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Cristina Maranhão PROCESSOS FOTOGRÁFICOS E-book 3 Neste E-Book: INTRODUÇÃO ����������������������������������������������������������� 3 LUZ �������������������������������������������������������������������������������4 Aplicação da luz: objetivas, obturador e estética �����������������14 PERSPECTIVA, ENQUADRAMENTO E COMPOSIÇÃO ��������������������������������������������������������� 25 CONSIDERAÇÕES FINAIS �����������������������������������34 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS & CONSULTADAS ������������������������������������������������������� 35 2 INTRODUÇÃO Este módulo irá nos direcionar para o estudo da foto- grafia técnica. Iniciamos nosso aprendizado a partir da observação e retomada de conhecimentos pré- vios� Aqui vamos compreender como aplicar alguns aspectos das leis da física e entender o universo químico da fotografia. Quando estudamos as ondas eletromagnéticas e o universo ótico, muitos acreditavam que jamais aplica- riam esse conhecimento� Contudo, saber diferenciar o comprimento de ondas e qual tonalidade de cor-luz ela emite faz com que o fotógrafo se aproprie da téc- nica e decida a melhor escolha para a sua imagem� Os conceitos da física associados ao aprendizado da função das objetivas, suas aberturas de obturador e velocidade, nas câmeras profissionais ou semipro- fissionais vão auxiliar na compreensão do universo das imagens fotográficas. A partir disso, podemos nos preocupar com a formação estética do quadro fotográfico. 3 LUZ Quando falamos de fotografia, ou melhor da técnica fotográfica, não podemos dissociar de um fenôme- no natural que é imprescindível para essa técnica acontecer. Caso não haja o fenômeno da “luz”, não conseguimos produzir uma imagem� Outros elemen- tos técnicos podem ter sido pensados, como a câ- mera, a lente ou outros apetrechos digitais; porém, a luz é indispensável para que haja qualquer forma de fotografia. Se lembrarmos das primeira imagens e investiga- ções sobre a fotografia, retomaremos os trabalhos do inglês William Fox-Talbot (1800-1877), que, ainda no século 19, procurando fixar imagens sobre uma superfície, na busca de “descobrir a fotografia”, inicia o processo de “impressão da luz”. Ou seja, antes mesmo de criar o processo da calotipia, que daria início ao negativo, Talbot sensibiliza um papel com base de nitrato e cloreto de prata e, quando seco, expôs o papel à luz solar com plantas sobre sua su- perfície� Com a ação da luz solar, a prata reagiu e, após a fixação à base de uma solução de sal, ele obteve a silhueta da planta. Esse experimento foi batizado pelo inglês como “desenhos fotogênicos”. 4 Figura 1: Desenhos fotogênicos, Talbot (1835/1845) Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:William_Henry_ Fox_Talbot_-_Photogenic_Drawing_of_a_Plant_-_Google_Art_ Project.jpg Outras pesquisas ocorreram no período do surgimen- to da fotografia acerca da ação da luz sobre materiais fotossensíveis. Além dos experimentos de Talbot, vale também destacar a técnica usada pela ingle- sa Anna Atkins (1799-1871). Atkins era botânica e conheceu os experimentos de Talbot dos desenhos fotogênicos, porém, para as suas impressões utilizou uma solução de citrato de amônio férrico e o ferro- cianeto de potássio� Essa solução, depois de seca, era exposta à luz com as plantas que a botânica e fotógrafa queria catalogar� Os raios ultravioleta da 5 luz solar reagiam à solução e imprimiam as plantas no papel� Essa reação proporcionava uma cor azula- da (ciano) e o processo foi chamado de cianotipia� Atualmente, ele é bastante usado por fotógrafos, artistas visuais e por quem produz estamparias – devido à sua versatilidade em reproduzir imagens ou criar fotogramas� Figura 2: Carex (América) Cianótipo de Anna Atkins Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Anna_Atkins_-_ Carix_(America)_-_Google_Art_Project.jpg 6 SAIBA MAIS Para saber mais sobre o início da fotografia