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ECONOMIA POLÍTICA Filipe Prado Macedo da Silva Revisão técnica: Gustavo da Silva Santanna Bacharel em Direito Especialista em Direito Ambiental Nacional e Internacional e em Direito Público Mestre em Direito Professor em cursos de graduação e pós-graduação em Direito Catalogação na publicação: Karin Lorien Menoncin CRB -10/2147 S586e Silva, Filipe Prado Macedo da. Economia política [ recurso eletrônico ] / Filipe Prado Macedo da Silva, Ariel Dutra Birnkott, Jaíza Gomes Duarte Lopes; [revisão técnica: Gustavo da Silva Santanna]. – Porto Alegre: SAGAH, 2018. ISBN 978-85-9502-408-3 1. Política econômica. I. Birnkott, Ariel Dutra. II. Lopes, Jaíza Gomes Duarte. III.Título. CDU 338.2 Livro_Economia_Politica.indb 2 24/04/2018 11:11:37 Intervenção do Estado na economia Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Descrever o processo histórico da intervenção do Estado na economia. Determinar as relações entre a ordem econômica e o Direito econômico. Relacionar as formas de intervenção do Estado na economia. Introdução Desde quando se formaram os primeiros Estados nacionais, a intervenção na economia sempre foi uma questão muito polêmica. Ao longo da história, a intervenção do Estado na economia adquiriu diferentes prismas ideológicos e variados ordenamentos jurídicos — revelando as relações entre a ordem econômica e o Direito econômico. Nesse sentido, surgiram várias formas de intervenção do Estado na economia. Neste texto, você vai entender o processo histórico da intervenção do Estado na economia. Também vai observar como funcionam as relações entre a ordem econômica e o Direito econômico, bem como as variadas formas de intervenção do Estado na economia. Processo histórico da intervenção do Estado na economia Desde quando se formaram os primeiros Estados nacionais pela aglutinação regional das soberanias feudais pulverizadas, o Estado era visto como o “príncipe” — a quem se investia de poderes de teor quase divino (COTRIM NETO, 1987). Essa é a fonte do Estado absolutista. Nesse período, tal percepção do Estado havia se cristalizado na ideia de que a fonte do poder quase divino advinha dos poderes monárquicos que, no mundo C12_Intervencao_estado_economia.indd 1 29/03/2018 14:50:54 ocidental, vigoravam na pessoa do rei e, assim, na figura do Estado. Mas, na prática, o Estado absolutista foi excessivamente controlador e corrompedor. Com a Revolução Inglesa de 1688 e a Revolução Francesa de 1789, abriu- -se a era do capitalismo e o caminho para o liberalismo. Nessa conjuntura, a percepção do Estado absolutista entrou em declínio. Assim, o liberalismo passou a ser a palavra de ordem — em especial no plano econômico e político. Em poucas palavras, o liberalismo era o contraditório do absolutismo. Enquanto o absolutismo se caracterizava por um governo de monarcas absolutos e déspotas, em que tudo tinha a cabeça e a mão do Estado, o li- beralismo queria um governo pequeno ou um governo que não governasse demasiadamente. Ou seja, o liberalismo não defendia o fim do Estado, mas a redução da sua “mão” — noção que ficou popular com a ideia de Adam Smith da “mão invisível”. Quem defendia (e ainda defende) o fim do Estado nacional eram os anarquistas. Assim, a ideia da intervenção do Estado (liberal) na economia nasce em torno da importância do Estado, mas de um Estado mínimo. Nesse contexto, o Estado passou a ser visto como uma entidade que se impõe para organizar a vida social, exercendo as mais variadas maneiras de intervenção no processo social (PINTARELLI, 2012). Logo, não importa qual seja a sua estrutura ou o regime que destaque o funcionamento dos seus poderes: o Estado será sujeito e conformador da ordem social (PINTARELLI, 2012). Dessa maneira, com a perspectiva liberal do Estado, percebeu-se que ele pode ficar mais ou menos indiferente em relação à ordem social, a depender de como se conformam as suas relações de poderes. Por exemplo, até onde vão as necessidades do Estado de intervir nos Direitos individuais? Nascia, portanto, um Estado com uma identidade de administrador, não mais o súdito de um soberano; o Estado, então, estava posto no papel de intérprete ou expressão do interesse geral (COTRIM NETO, 1987). A partir do século XVIII, e com o surgimento da teoria do Estado de Direito, a noção de intervenção assumiria uma nova característica que daria lugar às manifestações de intervenção conformadora, ou seja, aquela que marcou a ordem medieval absolutista. Logo, a intervenção conformadora só ficaria