência, ingresse no local e subtraia objetos. Se o agente ingressar pela porta da frente, deixada aberta pela funcionária, a conduta dela foi relevante para a subtração, pois, se não tivesse deixado a porta da frente aberta, o furto não teria ocorrido da forma como aconteceu. Nesse caso, a empregada doméstica responderá pelo crime de furto, e, ainda, na modalidade qualificado, já que agiu de forma consciente em concurso de pessoas. O agenteresponderá por furto simples, se inexistente outra qualificadora, já que não sabia que estava sendo auxiliado. d) Identidade de infração para todos os participantes Nos termos do art. 29 do CP, todos que concorrem para o crime respondem pelo mesmo delito. Assim, se, por exemplo, alguém planeja a realização da conduta típica, ao executá-la, enquanto um desvia a atenção da vítima, outro lhe subtrai os pertences e ainda um terceiro encarrega-se de evadir-se do local com o produto do furto. É uma exemplar divisão de trabalho constituída de várias atividades, convergentes, contudo, a um mesmo objetivo típico: subtração de coisa alheia móvel. Respondem todos por um único tipo penal, qual seja, furto. 4.6. Punibilidade do concurso de pessoas A ressalva “na medida da sua culpabilidade” feita aos limites da culpabilidade no art. 29 do CP diz respeito somente à graduação da pena para os agentes que praticaram o mesmo crime. Portanto, todos respondem pelo mesmo crime (teoria monista ou unitária). Todavia, a unidade criminosa não importa necessariamente na aplicação de pena idêntica a todos os que contribuíram para a prática do crime, pois cada um deverá responder na medida da sua culpabilidade. Requisitos do concurso de pessoas (cumulativos) Pluralidade de condutas Relevância causal Liame subjetivo e normativo Mesma finalidade Dolo + dolo Desnecessário ajuste prévio Identidade de infrações para todos os participantes “A” determina “B” a espancar “C”. “B” mata “C”. Segundo o art. 29, § 2º, do CP, “A” responde por crime de lesão corporal, cuja pena deve ser aumentada até metade se a morte da vítima lhe era previsível. a) Participação de menor importância A participação aqui referida diz respeito exclusivamente ao partícipe. Isso porque, ainda que tenha sido pequena, a contribuição do coautor não pode ser considerada de menor importância, uma vez que atuou diretamente na execução do crime. Sua culpabilidade, naturalmente superior à de um simples partícipe, será avaliada nos termos do art. 29, caput, do CP, e a pena a ser fixada obedecerá aos limites abstratos previstos pelo tipo penal infringido. O partícipe que houver tido “participação de menor importância” poderá ter sua pena reduzida de 1/6 a 1/3, nos termos do art. 29, § 1º, do CP. Trata-se, pois, de uma causa de diminuição da pena. b) Da cooperação dolosamente distinta ou desvios subjetivos entre os participantes O agente que desejava praticar um delito, sem a condição de prever a concretização de crime mais grave, deve responder pelo que pretendeu fazer, não se podendo a ele imputar outra conduta indesejada, sob pena de se estar tratando de responsabilidade objetiva. Esse dispositivo cuida da hipótese de o autor principal cometer delito mais grave que o pretendido pelo partícipe ou coautor. EXEMPLO: De fato, a solução dada pelo Código Penal leva à punição de “A” pelo delito de lesões corporais, que foi o crime desejado, cuja pena será elevada até a metade se o homicídio for previsível. “A”, funcionário público, comete um crime de peculato (CP, art. 312), com a participação de “B”, não funcionário público. A condição pessoal (funcionário público) é elementar do crime de peculato, comunicando-se, portanto, ao agente que não é funcionário público. Logo, os dois respondem por crime de peculato. “A” instiga “B” a praticar homicídio contra “C”. “B”, para a execução do crime, emprega asfixia. O partícipe não responde por homicídio qualificado (CP, art. 121, § 2º, III, 4ª figura), a não ser que o meio de execução empregado pelo autor principal tenha ingressado na esfera de seu conhecimento. 