e alguns processos, leia o livro Fotografia: usos e funções no século XIX, organizado por Annateresa Fabris� Com esses dois exemplos, percebemos como a luz é fundamental para o processo fotográfico. Mas, mesmo citando as emulsões e sua fixação, é neces- sário compreender como e por que o fenômeno atua na fotografia; para isso é preciso relembrar alguns princípios da física� O processo técnico fotográfico está inserido em duas matérias, a física e a química� Esta última relaciona- -se às emulsões e suas combinações de substâncias posteriores aos processos de revelação� Já a física aparece na formulação da câmera escura, que é a base da câmera fotográfica; nas lentes, com a ques- tão da ótica, e nas propriedades da luz� Mas o que é a luz? A luz é uma onda eletromagnética, ou seja, uma energia� É importante compreender essa afirmação, pois a propriedade de emitir calor (ener- gia) do fenômeno luz é determinante na construção da imagem. Isso acontece porque o calor emitido pe- los diferentes comprimentos de onda (luz) modificam as matérias presentes nas emulsões fotossensíveis� Antes de adentramos nessa relação da emulsão fotossensível, vamos retomar o estudo das ondas eletromagnética� A luz é o espectro visível da onda 7 eletromagnética, ou a radiação visível desse fenôme- no� Essa parcela é visível ao olho humano e também percebida pelas emulsões fotográficas. A faixa per- ceptível a nós é a luz branca� As ondas eletromagnéticas, por se tratar de um fenô- meno em formato de ondas, estão sujeitas a sofrer alterações quando encontram outras matérias ou ambientes de propagação� Esses acontecimentos são: a refração, a absorção, a difração, a reflexão, a interferência, o espalhamento e a polarização� Cada um deles atua de forma diferente nos proces- sos fotográficos e interferem nas escolhas estéticas dos fotógrafos� É verdade que, com as câmeras de celular – a maioria com sistemas automáticos –, a compreensão desses fenômenos pelos produtores de imagens tem ficado em segundo plano ou eles passam a resolver as aberrações na pós-produção� REFLITA Sugiro fazermos uma pequena reflexão sobre o universo digital e a fotografia. Estamos aprendendo o quanto essa técnica é complexa: as emulsões, os processos históricos, entre outros� Antes do digital, a chamada fotografia analógica trazia ao fo- tógrafo um grande conhecimento. Ela exigia que o fotógrafo soubesse como o filme iria se comportar em cada situação luminosa e como seria revelado� Cada escolha desse processo teria um resultado final, o fotógrafo não tinha muita margem de erro. Caso isso acontecesse, era necessário retornar e 8 fazer tudo do zero� Assim, o fotógrafo precisava de uma gama de conhecimentos� Será que isso acon- tece no universo digital? Quando fotografamos e erramos, deixamos para o software resolver nosso desvio de cor-luz, arrumar nosso enquadramento, e até criar luz onde não existia. Não afirmo que o fotógrafo perdeu conhecimento, mas, certamente, seu conteúdo se modificou. Outras características das ondas eletromagnéticas são a frequência, o comprimento e a amplitude� Essas características irão determinar a especifici- dade da radiação, ou seja, caso uma onda seja de alta frequência, está mais próxima de ser uma radiação X do que um espectro amarelado (dentro da radia- ção visível para o olho humano). Para a fotografia, a importância de sabermos essas grandezas é porque elas interferem no brilho (amplitude/intensidade) e na cor-luz (frequência) da imagem. Crista Vale Comprimento a = amplitude Figura 3: Onda eletromagnética Fonte: https://commons. wikimedia.org/wiki/File:Onda_eletromagn%C3%A9tica.jpg 9 Colocamos dessa forma para relembrarmos alguns aspectos da propriedade “luz” e perceber como con- ceitos que, em determinados momentos de nossas vidas, nos pareceu abstratos, porém, quando estuda- mos fotografia, passam a ser a base para a compre- ensão da estrutura da técnica (analógica e digital). O fenômeno luz na fotografia pode