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1 CBI of Miami 2 CBI of Miami DIREITOS AUTORAIS Esse material está protegido por leis de direitos autorais. Todos os direitos sobre o mesmo estão reservados. Você não tem permissão para vender, distribuir gratuitamente, ou copiar e reproduzir integral ou parcialmente esse conteúdo em sites, blogs, jornais ou quaisquer veículos de distribuição e mídia. Qualquer tipo de violação dos direitos autorais estará sujeito a ações legais. 3 CBI of Miami Parte I: Mensuração do Comportamento Natalie Brito Araripe 1.1. Conceito de Mensuração O que significa mensurar? “Medir é o processo de aplicar categorias quantitativas para descrever e diferenciar objetos e eventos naturais. Envolve atribuir um número representando uma extensão de uma quantidade dimensional para uma unidade apropriada. O número e a unidade juntos constituem a mensuração de um objeto ou evento” (COOPER, HERON & HEWARD, 2020, p. 95). Observe que esse conceito apresenta alguns trechos em negrito. São os pontos que merecem destaque para a sua compreensão. Perceba que os autores falam de categorias quantitativas que descrevem e diferenciam eventos naturais. Por meio da mensuração, conseguimos atingir o primeiro nível de alcance do conhecimento científico: a descrição – conseguimos descrever um evento da forma mais objetiva possível. Essa descrição ocorre por meio de uma quantidade dimensional e uma unidade apropriada. Você conseguiria descrever o peso de uma pedra utilizando a unidade metro? Que unidade você deveria usar? E, diante uma unidade padronizada, qual número indicaria esse peso? Vamos adiante: qual instrumento de mensuração você utilizaria para essa medida? Ficou clara a diferença entre unidade, quantidade e forma de mensuração? Se não tiver ficado claro ainda, escolha qualquer objeto próximo a você e se faça três perguntas sobre ele? Qual DIMENSÃO RELEVANTE eu poderia medir (unidade)? Como eu mediria essa dimensão (forma de mensuração)? Que NÚMERO resultaria essa medição (QUANTIDADE DIMENSIONAL)? Nesse ponto, alguns de vocês devem estar se perguntando: ué, mas não estou aqui para aprender sobre comportamento? E você está ensinando sobre objeto? Volte ao conceito de mensuração e perceba: você pode mensurar objetos ou eventos. Comportamento é um evento natural; a análise do comportamento, inclusive, chega a ser considerada uma ciência natural 4 CBI of Miami recorrentemente na área (MARR, 2009). Há três passos para a mensuração de um comportamento: 1. Identificar o comportamento a ser mensurado; 2. Definir o comportamento em termos observáveis e 3. Selecionar uma observação apropriada e métodos de registros de dados (COOPER, HERON & HEWARD, 2020). Falaremos nessa primeira parte sobre os componentes relevantes para os passos 01 e 02. Na segunda parte (módulo 02) dessa disciplina, versaremos sobre o passo 03 e, na terceira parte (módulo 03) iremos um passo adiante da mensuração: falaremos sobre análise de dados e da qualidade dos dados. 1.2. Passo 01: Identificando o Comportamento a Ser Mensurado Para identificar o comportamento a ser mensurado, devemos compreender a importância da sua escolha para a qualidade da medida e as dimensões quantitativas do comportamento. Por que devemos mensurar? O objeto de estudo e intervenção da Análise do Comportamento Aplicada é o comportamento socialmente relevante (CSR). Acontece que, a fim de identificarmos um CSR, precisamos identificar e medir a dimensão considerada socialmente relevante. Identificamos primeiramente o nível de determinado comportamento e se aquele nível necessita de intervenção. Supondo que inserimos uma intervenção, é importante medirmos para sabermos se ela está funcionando, a extensão da mudança, se e quando o comportamento mudou, a extensão a duração e a magnitude da mudança. Além disso, é importante sabermos a variabilidade, a estabilidade, a manutenção e a generalização da mudança. Isso só é possível com a mensuração (COOPER, HERON & HEWARD, 2020). Sobretudo, quando não medimos, corremos o risco de descontinuar uma intervenção efetiva ou de continuar uma intervenção inefetiva, de acordo com os mesmos autores. Agora que você já sabe todos os fatores que deve considerar para