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Natalia Quintino Dias Trombose Trombos são tampões formados na circulação basicamente pelas plaquetas e fibrinas, podendo levar a obstruções arteriais e venosas (infartos, acidentes vasculares cerebrais isquêmicos, trombose venosa profunda [TVP], embolia pulmonar etc.). Trombose arterial O processo tem início com a lesão do endotélio por aterosclerose da parede arterial e a ruptura da placa, expondo colágeno subendotelial e fator tecidual, que desencadeiam o processo de agregação plaquetária. Há liberação do fator de crescimento derivado de plaquetas, estimulando a proliferação de células da musculatura lisa e fibroblastos da camada íntima do vaso, espessando sua parede. Além de bloquear a luz do vaso localmente, esse trombo pode liberar êmbolos de plaquetas e fibrinas que podem ocluir artérias distais. Fatores de risco • Antecedente familiar • Sexo masculino • Hiperlipidemia • HAS, DM, Gota • Poliglobulia • Hiper-homocisteinemia • Tabagismo • Alterações no ECG • Aumento da proteína C reativa/ interleucina 6/ Fosfolipase A2 associada à lipoproiteína • Anticoagulante lúpico positivo • Doenças do colágeno • Doença de Behçet Trombose venosa Para a formação de trombo, ocorre a TRÍADE DE VIRCHOW: ESTASE SANGUÍNEA + HIPERCOAGULABILIDADE SANGUÍNEA + LESÃO ENDOTELIAL. Fatores de risco Fatores hereditários: Fator V Leiden; Variante G20210A da protrombina; Deficiência de proteína C; Deficiência de Proteína S; Deficiência de antitrombina; Disfibrinogenemia; Tipo sanguíneo não O. Fatores adquiridos: Anticoagulante lúpico positivo; Reposição hormonal ou anticoncepcional oral com estrogênios; Trombocitemia induzida por heparina (HIT); Gravidez e puerpério; Cirurgias; neoplasias malignas; hiperviscosidade/poliglobulia; AVC; obstrução pélvica; síndrome nefrótica; desidratação; veias varicosas; idade; obesidade; hemoglobinúria paroxística nortuna; Doença de Behçet. Fatores hereditários ou adquiridos: Nível plasmático aumentado de Fator VIII, fibrinogênio ou homocisteína. Trombofilias hereditárias Deve ser considerada em paciente jovem (< 50 anos) com quadro de trombose espontânea, TVP, trombose em locais pouco usuais (veias axilares ou esplâncnicas, por exemplo) ou trombose venosa e arterial associadas. Durante o diagnóstico, avaliar se há antecedentes de história familiar de tromboses, de tromboses recorrentes e resistência ao tratamento com heparina. ● Mutação do fator V Leiden (+ comum): confere resistência do Fator V à inativação pela proteína C ativada, aumentando o risco de eventos trombóticos de 5-8x em indivíduos com a mutação em heterozigose, e de 30-140x em homozigose. Caso esse paciente apresente fatores adicionais para trombose, como o tabagismo, o risco é adicionado. É possível a detecção da mutação com técnicas de biologia molecular, entretanto não é recomendado o tratamento anticoagulante em indivíduos com a mutação sem história de trombose e também não é indicada a pesquisa da mutação em pacientes que nunca tiveram um quadro trombótico. ● Deficiência de antitrombina: herança autossômica dominante; apresenta quadro de trombose venosa recidivante no início da vida adulta. Confere resistência à anticoagulação com heparina não fracionada, mas concentrados de antitrombina são utilizados para evitar tromboses durante procedimentos cirúrgicos ou parto. O diagnóstico é feito pela dosagem da atividade de antitrombina. ● Deficiência de proteína C: herança autossômica dominante, com diagnóstico realizado pela pesquisa da atividade da proteína C sérica. Os indivíduos acometidos em heterozigose têm um nível de 50% de proteína C em relação ao normal. Natalia Quintino Dias O quadro clínico pode apresentar-se com TVP e