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Cristina Maranhão PROCESSOS FOTOGRÁFICOS E-book 2 Neste E-Book: INTRODUÇÃO ����������������������������������������������������������� 3 OS AVANÇOS TECNOLÓGICOS DA FOTOGRAFIA NA VIRADA DO SÉCULO 19-20 4 A FOTOGRAFIA COMO EXPRESSÃO ESTÉTICA �������������������������������������������������������������������18 FOTOGRAFIA TÉCNICA X FOTOGRAFIA ARTE ���������������������������������������������������������������������������31 A Fotografia e as vanguardas artísticas ��������������������������������39 CONSIDERAÇÕES FINAIS ���������������������������������� 44 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS & CONSULTADAS �������������������������������������������������������46 2 INTRODUÇÃO Este módulo irá tratar das relações estéticas e téc- nicas do universo da fotografia. Essa divisão pode parecer um tanto inusitada, já que hoje é muito di- fundido o uso de aplicativos, redes sociais e suas possibilidades de manipulação da imagem. Retomaremos o século 19 e os grupos chamados Pictorialistas, que introduziram a fotografia no campo da expressão artística. Na sequência, investigaremos como o século 20 proporcionou uma infinidade de mudanças no universo fotográfico. E, conforme o es- tudo for avançando, você reconhecerá que algumas práticas fotográficas descritas aqui já se tornaram habituais e banais para os nossos dias digitais. Mas é preciso lembrar que o estudo dessa técnica está atrelado ao momento histórico e social em que ela surge e evolui. Assim, propomos uma reflexão sobre a estética fo- tográfica e como ela esteve inserida no mundo an- terior às inovações digitais. Aprenderemos como as questões técnicas deram espaço para uma fotografia expressiva e verificaremos como estas foram deter- minantes para a construção da fotografia aplicada. 3 OS AVANÇOS TECNOLÓGICOS DA FOTOGRAFIA NA VIRADA DO SÉCULO 19-20 A fotografia é fruto de diversos acontecimentos que possibilitaram seu surgimento no final do século 19. A Revolução Industrial, que alterou as relações so- ciais e de classe no século anterior, formatou uma sociedade que, além de ser curiosa para tudo que fosse tecnológico, buscava visualizar o mundo real registrado pela máquina. Logo, a nova técnica em forma de daguerreó- tipo (1839), foi prontamente aceita por todos. Rapidamente abriram atelier fotográficos nas prin- cipais cidades mundo afora. 4 Figura 1: Daguerreotipo de D. Pedro II, com 26 anos Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Pedro_II_of_ Brazil_1851.jpg FIQUE ATENTO O processo fotográfico chegou rapidamente ao Brasil e, em menos de um ano da patente do da- guerreótipo na França, D. Pedro II já possuía uma máquina fotográfica. Ele ficou encantado com a 5 técnica e tornou-se patrocinador de vários fotógra- fos que passavam pela cidade do Rio de Janeiro, a capital do Império. O interesse do monarca pelas tecnologias assegurou um vasto acervo de ima- gens do Brasil daquele tempo. A partir delas é pos- sível perceber as mudanças das principais cidades, como São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador, além de sabermos como eram as fazendas de café e cana-de-açúcar – fontes de riquezas do império –, e desvendar os rostos dos negros escravizados e suas diferenças étnicas. São responsáveis por essa diversidade fotográfica muitos fotógrafos que eram patrocinados por D. Pedro II (este também fotógrafo), como Marc Ferrez, Alberto Henschel, Christiano Jr., Militão Augusto de Azevedo – pre- cursores da construção da fotografia brasileira. Para conhecer as fotografias feitas por D. Pedro II, acesse: http://brasilianafotografica.bn.br/brasiliana/ visualizar-grupo-trabalho/66 6 Figura 2: Imagem positivada a partir do negativo de vidro Marc Ferrez (atual Av. Rio Branco) Fonte: commons.wiki- media.org/ O século 19 foi bastante rico nas descobertas cien- tíficas. Os elementos da tabela periódica, como co- nhecemos hoje, têm a sua quase totalidade preen- chida durante este período. Podemos, assim, ter a dimensão de quantos materiais e processos surgiram naquele curto período de tempo – e, entre essas des- cobertas, encontra-se a fotografia e suas especifici- dades químicas. O caráter de imagem única (positiva/negativa) do daguerreótipo e de seu similar, o ambrótipo (1850) foi o “pontapé inicial” para os avanços nas pesquisas. Com menos de 20 anos do surgimento da técnica, outros processos fotográficos foram patenteados e aprimorados. Surgiram novas emulsões, diminuindo- 7 https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Marc_Ferrez_-_IMS_0072430cx098-08.jpg https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Marc_Ferrez_-_IMS_0072430cx098-08.jpg -se o tempo de exposição e iniciou-se a utilização do negativo de vidro. A fotografia recebe, então, o caráter de ser reprodutível. REFLITA Até agora, a fotografia existia como imagem única. Mas, um dos encantamentos dessa técnica é a possibilidade de reproduzir coisas e até mesmo diversas cópias com um único original, ou seja, o caráter reprodutível da fotografia. Gostaríamos de chamar sua atenção para esse tema, pois ele desperta grandes discussões no ambiente acadê- mico proporcionando uma linha de pensamento e pesquisa. O