inserirmos um instrumento de mensuração correto, deve aprender sobre a escolha correta da dimensão e do instrumento de mensuração. Para tanto, 5 CBI of Miami deverá compreender quais são as dimensões mensuráveis de um comportamento. Observe o esquema abaixo na próxima página. Figura 01: Dimensões mensuráveis do comportamento. Os retângulos superiores do esquema são relativos às dimensões mensuráveis do comportamento, também chamadas quantidades dimensionais. São três (COOPER, HERON & HEWARD, 2020): • Repetibilidade – Cada instância do comportamento ocorre repetidamente. São medidas baseadas em repetibilidade: frequência, taxa e celeração. Essas medidas também são chamadas medidas de ocorrência. • Extensão temporal – Cada instância do comportamento ocorre em um período do tempo. A duração é uma medida baseada nessa dimensão. A taxa e a celeração também derivam dessa dimensão. Essas medidas também são chamadas medidas baseadas em tempo. • Lócus temporal - Cada instância do comportamento ocorre em certo ponto no tempo em relação a outros eventos. Latência e tempo entre respostas (TER) são as medidas baseadas em lócus. Elas também são medidas baseadas em tempo. A frequência de um comportamento é simplesmente a quantidade de vezes que um determinado comportamento ocorre. Por exemplo: o número de cigarros que uma pessoa fuma; o número de questões corretas em uma prova, o número de passos dados por alguém... a frequência pode não ter suficiente para tomada de decisões, pois não temos outra dimensão para basearmos a medida. A taxa, por sua vez, é uma medida bastante utilizada por analistas do comportamento, justamente por considerar a relação mais simples entre evento Repetibilidade Frequência TaxaCeleração Extensão Temporal Duração Lócus Temporal Latência Tempo entre respostas 6 CBI of Miami e tempo. A taxa é relativa à frequência sob duração, ou seja, o número de respostas sob unidade de tempo. Comumente, encontramos a taxa representada em termo de respostas por minuto, no entanto, também encontramos a taxa reportada por 30 segundos 01 hora, 01 dia, 01 mês e até um ano. Frequência e taxa são medidas úteis para operantes livres (comportamentos com início e fim discretos). Não são úteis para operantes restritos a oportunidades. Quando falamos de medidas de taxas que se estendem por um período, muitas vezes estamos interessados na evolução dela nesse período, ou seja, se ela está acelerando ou desacelerando. Para esse cálculo, de taxa por tempo, usamos uma medida chamada celeração, que seria, portanto, a unidade de frequência dividida por tempo e por tempo novamente. Um exemplo: O quanto a taxa de respostas de leitura de palavras por minuto acelera ou desacelera no tempo? Autores da área de ensino por precisão (Precision Teaching) utilizam a celeração como medida básica para aprendizagem. A Duração de um comportamento é equivalente ao “tempo total ocupado por um comportamento do início ao fim” (MILTENBERGER, 2020, p. 19). Exemplos: o tempo no qual uma criança usa chupeta por dia; a duração do comportamento de correr ao redor da casa... para medirmos a duração de um comportamento em tempo real, geralmente precisamos de um cronômetro. A latência, por sua vez, corresponde ao tempo desde o início de um estímulo até o início da resposta que o sucede. Geralmente, a latência se torna um objeto de interesse de um analista do comportamento quando ela ocorre em um período muito curto (ex.: aluno que já responde a uma pergunta antes dea professora terminar) ou muito longo (ex.: a pessoa demora 10s para dizer o nome em resposta a “qual o seu nome?). O Tempo Entre Respostas é a medida de lócus temporal que relaciona uma resposta à próxima subsequente. É o tempo entre duas instâncias consecutivas da mesma resposta. Utilizado também de forma indireta para o cálculo da taxa, pois, quanto maior o tempo entre respostas, menor a taxa. Exemplo: Uma criança escreve 4 palavras na duração de 1 minuto. A taxa seria 7 CBI of Miami de 4 respostas por minuto e o tempo entre respostas médio seria de 15 segundos. Se ela passar escrever 6 respostas por minuto, a taxa aumenta e o TER médio cai para 10 segundos. Agora que você já sabe identificar as dimensões básicas do comportamento, precisará definir o comportamento em termos observáveis. Existem ainda medidas que chamamos de definicionais do comportamento. Isso porque não são relativas a dimensões quantitativas relevantes, mas sim, como formas de definir uma resposta. São elas: Topografia e Magnitude. A Topografia é relativa à forma de um comportamento, ou seja, como ele se apresenta. E a magnitude é a força, intensidade, energia ou esforço da emissão de uma resposta (ex.: volume da fala de alguém). 