limitada ao que se convencionou chamar de moderno instituto do poder de polícia. Daí a ideia de ser lícito ao Estado intervir, exclusivamente, para condicionar o exercício dos Direitos, em especial o de propriedade, a determinados fins sociais. Tal percepção sobre a legitimidade das intervenções estatais ocorreu na Europa e nos Estados Unidos, ainda no século XIX. Por conseguinte, isso permitiu que o liberalismo econômico se desenvolvesse e consolidasse o Intervenção do Estado na economia2 C12_Intervencao_estado_economia.indd 2 29/03/2018 14:50:54 capitalismo contemporâneo. Nesse período, a teoria da administração pública já sustentava a necessidade de se estabelecer no Estado uma administração social que fosse capaz de corresponder — a partir de regramentos legais/ jurídicos — aos reclamos da sociedade em geral. Uma análise histórica do Brasil A intervenção do Estado na economia brasileira data da primeira Constituição Brasileira, escrita em 1824, quando o Brasil ainda era uma monarquia parla- mentarista. Nessa época, o controle da economia era exercido por câmaras locais, que tinham como propósito, além da manutenção da economia, a aplicação das rendas e o desenvolvimento em cada cidade ou vila colonial. É importante você se lembrar de que a economia, nesse momento, era de exportação, latifundiária e escravista. Já na nova Constituição de 1891 ocorreu o fim do Estado monárquico. Essa nova Constituição serviu de base para a formação política atual, já que decretou o fim dos privilégios aristocráticos e do clero, dando poder apenas ao povo, que, por meio do voto direto, escolhia seus representantes (MARTINS; SILVA, 2011). Nesse momento, o Brasil iniciava o seu desenvolvimento capitalista, que, com o fim do escravismo, dava os primeiros sinais de industrialização e de urbanização. Contudo, do lado político, o coronelismo ou a “política do cabresto” era o que controlava as forças econômicas da época. Com o golpe de Estado em 1930 e a posse de Getúlio Vargas, aconteceu a Revolução Constitucionalista de 1932. Isso produziu uma mudança sociológica que colocou o Brasil oficialmente dentro do modelo do liberalismo econômico industrial que os Estados Unidos e a Europa conheceram no século XIX. Em poucas palavras, o Brasil passou a ter um Estado com um modelo baseado no Direito e na orientação ideológica dos países até então industrializados (PINTARELLI, 2012). Na prática, o que isso significava? Que o Brasil, no que tange à intervenção do Estado na economia, passou a ter, na nova Constituição aprovada em 1934, uma ideologia econômica legitimada ou juridicamente legal. De acordo com Martins e Silva (2011), essa Constituição de 1934 foi a primeira no Brasil que continha princípios liberais, como a ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da Justiça e as necessidades da vida nacional de modo que possibilite a todos a existência digna. Dentro desses limites, é garantida a liberdade econômica. Assim, o Estado passa a ter em seu Direito constitucional uma série de elementos de caráter econômico. Por exemplo, passou a incluir diversos assun- 3Intervenção do Estado na economia C12_Intervencao_estado_economia.indd 3 29/03/2018 14:50:54 tos econômicos, como a gestão da produção, os Direitos dos trabalhadores, a gestão de funcionários brasileiros em serviços públicos, a instituição da Justiça doTrabalho, a função social da propriedade, o salário mínimo, entre outros. Na conjuntura histórica da época, alguns historiadores e economistas apontaram um excessivo controle do Estado na economia brasileira. Essa visão, apesar de ser parcialmente aceita pela doutrina liberal, foi na época considerada “comunista” pela Constituição seguinte. Assim, a Constituição do Estado Novo de Getúlio Vargas tinha como característica marcante o caráter de extrema direita. Portanto, na Constituição de 1937, foi fortalecido o valor da livre iniciativa. Essa constituição destacou que o trabalho era um dever social do cidadão e somente este poderia levar ao desenvolvimento nacional. Esse princípio norteou todo o período do Estado Novo — com foco ultranacionalista —, em que o cidadão foi colocado como uma espécie de agente pelo desenvolvimento nacional (MARTINS; SILVA, 2011). Mesmo com um caráter liberal, a Constituição de 1937 previa a possibilidade de intervenção do Estado na economia para cobrir os aspectos impossíveis de serem executados pelo setor privado — em um país ainda em processo de desenvolvimento (BASTOS, 2000). Além disso, essa Carta Magna de 1937 passou a incluir os chamados