tromboflebites superficiais recorrentes. Recém- nascidos com mutação em homozigose podem apresentar uma síndrome característica de CIVD ou púrpura fulminante na primeira infância. Características: quadro de necrose cutânea induzida pelo uso de varfarina, resultante da oclusão de vasos dérmicos, em razão do efeito da medicação em diminuir os níveis séricos de proteína C (vitamina K dependente) no início do tratamento, antes de diminuir os fatores de coagulação dependentes da vitamina K. Estão disponíveis concentrados de proteína C ativada. ● Hiper-homocisteinemia: altos níveis plasmáticos de homocisteína podem ter origem genética, decorrente de mutação da enzima MTHFr, ou adquiridos, levando a um risco maior de trombose arterial e venosa devido à lesão endotelial promovida pela homocisteína. Apesar de níveis elevados de homocisteína estarem associados à deficiência de folato ou de vitamina B12, não se mostrou que a suplementação para baixar os níveis de homocisteína tivesse benefício em diminuir o risco de eventos trombóticos para esses pacientes. Trombofilias adquiridas ● Trombose venosa pós-operatória: Maior probabilidade de ocorrer em idosos, obesos e indivíduos com história familiar de trombose venosa. É recomendado o uso de profilaxia. ● Tumores malignos: Há risco aumentado em todos os tumores, principalmente carcinoma de ovário, cérebro e pâncreas, em razão da produção tumoral de fator tecidual e formação de trombina. CIVD está associada a adenocarcinomas secretores de mucina. ● Gestação: há fatores que aumentam o risco de eventos trombóticos a diminuição dos níveis de proteína C e a estase sanguínea, devido à compressão causada pelo aumento do tamanho do útero. ● Tratamento com estrogênios: Está associado ao aumento dos fatores II, VII, VIII, IX e X e à diminuição da antitrombina e da atividade tecidual de plasminogênio na parede vascular. O efeito é dependente da dose utilizada. ● Doenças hematológicas: Policitemia vera e trombocitemia essencial levam à trombocitose, ao aumento da viscosidade sanguínea e à alteração dos receptores de membrana das plaquetas. Hiperviscosidade também pode ser encontrada ao diagnóstico das leucemias agudas. Hemoglobinúria paroxística noturna, anemia falciforme e talassemia têm índices altos de trombose venosa. ● Síndrome do Anticorpo Antifosfolípide (Saaf): É caracterizada pela ocorrência de tromboses ou abortamentos de repetição e evidência laboratorial de anticorpo antifosfolipídio persistente (anticoagulante lúpico, anticardiolipina e anti-beta-2-glicoproteína I). Pode ser associada a LES, neoplasias, drogas, infecções, ou ser idiopática. O anticoagulante lúpico (AL) foi inicialmente detectado em pacientes com LES; apesar de promover o alongamento do TTPA, sem correção com o teste da mistura, é associado à trombose venosa e arterial. O teste com veneno diluído de víbora de Russel (ou, simplesmente, teste de Russell) é mais específico para o diagnóstico. A anticardiolipina e o anti-beta-2-glicoproteína I agem na camada fosfolípide das plaquetas, causando plaquetopenia e trombose, por aumentar a ativação plaquetária com formação de microtrombos. Quadro clínico: manifestações como livedo reticular, TVP, embolia pulmonar e trombose de órgãos abdominais. Anticoagulantes Heparina Ação: potencializa a formação dos complexos entre antitrombina e fatores IIa (trombina) IXa, Xa, XIa e XIIa de maneira irreversível, e diminui a função plaquetária. Atuando tanto na via intrínseca quanto na comum (TTPA alargado – utilizado para monitoramento da HNF). Não é absorvida pelo TGI. Sua inativação é hepática e a excreção é urinária, com meia-vida de cerca de uma hora. A infusão contínua de HNF permite um controle mais fino do tratamento e é o método