caráter reprodutível da técnica fo- tográfica é abordado pelos intelectuais da Escola de Frankfurt e suas discussões sobre as técnicas com origens capitalistas. Construindo as teorias de cunho marxista da Indústria Cultural e da Cultura de Massa. Um desses teóricos chamava-se Walter Benjamin (1892-1940), e desenvolveu uma crítica bastante fundamentada sobre a fotografia. Em dois ensaios, A pequena história da fotografia (1931) e A obra de arte na era da reprodutibilidade téc- nica (1935/36), o autor problematiza justamente essa particularidade da técnica fotográfica e do cinema, de ter um original e produzir cópias sem limites. Aborda alguns aspectos como sendo pro- blemáticos, um deles é a perda do caráter original de uma obra de arte, podendo perder seu valor de culto (valor tradicional), ou seja, aquela reprodu- ção pode ser facilmente descaracterizada de sua 8 raiz (original), passando a servir para qualquer dis- curso. Dessa maneira, Benjamin inicia uma longa crítica sobre o uso da fotografia e do cinema para finalidades políticas e totalitárias. É importante ressaltar que os intelectuais dessa época estavam sob a iminência do nazismo e dos poderes totali- tários que deram início à Segunda Guerra Mundial. E também que o papel da fotografia e do cinema foi importantíssimo como forma de propaganda de ambos os lados: Nazistas (eixo) e da Aliança. Para o desenvolvimento da capacidade técnica da fotografia reprodutível, as pesquisas de William Fox- Talbot (1800-1877) foram fundamentais. Seu proces- so de usar uma imagem negativa (original) para a produção de uma imagem positiva (cópia) por meio da técnica de “contato”, o calótipo (1841), indicaram essa particularidade da imagem fotográfica, sendo determinante para os avanços nessa direção – de uma técnica que, além de ter a similaridade com o que se via, poderia se reproduzir infinitamente. A substituição do negativo de papel pela utilização das chapas de vidro impulsionaram mudanças sig- nificativas no universo fotográfico. Essas mudanças podem ser divididas em três eixos: técnico, estético e função social. Essa divisão não significa que esses eixos sejam acontecimentos separados. Propomos dividi-los para, assim, melhor observar e refletir so- bre cada aspecto, e perceber como cada um deles influenciou o período e a técnica fotográfica, trazendo diferentes rumos para a tecnologia da imagem. 9 Os avanços tecnológicos na área fotográfica (eixo técnico) sempre proporcionaram grandes mudanças para a imagem fotográfica. A substituição de emul- sões transforma principalmente a questão estética da imagem. A cada época, a técnica evidencia novas informações, costumes e cenas. Quando os negativos – ou chapas de vidro – substi- tuem o antigo suporte, os fotógrafos passam a ma- nipular o próprio negativo. Alteram as zonas de luz (altoe baixo contraste), conforme desejava o seu olhar. As cópias passam a ter melhor qualidade e modifica-se a relação entre o olhar do fotógrafo e o que ele registrava. Outra alteração que as chapas de vidro proporcionam é a diversificação do tamanho e a reutilização do suporte de vidro para fazer novas imagens. Figura 3: Negativo de vidro – emulsão colódio úmido Fonte: commons.wikimedia.org/ 10 https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Negativo_de_vidrio_al_colodi%C3%B3n,_de_J._Laurent_y_C%C2%AA,_en_diciembre_de_1874,_puente_de_Vilches_n%C2%BA_39,_Ja%C3%A9n,_Fototeca_del_IPCE,_Espa%C3%B1a.jpg Duas outras alterações técnicas na virada do século 19 para o 20 proporcionaram impacto na sociedade: a descoberta e a utilização do colódio (1851) seco e úmido, e a construção de novas câmeras e melhoria das lentes. Essas melhorias e mudanças de processo diminuíam o tempo de exposição – entre dois e vinte segundos, dependendo da luminosidade. A emulsão de colódio substituiu a emulsão de al- bumina (solução de clara de ovo, cloreto de sódio e nitrato de prata), que passou a ser usada somente na preparação dos papéis, que recebiam a imagem do negativo de vidro por contato. O colódio foi inventado pelo inglês Frederick Scott Archer (1813-1857), mas foi com o francês Jean-Baptiste Gustave Le Gray (1820-1884) que se tornou conhecido e difundido. Le Gray era pintor e em suas imagens buscava a excelência da luminosidade. Algumas de suas ima- gens foram expostas com duas chapas, sendo uma para as altas luzes e outra para as baixas luzes, para construir uma imagem repleta de nuances tonais. 11 Figura 4: Imagem positiva – Brig on the water, de Gustave Le Gray Fonte: commons.wikimedia.org Inicialmente, o processo necessitava que o fotógrafo preparasse a chapa e a expusesse rapidamente. Se o colódio secasse, o material ficava inutilizável e o processo deveria ser reiniciado. Muitos fotógrafos le- vavam consigo o próprio laboratório com as chapas, os químicos e tudo o que precisasse. Eles viajavam em carroças com seus laboratórios para capturar imagens do que julgassem exótico fora dos centros urbanos e também registraram algumas guerras do período. Com o surgimento do colódio seco, os ateli- ês fotográficos e laboratórios itinerantes produziam o negativo com antecedência e aguardavam para fazer os registros depois. 