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HISTÓRIA E TENDÊNCIAS DA EDUCAÇÃO DOS SURDOS – COMUNICAÇÃO E BILINGUISMO AULA 6 Prof. Rhaul de Lemos Santos 2 CONVERSA INICIAL Anteriormente, conversamos sobre como a surdez e o surdo foram posicionados durantes os períodos históricos. A realização dessa análise auxiliou na compreensão sobre os motivos pelos quais a educação de surdos passou por vários processos educacionais, ora com a finalidade de normalizar esses sujeitos, com o objetivo de encaixá-los em uma normativa produzida por uma sociedade que busca a todo instante fixar as identidades e localizá-las em categorias homogêneas, ora com a função de descolonizar os corpos dos sujeitos surdos, para que estes consigam trazer para as sobre a educação bilingue de surdos. Nesse sentido, temos como objetivos: • realizar uma revisão das discussões anteriores; • discutir a luta do movimento surdo pelo direito à educação bilingue. A LUTA EM DEFESA DA EDUCAÇÃO BILÍNGUE CONTINUA! TEMA 1 – A SURDEZ NA HISTÓRIA E AS SUAS NARRATIVAS Em conteúdos anteriores, debatemos as representações dos surdos no decorrer da história e analisamos as discursividades sobre as pessoas surdas, na Idade Antiga, Média, Moderna e Contemporânea. Será por meio dessas investigações que as discursividades e enunciados sobre os sujeitos surdos receberão uma nova significação, trazendo o povo surdo para o campo da alteridade e diferença, reforçando a importância de localizar a surdez no campo da cultura e identidade, denunciando os anos de opressão e subalternização sofrida pelos surdos no decorrer da história. Entender os acontecimentos e fatos produzidos na história auxilia os atores sociais a perceberem as razões que fazem com que determinados grupos sociais sejam estabelecidos em determinados locais. Compreender essas ações faz com que as pessoas consigam agir e pensar de forma consciente e crítica, realizando movimentações que auxiliam na produção dos seus discursos. Refletir sobre o tempo atual em que estamos localizados por meio dos acontecimentos históricos nos dá a possibilidade de produzir, a partir das narrativas históricas, um outro tempo e espaço, evitando reproduzir práticas que 3 subalternizam ou excluam determinados sujeitos dos espaços políticos e que não lhes garantam os direitos civis básicos. Nesse sentido, quando conhecemos a história, evitamos ser manipulados por narrativas que a utilizam de forma ideológica para distorcer a realidade. A história precisa provocar nas pessoas o sentimento de mudança, desestabilizando as estruturas, construindo uma sociedade que oportuniza a todos os mesmos direitos. Barros (2006, p. 462), explica que entender os acontecimentos históricos é “estudar o momento presente, com vistas a perceber como este momento presente é afetado por certos processos que se desenvolvem na passagem do tempo, ou como a temporalidade afeta de diversos modos a vida presente”. É por isso que quando nos deparamos com alguns textos ou narrativas que falam sobre a história do povo surdo, não podemos apenas replicá-los, acreditando que as palavras contidas naquela produção trazem com exatidão as verdades sobre a historicidade surda. Nesse sentido, ao discutir sobre a historiografia surda e como ela foi sendo construída a partir das realizações dos congressos que decidiram pela utilização do método oral puro na educação de surdos, Rodrigues et al. (2020, p. 3), a partir dos estudos do historiador Jacques Le Goff, diz que, ao se estudar a história do povo surdo, é necessário entender que os documentos que estão sendo analisados são “documentos-monumentos”. Nesse sentido, quando tivermos acesso a documentos ou textos produzidos por pessoas que não possuem um vínculo com a comunidade surda e não são seus aliados, precisamos realizar uma leitura crítica e ir atrás da veracidade de seus fatos. Por esse motivo, Strobel (2009) explica que para o entendimento da história do povo surdo é necessário recorrer às fontes históricas. Para a autora, as fontes servem para “recuperar marcas ou vestígios deixados pelos homens no passado”. No nosso caso, os registros realizados pela comunidade surda servem de base para o entendimento de como esses sujeitos viveram no passado e a importância das suas produções para a elaboração da comunidade surda na atualidade. 