de escolha caso haja necessidade de reversão de coagulação com sulfato de protamina. TTPA -> utilizado para o controle da infusão da droga (medido de 6/6hrs). O ideal é manter entre 1,5-2x o valor normal. Heparina de baixo peso molecular (HPBM):produzida pela despolarização enzimática ou Natalia Quintino Dias química da HNF. Tem maior capacidade de inibição do fator Xa em comparação com sua capacidade de inibir a trombina, e menor interação com as plaquetas. Tem maior biodisponibilidade e uma meia-vida longa no plasma, aplicada uma vez ao dia, como profilaxia, e de uma a duas vezes por dia, como tratamento. Tem resposta mais previsível do que a HNF, não sendo necessária sua monitorização laboratorial, porém pacientes selecionados (gestantes, crianças, obesos mórbidos e portadores de insuficiência renal) podem se beneficiar de dosagem de pico de anti-Xa 4h após a aplicação, para um ajuste de dose. Tem uso rotineiro em tratamento de TVP, embolia pulmonar e angina instável, além de ser utilizada na profilaxia de TVP. Não atravessa a barreira placentária, sendo o fármaco de escolha para gestantes. Nas síndromes coronárias agudas, a HNF e a HBPM são utilizadas em combinação com o AAS, a fim de evitar trombose mural, venosa e embolia sistêmica. A protamina é capaz de inativar imediatamente a heparina em casos de sangramentos graves, na dose de 1 mg/100 unidades de heparina administrada (porém a protamina tem efeito anticoagulante em altas doses). Sangramentos durante o tratamento com infusão de HNF podem ser resolvidos com a suspensão da infusão, em razão da meia-vida curta da droga. Outra complicação é a trombocitemia induzida por heparina (HIT), mediada por um mecanismo imune com desenvolvimento de anticorpos IgG contra o complexo heparina-fator plaquetário 4, que leva à agregação e à destruição plaquetária. Geralmente, apresenta-se com a queda de mais de 50% da contagem de plaquetas por volta do 5º dia após o início da heparina. Em caso de suspeita de HIT, devemos suspender o uso de heparina, que normalmente é suficiente para reversão gradual do quadro, e instituir outra terapia antitrombótica. Cumarínicos (varfarina) Ação: antagonizam a vitamina K, diminuindo os fatores dependentes de vitamina K: II, VII, IX e X. Afetam também a proteína C e a proteína S (com ação anticoagulante), que também são dependentes de vitamina K. Após a administração, os níveis de fator VII caem consideravelmente nas primeiras 24 horas, por ter menor meia-vida em comparação à de outros fatores afetados pela varfarina, explicando a latência do seu efeito (cerca de 3 dias) e a propensão a eventos trombóticos no início da terapia, devido à diminuição das proteínas C e S (causando necrose da pele e subcutâneo, principalmente em pacientes com deficiência hereditária dessas proteínas ou Saaf). Nesses casos, deve-se suspender o uso do fármaco, repor a vitamina K e iniciar heparinização plena a fim de evitar novos eventos trombóticos. Para controle da dose: necessário o TP. A varfarina atravessa a membrana placentária e é teratogênica, não sendo utilizada em gestantes. Se superdosagem (INR > 4,5) a medicação deve ser suspensa. Dependendo do valor do INR e da presença de sangramentos, outras medidas devem ser adotadas, como a administração de vitamina K, plasma fresco congelado ou complexo protrombínico. Se sangramento ou INR > 9 -> vitamina K VO (1- 5mg). Se sangramento + INR > 5 -> vitamina K EV e/ou plasma fresco congelado e reiniciar varfarina em dose menor, quando possível. • Se sangramento grave: vitamina K + suspender varfarina e suspender warfarina e considerar complexo protrombínico ou transfusão de plasma fresco congelado. Novos anticoagulantes Não necessitam de monitorização frequente