ser pensado por meio de uma relação de cor-luz,ou seja, para cada comprimento de onda existe um tom visível para o olho� Se falarmos de uma luz azulada, estaremos nos referindo ao comprimento de onda de alta fre- quência, de alta radiação e que emite muito calor, e que está dentro do espectro visível mais próximo do ultravioleta. Mas, quando nos referimos a uma cor-luz amarelada, estamos tratando de uma onda de baixa frequência, uma luz de radiação menor, comparada com a luz azul� Essa relação da radiação e a cor de cada espectro luminoso gera confusão em muitos momentos para os estudantes de fotografia. Somos acostumados, desde a educação infantil, a usar os tons amarelos- -avermelhados para representar o universo que é quente; e usamos os tons azuis-esverdeados repre- sentando o que se relaciona ao frio� Ou seja, o inverso do que falamos quando estamos nos relacionando com radiação e luz� Quanto mais amarelada ou ver- melha a luz for, menos energia ela emite; onda de baixa frequência, logo, é uma luz fria com cor-luz amarelada. Mas, se fomos falar em estética da ima- gem, entraremos novamente na relação aprendida para a representação – pigmento� 10 Figura 4: Espectro visível Fonte: https://commons.wikime- dia.org/wiki/File:EM_spectrum_pt_2.svg Como já mencionado, o olho humano só percebe uma faixa de comprimento de onda. Essa faixa está entre o ultravioleta e o infravermelho. Toda a onda eletro- magnética que ultrapasse esses limites (raio X, gama, micro-ondas, rádio, cósmicas) não conseguiremos enxergar, mas sofreremos ação dessas radiações. Não é porque não vemos que ela não existe. Como já estudamos, o processo do Cianótipo só acontece através da reação causada pelos raios ultravioleta e estes não são visíveis para nós� Esse conhecimento das diferenças entre os com- primentos de onda e sua respectiva cor-luz irá de- terminar qual o processo fotográfico escolhido� Porém, nos dias atuais, como não há o processo de revelação de negativos e ampliações, é necessário “calibrar” as câmeras para que elas reconheçam a cor-luz que estamos usando ao fotografar� Caso essa etapa seja ignorada, as imagens terão aberrações de cor. Antes do advento do digital, usávamos filme e 11 este já vinha da indústria calibrado para determina- do comprimento de onda, no caso para o espectro branco (daylight). Os filmes, em sua maioria, eram calibrados para a luz branca, ou seja, todos os comprimentos de onda do espectro visível� E essa situação de luz é predo- minante ao meio-dia. No amanhecer e entardecer, temos outras condições que alteram o comprimento da onda, relacionado à distância em que o sol incide sobre o planeta e as condições da nossa atmosfera� Caso haja muitos poluentes, a luz sofre refração, alte- rando a cor-luz� Os tons alaranjados acontecem pre- dominantemente no começo e no fim do dia, devido à incidência do sol na Terra, propiciando ondas com frequências mais longas� Já as luzes azuladas, como um céu azulado, ocorrem pela presença na atmosfera de partículas que aceleram as ondas, aumentando sua velocidade e, assim, aumentando o valor em kel- vin, aproximando da onda eletromagnética azulada. Figura 5: Dispersão da luz branca Fonte: https://commons. wikimedia.org/wiki/File:Prism_rainbow_schema.png 12 Os filmes eram calibrados para uma determinada energia, o daylight, que está na grandeza de mais ou menos 5.500 Kelvin. É por esse sistema universal de medida (Kelvin ou K) que sabemos a quantidade de calor/energia dos comprimentos cor-luz. Logo, cada onda ou cada cor-luz possui um valor de K. Os comprimentos de onda próximos ao ultraviole- ta, de tons azulados, possuem aproximadamente 8.000-11.0000 Kelvin, enquanto os tons alaranjados possuem 1.200-3.800 K. Observe alguns valores aproximados, que são con- venções da indústria e de fabricantes de lâmpadas e de materiais fotossensíveis� Fonte luminosa Temperatura K (aproximadamente) Luz de vela 1.850 Lâmpada incandescente 2.800-3.300 Sol meio-dia 5.000-5.500 