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Natalia Quintino Dias Dor aguda vascular no membro inferior A dor aguda no MMII é uma queixa frequente e tem diversas etiologias, como doenças osteomusculares, neurológicas e vasculares. As dores de causa vascular envolvem a interrupção do fluxo vascular, seja venoso ou arterial, por trombose ou embolia. Trombose Fisiopatologia A formação do trombo envolve a tríade de Virchow: 1. Estase: gerada por distúrbio do fluxo laminar, por diminuição da velocidade de fluxo (obstrução arterial, relaxamento muscular, queda do débito cardíaco, compressão extrínseca, hipovolemia) ou por hiperviscosidade (policitemia vera, DPOC grave), leva à lesão endotelial por hipóxia e à hipercoagulabilidade, visto que propicia depósito de hemácias, leucócitos e plaquetas, ativando fatores pró-coagulação. 2. Hipercoagulabilidade: Primária (genética): • aumento de fatores de coagulação: fatores VIII e IX; • mutação em fatores de coagulação: fator V de Leiden (20-25% das TVP), protrombina mutante, hiper-homocisteinemia; • deficiência de inibidores da coagulação: antitrombina, proteína C e S; Secundária (adquirida): • aumento de fatores pró-coagulação: estase venosa, gravidez/puerpério, neoplasias, uso de esteroide; • diminuição de inibidores da coagulação circulantes: hepatopatia, QT, autoimunidades (*LES, SAAF), síndrome nefrótica; • diminuição da atividade fibrinolítica: trauma, pós-operatório imediato. 3. Lesão endotelial: gerada por traumas, hipóxia, vasculites, colagenoses, diabetes e tabaco, expondo a matriz subendotelial, ativando PAF e liberando TNF e IL-1, o que é essencial para a adesão plaquetária e ativação da cascata de coagulação. Características Trombose venosa Trombos venosos são compostos principalmente por por fibrina e divididos em cabeça (aderida à veia), corpo (adesão parcial) e cauda (livre na corrente sanguínea, onde se originam os êmbolos). Uma vez formado o trombo/coágulo, persistindo os fatores causais, há extensão proximal e distal, bem como acometimento de troncos vasculares maiores. Quanto mais lento o fluxo sanguíneo, mais rápido o crescimento do trombo, formando caudas longas com maior risco de TEP. Trombose arterial Trombos arteriais são ricos em plaquetas, e sua formação depende mais de vasculopatias do que trombos venosos, sendo mais frequentemente associada à: aterosclerose, vasculite, infecção, ao trauma, aneurisma e dissecção. Trombose vascular por estados de hipercoagulabilidade sem lesão endotelial é menos frequente do que na trombose venosa. Trombose intracardíaca Trombos formados nas cavidades cardíacas são também ricos em plaquetas e muito dependentes do distúrbio do fluxo laminar. Na maioria das vezes, os êmbolos são originados no átrio esquerdo, em pacientes portadores de fibrilação atrial, e do ventrículo esquerdo, por insuficiência ou discinesia secundária a infarto agudo do miocárdio. Podem também ser secundários à alteração do fluxo por valvopatias, em especial estenose mitral reumática, mas essa etiologia tem sido menos frequente nos tempos atuais. Trombos intracavitários podem desprender-se e embolizar, geralmente impactando bifurcações de ramos arteriais, podendo levar à oclusão arterial aguda de membro. Trombose venosa profunda de membro inferior e flegmasia Fatores de risco Não modificáveis: idade avançada; ascendência africana; tipos sanguíneos A e B. Modificáveis: ● Trauma (inclui causas externas e instrumentação venosa). Natalia Quintino Dias ● Trombofilias, em especial deficiência do fator V de Leiden, da AT3 ou das proteínas C e S. ● Restrição ao leito, imobilidade (≥ 3 dias), hospitalização recente, viagens longas. ● Operação recente, em especial de grande porte e ortopédicas. ● Moléstias inflamatórias: infecções, neoplasias, quimioterapia, doença inflamatória intestinal, autoimunidades (SAAF, LES). ● Barriga: gestação, puerpério, terapia de reposição hormonal, uso de suplementos hormonais. ● Obesidade, varizes. Quadro clínico