12 https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Gustave_Le_Gray,_Brig_on_the_Water,_1856.jpg Figura 5: Retrato de Marcus Sparling sentado na carroça- -laboratório de Roger Fenton. Criméia, 1854 Fonte: https:// commons.wikimedia.org/wiki/File:Roger_Fenton_-2.jpg Essas mudanças ligadas ao eixo técnico também influenciaram a estética da fotografia. Aos poucos, a figura tensa que os primeiros retratos em daguerreó- tipos mostravam foi suavizada, com a diminuição do tempo de exposição das novas placas de colódio. A implementação dos negativos de vidro corroborava o caráter reprodutível da fotografia, mas ainda não era uma técnica que visava a todas as classes sociais. Mesmo com diversos ateliers fotográficos, o custo de um retrato daguerreotipado não era barato. 13 SAIBA MAIS Para saber mais sobre os processos fotográficos, leia o livro: Fotografia: usos e funções no século XIX, organizado por Annateresa Fabris. Na segunda metade do século 19, os chamados carte-de-visite fotográficos revolucionaram a foto- grafia e popularizaram o retrato. Em 1854, o fotógrafo André Adolphe Eugène Disdéri (1819-1889) desen- volve uma câmera com quatro lentes que produzia, na mesma chapa de vidro, oito retratos. Primeiro expunham quatro imagens e em seguida a chapa se deslocava e expunham outras quatro imagens. Esses cartões tinham o tamanho padrão de 9,5 x 6 cm e eram montados em cartões com o timbre do estúdio fotográfico e uma pequena moldura. 14 Figura 6: Chapa com oito retratos produzidos em uma câ- mera criada por Eugène Disdéri Fonte: https://commons. wikimedia.org/wiki/File:Berthe_MET_DP280943.jpg A invenção de Disdéri possibilitou que todos usu- fruíssem da fotografia, pois barateou processo, tor- nando-o mais lucrativo para o fotógrafo e acessível para todas as camadas da população. O sucesso dos cartões de visita impulsionou novas formas de se relacionar com a fotografia. Antes desse formato, o daguerreótipo só atendia a representação de uma classe. Com os novos cartões, todos podiam ter seu retrato fotográfico e passou-se a colecionar e a pro- duzir álbuns, dando início aos “álbuns de família”. Em muitas residências, eles eram expostos na entrada da casa como objetos de decoração. 15 Figura 7: Carte-de-visite frente e verso Fonte: https://com- mons.wikimedia.org/wiki/File:Krauss_%26_Hilb,_Stuttgart.jpg Inicialmente, as imagens nesse formato ampliou o desejo de se ter uma imagem própria ou de um familiar; porém, rapidamente esse tipo de fotografia se diversificou e passou também a mostrar lugares que a população europeia desconhecia, um mun- do tido como exótico. No Brasil, não foi diferente. Tornou-se bastante popular e os fotógrafos, em sua maioria estrangeiros, produziam retratos da elite e também das centenas de negros escravizados que habitavam as cidades. Essas imagens abasteciam o mercado europeu. Com a diversidade de técnicas, um tempo de expo- sição consideravelmente baixo e a possibilidade de ser reprodutível, a fotografia passou a ocupar todos os ambientes da sociedade. A técnica passaria por 16 outras inovações, tanto técnicas como estéticas. Ainda nesse período de virada de século, um suporte em gelatina (1880) começa a ser utilizado e surgem as primeiras câmeras “portáteis”. Elas permitiam que qualquer pessoa fotografasse. Em 1888, a Kodak – empresa que foi líder no mercado durante dois séculos – criou o slogan “Aperte o botão, que nós fazemos o resto! Kodak.”; e assim surgiram os pri- meiros fotógrafos amadores que passariam a narrar suas próprias vivências. A virada do século 19 para o 20 foi bastante impor- tante para a fotografia, com mudanças expressivas que permitiram a diversificação da técnica: seu cará- ter reprodutível que iria “assombrar” os intelectuais do século 20, com a possibilidade de sua associação a discursos totalitários. Também viria a se tornar uma das mais importantes maneiras de produzir narrati- vas visuais, ganhando espaço no universo artístico e criando categorias de novos profissionais. A foto- grafia passava, então, a ser reconhecida como uma das principais formas de expressão visual no mundo. 17 A FOTOGRAFIA COMO EXPRESSÃO ESTÉTICA Quando resolvemos estudar o universo da fotografia, a primeira coisa que buscamos é a técnica. Essa relação primordial entre a fotografia e seus avanços tecnológicos torna-se um convite para estudarmos e aprofundarmos os parâmetros estéticos da foto- grafia. Os olhares mais atentos percebem que cada mudança tecnológica gerou um impacto na estética fotográfica. Mas, afinal, o que é estética? Essa pergunta é bas- tante complexa e envolve diversas áreas do conhe- cimento, sendo um campo de discussão da filosofia, das ciências sociais e das artes plásticas. Para nosso estudo em relação à fotografia, vamos construir uma pequena definição e propor parâmetros para auxiliar a compreensão desse assunto. Nosso ponto de partida é compreender que a estética está relacionada ao campo filosófico (parâmetros morais) e que tem impacto nas relações sociocultu- rais de determinado grupo e seu tempo. Este reflete a forma que cada grupo irá construir sua representação (arquitetura, pintura, vestuário, classes, etc.). FIQUE ATENTO Este debate de representação é extremamente importante para