1.3. Passo 02: Definição do Comportamento em Termos Observáveis Antes de qualquer comportamento ser analisado, precisa ser definido, a fim de que possa ser replicado (a replicação é uma das características fundamentais de uma abordagem científica). Observe o que Miltenberger (2020) afirma sobre o assunto: “Para definir o comportamento-alvo de uma pessoa em particular, é preciso identificar exatamente o que a pessoa diz ou faz que constitui o déficit ou excesso comportamental que é alvo da mudança. Uma definição comportamental inclui verbos da ação que descrevem comportamentos específicos que uma pessoa exibe. Uma definição comportamental é objetiva e não ambígua” (p. 19). A fim de o comportamento ser bem definido, a sua definição precisa atender a três requisitos: deve ser objetiva, clara e concisa. Por objetiva, entende-se que se refere apenas a eventos observáveis ou traduz um termo inferencial em mais objetivos. Uma definição clara é aquela sem ambiguidades. Por fim, uma definição concisa é completa, especifica seus limites. 8 CBI of Miami Um exemplo de um tipo de descrição que quase sempre é ambígua é aquela ligada a rótulos. Exemplo: eu digo que João está teimoso na aula hoje. Isso pode significar tantas coisas diferentes, pois está sujeito à interpretação. Outro exemplo clássico: Maria está fazendo birra. Nesse caso, cada um de vocês que está lendo pode interpretar birra de uma forma diferente. Vamos pegar esse exemplo delineado por Miltenberger (2020, p. 16), operacionalizando birra: “Quando Bobby chora e soluça, se deita no chão, chuta as paredes ou joga brinquedos ou outros objetos no chão, isso é definido como um comportamento de birra”. Leia novamente a definição e procure os componentes relativos às características objetiva, clara e concisa da definição. Verbos como chorar, soluçar, se deitar no chão, chutar paredes e jogar brinquedos são observáveis e claros (não ambíguos). Ele é completo pois delimita todos os comportamentos dentro de uma classe de comportamentos (birra). Para finalizar esse módulo, sugerimos que você escolha 10 comportamentos do seu cotidiano e operacionalize. Entregue as definições para duas pessoas diferentes. Elas saberiam exatamente para onde olhar? Se sim, provavelmente a definição está bem descrita! Parte II: Mensuração do Comportamento 2.1. Passo 03: Selecionar uma Observação Apropriada e Métodos de Registros de Dados Você acabou de estudar, no módulo anterior, sobre a importância da medida, os tipos de medidas básicas e como definir operacionalmente um comportamento. Agora vem a parte mais prática e crucial relacionada à mensuração: os métodos de registro. Há duas formas de avaliação do comportamento: a direta e a indireta. Na direta, observamos o comportamento diretamente, enquanto ocorre ou pós ocorrência (por vídeo). Ela é mais precisa e mais fidedigna. Os métodos de registro de dados dos quais tratamos nessa parte são relativos a observação direta do comportamento. A forma de avaliação indireta ocorre por meio de 9 CBI of Miami alguém ou algo, ou seja, o dado passa pelo “filtro” de alguém. Exemplos de mensurações indiretas: entrevistas, questionários e checklists. Ela pode ter vários problemas que prejudicam a qualidade do dado: 1. Depende da lembrança de quem está relatando; as pessoas que estão relatando podem não ter o treino de observação adequado e requer que o profissional faça inferências acerca da relação entre o que é relatado e o comportamento de interesse (MILTENBERGER, 2020; COOPER, HERON & HEWARD, 2020). Em relação ao método de registro: o registro pode ser feito por um método contínuo, por intervalo, ou por medidas derivadas. No método de registro contínuo, “o observador analisa o cliente continuamente durante um determinado