4.7. Comunicabilidade das elementares e circunstâncias do crime Via de regra, as circunstâncias e condições pessoais relacionadas a um dos agentes não se comunicam aos outros que contribuíram para a prática delituosa. Todavia, há determinadas circunstâncias ou condições pessoais que compõem, integram o tipo penal, figurando como verdadeira elementar no tipo penal. Nesse caso, quando também constituem o tipo penal, ou seja, figuram como elementares do tipo penal, as circunstâncias ou condições pessoais relacionadas a um dos sujeitos se comunicam aos demais coautores ou partícipes. EXEMPLO: De outro lado, as circunstâncias objetivas alcançam o partícipe ou coautor se, sem haver praticado o fato que as constitui, ingressaram na sua esfera de conhecimento, integrando seu dolo ou a culpa. EXEMPLO: Theo e Russo são condenados por terem praticado crime de roubo majorado por emprego de arma de fogo não apreendida, considerando o magistrado desnecessária a perícia na arma. Theo interpõe recurso de apelação buscando também afastar a majorante do emprego de arma de fogo. O provimento do recurso, afastando a majorante, se estende a Russo, que não havia apelado. 4.8. Efeito extensivo Conforme dispõe o artigo 580 do CPP, havendo dois ou mais réus, com idêntica situação processual e fática, se apenas um deles recorrer e obtiver benefício, será este aplicado também aos demais que não impugnaram a sentença ou decisão. EXEMPLO: O efeito extensivo não se aplica quando a matéria recorrida envolver somente circunstância de caráter pessoal. Exemplo: Na situação acima, Theo interpõe recurso de apelação voltado à diminuição da pena, porque não foi considerada a sua menoridade (menor de 21 anos) à época do fato. Eventual provimento do recurso não alcançará Russo, pois se trata de circunstância pessoal, nada relacionada ao fato praticado. Esse efeito extensivo não se restringe unicamente à apelação, sendo cabível também nos demais recursos. 4.9. Exercícios para resolver após a aula 4) QUESTÃO 1 – 36º EXAME Lúcio e Adamastor, em comunhão de ações e desígnios, com o emprego de arma de fogo, subtraíram o veículo dirigido pela vítima, Vilma. Pela dinâmica delituosa, Lúcio empunhava a arma de fogo contra a cabeça da vítima, enquanto Adamastor exigia a entrega das chaves do veículo, sob palavras de ordem e graves ameaças contra a vida de Vilma, afirmando que “caso não entregasse o veículo, levaria um tiro.” Ambos foram condenados, sendo que Lúcio e o Ministério Público não recorreram da condenação. Adamastor, por meio de sua defesa técnica (distinta da defesa de Lúcio), interpôs recurso, alegando que a arma de fogo era portada apenas por Lúcio e que esta era incapaz de produzir disparos. Lúcio afirma ao advogado que se sentiu traído pelo argumento deduzido por Adamastor, sendo sua intenção, apenas, que ambos tivessem a mesma condenação. Na qualidade de advogado de Lúcio, responda às questões a seguir. A) A primeira tese recursal pode garantir tratamento penal mais vantajoso a Adamastor? Justifique, levando em consideração o Direito Penal aplicável. (Valor: 0,65) B) Caso o Tribunal acolha a segunda tese recursal de Adamastor, esta poderia ser aproveitada a Lúcio? Justifique, considerando as normas de Direito Processual Penal aplicáveis. (Valor: 0,60) Obs.: o(a) examinando(a) deve fundamentar suas respostas. A mera citação do dispositivo legal não confere pontuação. Acesse aqui o e-book com o padrão de respostas: 5) QUESTÃO 4 – XXXI EXAME Paulo, estudante, condenado anteriormente por crime culposo no trânsito, em 20/08/2019 adentrou loja de conveniência de um posto de gasolina e, aproveitando-se de um descuido dos funcionários do estabelecimento, furtou todo o dinheiro que se encontrava no caixa. Após sair da loja sem ter sua conduta percebida, consumado o delito, Paulo avistou sua antiga namorada Jaqueline, que abastecia seu carro no posto de gasolina, e contou-lhe sobre o crime que praticara momentos antes, pedindo que Jaqueline, igualmente estudante, primária e sem qualquer envolvimento anterior com fatos
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