compreendermos as imagens e o mundo. Se olharmos para a história da humani- 18 dade e da arte, verificaremos como as civilizações construíram sua relação com o mundo espiritual e físico (social e político) a partir das imagens que formaram. Já pensou em por que os antigos egíp- cios pintavam a figura humana de dorso frontal, a face na laterale os olhos na frente? Qual o signifi- cado das figuras com cabeças de animal e tronco de homem? Ou por que o uso da perspectiva só aparece no Renascimento? As respostas a essas perguntas mostram como a civilização do Antigo Egito vivia e como era a relação entre homem e Deus. Já no Renascimento, a relação entre o ho- mem e as ciências (filosofia, matemática, entre ou- tras) é muito importante e, dessa forma, ela passou a ter destaque nas relações e nas representações. Esses são alguns exemplos de como a forma de representação (imagem e mundo) é importante para compreendermos cada civilização e seu pe- ríodo. Como as escolhas políticas, sociais e reli- giosas de cada uma delas impactam as escolhas das imagens e a formação do imaginário. Sendo assim, é importante compreendermos como tais relações e os padrões estéticos são construídos. Se pensarmos na representação em forma de ima- gem, quando observamos uma pintura do período bizantino (séculos 8 e 9) e uma pintura do perío- do realista (pré-fotográfico), percebemos muitas diferenças. 19 Figura 8: Mosaico bizantino – Giuliano e sua corte Fonte: commons.wikimedia.org/wiki/File:Ravenna,_san_vitale,_ giustiniano_e_il_suo_seguito_(prima_met%C3%A0_del_VI_se- colo).jpg?uselang=pt-br#filelinks Figura 9: Quebradores de pedra – Gustave Courbet Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Gustave_Courbet_ cortadores_de_pedras_(II).jpg Obviamente, existem séculos entre um período da história da arte e outro, mas não é pela distância temporal que as formas de representação são di- ferentes. Cada uma dessas pinturas mostra como 20 as sociedades propunham sua representação. No período bizantino, a relação com Deus e o universo espiritual era muito importante para toda a socieda- de; já no Realismo, essa relação não está no centro da discussão da sociedade. O homem comum, o seu trabalho, e as mudanças nas relações dos poderes políticos (reestruturação do poder monárquico) são os principais debates da época. Assim, afirmamos que a estética de cada período é diferente (as pin- celadas, tintas, padrões de cor e temática) e isso acontece justamente porque as imagens refletem a discussão de cada estrutura social. Podemos afirmar e ter como baliza para a fotografia que a estética de cada momento reflete em imagens (inclui-se aqui tudo o que for deste universo) os padrões morais e sociais de cada momento. Vamos agora usar essas definições e compreensões para pensar a estética fotográfica. Não podemos fixar uma única estética fotográfica, pois, como já estuda- mos, a fotografia passou por muitas transformações tecnológicas que geraram alterações nos padrões estéticos. Se analisarmos os primeiros retratos em formato de daguerreótipos, e os produzidos poste- riormente com gelatina, perceberemos uma enorme mudança estética. Isso ocorre porque o tempo de exposição e os avanços tecnológicos permitiram que o olhar do fotógrafo sobressaísse à técnica. Podemos destacar que a estética fotográfica, além de se relacionar com a técnica, também depende do olhar do fotógrafo. 21 Devido à natureza do invento e de como aconteceu a patente em 1839, a fotografia transformou-se na técnica que traduz em representação o que é o real. Sua patente é vinculada à Academia de Ciências de Paris e, por ter essa vinculação, os parâmetros téc- nicos foram ressaltados, em detrimento do operador da caixa preta (o olhar do fotógrafo). Assim, a foto- grafia, até os dias atuais, é vista como a mensageira da realidade; mas sabemos que isso não é verdade e que a fotografia – como qualquer outra técnica, pintura, escultura, arquitetura, entre outras formas de expressão – é também uma forma de representação construída pelo operador da câmera e das condições históricas. Com essas definições apresentadas, estudaremos agora alguns momentos significativos e expressivos da estética fotográfica, no momento da virada do século 19 para o 20. Nossa investigação será a partir do desenvolvimento do retrato fotográfico e como dois dos principais fotógrafos da segunda metade do século 19 utilizam a fotografia de formas diferentes para a produção e construções estéticas do retrato. REFLITA Gostaria de propor uma reflexão sobre o retrato como forma de representação. Antes do surgi- mento da fotografia, os retratos eram exclusivos de uma parcela da população: somente os nobres e a alta burguesia podiam custear um retratista. Nesse momento, os retratistas eram pintores con- 22 tratados e acreditava-se que apenas as pessoas consideradas importantes poderiam ter represen- tada sua imagem. Após a Revolução Francesa e as mudanças sociopolíticas provocadas por ela, o desejo de possuir um retrato emergiu em todas as camadas da sociedade, já que todos eram impor- tantes, perante o lema da revolução – Igualdade, Liberdade e Fraternidade. Para suprir essa nova demanda, existiam várias técnicas: miniaturista, imagem em silhueta, e fisionotraço são alguns dos exemplos. Obviamente, a escolha da técnica dependia do poder aquisitivo do retratado. Mas, por que o retrato fascinava tanto? Até esse período da história, o retrato, ou melhor, a possibilidade de ter sua própria representação era exclusividade dos nobres. Com as mudanças políticas trazidas pelos revolucionários franceses, cada pessoa tornava-se especial perante a sociedade e, sendo assim, mere- cedora de representação. Foi com a fotografia que o retrato se popularizou e conseguiu atingir todas as camadas sociais, democratizando a represen- tação e perpetuando o desejo de ser merecedor de um retrato. Retomaremos aqui a técnica do daguerreótipo. Inicialmente, os retratos produzidos por essa téc- nica eram estáticos e sem vida, somente um regis- tro de luz da matéria que estava na frente da lente. Esse caráter duro e sem intenção desses primeiros retratos é devido à necessidade de se ficar imóvel durante longo tempo para que a imagem não bor- rasse. O retratado ficava preso por uma haste que 23 segurava o seu pescoço, impossibilitando qualquer movimento – e esse desconforto acabava aparecen- do nas imagens. Figura 10: Estúdio de daguerrotipia, 1843 Fonte: https:// commons.wikimedia.org/wiki/File:Jabez_Hogg_Making_a_ Portrait_in_Richard_Beard%E2%80%99s_Studio,_1843.jpg 24 https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jabez_Hogg_Making_a_Portrait_in_Richard_Beard%E2%80%99s_Studio,_1843.jpg https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jabez_Hogg_Making_a_Portrait_in_Richard_Beard%E2%80%99s_Studio,_1843.jpg https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jabez_Hogg_Making_a_Portrait_in_Richard_Beard%E2%80%99s_Studio,_1843.jpg Figura 11: Retrato em daguerreótipo Fonte: https://com- mons.wikimedia.org/wiki/File:Portret_van_een_onbekende_ man,_RP-F-F14446-A.jpg Com a diminuição no tempo de exposição, os retratos em daguerreótipos deixaram de ser esse registro duro, mas a técnica aplicada não permitia que o fo- tógrafo controlasse e dirigisse o “modelo”. É possível encontrar retratos em daguerreótipos mais descon- traídos, porém, não com a carga dramática alcançada com outros processos, como as placas em colódio ou com a gelatina. Nestes, os retratos passaram a 25 https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Portret_van_een_onbekende_man,_RP-F-F14446-A.jpg https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Portret_van_een_onbekende_man,_RP-F-F14446-A.jpg https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Portret_van_een_onbekende_man,_RP-F-F14446-A.jpg expressar o olhar do fotógrafo e começava-se a cons- truir uma estética livre da técnica aplicada. Os retratos do fotógrafo Félix Nadar (1820-1910) foram na contramão do puro registro. Suas imagens traduziam a íntima relação entre o retratado e o fotó- grafo. Nadar conseguia registrar a alma da pessoa. Ele possuía uma estreita relação com a classe cultu- ral e fez a maioria dos retratos dos artistas, escritores e intelectuais de sua época. Outra particularidade dos retratos de Nadar era a colorização, que já era utilizada nos ambrótipos, mas emseu estúdio e no de seus discípulos as imagens colorizadas possuíam grande delicadeza. 26 Figura 12: Retrato da Senhora Séverine Fonte: https:// commons.wikimedia.org/wiki/File:S%C3%A9verine_Atelier_ Nadar_02.png Enquanto Nadar é considerado o precursor de uma estética delicada e íntima do retratista na fotografia, Disdéri propõe outra forma de estética nos retratos fotográficos. Ele produzia imagens incentivando sua comercialização e a massificação dos retratos. Em 27 seu atelier, havia roupas para que os clientes pudes- sem escolher o melhor traje para serem fotografados. Em muitos dos retratos, se olharmos atentamente, podemos perceber que a roupa é maior que a pes- soa. Outra característica da estética massificante dos retratos de Disdéri é a utilização de cenários que não combinavam com o retratado – é possível notar pilastras em estilo grego sobre tapetes, móveis colocados de forma aleatória, ou um piano. Esses objetos tinham a função de servir de apoio para o retratado, porém sem nenhum critério. Ambos, Nadar e Disdéri, foram fotógrafos em Paris, durante o mesmo período. É preciso entender que, apesar de usarem técnica semelhante, cada um tri- lhou caminhos estéticos diferentes. Enquanto Disdéri buscava saciar o desejo das pessoas em serem re- tratadas, não importando usar uma roupa que não fosse a sua e mesmo apoiar-se em um piano que não tocasse, Nadar propunha em suas imagens um diálogo com quem o procurava. São propostas di- ferentes e duas possibilidades estéticas do retrato. Ambos constroem narrativas adequadas ao seu tem- po sócio-histórico. Enquanto um enaltece a estética da técnica, fruto do sistema capitalista, o outro apre- senta a possibilidade de sua poética. 