Manifestações locais DOR NA PANTURRILHA (o + comum). Geralmente, piora com atividade física e melhora em repouso com elevação do membro. A dor pode estar presente e/ou piorar à palpação muscular (sinal de Moses), à dorsiflexão do pé (sinal de Homans, por irritação dos músculos sóleo e gastrocnêmio) e à palpação do trajeto da veia acometida. Edema assimétrico – em geral, unilateral ou assimétrico, de grau variável, a depender da extensão do processo. Edema bilateral sugere doença sistêmica, mas pode ocorrer na trombose de cava. Quando presente na perna, é sinal de acometimento femoropoplíteo. Quando em coxa, é sinal de acometimento iliacofemoral. Espastamento de panturrilha – rigidez da musculatura da panturrilha (sinal da Bandeira). Dilatação das veias superficiais (sinal de Pratt). Manifestações sistêmicas Febre baixa, mal-estar, taquipneia e taquicardia. Complicações precoces Tromboembolismo pulmonar, flegmasia alba dolens e flegmasia cerúlea dolens. -- Flegmasia alba dolens: em alguns casos de TVP iliacofemoral graves, pode haver vasoespasmo arterial secundário, levando à diminuição da perfusão cutânea. Nesses casos, o paciente vai se apresentar com os sintomas da TVP associado à palidez e frialdade, podendo haver, ainda, diminuição dos pulsos distais. -- Flegmasia cerúlea dolens: ocorre por trombose com oclusão venosa total e bloqueio da circulação colateral e retorno venoso, prejudicando a irrigação arterial; em 50% dos casos, é evolução de flegmasia alba. Caracterizada por EDEMA tenso, cianótico e muito doloroso, com diminuição de temperatura e ausência de pulso distal (83%). Evolui com epidermólise (flictenas sero- hemorrágicas), gangrena venosa e síndrome compartimental. Trata-se de uma emergência de alta mortalidade (30%). Complicações tardias Síndrome pós-trombótica (20-50%), caracterizada por alterações na pele e no tecido subcutâneo (dermatoesclerose, dermatite ocre, eczema venoso, úlceras) resultantes de hipertensão venosa de longa duração, causada por obstrução venosa e/ou insuficiência valvular (destruição das válvulas pela recanalização), levando a quadro de insuficiência venosa grave, com pior prognóstico de tratamento, em geral endereçado ao sistema venoso superficial. Diagnóstico Deve-se utilizar o Escore de Wells. Natalia Quintino Dias Baixa probabilidade (0 pontos) Realizar exame complementar: D-dímero ou Doppler venoso; se resultado negativo, afastar o diagnóstico e avaliar os diagnósticos diferenciais. Moderada probabilidade (1-2 pontos) Realizar exame complementar: Doppler venoso; caso resultado negativo, repetir o exame em até 1 semana. Alta probabilidade (3 ou mais pontos) Está autorizado o início da anticoagulação, mesmo sem confirmação de imagem, caso exame indisponível. Iniciar estudo com Doppler venoso; caso negativo, repetir ou realizar outro exame, como a flebografia (usa contraste e é invasivo), considerado o standard backup do Doppler. TVP provável se escore ≥ 2 e improvável se < 2 Achados no Doppler venoso: veia incompressível (principal), preenchida por material hiperecogênico e com dilatação a montante. Dosagem de D-dímero: alta sensibilidade (95%), levando a alto VPN (99%), porém com baixa especificidade (< 55%), de modo que é um exame adequado para afastar a hipótese de TVP, quando negativo em pacientes com TVP improvável pelo Escore de Wells. Se positivo, deve ser realizado Doppler, mesmo TVP improvável. Principais motivos de D-dímero aumentado na ausência de TVP: neoplasias, infecção e gestação. Outras alternativas são: Angio-TC: + útil na suspeita de TEP. Pletismografia: quantifica capacitância e refluxo venosos, boa avaliação funcional proximal, porém limitada avaliação de tromboses baixas eda anatomia. Achados na TVP: aumento do volume após compressão venosa e do tempo de retorno ao tamanho original, após retirada do manguito da coxa. Manejo Medidas gerais Decúbito e repouso com elevação do membro acometido. Após melhora do edema: uso de meias elásticas e estímulo