período e registra cada ocorrência do comportamento (MILTENBERGER, 2020, p. 18). No registro contínuo, o observador pode registrar todas as medidas que falamos anteriormente: frequência, taxa, duração, celeração, latência, intensidade, topografia e tempo entre respostas. Os métodos descontínuos são relativos aos registros de intervalo e de amostra. São chamados descontínuos pois consideram intervalos descontínuos de tempo. Para isso, o profissional divide o período em intervalos e marca a ocorrência ou não ocorrência do comportamento no período. No final do período de observação, o profissional registra o percentual de intervalos nos quais o comportamento ocorreu. Esse tipo de registro é dividido em registro de intervalo parcial, registro de intervalo total e registro de amostra momentânea. No registro de intervalo parcial o profissional registra um x ou outra marca no intervalo SE O COMPORTAMENTO OCORRER EM QUALQUER MOMENTO DO INTERVALO. Imagine que você está registrando o comportamento de rasgar papel de uma criança. Você divide um minuto em intervalos de 10 segundos. Se, dentro do intervalo de 10 segundos, a criança rasgar o papel, você marca x naquele intervalo. Se ela não rasgar o papel naquele intervalo, você não marca nada. Se ela rasgar 2x, você marca somente uma vez, pois seu objetivo é o de apenas verificar se o comportamento ocorreu naquele intervalo. 10 CBI of Miami O sistema de registro de intervalo parcial é mais utilizado para o registro de comportamentos que o terapeuta deseja diminuir a frequência e para comportamentos com altas taxas e/ou longa duração. É um sistema que pode superestimar a duração do comportamento no intervalo ou subestimar a taxa, portanto, precisa ser bem delineado pelo terapeuta. Comumente, o sistema de registro de intervalo parcial é chamado apenas de sistema de registro de intervalo. No sistema de registro de intervalo total, por sua vez, o profissional registra o x ou outra marca no intervalo SE O COMPORTAMENTO OCORRER DURANTE TODO O INTERVALO. Ele geralmente subestima a duração do comportamento, e por isso é mais utilizado para comportamentos que desejamos aumentar de frequência. Assim como o sistema parcial, é mais utilizado para comportamentos contínuos ou que ocorram em altas taxas. Um exemplo de registro de intervalo total seria: Imagine que você está registrando o comportamento de rasgar papel de uma criança. Você divide um minuto em intervalos de 10 segundos. Se, dentro do intervalo de 10 segundos, a criança passar os 10s inteiros rasgando o papel, você marca x naquele intervalo. Se ela não rasgar o papel naquele intervalo, você não marca nada. Se ela rasgar apenas um pedaço do intervalo e parar e outra parte dele, você não marca nada. Nofinal, você calcula a porcentagem de intervalos marcados. Por fim, no sistema de registro de amostra momentânea, você registra um x ou outra marca no intervalo se o comportamento ocorreu NO FINAL DO INTERVALO, ou seja, a pessoa pode passar o intervalo quase todo sem se comportar, mas se emitiu o comportamento no final, você marca X. Ele pode tanto subestimar quanto superestimar a ocorrência do comportamento, então, deve ser usado com cuidado. Esse sistema é bastante utilizado quando o terapeuta não tem tempo ou está impossibilitado de observar o comportamento por períodos mais longos, e apresenta uma variação chamada PLACHECK, utilizada para o registro de comportamento de pessoas em grupo. Os registros de medidas derivadas são feitos após o comportamento ocorrer. Além disso, são usados para cálculo de operantes restritos a oportunidades de ensino (e, por consequência, não são usados para operantes 11 CBI of Miami livres). Compreendem o registro de tentativas até critério e de porcentagem de oportunidades. O primeiro é relativo à quantidade de oportunidades de respostas necessárias para se atingir um critério estabelecido pelo instrutor. Como exemplo, podemos pensar em quantas ocorrências de respostas são necessárias até a pessoa atingir uma latência de 3s ou um critério de 100% de acerto. É um sistema bastante usado em treino de tentativas discretas. O registro de porcentagem de oportunidades, por sua vez, é relativo à proporção entre dois eventos com a mesma