28 Figura 13: Carte-de-visite de Félix Nadar Fonte: https://com- mons.wikimedia.org/wiki/File:Nadar,_F%C3%A9lix_-_Sarah_ Bernhardt_(1845-1923)_-_La_Tosca_-_1887.jpg 29 Figura 14: Carte-de-visite de Disdéri Fonte: https://commons. wikimedia.org/wiki/File:Disderi,_Adolphe_Eug%C3%A8ne_ (1810-1890)_-_Giuseppe_Verdi_(1813-1901).jpg 30 FOTOGRAFIA TÉCNICA X FOTOGRAFIA ARTE Sabemos que a técnica fotográfica, em menos de 50 anos da sua patente, evolui muito rapidamente. De imagem única e acessível para poucos, transforma- -se em uma técnica versátil e que agrada as mais diversas classes e públicos. Esteticamente, utiliza seu caráter reprodutível e também apresenta infinitas possibilidades para construir narrativas. As narrativas fotográficas do início do século 20 são reflexo das propostas por um grupo chamado de Pictorialista. Os pictorialistas reivindicavam a verve artística da fotografia que era apreciada pela sua técnica reprodutível e de construção do real, em detrimento do olhar do fotógrafo como criador de imagens. Para reivindicar a fotografia como arte, esses fotógrafos usavam alguns métodos na pós- -produção, interferindo na imagem ou evidenciando algum problema técnico percebido. Usavam fotomon- tagens, interferências nos negativos, novas emulsões – como a goma bicromatada ou a planotipia – entre outras intervenções. Desse grupo destacaremos Oscar Gustave Rejlander (1813-1875), um exímio fotógrafo e estudioso, que usava múltiplas exposições e produzia montagens fotográficas. Sua obra chamada As duas formas de viver é uma montagem de diversas cenas inde- pendentes. Esta imagem claramente dialoga com a 31 obra renascentista de Rafael (1483-1520), Escola de Atenas: ambas mostram opções para o “aprendiz” escolher. Rejlander, ao propor essa relação, conecta o universo técnico fotográfico ao universo da pintura, relacionando as duas formas pictóricas. Figura 15: Fotomontagem – As duas formas de viver Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Oscar-gustave- rejlander_two_ways_of_life.jpg Julia Margaret Cameron (1815-1879) também foi uma fotografa pictorialista. Ela ganha de presente uma câmera fotográfica e passa a registar as coisas comuns de seu dia. Suas imagens bucólicas e com distorções no foco são notadas e ela torna-se mem- bro da Academia Fotográfica de Londres. Cameron compreende o limite do equipamento e passa a usar isso como forma de expressão. Suas temáticas são o universo literário e feminino. Alfred Stieglitz (1864-1946) talvez seja um dos mais importantes do grupo dos fotógrafos pictorialistas. Ele compreendeu que não era necessário usar ar- tifícios oriundos do universo da pintura ou mesmo 32 da pós-produção para que a fotografia recebesse notoriedade no universo da arte. Porém, para essa compreensão, Stieglitz percorre um longo caminho com suas imagens e em debates nas academias fotográficas europeias e americanas. Sua maneira de fotografar modifica-se com o tempo e, já no século 20, conhece Paul Strand (1890-1976), um jovem fo- tógrafo que afirma que a arte da fotografia está nos temas e na forma (luz e sombra). Dessa relação com Strand, Stieglitz reformula sua relação com os pic- torialistas e percorre novos caminhos na fotografia, sendo um grande incentivador de novos nomes, que hoje são chamados de mestres da fotografia. Figura 16: Fotografia de Alfred Stieglitz, 1897 Fonte: https:// pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Stieglitz-Venetian_Canal.jpg 33 Figura 17: Fotografia de Alfred Stieglitz, 1933 Fonte: ht- tps://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:-Margaret_Prosser%27s_ Clasped_Hands_in_Lap-_MET_DP224381_cropped.jpg Os fotógrafos pictorialistas e essa discussão da fo- tografia como expressão artística é encontrada pelos quatro cantos do mundo. Suas imagens eram inova- doras e expostas nos principais salões universais, comuns no século 19; porém, o caráter tecnicista sempre prevaleceu. Mesmo assim, os pictorialistas abriram caminho para diversas formas de expres- são. As mudanças apresentadas por Stieglitz, já no século 20, traziam novos rumos para a fotografia e esta conseguiu se desvincular do rastro da pintura. No final do século 19, a relação entre pintura e foto- grafia foi muito estimulada por pintores e escultores, que descobriram o uso da fotografia técnica como recurso para seus estudos de movimento, transfor- 34 mando-a em método de trabalho, auxiliando em es- boços e nas construções pictóricas. Os impressionistas (1872) usaram muito esse re- curso. O escultor Auguste Rodin (1840-1917) en- comendava fotografias de seus modelos e, assim, estudava as imagens sem a necessidade de sub- meter as pessoas a horas e horas de sessões de observação. Já Edgar Degas (1834-1917), pintor e escultor, inicialmente usou a fotografia para produ- zir pequenos estudos; porém, a sua compreensão das possibilidades pictóricas que o enquadramento fotográfico possibilitava influenciou muitas de suas pinturas e ele começou a fotografar da mesma forma que pintava e vice-versa. 35 Figura 18: Fotografia de Edgar Degas Fonte: https://com- mons.wikimedia.org/wiki/File:Edgar_Degas_-_Seated_Nude_-_ Google_Art_Project.jpg 36 Figura 19: A banheira – pintura Edgar Degas, 1886 Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Edgar_Germain_ Hilaire_Degas_031.jpg SAIBA MAIS Para saber mais sobre o Impressionismo, leia o livro Iniciação à História da Arte, de H. W. Janson e Anthony F. Janson; e pesquise os sites: https:// masp.org.br e https://m.musee-orsay.fr. A parcela técnica da fotografia produziu correção em certas aberrações na relação corpo e movimento. Os estudos técnicos e fotográficos do movimento feitos pelo fotógrafo inglês Eadweard Muybridge (1830- 1904) contribuíram muito para isso. Além disso, es- ses estudos são preliminares ao desenvolvimento do cinema – imagem em movimento. 