crimes contra a economia popular”, que abrangem todos os tipos de práticas comerciais nocivas à sociedade brasileira, como o dumping (dos preços), o oligopólio, o monopólio, entre outros. Nesses casos, a estrutura constitucional incluía o poder do Estado de realizar intervenções diretas a fim de coibir tais práticas criminosas contra a economia. Na sequência, a Constituição de 1946 acena para um período de liberdade — econômica, social e política. No plano econômico, novamente se observa a função social da propriedade e até um esboço do que viria a ser uma reforma agrária, a valorização da livre iniciativa, a condição de obrigação do trabalho como meio de dignidade e a intervenção estatal na economia (em setores específicos). Novamente, o Estado brasileiro passa a ter uma característica mais intervencionista do ponto de vista econômico (BASTOS, 2000). Já em 1947 acontece outra atualização da Constituição Brasileira. Incorpo- ram-se mais uma vez as questões dos Direitos dos trabalhadores, inclusive os previdenciários, das condições de imigração, do retorno ao Direito à greve, do solo como riqueza nacional e das ocasiões em que o Estado intervirá na economia. Com a ditadura militar, uma nova constituição foi redigida em 1967. Já no primeiro artigo dessa Constituição de 1967, intitulado “Da Ordem Econômica e Social”, eram apresentados os princípios sociais e econômicos que norteariam Intervenção do Estado na economia4 C12_Intervencao_estado_economia.indd 4 29/03/2018 14:50:54 a nação. Esse texto constitucional tinha claramente um caráter liberal — ou o que já se chamava, naquele momento, de neoliberal —, com elevada im- portância dada à livre iniciativa e ao Direito do trabalho. Daí, brotou a clara ideia de que o Estado estava a serviço do capitalismo, ou seja, era um Estado capitalista (MARTINS; SILVA, 2011). Finalmente, na atual Constituição de 1988, o título da Constituição de 1967 foi alterado. Passou de “Da Ordem Econômica e Social” para “Da Ordem Econômica e Financeira” e assumiu como fulcro o real controle da economia. No novo texto, o caráter neoliberal fica mais claro de identificar, até porque é um texto que surge ao longo da consolidação internacional da globalização e da financeirização. Apesar de a Constituição de 1988 incluir um conjunto de questões sociais e de Direitos para a igualdade, é um texto que está fundado na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa. Em suma, define a sociedade bra- sileira como um sistema capitalista neoliberal. Aqui, há um fortalecimento dos Direitos ligados à propriedade privada, à livre concorrência e à defesa do consumidor. Historicamente, uma das práticas que o Estado sempre buscou evitar na economia é o dumping. O dumping é uma prática econômica que consiste em comercializar produtos e serviços a preços inferiores aos custos, com a finalidade de eliminar concorrentes e/ ou ganhar mercado. Seja numa economia nacional ou no mercado internacional, o dumping é considerado um crime econômico. Logo, o Estado (ou os Estados nacionais e os organismos internacionais) buscam medidas legais para evitar tal prática, que são denominadas medidas antidumping. Relações entre a ordem econômica e o Direito econômico Como você sabe, a economia é regida por uma ordem. Em outras palavras, a economia não é constituída por um conjunto desordenado de elementos e processos, mas, contrariamente, se articula e se organiza numa ordem: a ordem econômica (LIMA NETO, 2003). Em termos práticos, essa ordem econômica se traduz em relações econômi- cas de produção, distribuição e consumo de bens entre os agentes econômicos 5Intervenção do Estado na economia C12_Intervencao_estado_economia.indd 5 29/03/2018 14:50:54 — relações que são organizadas a partir da divisão social do trabalho. Para que essa ordem econômica exista, é fundamental uma ordem jurídica. Logo, a economia concreta deve estar naturalmente normatizada, or- denada e com dimensão jurídica. De acordo com Lima Neto (2003), no capitalismo, há o aumento da extensão jurídica da economia, desde a inicial forma concorrencial e privada até o contemporâneo capitalismo monopo- lista de Estado. Consequentemente, você pode considerar que existe um conjunto de princípios jurídicos de conformação do processo econômico e que esses princípios podem servir a determinados fins políticos do Estado. Daí, observa-se que na ordem jurídica existe uma parcela que corresponde à ordem jurídica econômica. Essa ordem jurídica econômica passou significar, em geral, Direito econômico. Desde logo, o