à deambulação. Anticoagulação É a prevenção da trombose venosa (visto que a fibrina é o principal componente do trombo venoso). A anticoagulação pode ser parenteral (heparinas), ou oral (varfarina e DOAC). ● Heparina não fracionada: efeito anticoagulante indireto, que ativa a antitrombina, inibindo a trombina e o fator Xa. O efeito é imediato e não há restrição com função renal. Dose: bolus de 80 U/Kg (máx.: 5000 U) + infusão contínua de 18 U/kg/h, que deve ser ajustada conforme alvo de INR (TTPa) entre 1,5-2,5. Complicações: Eventos hemorrágicos, mais comuns. Em caso de evento hemorrágico grave, deve-se administrar protamina EV, infusão lenta, sendo 1 mg de protamina para neutralizar 100 U de heparina. Não hemorrágicos: plaquetopenia induzida pela heparina – complicação não hemorrágica mais frequente, imunomediada. Tipicamente, ocorre 5-14 dias do início da heparinização. A conduta frente a HIT é suspender a heparina, substituí-la por outro anticoagulante, como fondaparinux ou rivaroxabana. ● Heparina de baixo peso molecular – enoxaparina: inibe a trombina em menor nível, mantendo a Natalia Quintino Dias capacidade de inibição do fator Xa, com maior meia-vida. Não é completamente inibida pela protamina e não deve ser administrada em pacientes com função renal reduzida. Dose: 1mg/kg/dose de 12/12h, sem necessidade de monitorização laboratorial (exceto obesos, idosos e gestantes). ● Warfarina: inibe a síntese dos fatores de coagulação dependentes da vitamina K – II, VII, IX e X, além das proteínas C e S. Inicia sua ação após 2- 4 dias, quando os fatores prontos vão sendo degradados. E o efeito anticoagulante da warfarina depende de fatores genéticos e de dieta e sofre interação medicamentosa com várias drogas. Dose: iniciar após curso de pelo menos 2-3 dias de heparina, com dose diária de 5 mg/d, ajustada conforme o tempo de protrombina, sendo o INR alvo entre 2 e 3. A heparina deve ser suspensa apenas quando o alvo de INR for atingido. Complicações: Eventos hemorrágicos: podem ser manejados com suspensão da droga e administração EV de vitamina K EV + complexo protrombínico preferencialmente, ou plasma fresco congelado, caso o primeiro não seja disponível. Eventos não hemorrágicos: úlceras necróticas na pele por trombose microvascular, principalmente em pacientes com deficiência de proteína C ou S; malformações fetais, especialmente no 1º trimestre da gestação e no 3º. ● Rivaroxabana: antagonista do fator Xa. Dose: 15 mg 12/12 h nos primeiros 21 dias e 20 mg 1 vez ao dia após. Tem ação imediata, não requer curso prévio de heparina, não necessita de controle de dose durante o tratamento. Complicações: maior risco de sangramento gastrointestinal, sendo contraindicada se neoplasia gastrointestinal. Geralmente não são necessários AINEs e analgésicos, pois a heparina tem efeito anti- inflamatório, reduzindo a dor do paciente. Síndrome de May-Thurner ou Cockett: compressão, hemodinamicamente significativa, da veia ilíaca esquerda, entre artéria ilíaca direita e o corpo vertebral. Suspeitar em casos de trombose recorrente no MIE ou trombose ilíacofemoral esquerda grave com flegmasia. O diagnóstico é clínico-tomográfico e o manejo cirúrgico deve ser decidido por um cirurgião vascular (endovascular). Após o diagnóstico e tratamento adequado da TVP de membro inferior, o paciente deve ser encaminhado para um ambulatório com clínica vascular, pois poderá desenvolver a síndrome pós- trombótica (quadro de insuficiência venosa cônica avançada). Oclusão arterial aguda de membro inferior Etiologia Trombose arterial: é o mecanismo mais frequente de oclusão arterial aguda, sendo a principal etiologia a aterosclerótica. As placas de ateroma podem ocasionar trombose arterial, por meio de 2 mecanismos obstrutivos: estenose crítica, pela própria placa; ou acidente de placa, como rotura e hemorragia. Outras possíveis causas de trombose arterial são: dissecção arterial, aneurismas com trombos oclusivos, em especial aneurismas de artéria