dimensão. Exemplo: Dentro de 10 oportunidades, quantas vezes a criança emitiu a resposta de mando? Outra forma de registro é o registro de produto permanente. Não é um método de registro, é relativo ao tempo da mensuração. É utilizada quando o comportamento resulta em um produto tangível que pode ser registrado. Ele é um tipo de registro pós-factum, ou seja, é realizado após a ocorrência do comportamento. Exemplos de produtos permanentes: respostas em exercícios, bitucas de cigarros jogadas. Agora que falamos de todos os sistemas de medição, você deve estar confuso com a quantidade de informações e se perguntando como escolher o melhor sistema. Essa é uma confusão comum em terapeutas iniciantes e acontece até com os mais experientes, acredite! Pensando nisso, alguns autores (LE BLANC; RAETZ; SELLERS & CARR, 2016) elaboraram um sistema que auxilia terapeutas na tomada de decisão em relação ao sistema de medida para comportamentos problemas. Mostramos abaixo o sistema desenhado pelos autores, com tradução livre realizada pela autora desse texto. O esquema resume pontos importantes que falamos durante esses dois módulos e coloca em fluxo perguntas relevantes que devem ser feitas pelo terapeuta no momento de escolha do sistema de mensuração. Observe atentamente ao esquema, todas as tomadas de decisão e todos os sistemas de mensuração. 12 CBI of Miami Figura 02: Modelo de tomada de decisão de sistemas de registro de comportamentos problemas. Tradução e adaptação livres de Le Blanc; Raetz; Sellers & Carr, 2016 13 CBI of Miami Por fim, sugerimos que você faça o seguinte exercício: escolha cinco comportamentos-problemas, reais ou não, e coloque no esquema de tomada de decisão acima. Observe as diferenças nas perguntas e das decisões tomadas. Quando chegar ao sistema de mensuração escolhido, volte ao texto e leia sobre ele novamente. Isso irá te ajudar a entender todo o fluxo! Parte III - Mensuração do Comportamento – Análise dos Dados Agora que aprendemos sobre coleta de dados, vamos abordar acerca de análise de dados. Iniciaremos o módulo falando sobre a qualidade da medida coletada e depois discutiremos sobre gráficos e análise visual. 3.1. Qualidade da Medida Quando você coleta dados, você se pergunta se pode confiar neles? Se eles representam de fato o que está sendo medido? Se o sistema escolhido foi o mais adequado? Se ele mede realmente alguma dimensão relevante do comportamento? Todo analista do comportamento deve se fazer essas perguntas constantemente. Isso indica que ele está preocupado com a qualidade da medida. Existem alguns indicadores de qualidade da medida: validade, fidedignidade e precisão (acurácia). A validade está relacionada a relevância da medida. A medida produz um dado diretamente relacionado ao evento? Ela mede uma dimensão relevante? Suponha que você gostaria de medir a quantidade de vezes que um adolescente xinga em sala de aula. A duração seria uma dimensão relevante nesse caso? Não! Se você usasse a duração, provavelmente não teria uma medida válida. Existem algumas ameaças à validade da medida: o uso de medidas indiretas (elas passam por um “filtro” e podem não medir o fenômeno de interesse); a mensuração de dimensões erradas do alvo e artefatos de mensuração. Artefatos são dados não representativos do comportamento e ocorrem devido a escolha errada do sistema de mensuração, mensuração descontínua mal planejada ou uso de escalas insensíveis (COOPER, HERON 14 CBI of Miami & HEWARD, 2020). A fidedignidade de uma medida está relacionada ao fato que que medidas repetidas produziriam o mesmo valor ao longo do tempo. Uma ameaça comum à fidedignidade é a deriva do observador. Imagine um observador que começa a divagar sobre a vida enquanto observa; é provável que ele passe a produzir medidas menos consistentes, ou seja, menos fidedignas com o tempo. Precisão é o índice que afirma que uma medida tem o valor representando, de fato, o dado real. Se uma criança pula 3 vezes e você registra uma frequência de 3 pulos, a medida é precisa. Ameaças comuns à precisão e à fidedignidade são ligadas a erros humanos: treinos inadequados da equipe, sistemas mal desenhados, expectativa do observador e reatividade do observador. 