Céu azul 8.000 Iluminação de filamento contínua 3.400 Com as câmeras digitais atuais é preciso calibrar os sensores, para o comprimento de cor-luz em que iremos fotografar� Esse dispositivo chama-se White Balance (WB) e facilita o trabalho do fotógrafo, pois, antes, era preciso utilizar filtros sobre as objetivas que funcionavam como barreiras de determinado comprimento de cor-luz em relação ao filme que era exposto. Assim, caso se estivesse fotografando com um filme daylight em uma situação em que a iluminação fosse de até 3.200 K, usávamos o filtro 80A para a correção de cor. Os smartphones mais modernos também possuem essa função, algumas 13 vezes, já predeterminada com imagens de lâmpadas, sol, nuvem, ou com os valores em Kelvin. A partir desse conhecimento, cada fotógrafo conse- gue determinar como irá construir a tonalidade de luz da sua imagem e como calibrar a cena, podendo usar a luz natural, solar ou luzes artificiais, como flashes ou lâmpadas de diferentes comprimentos de onda� Ou mesmo misturar as fontes luminosas, porém, é preciso saber como cada uma delas irá se compor- tar com os filmes ou mesmo com o sensor digital e determinar a principal fonte de luz para calibrar/ balancear a cena� Aplicação da luz: objetivas, obturador e estética O início da fotografia parecia extremamente rudimen- tar, porém os precursores da técnica desenvolveram um complexo meio de registro de imagens do mundo visto� Com uma pequena câmera de orifício e uma su- perfície de emulsão fotossensível é possível registrar a imagem, mas o advento das lentes e da mecânica da máquina fotográfica aumentou o controle sobre a luz incidente nas emulsões� Vamos, então, compreender como a mecânica da fotografia se relaciona com a complexidade das on- das eletromagnéticas� E, para isso, precisamos com- preender como a luz se comporta nas objetivas e a leitura da luz na cena, que chamamos de fotometria� As objetivas das câmeras são produzidas a partir de um conjunto de lentes côncavas e convexas. Ao 14 passar pelas lentes, a luz tem as suas ondas orga- nizadas, isto é, convergem ou divergem, conforme o formato da lente. Esse fenômeno que ocorre a partir da refração da luz, permite que a imagem – que é formada dentro da câmera escura, ou da máquina fotográfica – tenha maior nitidez, justamente por organizar os raios luminosos� Figura 6: Côncavo e convexo Fonte: Elaboração própria� Além de organizarem os raios luminosos, as objetivas atuam na relação focal da imagem e também em seus aspectos estéticos. Para cada objetiva existirá um conjunto ótico de lentes, positivas, negativas, côncavas e convexas. Elas determinarão como a luz irá se comportar através delas, ou seja, cada estru- tura ótica determina se uma lente é grande angular (18-24mm), teleobjetiva (120-180mm) ou uma lente chamada pelos fotógrafos como “normal” (50mm) ou, ainda, se é uma objetiva zoom� 15 Figura 7: Objetiva normal – 50mm Fonte: https://com- mons.wikimedia.org/wiki/File:Carl_Zeiss_Jena_Pancolar_ f1,8_50mm_lens.jpg As 50mm são objetivas “padrão” para câmeras que usam o formato do filme de 35mm ou com sensores que usam essa mesma dimensão nas câmeras digi- tais. Isso ocorre porque o ângulo de visão da lente equivale ao do negativo, não ocorrendo cortes nem ampliando o campo de visão. Já as chamadas “olho de peixe” são objetivas grande-angular, que ampliam o campo de visão; e as teleobjetivas aproximam o campo de visão. Para cada formato de negativo (mé- dio e grande formato) existirá uma lente padrão. 