poplítea; trombose em stents vasculares ou enxertos vasculares; estados de hipercoagulabilidade, como SAAF, lúpus ou neoplasias; condições clínicas sistêmicas que reduzem o fluxo intra-arterial, como desidratação, descompensação cardíaca ou renal, choque, uso de drogas vasoativas e drogas que levam a vasoespasmo. Trombose é também o principal mecanismo de isquemia por trauma. Embolia: é a segunda mais frequente causa de oclusão arterial aguda, porém é a principal causa de inviabilidade de membro. Na maioria das vezes, os êmbolos são oriundos do coração (80%), principalmente do átrio esquerdo, em pacientes portadores de fibrilação atrial, e do ventrículo esquerdo, por insuficiência ou discinesia secundária a infarto agudo do miocárdio ou a valvopatias, em especial estenose mitral reumática. Os demais casos resultam de embolia artério-arterial (20%). Nestes casos, pode ocorrer ateroembolia distal, que raramente causa isquemia de todo o membro, Natalia Quintino Dias mas sim oclusão de pequenos vasos digitais (síndrome do dedo azul) ou embolização, a partir de trombo aneurismático, principalmente de aneurismas femorais e poplíteos. Diagnóstico O diagnóstico sindrômico de OAA é clínico, com apresentação dos seguintes sinais e sintomas: • Palidez • Presença de dor no repouso • Pulso ausente • Parestesia • Paralisia • Pecilotermia (hipotermia) O diagnóstico etiológico é confirmado por imagem ou no intraoperatório. Classificação de gravidade Manejo Medidas gerais Aquecimento passivo do membro com algodão ortopédico, a fim de reduzir vasoespasmo e prover conforto. O aquecimento ativo com mantas térmicas ou compressas quentes é contraindicado, pois eleva a taxa metabólica de uma área que já está mal perfundida, podendo aumentar a morte celular. Analgesia. Oferta de 02. Hidratação e nefroproteção, para minimizar os efeitos da rabdomiólise. Repouso em proclive (inclinação para frente). Preservar membro (não puncionar veias ou colocar eletrodos). Heparinização plena: iniciar no diagnóstico, exceto em casos de trombose arterial aguda secundária a trauma penetrante ou dissecção. Manejo cirúrgico Membro viável (I); Marginalmente ameaçado (IIa) → Revascularização, pode ser realizado exame de imagem antes para planejamento operatório. Membro imediatamente ameaçado (IIb) Revascularização imediata, sem aguardar exames de imagem. O estudo anatômico faz-se no intraoperatório, se necessário, com arteriografia. Associar fasciotomia, se tempo de isquemia prolongada (profilática) ou sinais de síndrome compartimental (terapêutica) Inviável (III) Amputação primária. Natalia Quintino Dias Em pré-operatório de cirurgia vascular arterial de urgência, para isquemia, deve-se manter/realizar a heparinização. Diagnósticos diferenciais -- Trauma de membro inferior (+ frequente): com manifestações osteomusculares ou articulares. -- Celulite, erisipela, linfangite: edema subcutâneo (sem empastamento). Cursa com toxemia, pode evoluir com petéquias e flictenas (bolha de fluido corporal), frequentemente associadas à linfadenomegalias inguinal. -- Rotura muscular, a “síndrome da doença da pedrada”: dor súbita em panturrilha durante exercício, com hematoma subfascial e edema. -- Miosite – de etiologia viral (principal), farmacológica – ex.: estatina ou após exercício intenso: edema tenso doloroso, em geral proximal e bilateral, evolui com rabdomiólise.-- Rotura de cisto de Baker: cisto sinovial localizado na face posterior do joelho, que, quando rompe, comprime a poplítea e, ainda, libera líquido sinovial, que se infiltra pelos músculos, ocasionando dor e edema. -- Tromboflebites: dor acompanhando o trajeto da veia acometida, frequente em pacientes com varizes e insuficiência venosa crônica. Pode estar associada a edema, caso a insuficiência venosa seja avançada, com esgotamento da capacidade de compensação do sistema linfático, mas trata- -se de um edema mole, depressível, vespertino e crônico.
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