37 Figura 20: Estudos de Muybridge Fonte: https://pt.wikipedia. org/wiki/Ficheiro:Chevaux-muybridge-sos-photos-traitement- image-retouche-editing-prise-de-vue.jpg Nesse momento, a fotografia se confunde com várias outras formas de expressão, surgem novos grupos, e são fundados diversos fotoclubes – que passam a debater a estética e as técnicas fotográficas. A foto- grafia como técnica já está estabelecidae, enquanto arte, ainda será questionada durante muitos anos. Alfred Stieglitz e Paul Strand iniciaram a discussão dos novos caminhos possíveis para a fotografia, no entanto, até os dias atuais esbarramos na discussão fotografia-técnica e fotografia-arte. 38 A Fotografia e as vanguardas artísticas Antes de investigarmos as vanguardas artísticas do século 20 e a participação da técnica fotográfica, é preciso refletir sobre a imagem em movimento. Muybridge é um dos fotógrafos que inicia os estudos nessa área, mas é com a família Lumière que essa possibilidade de fotografias produzirem o movimento é apresentada para o grande público. Auguste Marie Louis Nicholas Lumière (1862-1954) e Louis Jean Lumière (1864-1948), os Irmãos Lumière, promovem a primeira projeção, em 1896. O filme A chegada do trem à estação Ciotat causou um enorme alvoroço, pois as pessoas acharam que o trem iria romper a tela e atropelá-las. A fotografia – que era a portadora do mundo real visto – ganhava novas dimensões com o movimento. Para se obter uma cena em movimento é preciso de 24 imagens na fração de um segundo, ou 24 quadros por segundo (24fps), e é assim que a fotografia dá um salto em direção a uma nova técnica expressiva. O cinema possui a sua própria história, cheias de inovações e reviravoltas, mas para nós, que estamos estudando a fotografia e suas relações estéticas, é importante saber como essa relação aconteceu e entender que é pela relação íntima entre fotografia como portadora do mundo real que o cinema inicia sua jornada de encantamento. 39 SAIBA MAIS Para aprofundar seus estudos sobre cinema, as- sista ao filme Lumière! A aventura começa, do diretor Thierry Frémaux (2016), e leia também o livro sobre cinema e fotografia Crônica do cine- matógrafo: escritos sobre cinema e fotografia, de Paulo Roberto Barbosa. Com as evoluções estéticas propostas pelos picto- rialistas e o surgimento de novas técnicas – como o cinema – a fotografia passa a ser usada por muitos artistas como meio de expressão. O século 20, tal qual o anterior, foi muito intenso. Ocorreram as duas grandes guerras mundiais (1914- 1918 e 1939-1945) e novas formas tecnológicas e comunicacionais surgiram. O ambiente artístico foi bastante inovador e é nesse período que se de- senvolvem as chamadas Vanguardas Artísticas, o Expressionismo Alemão, o Surrealismo e o Dadaísmo. A fotografia possui papel importante nesses movi- mentos. Inicialmente como método, mas, na medida em que cada artista se apropria da técnica fotográfi- ca, a expressão artística fotográfica rompe barreiras. Os cineastas do Expressionismo Alemão utilizam os conhecimentos fotográficos para construir uma relação entre sombra, luz e alto contraste. Dessa forma, os filmes passam a expressar as agonias e angústias tão presentes naquele momento histórico. É a partir do destaque que a fotografia cinematográ- 40 fica conquista nesse período que, anos mais tarde, ela influenciará grandes nomes do cinema. A utilização da fotografia nas vanguardas do Surrealismo e Dadaísmo é de fácil assimilação. Os estudos propostos pelos pictorialistas da virada do século são retomados por esses dois grupos que usam fotomontagens, além das técnicas anterior- mente apresentadas. Fotógrafos como Dora Maar (1907-1997), Man Ray (1890-1976), do surrealismo; e Hannah Höch (1889- 1978), artista dadaísta, levaram ao limite as propos- tas de seus antecessores. Ambos os grupos usaram a expressão fotográfica para questionar o universo em que estavam inseridos e os poderes políticos da época. É importante ressaltar que esses movimentos acontecem ao mesmo tempo em que o poder totali- tário nazista cresce em toda a Europa. Os trabalhos de Hannah Höch e de outros fotógrafos dadaístas usaram colagens para construir uma nova estética. Muitos artistas eram de origem judaica ou contra o poder totalitário, assim, usaram essa forma de expressão (colagens fotográficas) para criticar os acontecimentos políticos e o Partido Nazista alemão. SAIBA MAIS Para saber mais sobre a artista Hannah Höch, acesse o site: https://www.moma.org/artists/2675. 