16 Figura 8: Imagem com objetiva 24mm (grande angular) Fonte: fotografia da autora Figura 9: Imagem com objetiva 50mm (normal) Fonte: fo- tografia da autora 17 Figura 10: Imagem com objetiva 120mm (teleobjetiva) Fonte: fotografia da autora As objetivas possuem outra função na construção de fotografias – além de organizar a luz –, relacio- nada à nitidez, ao foco e à profundidade de campo da imagem; elas são responsáveis pelo controle de luminosidade quea câmera recebe� Esse contro- le de quantidade de luminosidade de uma imagem acontece pela abertura da lente, ou número f� Essa é uma escala numérica padrão que se encontra no corpo das objetivas (1.4, 2, 2.8, 4, 5.6, 8, 11, 16, 22) em uma razão matemática equivalente ao diâmetro da lente. Quanto maior for o valor de f (16, 22, 32), menor será o diâmetro e, consequentemente, menos luminosidade atingirá o plano do filme ou o sensor. Podemos fazer uma analogia entre a abertura da len- te com a nossa íris� Ela aumenta ou diminui conforme nos deparamos com mais ou menos luminosidade� Esse aumento ou diminuição produz o controle de 18 luminosidade que chega à retina. A abertura da lente também será responsável por questões estéticas e focais da imagem, tais como a profundidade de campo e o foco seletivo� Figura 11: Escala de abertura da lente Fonte: https://com- mons.wikimedia.org/wiki/File:B35_Zeiss_Triotar40mm.jpg É importante ressaltar que a fotografia relaciona o foco com dois fatores� Primeiro as objetivas pos- suem um ponto focal, que é o ponto exato em que os raios luminosos convergem no plano do filme, proporcionando a nitidez da imagem; e o segundo está relacionado ao plano� As objetivas diferentes do nosso olho percebem o mundo por meio de dife- rentes planos� Para compreender melhor, imagine uma sala de aula com carteiras em cinco fileiras. As objetivas reconhe- cem que cada uma das fileiras é um plano focal. Se 19 decidirmos colocar o foco na terceira fileira, as fileiras 1, 2, 4 e 5 estarão desfocadas. Mas podemos utilizar a “profundidade de campo”, ou seja, criar uma zona focal. Nesse caso, a fileira 3 está focada e parte das fileiras 2 e 4 vão aparentar estar nítidas. O olho hu- mano não percebe que isso é aparente e reconhece como uma zona de nitidez. Esse fenômeno acontece devido à organização dos raios luminosos dentro do conjunto ótico da objetiva� E para conseguir a profundidade de campo é necessário usar peque- nas aberturas, tais como f 16, 22 ou 32. Observe a diferença de foco nas imagens abaixo: Figura 12: Imagem feita com abertura f 4 Fonte: Elaboração própria� 20 Figura 13: Imagem feita com abertura f 22 Fonte: Elaboração própria� Nas câmeras fotográficas com objetivas intercam- biáveis e que são reflex, ou seja, a lente não é fixa ao corpo da câmera e pode ser trocada conforme a escolha do fotógrafo, a mecânica da câmera possui um espelho e um pentaprisma, que reflete a luz que chega pela objetiva para o visor� Assim, o fotógrafo enxerga o que a câmera está vendo, sem que a ima- gem esteja invertida� Com o disparo da câmera, esse espelho é levantado e o obturador – uma espécie de cortina que se encontra antes do plano do filme ou sensor – abre e a luz atinge o material fotossensível� 21 Figura 14: Estrutura: 1. objetiva, 2. espelho, 3. obturador, 4. plano do filme, 5 e 6. lentes, 7. pentaprisma, 8. Visor Fonte: ht- tps://commons.wikimedia.org/wiki/File:Slr-cross-section.png A função do obturador é determinar o tempo de ex- posição à luminosidade. Caso o obturador fique por muito tempo aberto, permitirá a entrada de muita luz e vice-versa. O obturador pode ficar por um longo tempo expondo o sensor, e essa modalidade é cha- mada de timer ou B, mas também pode ser fracio- nada em milésimos de segundo� Como a abertura para a velocidade, existe também um padrão para essa fração� Assim, encontramos câmeras que pos- suem limite da velocidade até 1/500 de segundo – as mais modernas ultrapassam 1/15.000 de segundo. Sabemos que, com a velocidade de 1/30 de segun- do, já conseguimos “congelar” o movimento de uma pessoa andando. Exemplos de escala do obturador: B, 15”, 30”, 60”,1”,1/15, 1/30, 1/60, 1/125. Então, para determinar a exposição da cena é preciso equilibrar a relação entre abertura e obturador� Essa relação pode variar conforme o fotógrafo desejar, 22 podendo deixar a imagem com muita luminosidade (superexposta), pouca luminosidade (subexposta), ou medir corretamente a cena