Direito econômico é um ramo autônomo do Direito, que dispõe de sujeito, objeto, normas e campo próprio de atuação, harmonizando-se naturalmente com os demais ramos jurídicos. Novamente, é fundamental destacar: essa ordem é a ordem econômica de uma economia concreta. Em outras palavras, na medida em que a economia se efetiva em relações entre agentes econômicos, tais relações podem ser objeto da ordem jurídica. Assim, a ordem econômica pode traduzir-se em ordem jurídica da economia. É por isso que o objeto primordial do Direito econômico são as atividades econômicas correntes no mercado, sejam do setor privado ou do setor público. Nesse contexto, é do Direito econômico a prioridade na regulamentação das atividades econômicas do mercado capitalista e o estabelecimento dos parâmetros e limites de atuação para as empresas públicas e privadas, ainda que, muitas vezes, outros ramos do Direito também possam atuar. Isso significa que o conteúdo econômico das normas jurídicas está compro- metido com a regulamentação jurídica da política econômica — que está con- dicionada, em última instância, aos princípios ideológicos constitucionalmente adotados. Logo, o Direito econômico corresponde ao fim da separação entre o estado e a economia, ou entre o estado e a sociedade (LIMA NETO, 2003). Assim, o foco das normas do Direito econômico, ainda que seja sempre econômico enquanto seu gênero, é a política econômica traçada e execu- Intervenção do Estado na economia6 C12_Intervencao_estado_economia.indd 6 29/03/2018 14:50:54 tada de forma a atender a determinada ideologia vigente, que constitui a verdadeira particularidade desse ramo do Direito. Por exemplo, atualmente, o Direito econômico segue uma linha ideológica neoliberal, seja para o funcionamento da economia e/ou do Estado. No Direito econômico, os sujeitos econômicos (ou agentes) são os in- divíduos, o Estado, as empresas, as instituições nacionais, internacionais e comunitárias, e aqueles caracterizados com relação aos chamados interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos e que, na prática econômica, atuam conforme os próprios interesses, nem sempre harmonizados com os da política econômica (LIMA NETO, 2003).Diante disso, alguns autores e juristas revelam que o Direito econômico tem a função de buscar a harmonia da política econômica com as ações dos sujeitos econômicos (ou agentes), condicionando-as aos princípios ideológicos constitucionalmente adotados. Isso envolve também harmonizar as ações públicas e privadas, minimizando os efeitos contraditórios das relações econômicas concretas. O Direito econômico, então, busca utilizar os princípios da economicidade. Nesse sentido, objetiva a regulamentação de uma política econômica que assegure a defesa e a harmonia dos interesses individuais e coletivos, segundo a ideologia adotada pelo ordenamento jurídico (PINTARELLI, 2012). Dessa perspectiva é que você pode compreender como funcionam as so- ciedades capitalistas contemporâneas. Ou seja, as relações entre a ordem econômica e o Direito econômico conformam-se em uma nova realidade dentro da estrutura do Estado, que manifesta, dessa forma, uma nova configuração da economia, da sociedade e do Estado. Esse é o novo modo de ser das relações entre a ordem econômica e a ordem jurídico-política da sociedade em geral no século XXI. O resultado é o surgimento das chamadas constituições econômicas. De acordo com Lima Neto (2003), é de se compreender a ordem jurídica econômica como a expressão clara das normas e instituições jurídicas cujos objetos são as relações e os agentes econômicos — incluindo um conjunto de planos e ramos jurídicos distintos, como o Direito Público, o Direito Pri- vado, o Direito Comercial, o Direito do Trabalho, o Direito Administrativo, o Direito Civil, entre outros. É nesse sentido que a Constituição de um país passa a atribuir o caráter de ordem à ordem econômica, ao legitimar normas e instituições jurídicas que dão estabilidade e economicidade às relações econômicas. Em poucas palavras, a constituição econômica pode ser definida como o conjunto de normas fundamentais que estabelecem juridicamente os elementos estru- 7Intervenção do Estado na economia C12_Intervencao_estado_economia.indd 7 29/03/2018 14:50:55 turais concretos de determinado sistema econômico, seja nacional (com as constituições nacionais), seja internacional (com os acordos jurídicos internacionais) (BASTOS, 2000; MARTINS; SILVA, 2011). O sistema econômico e o Estado brasileiro No Brasil, assim como em muitos países