3.2. Acordo entre Observadores Uma forma de verificar a qualidade de uma medida é calculando o acordo entre observadores (AEO), ou o grau no qual duas pessoas, de forma independente, chegam aos mesmos dados do mesmo fenômeno. O AEO serve para determinar a competência de novos observadores, diminui a deriva e aumenta a confiança no dado. Existem vários métodos para o cálculo de Acordo Entre Observadores, que variam de acordo com o tipo de sistema de registro escolhido. Existem métodos voltados para sistemas de registro de evento, para sistemas de registro de tempo e para sistemas de registro de amostra de tempo. Segue abaixo um esquema resumo de todos os métodos de AEO, com algumas características relevantes. Abaixo desse esquema, uma tabela com as fórmulas de cada AEO. 15 CBI of Miami Contagem total Contagem média por intervalo Contagem exata por intervalo Tentativa a tentativa Duração total Duração média por ocorrência Intervalo por intervalo Intervalos pontuados Intervalos não pontuados Imagens 3 e 4: Tipos de AEO e fórmulas de AEO. 16 CBI of Miami 3.3. Exercícios de AEO Não tem jeito! A melhor forma de aprender a aplicação de fórmulas é exercitando! Abaixo, alguns exercícios de AEO para você praticar! O gabarito está logo abaixo. 1. Carlinhos e Letícia estavam observando a frequência por intervalos do comportamento de Patrícia fazer careta. Eles fizeram o seguinte registro: 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 Carlinhos 0 2 4 3 4 5 4 5 0 2 3 0 Letícia 0 5 5 0 5 5 3 0 5 2 2 3 Com base na tabela, responda às questões abaixo: A. Há quantos intervalos no total? B. Em quantos intervalos Carlinhos registrou ocorrência do comportamento? C. Quais os métodos de AEO podem ser utilizados no exemplo? D. Calcule AEO por contagem total.E. Calcule AEO por contagem média por intervalo. F. Calcule AEO por contagem exata por intervalo. G. Qual dos AEO calculados é mais rude? Qual o mais rigoroso? 2. Carlinhos e Letícia estavam observando a duração por intervalos do comportamento de Patrícia fazer careta. Eles fizeram o seguinte registro: 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Carlinhos 4 4 2 0 3 2 3 5 0 0 Letícia 3 5 2 5 0 5 2 5 3 0 Com base na tabela, responda às questões abaixo: A. Há quantos intervalos no total? B. Em quantos intervalos Carlinhos registrou ocorrência do comportamento? 17 CBI of Miami C. Quais os métodos de AEO podem ser utilizados no exemplo? D. Calcule AEO por duração total. E. Calcule AEO por duração média por intervalo. F. Qual dos AEO calculados é mais rude? Qual o mais rigoroso? 3. Carlinhos e Letícia estavam observando a ocorrência do comportamento de Patrícia fazer careta em um sistema de registro de intervalo parcial. Eles fizeram o seguinte registro (considere x como ocorrência do comportamento): 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Carlinhos x x x x x x Letícia x x x x x x Com base na tabela, responda às questões abaixo: A. Há quantos intervalos no total? B. Em quantos intervalos Carlinhos registrou ocorrência do comportamento? C. Quais os métodos de AEO podem ser utilizados no exemplo? D. Calcule AEO intervalo por intervalo. E. Calcule AEO por intervalos pontuados. F. Calcule AEO por intervalos não marcados. 18 CBI of Miami Gabarito dos Exercícios de AEO: Questão 1: A. 12 intervalos no total. B. Carlinhos registrou a ocorrência do comportamento em 09 intervalos (2, 3,4,5,6,7,8,10 e 11). C. Esse é um registro de frequência (evento). Poderíamos calcular AEO por contagem total, AEO por contagem média por intervalo e AEO exato por intervalo. D. 32/35 x 100 = 91%. E. (100% + 40% + 80% + 0 + 80% + 100% + 75% + 0 + 0 + 100% + 67% + 0) / 12 = 53%. F. 3/12 = 25%. G. O mais rude é o de 91% e o mais rigoroso é o de 25%. Questão 2: A. 10 intervalos. B. Em 07 intervalos (1,2,3,5,6,7 e 8). C. Duração total e duração média. D. 67%. E. 56,2%. F. O mais rude é o de 100% e o mais rigoroso é o de 43%. Questão 3: 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Carlinhos x x x x x x Patrícia x x x x x x A. 10 intervalos. B. Em 6 intervalos. C. Intervalo por intervalo, intervalos pontuados e intervalos não pontuados. 19 CBI of Miami D. 6/10 = 60%. E. 4/8 = 50%. F. 2/6 = 33%. 