e ter uma imagem bem iluminada, com detalhes nas altas e nas baixas luzes. A medição da cena é feita por um dispositivo cha- mado fotômetro – que pode se encontrar na câmera ou ser externo a ela. A leitura da luminosidade da cena é feita pela luz que incide ou reflete no objeto fotografado. Nas câmeras que possuem fotômetro interno, podemos escolher ainda se essa leitura será pontual – medirá somente um determinado ponto de luminosidade na imagem – ou matricial, em que é feita uma média da luz refletida na cena. A fotometria leva em consideração a sensibilidade do filme (ASA) ou escolhida para os sensores (ISO). Antes de continuarmos, vale falar sobre essa medida de sensibilidade. Quando as emulsões fotográficas começaram a ser comercializadas, foi necessário criar um padrão para que o fotógrafo – amador ou profissional – soubesse o quanto aquela chapa ou filme eram sensíveis à luz, sem que ocorressem aberrações nos grãos de prata� Assim, foram criadas duas escalas de pontuações, a ASA (americana) e o DIN (alemã). Hoje em dia, com as câmeras digitais, convencionou-se chamar de ISO, que é simplesmente o quanto de luz aqueles sensores ou sais de prata suportam sem que haja aberrações� Com a escolha do ISO, o fotômetro medirá a cena e informará qual é a melhor condição mecânica (aber- tura e velocidade de obturador) para ter uma exposi- 23 ção normal. Colocamos como exposição “normal”, mas o fotógrafo poderá escolher fazer o registro com essa exposição ou modificar, subexpondo ou superexpondo a cena. Podemos também determi- nar uma velocidade fixa e medir somente a abertura para aquela luminosidade, ou deixar a abertura fixa e descobrir qual é velocidade ideal para aquela cena� A imagem fotográfica é uma interpretação das on- das eletromagnéticas� Essa interpretação ocorre a partir das escolhas técnicas do fotógrafo, abertura, velocidade e ISO. Ele deve saber manusear seu equi- pamento para conseguir construir narrativas visuais e traduzir a luz que vemos todos os dias� 24 PERSPECTIVA, ENQUADRAMENTO E COMPOSIÇÃO A fotografia é construída a partir de aspectos téc- nicos, que são a interpretação luminosa do olhar do fotógrafo. Porém, a fotografia está inserida no universo pictórico, isto é, não pode ser considerada simplesmente uma reprodução tecnicista. Nela en- contra-se a formulação complexa da composição de cenas, ou seja, o enquadramento� Ele é responsável por revelar ao expectador a interpretação do mundo visível e visto pelo fotógrafo� Conforme estudamos anteriormente, próximo da virada do século 20, os fotógrafos chamados de Pictorialistas – e várias associações de fotógrafos pelo mundo – reivindicaram o papel da fotografia como arte, e não somente sua verve técnica, exclusiva enquanto reprodu- ção do mundo real� Essa disputa de campos de atuação teve início no momento da sua patente, pois a fotografia estava ligada às principais invenções técnicas do sé- culo 19 e vinculada às ciências e não às artes. SAIBA MAIS Para saber mais sobre a reinvindicação da foto- grafia como arte e os acontecimentos históricos fotográficos desse período, leia o livro A fotografia: entre documento e arte contemporânea, de André Rouillé� 25 Nos dias atuais, essa disputa pode parecer sem sen- tido, mas na época foram grandes os embates tanto intelectuais quanto no campo da experimentação. E essa reivindicação é mais que natural, pois a câmera escura e os conhecimentos de perspectivas pictóri- cas são oriundas do universo das artes� Essas duas surgidas no Renascimento, no século 15, como base da técnica fotográfica. Muitos dos precursores da fotografia eram pinto- res ou estudaram essa forma de expressão. Para a composição fotográfica são usados como referência justamente os conhecimentos e a estética criados no período renascentista. O período estético/artís- tico do Renascimento surge logo após as configu- rações góticas, que eram respaldadas na relação direta entre arepresentação e o mundo espiritual� Já o