4 TEMA 2 – ORALISMO, COMUNICAÇÃO TOTAL E BILINGUISMO: A EDUCAÇÃO SURDA EM DISPUTA Precisamos estar atentos e preparados para defender e saber dialogar sobre os conceitos produzidos na esfera da educação que por muitos anos causaram uma rachadura educacional na vida desses estudantes, causando um grande prejuízo nos seus processos formativos. Precisamos entender que o currículo é ideológico e traz na sua materialização enunciados que tentam subalternizar determinados grupos e privilegiar outros. Por essa razão, Silva (1999, p. 32), ao discutir o currículo como um dos mecanismos que produzem as identidades dos estudantes, afirma que a ideologia contida neles, em muitas situações, quando não discutido e trabalhado de modo crítico, “inclina as pessoas das classes subordinadas à submissão e à obediência, enquanto as pessoas das classes dominantes aprendem a comandar e controlar”. Existem práticas produzidas nas escolas, partindo dos currículos, que tentam desenvolver uma “cultura universalista, em relação à qual as demais manifestações e produções culturais dos outros povos não passariam de casos particulares” (Veiga-Neto, 2003, p. 10). Essa negação da diversidade em sala de aula tem como proposta fazer com que os estudantes acreditem e tomem para si a ideia de que todos os sujeitos independentes das suas identidades e subjetividades conseguem alcançar os mesmos espaços por meio dos mesmos mecanismos e instituições. Mas na prática, quanto mais o sujeito faz parte dos grupos subalternizados, mais difícil torna-se ocupar determinados locais. Silva (1999, p. 35) diz que “o currículo da escola está baseado na cultura dominante: ele se expressa na linguagem dominante, ele é transmitido através do código cultural dominante”. Não adianta promover uma educação inclusiva ou até mesmo bilíngue, se no espaço escolar o currículo continua a reproduzir a linguagem dominante. É necessário que se permita que o currículo se torne diverso e plural e traga para o debate as experiências e vivências dos sujeitos. Por essa razão, é necessária uma aliança entre os profissionais da educação de surdos, comunidade surda e familiares surdos, na busca por uma educação bilíngue que valorize as identidades e culturas surdas, garantindo-lhes o direito linguístico. O bilinguismo na educação de surdos precisa ter a língua de sinais como protagonista, sendo a primeira língua em sala de aula. O processo não pode ser inverso, privilegiando as línguas orais como meio de aprendizagem da 5 língua de sinais. É necessário que os estudantes surdos sejam fluentes na Libras para obter sucesso na aprendizagem da segunda língua na modalidade escrita. TEMA 3 – EDUCAÇÃO DE SURDOS NO BRASIL A construção da educação para pessoas com deficiência e surdos, no seu início, tinha uma perspectiva muito mais voltada para a reabilitação, influenciada pelos métodos clínicos, do que para uma educação que valorizasse as potencialidades desses estudantes. Kassar (2011, p. 62) explica que No Brasil, o atendimento educacional direcionado às pessoas com deficiências foi construído separadamente da educação oferecida à população que não apresentava diferenças ou características explícitas que a caracterizasse como ‘anormal’. Nota-se que os surdos, assim como as pessoas com deficiência, por não estarem enquadrados na normativa social estabelecida pelos grupos dominantes, que utilizando de mecanismos como a clínica, o direito e a educação, esforçavam-se em normalizar esses sujeitos, escolhendo, por exemplo,não os incluir nas escolas regulares, por considerá-los “anormais”. Além do mais, essa atitude de exclusão demonstrava o quanto a deficiência não estava situada no campo da cultura e identidade. Veiga-Neto e Lopes (2007, p. 955) apontam que “é dito normal aquele que é capaz de amoldar-se ao modelo e, inversamente, o anormal é aquele que não se enquadra ao modelo”. Desse modo, inventa-se um modelo de conduta e comportamento que necessita ser seguido, sendo que aqueles que desviam desses processos de normalização