do efeito anticoagulante. Não tem o uso aprovado para todas as situações. Inibidores de Xa Fondaparinux: análogo sintético da heparina, inibe diretamente e irreversivelmente o fator Xa. É utilizado por via subcutânea, com meia-vida de 17 horas. Não precisa de controle laboratorial, exceto Natalia Quintino Dias em obesos, pacientes com insuficiência renal ou crianças. Rivaroxabana, apixabana e edoxabana: inibidores do Xa, administrados por via oral, em dose fixa e sem necessidade de monitorização laboratorial. Trabalhos demonstram efetividade similar ao da varfarina. Recentemente foi aprovado o primeiro antídoto, chamado Andexxa. Inibidores diretos da trombina Bivalirudina e lepirudina: utilizados como alternativa à heparina em pacientes submetidos a intervenções coronárias percutâneas, pois há menor chance de sangramento em comparação com a heparina. Dabigatrana (pradaxa): administrado por via oral em dose fixa duas vezes ao dia; tem potencial de substituir a varfarina do mesmo modo que o rivaroxabana. Dispõe de um antídoto específico, o idarucizumab (um anticorpo monoclonal comercializado como praxbind). Agentes fibrinolíticos Os mais utilizados são a estreptoquinase e o ativador tecidual do plasminogênio (alteplase), sendo administrados em pacientes com infarto agudo do miocárdio, TEP grave e trombose iliofemoral ou com oclusão arterial periférica aguda. ● Estreptoquinase: atua no plasminogênio de maneira não específica, aumentando a plasmina, que, por sua vez, degrada a fibrina e o fibrinogênio plasmático. ● Alteplase: atua especificamente na fibrina, permitindo lise do trombo com menor ativação sistêmica da fibrinólise. O tratamento com antifibrinolíticos tem várias contraindicações, que devem ser consideradas antes de seu uso. Absolutas Sangramento gastrintestinal ativo Dissecção da aorta Traumatismo craniano ou AVC nos últimos 2 meses Neurocirurgia nos últimos 2 meses Aneurisma ou neoplasia intracraniana Retinopatia proliferativa diabética Relativas Parto recente História de sangramento gastrintestinal Cirurgia grande nos últimos 10 dias Ressuscitação cardiopulmonar traumática Antes de procedimento invasivo (biópsias, punção arterial) Trauma grave Hipertensão arterial severa (Sistólica maior do que 200 mmHg/diastólica maior do que 100 mmHg) Síndrome hemorrágica Antiplaquetários ● Ácido Acetilsalicílico (AAS): Atua inibindo irreversivelmente a cicloxigenase plaquetária, diminuindo a síntese de tromboxano A2. É indicado na doença arterial coronariana ou cerebrovascular e na prevenção de tromboses nas situações de trombocitose. Em cirurgias eletivas, seu uso deve ser suspenso antes do procedimento, por 7-10 dias. ● Clopidogrel: Antagonista do receptor plaquetário de ADP, é usado para diminuir eventos isquêmicos em pacientes com acidente vascular isquêmico, infarto do miocárdio e doença vascular periférica, após colocação de stents coronarianos e na angioplastia. Pode ser utilizado no lugar do AAS em pacientes com alergia. A recomendação é de suspender seu uso de 5-7 dias antes de cirurgias eletivas. ● Dipiridamol: É um inibidor da fosfodiesterase, levando ao aumento dos níveis de AMP cíclico nas plaquetas e inibindo proteínas envolvidas no processo de ativação plaquetária. Melhora os resultados de cirurgias de derivação coronariana e diminui as complicações em pacientes com prótese de válvulas cardíacas. ● Inibidores das glicoproteínas IIb/IIIa: São o abciximabe, o eptifibatide e o tirofibana, anticorpos monoclonais que inibem os receptores GPIIb/ IIIa plaquetários, utilizados em pacientes de alto risco na SCA de alto risco, submetidos à angioplastia coronária percutânea. Têm o maior poder de inibição plaquetária, sendo sua maior complicação a hemorragia.