Renascimento, com seu epicentro na cidade de Florença, na Itália, retoma conceitos da antiguidade clássica grega. Estes chamados de “artes liberais” (matemática, aritmética, geometria, música, dialéti- ca, gramática, retórica, filosofia e artes), em que o conhecimento científico passa a ser protagonista na construção do pensamento do homem renascentista� O que antes era considerado função e artesanato recebe novo status e, assim, surge a figura do artista como conhecemos hoje� E essa mudança abre ca- minho para a organização das Academias de Belas Artes, que serão estruturadas nos séculos seguintes� Outra mudança desse momento e que irá influenciar a fotografia – e também todas as relações visuais – é o surgimento dos mecenas, a figura de uma espécie 26 de patrono do trabalho do artista, modificando a re- lação entre o cliente e o artista� A fotografia respalda sua estética no Renascimento inicialmente porque a sua estrutura é a da câmera escura, mas também podemos criar uma associação com a formulação do enquadramento� Este utiliza em sua estrutura a regra dos terços, a proporção áurea, na busca de uma construção focal a partir da estética da luz� 27 Figura 15: Quadro Monalisa de Leonardo da Vinci com as medidas da regra de ouro Fonte: https://pt.wikipedia.org/ wiki/Ficheiro:Mona_Lisa_com_estrutura_geom%C3%A9trica_-_ Divis%C3%A3o_%C3%A1urea.jpg A formulação da chamada “regra dos terços” tem sua utilização no Renascimento pela relação dos artistas 28 renascentistas com os estudos dos filósofos e ma- temáticos gregos� Para os renascentistas a lógica e a lógica matemática eram utilizadas para tudo� Assim, as descobertas e utilizações das regras ma- temáticas de Pitágoras e de seus contemporâneos – a regra de ouro ou proporção áurea, em que todas as formas da natureza encontram-se na medida de um pentagrama – foram a base para a formulação das pinturas do período� Figura 16: Retângulo de ouro de Euclides Fonte: https://com- mons.wikimedia.org/wiki/File:Golden_spiral_in_rectangles.png Com estes conhecimentos das “artes liberais”, a construção de perspectiva – formação dos planos e utilização de um ponto de fuga para o olhar – foi utilizada pelos arquitetos e pintores renascentistas� Dessa forma, os planos, linhas retas e em diagonais estruturavam a profundidade na obra� Até então, os planos eram sobrepostos e a noção da perspectiva não existia no universo pictórico, pois o que deter- 29 minava a ordem de grandeza da representação era a relação dos temas e não a matemática� Figura 17: Execução de Savonarola na Piazza della Signoria, em Florença, 1498 Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/ Renascimento#/media/Ficheiro:Hanging_and_burning_of_ Girolamo_Savonarola_in_Florence.jpg SAIBA MAIS Para saber mais sobre o uso da matemática e da regra de ouro, assista a esse divertido vídeo: ht- tps://www.youtube.com/watch?v=wbftu093Yqk Na fotografia, a utilização da regra dos terços con- siste em dividir o quadro em três partes iguais, na horizontal e na vertical, como forma de compor a 30 cena, alinhando os planos e determinando as linhas do assunto fotografado e o ponto de fuga. Hoje a maioria das câmeras e celulares possuem as “gra- des” que auxiliam na hora de usar a regra dos terços e de composição� Figura 18: Tela de celular com as grades Fonte: produzido pela autora Na maioria das vezes, centralizamos o assunto que gostaríamos capturar e, dessa forma, não utilizamos toda a estrutura pictórica e de leitura de imagem em favor do nosso registro� Vale lembrar que a leitura visual – escrita ou de uma imagem – no ocidente é feita da esquerda para a direita e de cima para baixo. É assim que nosso olho, inicialmente, busca com- preender uma imagem� Porém, toda essa estrutura renascentista produz uma trama que nossos olhos vão percorrendo, e assim, o artista (pintor ou fotó- grafo) direciona a leitura da imagem. Vilém Flusser, em seu livro Filosofia da caixa preta, aborda a ideia de o olhar vagar pela