são excluídos e nomeados. Nesse caso, os surdos, por fugirem de uma normativa que tem as línguas orais e a audição como modelo de corpo, são enquadrados pelas normas elaboradas nos campos de poder. Será nesse sentido que a clínica irá agir com o objetivo de reabilitá-los. Nesse sentido, as escolas bilíngues precisam ser espaços de fortalecimento da língua de sinais, trazendo para os debates promovidos em sala de aula a história do povo surdo e a importância das políticas públicas para o fortalecimento da comunidade. Além do mais, as crianças surdas precisam ter a oportunidade de serem letradas e educadas na sua primeira língua, a Libras, para que assim possam compreender as discursividades produzidas na sociedade. Dessa forma, como discutido em capítulos anteriores, o currículo precisa ser disputado e ser produzido com todos os sujeitos que fazem parte da 6 escola, principalmente docentes, comunidade escolar e estudantes surdos. Por essa razão, as políticas educacionais são importantes na construção de uma educação bilíngue equânime e de qualidade. TEMA 4 – A EDUCAÇÃO BILÍNGUE E OS SEUS DESDOBRAMENTOS O movimento surdo no Brasil ganha mais força com a criação da Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos (Feneis), no final da década de 1980, com as pessoas surdas ocupando os cargos de presidência, essa movimentação tinha relação com os vários movimentos insurgentes pelo mundo, liderados pelas mobilizações causadas pelo Deaf Power. A ser reorganizada, a Feneis dá continuidade à luta pelo direito linguístico da Libras e a exigência de uma educação bilíngue, pautada pelo uso da língua de sinais. Com a insurgência do movimento surdo, a partir da Feneis, inicia-se um processo de ocupação nos espaços políticos, por meio de representantes surdos. Essas lideranças realizavam encontros com a comunidade surda, pensando na elaboração de documentos voltados para os seus direitos civis. De acordo, com Fernandes e Moreira (2014, p. 52), Podemos indicar os anos 1990 como o marco da insurgência dos movimentos surdos brasileiros. Nessa década, iniciam-se os debates conceituais sobre língua de sinais, bilinguismo, os reflexos dos modelos clínicos-terapêuticos e socioantropológicos na educação de surdos, teorizações sobre a cultura e identidades surdas e os impactos de todos esses estudos na organização de um processo de educação bilíngue para surdos no Brasil. No ano de 1999, na cidade de Porto Alegre, foi realizado o V congresso latino-americano de educação bilíngue para surdos, organizado pelo Nuppes. Nesse encontro, os surdos e os seus aliados realizaram discussões sobre direitos humanos, educação de surdos, artes surdas, relação dos surdos com a família, entre outros. Esses debates culminaram na produção do documento “A educação que nós surdos queremos”. A produção desse documento será de grande importância para as políticas futuras destinas à educação de surdos e o reconhecimento da Libras como meio de comunicação da comunidade surda. A criação de escolas bilíngues para surdos precisa valorizar a identidade e a cultura surda e priorizar a Libras como língua de aprendizagem das disciplinas ministradas. Essa solicitação da comunidade surda está de acordo com que Fernandes (2003) diz sobre a educação de surdos. Para a autora, 7 As práticas de educação inclusiva, por exemplo, da forma como vêm sendo propostas institucionalmente, negam aos grupos minoritários o exercício de suas especificidades socioculturais, na medida em que acabam por celebrar a diversidade, apenas constatando a existência do pluralismo cultural, sem medidas efetivas para o reconhecimento político das diferenças no cotidiano da escola. (Fernandes, 2003, p. 38). TEMA 5 – RECONHECIMENTO DO BILINGUISMO NA EDUCAÇÃO DE SURDOS Deslocar as representações sobre os surdos do campo clínico para o campo da diferença e alteridade é essencial, principalmente quando entendemos que os sujeitos são produzidos e formados a partir das representações. As representações são responsáveis para dizer e posicionar os sujeitos, localizando-os em diferentes tempos e espaços. Por isso a importância da sua disputa, visto que esse mecanismo tem por