capitalistas, o Estado mantém seu controle sobre a economia com as normas e as instituições legitimadas pela constituição (de caráter econômico e de ideologia dominante neoliberal). Para isso, o Estado brasileiro mantém seu controle sobre o sistema eco- nômico com o objetivo de garantir a estabilidade do sistema capitalista. Por- tanto, ele monitora as condições que venham a ameaçar esse modelo social e econômico predominante e constitucionalmente adotado. Assim, está prevista a intervenção do Estado brasileiro na economia como agente normativo e regulador da atividade econômica. O princípio funda- mental, que serve de pano de fundo, é a liberdade econômica, como ponto máximo do Estado Democrático de Direito no Brasil. Nesse sentido, a defesa da concorrência e a repressão aos crimes econômicos tornam-se determinantes para promover a eficiência econômica e o bem-estar da sociedade capitalista brasileira. Isso significa dizer que o Estado exerce, na forma da lei, um conjunto de formas de intervenção, a saber: fiscalização, incentivo e planejamento. Essas atividades de intervenção do Estado são determinantes para o setor público e indicativas para o setor privado. Paralelamente, pensar em um Estado Democrático de Direito é considerar o resultado da própria evolução da doutrina liberal social e econômica, que aconteceu ao longo dos séculos XVIII e XIX na Europa e nos Estados Unidos (MARTINS; SILVA, 2011). Logo, ainda que o Estado Democrático de Direito reconheça a obrigação de intervir, há o respeito à lei, no sentido de garantir igualmente a liberdade e o cumprimento dos princípios constitucionais que guiam cotidianamente a vida social e a ordem econômica. Assim, o propósito do Estado brasileiro é de que a coletividade seja pre- servada, a partir dos fundamentais princípios da livre iniciativa, da livre concorrência, da preservação da propriedade privada e da defesa dos con- sumidores. Tudo isso está constitucionalizado a partir de Direitos que são tutelados e preservados pelo Estado (BASTOS, 2000). Resumindo, a constituição econômica formal brasileira pode ser en- tendida como a parte consubstanciada na atual Constituição Federal (de 1988). Essa constituição contém os Direitos que legitimam a atuação dos Intervenção do Estado na economia8 C12_Intervencao_estado_economia.indd 8 29/03/2018 14:50:55 sujeitos/agentes econômicos, o conteúdo e os limites desses Direitos e a responsabilidade que comporta o exercício concreto da atividade econômica (LIMA NETO, 2003). Um dos elementos da ordem econômica em que o Estado sempre buscou interferir é a estrutura da concorrência. Por exemplo, os cartéis e os monopólios são considerados muito nocivos para a eficiência dos mercados livres e uma ameaça ao bem-estar econômico em geral. Assim, a maioria dos governos tenta evitar esse tipo de prática com legislação antitruste ou com leis sobre as práticas de concorrência. A primeira intervenção nesse sentido ocorreu nos Estados Unidos, em 1890, quando a Lei Sherman tornou ilegal todo contrato ou trama que restringisse o comércio entre os estados e o exterior. O problema é que as leis antitruste, em geral, são muito difíceis de aplicar. Na própria economia, são leis consideradas complexas, já que é difícil assinalar o que é conluio e o que é cooperação. Nem toda cooperação implica práticas de conluio, como fixação de preços e concorrência combinada. Diante dessa situação ambígua, o político americano Henry A. Wallace afirmou que o ideal era de que não se deve tolerar um governo opressivo ou excessivamente interventor, nem uma oligarquia setorial na forma de monopólios e cartéis. Formas de intervenção do Estado na economia Do ponto de vista ideológico, qualquer das formas de intervenção do Estado na economia capitalista tem por fundamento a propriedade privada dos meios de produção e a primazia da iniciativa privada da atividade econômica. Assim, o Estado — e não o mercado — passa a atuar como agente econômico, normativo e regulador da atividade, cabendo-lhe o exercício de três funções: fi scalização, incentivo e planejamento (LIMA NETO, 2003; PINTARELLI, 2012). A intervenção do Estado na economia tem a finalidade de estabelecer disciplinas e/ou condicionamentos para as atividades econômicas, de forma a permitir a consecução de objetivos sociais constitucionalmente adotados. Em poucas palavras, essa é a visão de todos os Estados que adotaram o sis- tema capitalista de produção como sistema básico orientador da vida social e econômica. Essa é a linha de atuação do Estado brasileiro — que aplica a atual Cons- tituição de 1988. Nesse sentido, ocorrem duas formas de atuação estatal no domínio econômico: 9Intervenção do Estado na economia C12_Intervencao_estado_economia.indd 9 29/03/2018 14:50:55 a participação e a intervenção, com o Estado como administrador de atividades econômicas, mediante a utilização de empresas públicas e sociedades mistas; o Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica, que compreende as funções de fiscalização, incentivo e planejamento. Juntas, essas duas formas de atuação mostram que o Estado é um agente econômico regulador, operador, promotor e planejador da atividade econômica. Nesse contexto, a intervenção do Estado na economia pode assumir três modalidades: 1. a intervenção por absorção ou participação; 2. a intervenção por direção; 3. a intervenção por indução. Essa é outra maneira de notar a intervenção do Estado brasileiro na econo- mia (LIMA NETO, 2003). A seguir, você vai ver as duas formas de intervenção do Estado na economia brasileira a partirda adoção da Constituição de 1988 (BASTOS, 2000; PINTARELLI, 2012). Intervenção do Estado na atividade econômica A Constituição de 1988 prevê que o Estado brasileiro pode explorar diretamente qualquer atividade econômica que seja imperativa para a segurança nacional ou relevante para o interesse coletivo, conforme defi nido em lei. A atuação do Estado na qualidade de agente econômico pode incluir não apenas a produção e a venda de bens, como também a prestação de serviços. Em ambos os casos, a intervenção do Estado ocorre em áreas cuja titularidade não lhe é própria, e sim do setor privado — o que inclui atividade econômica caracterizada como pública ou privada. Isso quer dizer que a intervenção do Estado pode ocorrer nas atividades econômicas que lhe são próprias (ou públicas) e nas que não lhe são próprias (ou privadas). Tudo dependerá do projeto político do governo que ocupa o Estado, nesse caso o Estado brasileiro, em especial na sua esfera federal. No caso das atividades que são próprias ao Estado, estão inclusos notavel- mente os bens e serviços públicos, que são concernentes à atividade econômica estatal. Como você sabe, o serviço público se caracteriza pelo seu conteúdo Intervenção do Estado na economia10 C12_Intervencao_estado_economia.indd 10 29/03/2018 14:50:55 e finalidade, voltando-se à satisfação de necessidades básicas essenciais, e de interesse coletivo, como, por exemplo, segurança, política, saneamento, transporte, entre outros (LIMA NETO, 2003). É importante você notar ainda que as atividades econômicas citadas ante- riormente são de competência constitucional do Estado. Elas podem vir a ser cumpridas em regime de concessão ou permissão pelo setor privado — con- forme vem ocorrendo nas reformas neoliberais dos Estados contemporâneos, inclusive dentro do Estado brasileiro (BASTOS, 2000). Já as atividades econômicas em sentido estrito, de titularidade privada, podem ser exploradas pelo Estado, condicionadas a dois pressupostos: 1. imperativa para a segurança nacional; 2. relevante para o interesse coletivo. Essas duas opções estão constitucionalmente explícitas, não sendo elas suplementares ou subsidiárias da iniciativa privada, mas sempre necessárias. Aqui, existem duas formas de exploração direta da atividade econômica pelo Estado. Para Lima Neto (2003), uma por meio do monopólio e, a outra, necessária, ou seja, quando o exigir a segurança nacional ou interesse público relevante, não se tratando de participação suplementar ou subsidiária da iniciativa privada, legitimando-se a participação estatal direta na atividade econômica sempre que ocorrerem essas exigências, independentemente de cogitar-se de preferência ou de suficiência da iniciativa privada. A Constituição de 1988 define que a exploração direta pelo Estado em atividades econômicas seria realizada por meio de empresas públicas e so- ciedades de economia mista (caso da Petrobrás), criadas por lei específica. Essas sociedades necessitam também da autorização do poder legislativo para serem criadas. Isso pode ser realizado por União, estados, Distrito Federal e municípios. Essas esferas podem, sempre por lei específica, criar e manter tais instrumentos de participação do Estado na economia, notando sempre os limites das suas competências legislativas. Outro instrumento que o Estado pode utilizar para intervir no domínio econômico constitucionalmente explicitado é o controle exclusivo estatal, ou seja, o monopólio sobre determinadas atividades econômicas em sentido estrito. Como nota Lima Neto (2003), nesse ponto a questão interessante refere-se à possibilidade de o Estado monopolizar determinada atividade econômica diante de imperativos da segurança nacional ou relevante interesse público. Esse é o caso da exploração do petróleo. 