41 Dessas experimentações e do trabalho de John Heartfield (1891-1968) surgem, na Alemanha, al- gumas revistas importantes contra a propaganda nazista. A fotografia transforma-se, então, em gran- de protagonista para difundir ideias e discursos – e seria bastante utilizada pela propaganda de Hitler e Mussolini. As colagens dadaístas transformam- -se em importante fonte de desmoralização do to- talitarismo e reverberam críticas aos dois principais governantes da Alemanha e da Itália. Essas inovações dadaístas serão uma grande fonte de inspiração para o universo da imprensa e do de- sign. Já o movimento surrealista e a busca pelas ima- gens relacionadas ao nosso inconsciente extrapolam o uso da técnica fotográfica. Utilizam fotomontagens, dupla exposição, e descobrem novas técnicas de revelação e exposição do filme fotográfico. Man Ray é um dos mais conhecidos fotógrafos sur- realistas e utiliza a técnica da solarização, que con- siste no processo de revelação do filme expondo-o a uma grande e rápida carga de energia (luz). Dessa forma, as pratas que ainda não foram reveladas, mas possuem informação, sofrem alteração de tons: as altas luzes passam a não possuir brancos e iniciam sua formação de tons de cinza, dando à imagem um aspecto metalizado. Além da solarização, o fotógrafo usava a técnica do fotograma para construir suas narrativas visuais. Essa técnica consiste em expor o papel fotográfico com alguns objetos sobre ele, assim a luz “carimba” o papel com o formato dos ob- 42 jetos. Man Ray resolve batizar essa técnica, já muito conhecida, com o nome de Raiografia� SAIBA MAIS Para saber mais sobre Man Ray e ver algumas de suas imagens, acesse: https://www.moma.org/ artists/3716. Os trabalhos desse artista – e também de outros fotógrafos – são notados pelas principais revistas de moda da época. Assim, os surrealistas, especial- mente Man Ray, passam a produzir imagens para o segmento publicitário de moda, tais como as revistas Vogue e Harper’s Bazaar. Essas imagens com teor do movimento surrealista criam uma estética própria no mundo da moda e que são até hoje característica desse segmento. As vanguardas artísticas da década de 1920 influen- ciaram toda uma geração, bem como a produção do mercado editorial. A utilização de fotografias, fotoco- lagens ou mesmo da estética fotográfica desses mo- vimentos moldaram toda uma maneira de construir peças publicitárias, discursos políticos e influenciou vários fotojornalistas. Podemos, assim, afirmar que a fotografia como ex- pressão artística rompe a barreira da técnica e pas- sa a ser reverenciada também pela sua potência e expressividade. 43 CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste módulo, ficou evidente como a relação da fotografia com a técnica é forte. Mesmo que os ar- tistas busquem descontruir essa relação, isso se torna quase impossível em um primeiro momento. As vanguardas artísticas citadas e posteriormente os acontecimentos políticos, com o fim da divisão do mundo em dois blocos (socialista e capitalista), possibilitaram a técnica fotográfica e sua libertação em relação ao campo artístico. A queda do muro de Berlim, em 1989, modificou a relação e o uso dos materiais de expressão estética. Antes desse acontecimento, exigia-se que o artista fosse um pintor, escultor ou gravador etc., que não poderia ter na sua forma de expressão a diversidade encontrada hoje. Essa exigência refletia um pensa- mento sociopolítico mundial e, assim, após a unifica- ção da Alemanha, ocorre também uma mudança na mentalidade e emancipação no campo da expressão artística, possibilitando que a fotografia comece a ser usada por pintores, escultores, gravadores – o fotógrafo ganha status de artista. A fotografia conquista, enfim, seu lugar de expressão e estética e passa a ser comercializada no mercado de arte e a formarum olhar diverso, expressando tan- to sua vertente tecnicista como suas possibilidades e potencialidades estéticas. 44 Os mercados editoriais absorvem grande parte dessa nova formulação estética da imagem. O século 20 é o momento em que a técnica fotográfica passa a alcançar todas as camadas sociais, ilustrar todos os meios comunicacionais, e se estabelece como a forma de representação de diversos meios expres- sivos e estéticos. 45 Referências Bibliográficas & Consultadas ARAUJO, C. L.; RUFINO, R. H. A fotografia e o urbano: representação, máquina e tempo. INTERCOM. Rio Grande do Norte. Disponível em: http://www.porta- lintercom.org.br/anais/nordeste2017/resumos/R57- 1469-1.pdf� BASTOS, A. R. A fotografia como retrato da so- ciedade. Sociologia. Porto, v. 28, pp.127-143, dez. 2014. Disponível em: http://www.scielo. mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0872- -34192014000200007&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 31 out. 2020. BENJAMIM, W. Pequena história da fotografia. In: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre lite- ratura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994. BENJAMIM, W. A obra de arte na era da reproduti- bilidade técnica� In: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994. FABRIS, A. A. invenção da fotografia: repercussões sociais. In: Fotografia: usos e funções no século XIX. São Paulo: Edusp, 1998. FABRIS, A. A. 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[Minha Biblioteca] Introdução Os avanços tecnológicos da fotografia na virada do século 19-20 A fotografia como expressão estética Fotografia técnica X fotografia arte A Fotografia e as vanguardas artísticas Considerações finais Referências Bibliográficas & Consultadas
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