intenção dizer quem o outro é. A forma como os surdos são representados na sociedade precisa ser disputada e ressignificada, visto que as imagens construídas por meio das representações irão influenciar na forma como as políticas educacionais serão elaboradas para os estudantes surdos. Por estarmos localizados em uma sociedade que também é estruturada pelo audismo/ouvintismo, as discursividades produzidas sobre as pessoas surdas, em muitas situações são produzidas por pessoas ouvintes não aliadas da comunidade surda, que as posicionam no campo da falta e da correção, produzindo representações sobre os sujeitos surdos colocando-as no campo da alteridade deficiente (Skliar,1999). Quando representados a partir da alteridade deficiente, os surdos são posicionados como pessoas que precisam ser normalizadas, seguindo uma normativa audista, que tenta fazer com que os surdos se enquadram nos padrões de normalização inventados historicamente. Por essa razão, Skliar (1999, p. 18) diz que “é necessário inverter aquilo que foi construído como norma, como regime de verdade e como problema habitual: compreender o discurso da deficiência”. Em consequência dessas invenções sobre as pessoas surdas, é necessário compreender as discursividades produzidas nas relações sociais, responsáveis por criar as representações dos surdos na sociedade. Por isso, torna-se importante entender como essas representações foram/são fabricadas, para a compreensão dos motivos que localizam as pessoas surdas nas políticas da educação especial, não sendo reconhecidos como um grupo minoritário linguístico. 8 NA PRÁTICA Com a luta da comunidade surda pela oficialização da Libras e reconhecimento do povo surdo como minoria linguística, foi aprovado no ano de 2021 a Lei n. 14.191, na Lei de Diretrizes e Bases, que torna a educação bilíngue de surdos uma modalidade da educação. Essa conquista é de grande importância para a educação para surdos, pois permitirá a criação de escolas bilíngues para surdos, respeitando a língua materna desses sujeitos e oportunizando que os surdos desde a primeira infância tenham contato com a Libras. Além do mais, irá garantir aos estudantes surdos a garantia de ter o seu direito linguístico assegurando durante a sua trajetória educacional. FINALIZANDO Realizamos uma síntese sobre os assuntos estudados, destacando alguns pontos importantes para os entendimentos de alguns conceitos. Além disso, foi explicitada a importância de se pensar na resistência e como os sujeitos podem ocupar os espaços de poder. Essas movimentações contra a educação bilíngue têm base no audismo/ouvintismo muito presente na educação dos surdos. A comunidade surda continua a resistir e a ocupar os espaços políticos, defendendo o direito de uma educação que priorize a língua de sinais, respeitando o direito linguístico dos estudantes surdos. Apesar da comprovação da importância do método bilíngue que prioriza a língua de sinais como primeira língua e a língua portuguesa como segunda língua, na modalidade escrita, ainda se tem muito o que lutar e conquistar. 9 REFERÊNCIAS FERNANDES, S.; MOREIRA,L. C. Políticas de educação bilingue para surdos: o contexto brasileiro. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, Edição Especial n. 2, p. 51-69, 2014. FERNANDES, S. F. Educação bilingue para surdos: identidades, diferenças, contradições e mistérios. 2003. 213 f. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade Federal do Paraná, 2003. KASSAR, M. de C. M. Educação especial na perspectiva da educação inclusiva: desafios da implantação de uma política nacional. Educar em Revista, Curitiba, n. 41, p. 61-79, jul./set. 2011. SILVA, T. T. da. Documento de identidade: uma introdução as teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. SKLIAR, C. A invenção e exclusão da alteridade deficiente a partir dos significados da normalidade. Educação e Realidade, Porto Alegre, n. 24, v. 1, p. 15-32. STROBEL, K. História da educação de surdo. Florianópolis: UFSC, 2009. VEIGA-NETO, A. Cultura, culturas e educação. Revista de Educação Brasileira, Porto Alegre, n. 23, p. 5-15, 2003.
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