3.4 Dados Gráficos Para a Comunicação de Relações Quantitativas Agora que você já sabe medir o comportamento, escolher o sistema de medidas e verificar a integridade da medida, vamos aprender a graficar uma medida e fazer análise dos dados gráficos! Gráficos são ferramentas. Eles servem para comunicar algo, fornecer base para avaliação e demonstrar a relação entre variáveis. São instrumentos de fácil compreensão, não dependem de análises visuais, permitem interpretações individuais e o acesso contínuo ao comportamento do sujeito (Cooper, Heron & Heward, 2020). Existem vários tipos de gráficos, mas, para a análise do comportamento os mais utilizados são os de linha. Os componentes de um gráfico de linha são: Figura 04: Exemplo de um gráfico. Retirado de Moore; Mueller; Dubard; Roberts & Sterling‐Turner, (2002). 1. Eixo horizontal, x ou abcissa – VI. 2. Eixo vertical, Y ou ordenada – VD. 3. Mudanças na linha de condição. 4. Etiquetas das condições experimentais. 5. Pontos de dado – Representam uma medida. 1 2 3 4 5 6 7 20 CBI of Miami 6. Trajetória de dados – nível e tendência. 7. Legenda da figura. Existem outros tipos de gráficos, utilizados com uma menor frequência, na análise do comportamento. O gráfico de barras, ou histograma, possui como finalidade uma comparação ampla de muitos dados. Não possui ponto de dados e nem trajetória. Além disso, não há dimensão comum no eixo x. O gráfico de respostas acumuladas foi criado por Skinner para mostrar de forma clara a relação entre comportamento e intervenção. É um gráfico útil para quando queremos mostrar o número de objetivos e quando temos a emissão de 1 ou zero comportamentos por dia. Por acumular respostas, é um gráfico que nunca apresentará uma tendência decrescente. Quanto maior a inclinação do gráfico, maior a taxa de respostas. Há duas taxas que observamos em um gráfico cumulativo: a taxa de resposta geral, observada a partir de uma linha traçada entre o primeiro e o último ponto de dado, e a taxa de resposta local, com uma linha traçada entre dois pontos de dados do gráfico, a fim de mostrar a trajetória em um local específico. O gráfico de dispersão serve para analisarmos as relações temporais das respostas. Eles detectam correlações entre variáveis. Os gráficos semilogariticos utilizam uma escala diferente no eixo y e são adequados para mostrar mudanças proporcionais. Um gráfico utilizado na ABA por determinado grupo de pesquisadores e profissionais, que trabalham com ensino de precisão, é o gráfico de celeração padrão. Ele é um gráfico semilogaritmico utilizado para verificar as mudanças proporcionais no comportamento. 3.5 Interpretação de Gráficos – Análise visual Uma vez reconhecendo os componentes de um gráfico de linha, é papel do analista do comportamento saber interpretá-lo. De acordo com Cooper, Heron & Heward, 2020, analistas do comportamento utilizam uma forma sistemática para analisar os dados gráficos, chamada análise visual. A análise visual busca saber se houve mudança significativa, se essa mudança pode ser atribuída à variável independente, e qual a extensão dessa 21 CBI of Miami relação. Para tanto, o analista do comportamento observará variabilidade, nível e tendência dos dados, dentro da mesma condição e entre condições de um experimento. Os autores supracitados indicam que, antes de interpretar os dados, o profissional examine com cuidado a construção geral do gráfico: a legenda, as linhas e as etiquetas de condições, as variáveis independente e dependente, os valores numéricos. Depois, eles indicam que se avalie se os pontos de dados estão devidamente conectados por uma trajetória e o número de pontos de dados em cada condição. Quanto mais pontos de dados, mais confiança podemos ter no gráfico. A exceção a essa regra ocorre quando condições éticas não permitem a tomada de muitos dados ou quando há critérios de performance estabelecidos para o número máximo de dados. A variabilidade é o “quão frequente e a extensão na qual medidas repetidas do comportamento geram diferentes resultados” (COOPER, HERON & HEWARD, 2020, p. 171). De forma geral, quanto maior a variabilidade, menos controle temos em relação a um dado, exceto quando o objetivo da intervenção visa variabilidade. O nível é “o valor em volta do eixo vertical