11Intervenção do Estado na economia C12_Intervencao_estado_economia.indd 11 29/03/2018 14:50:55 Intervenção do Estado como agente normativo e regulador No contexto do desenvolvimento do sistema capitalista, cabe ao Estado, e não ao mercado, o papel de agente normativo e regulador. Fica a cargo dele o exercício de três funções: fi scalização, incentivo e planejamento. A percepção aqui é de que o Estado tem o papel de “regular” as relações econômicas, mantendo-se a certa distância das atividades econômicas, que devem ser de livre iniciativa e de livre concorrência. No primeiro aspecto, o Estado, como agente normativo, tem a função de fixar as linhas que regulam os trajetos a serem percorridos pela economia para a obtenção dos objetivos almejados pela Constituição. Logo, cabe ao Estado orientar os agentes econômicos públicos e privados por meio de um conjunto de instruções e de indicações jurídicas (LIMA NETO, 2003). Não são leis do mercado, mas normas de procedimento o que o Estado prescreve a fim de dar as diretrizes da atividade econômica. Em termos práticos, cabe ao Estado, como agente normativo, editar leis direcionadas à disciplina da atividade econô- mica, aclarando Direitos e impondo restrições ou limitações às condutas das relações econômicas. No segundo aspecto, o Estado, como agente regulador, tem a função de aplicar as normas jurídicas que ele mesmo editou, sendo o principal condicionante da atividade econômica. Consequentemente, é pela ação de agente normativo e regulador da atividade econômica que o Estado opera as suas funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. Na fiscalização, cabe ao Estado fiscalizar, fazendo atuar a observância das normas da economia de mercado, por parte dos agentes econômicos, evitando distorções que a comprometam, prevenindo e/ou reprimindo, por exemplo, os abusos do poder econômico ou a eliminação da concorrência (LIMA NETO, 2003). Essa função se integra às atribuições do poder de polícia estatal e pode ser preventiva ou repressiva. Intervenção do Estado na economia12 C12_Intervencao_estado_economia.indd 12 29/03/2018 14:50:55 No incentivo, cabe ao Estado a “intervenção por indução”, em que a atuação estatal ocorre no campo da atividade econômica em sentido estrito. Na prática, os incentivos podem ser diversos, como a concessão gratuita de espaços para a instalação de novas indústrias/fábricas, ou a isenção para pagamento de impostos. Por fim, no planejamento, o Estado — determinante para o setor público e indicativo para o setor privado — forja leis que estabelecem diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado. Esse desenvolvimento, por sua vez, incorporará e compatibilizará os planos na- cionais e regionais de desenvolvimento — constitucionalmente adotados. Em suma, é um processo de intervenção estatal indireta no domínio econômico com a finalidade de organizar a atividade econômica para obter resultados coletivamente desejados. BASTOS, C. R. Curso de Direito Constitucional. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. COTRIM NETO, A. B. A intervenção do Estado na economia: seu processo e ocorrência históricos. Revista de Informação Legislativa, Brasília, DF, v. 24, n. 96, p. 139-154, out./ dez. 1987. LIMA NETO, A. Formas da presença do Estado na economia. Revista Tribunal Regional do Trabalho 9ª Região, Curitiba, ano 28, n. 51, p. 181-236, jul./dez. 2003. MARTINS, J. C.; SILVA, R. C. Da intervenção do Estado na economia. Revista do Curso de Direito, São Paulo, v. 8, n. 8, p. 9-30, 2011. PINTARELLI, C. K. A intervenção do Estado na atividade econômica: uma análise do caso Moema. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, n. 60, p. 43-70, jan./jun. 2012. Leituras recomendadas CORREIA, E. P. A intervenção do Estado na economia. 2010. Monografia (Pós-Graduação em Direito Constitucional) — Instituto Brasiliense de Direito Público, Brasília, DF, 2010. PINHEIRO, A. C.; SADDI, J. Direito, economia e mercados. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. 13Intervenção do Estado na economia C12_Intervencao_estado_economia.indd 13 29/03/201814:50:55 Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra. C12_Intervencao_estado_economia.indd 14 29/03/2018 14:50:55
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