imagem, em uma 31 espécie de scanning� Assim, o observador apreende a informação do que é visto, podendo se relacionar com aquela imagem� O uso dessas técnicas – oriun- das do Renascimento – auxilia na formação da ima- gem que resultará em uma leitura mais complexa, exigindo um observador atento. Figura 19: Fotografia ilustrativa com o uso da grade em uma imagem Fonte: fotografia da autora Outro aspecto que está dentro dessa temática do enquadramento e que não podemos deixar de ressal- tar é o uso da luz como forma de direcionar o olhar� Conforme estudado anteriormente, a luz é respon- sável pela construção das fotografias. Escolhendo a fonte luminosa e determinando sua intensidade e di- reção, podemos montar nossos quadros através dela� Outros recursos possíveis são usar linhas e sombras em busca de melhores opções de enquadramento� 32 FIQUE ATENTO Quando falamos de enquadramento em fotogra- fias publicitárias é preciso estar atento às espe- cificações solicitadas pelo briefing. Às vezes, é necessário deixar margens maiores; isso será de- terminado pelo layout entregue pelas agências. Geralmente, essas sobras são predeterminadas para que os designers acrescentem o título em revistas, por exemplo, ou caixas de texto em outras publicações� 33 CONSIDERAÇÕES FINAIS O aprendizado deste módulo exigiu retomar conhe- cimentos estudados na época escolar� E é muito in- teressante perceber como o universo da fotografia, além de complexo por trazer muitas possibilidades, também nos mostra como podemos aplicar conhe- cimentos previamente adquiridos� Saber o comprimento de onda de uma luz amarela- da, por exemplo, permite ao fotógrafo decidir quais recursos técnicos serão utilizados: processos histó- ricos ou compensações, com a utilização de filtros, com o uso de filme. Na era digital, aprendemos que a fotografia se tornou mais simples, pois essas com- pensações e filtragens não são necessariamente utilizadas, uma vez que podemos calibrar os dispo- sitivos de outras formas; no entanto, isso não exclui a manutenção do conhecimento� Outras descobertas apresentadas e estudadas sobre a técnica e a mecânica das objetivas e da máquina mostraram como podemos fazer escolhas cons- cientes e obter qualidade na fotografia. E, por fim, aprendemos o quanto o enquadramento é necessário e responsável por transmitir ao expectador nossa mensagem em forma de imagens� 34 Referências Bibliográficas & Consultadas ARAUJO, C. L.; RUFINO, R. H. A fotografia e o urbano: representação, máquina e tempo� INTERCOM� Rio Grande do Norte. Disponível em: http://www.porta- lintercom.org.br/anais/nordeste2017/resumos/R57- 1469-1.pdf� BUSSELLE, M. Tudo sobre fotografia� São Paulo: Pioneira, 1998. FABRIS, A. A. invenção da fotografia: repercussões sociais. In: Fotografia: usos e funções no século XIX. São Paulo: Edusp, 1998. FLUSSER, V. Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002. FONTANARI, R. Como ler imagens? A lição de Roland Barthes� Galáxia. n. 31 São Paulo Jan./ Abr. 2016. Disponível em: https://www.scielo. br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1982- -25532016000100144&lang=pt. Acesso em: 16 nov. 2020. FREUND, G. Fotografia e sociedade. Mafra: Vega, 1999� GOMBRICH, E. H. A história da arte� Rio de Janeiro: LTC, 1999. JANSON, H. W.; JANSON, A. F. Iniciação à história da arte. São Paulo: Martins Fontes, 1996. MARTINS, J. S. Sociologia da fotografia e da imagem� São Paulo: Contexto, 2008. [Biblioteca Virtual] OLIVEIRA. E. M. Da fotografia analógica à ascen- são da fotografia digital. Disponível em http://www. bocc.ubi.pt/pag/oliveira-erivam-fotografia-analogica- -fotografia-digital.pdf. Acesso em: 16 nov. 2020. PALACIN, V. 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[Minha Biblioteca] Introdução Luz Aplicação da luz: objetivas, obturador e estética Perspectiva, enquadramento e composição Considerações finais Referências Bibliográficas & Consultadas
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