no qual um grupo de medidas de respostas converge” (COOPER, HERON & HEWARD, 2020, p. 171). Geralmente olhamos para o nível médio dos dados, uma linha horizontal representando a média de uma série de medidas. Quando temos dados com grande instabilidade, o nível médio deve ser interpretado com cuidado. A tendência é “a direção geral tomada por uma trajetória. Tendência é descrita em termos da sua direção (crescente, decrescente e zero tendência), grau ou magnitude e a extensão da variabilidade dos pontos de dados ao longo da tendência” (COOPER, HERON & HEWARD, 2020, p. 172). Após analisar os pontos trazidos anteriormente, o analista do comportamento irá realizar uma análise visual entre condições. É importante observar nível, variabilidade e tendência após a retirada ou inserção de uma variável independente. Avaliar essas três características em conjunto, entre condições, permitirá o analista do comportamentosaber o quão extensas e significativas foram as mudanças. 22 CBI of Miami 3.6. Tomada de Decisão em Análise Visual Um grupo de autores desenvolveu, em 2019, um modelo de fluxograma que auxilia na tomada de decisões clínicas para aquisição de habilidades a partir de análise visual (KIPFMILLER et al, 2019). O modelo inicia perguntando se a tendência é crescente. Se sim, o terapeuta deve observar se há 3 ou mais pontos de dados com critério acima de 80%. Se sim, a intervenção está considerada completa. Convém lembrar que esse dado de 80% é baseado no critério que os autores adotaram, outros critérios podem ser utilizados pelos terapeutas. Se a tendência for crescente, mas ainda não há dados suficientes para a tomada de decisão relacionada a completar o programa, o terapeuta deve continuar. Se a tendência estiver decrescente, ele deverá modificar a intervenção. Se a tendência não for crescente nem decrescente e houver muita variabilidade, também deverá modificar. Se, mediante ausência de tendência crescente ou decrescente, pouca variabilidade e uma tendência reta com os últimos 10 dados 50% abaixo, eles recomendam descontinuar a intervenção. Se, nessa última hipótese citada, os últimos 10 dados não estiverem 50% abaixo, o terapeuta deverá modificar a intervenção. E se, a tendência não estiver crescendo nem decrescendo, mas não estiver na horizontal e tiver baixa variabilidade, ele também recomenda continuar a intervenção. Elaboramos, abaixo, uma tabela com os caminhos prováveis de tomada de decisão: 23 CBI of Miami Possib. Tendência crescente Os últimos 03 dados estão 80% ou acima? Tendência decrescente Dados variados Tendência “reta”? Os últimos 10 dados estão 50% ou abaixo? Decisão 1 SIM SIM Intervenção completa 2 SIM NÃO Continuar Intervenção 3 NÃO NÃO NÃO NÃO Continuar Intervenção 4 NÃO SIM Modificar Intervenção 5 NÃO NÃO SIM Modificar Intervenção 6 NÃO NÃO NÃO SIM NÃO Modificar Intervenção 7 NÃO NÃO NÃO SIM SIM Descontinuar Intervenção Aconselhamos que você escolha alguns gráficos de intervenção de artigos da área e pratique a tomada de decisões com pares da área. Imprima essa tabela ou o gráfico fornecido no artigo original e use no seu dia-a-dia. 24 CBI of Miami Referências Bibliográficas COOPER, J. O., HERON, T. E., & HEWARD, W. L. Applied behavior analysis. Pearson UK. (2020). KIPFMILLER, K. J., BRODHEAD, M. T., WOLFE, K., LALONDE, K., Sipila, E. S., BAK, M. S., & FISHER, M. H. Training front-line employees to conduct visual analysis using a clinical decision-making model. Journal of Behavioral Education, 28(3), 301-322. (2019). LEBLANC, L. A., RAETZ, P. B., SELLERS, T. P., & CARR, J. E. A proposed model for selecting measurement procedures for the assessment and treatment of problem behavior. Behavior Analysis in Practice, 9(1), 77-83. (2016). MARR, M. J. The natural selection: Behavior analysis as a natural science. European Journal of Behavior Analysis, 10(2), 103-118. (2009). MILTENBERGER, R. G. Modificação do comportamento: teoria e prática. Tradução: Visconte, S; e Silva, P. São Paulo: SP: Cenage, 2021, 416 p. (2020). MOORE, J. W., MUELLER, M. M., DUBARD, M., ROBERTS, D. S., & STERLING‐TURNER, H. E. The influence of therapist attention on self‐ injury during a tangible condition. 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