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HISTÓRIA E TENDÊNCIAS DA EDUCAÇÃO DOS SURDOS – COMUNICAÇÃO E BILINGUISMO AULA 3 Prof. Rhaul de Lemos Santos 2 CONVERSA INICIAL Apesar dos avanços políticos sobre o direito a uma educação bilíngue que respeite as suas singularidades e identidades culturais, o povo surdo precisa estar sempre resistindo e lutando contra as tentativas de negação e privação dos seus direitos políticos e linguísticos. Não é de hoje que a educação de surdos vem sofrendo ataques e ameaças, principalmente em relação às discussões sobre as escolas bilíngues de surdos. Nesse sentido, a nossa proposta neste capítulo é compreender como a educação de surdos no Brasil foi construída e permanece até os dias atuais resistindo às tentativas do audismo em negar seus direitos educacionais. Por essa razão, os objetivos dessa discussão são os seguintes: • Estudar a elaboração da educação de surdos no Brasil; • Discutir a participação do movimento surdo e seus aliados na luta por uma educação bilíngue; • Averiguar as conquistas políticas educacionais dos surdos. TEMA 1 – EDUCAÇÃO DOS SURDOS EM DISPUTA Em discussões anteriores, vimos como os corpos dos sujeitos surdos são significados e ressignificados e a disputa em torno de qual método é o mais eficaz para a sua educação. Por esse motivo, precisamos entender onde atualmente se encontra a educação de surdos, realizando uma análise das últimas décadas, para uma compreensão de como as políticas educacionais voltadas para esses estudantes são produzidas. A construção da educação para pessoas com deficiência e surdos, no seu início, tinha uma perspectiva muito mais voltada para a reabilitação, influenciada pelos métodos clínicos, do que para uma educação que valorizasse as potencialidades desses estudantes. Kassar (2011, p. 62) explica que: No Brasil, o atendimento educacional direcionado às pessoas com deficiências foi construído separadamente da educação oferecida à população que não apresentava diferenças ou características explícitas que a caracterizasse como “anormal”. 3 Nota-se que os surdos, assim como as pessoas com deficiência, não estavam enquadrados na normativa social estabelecida pelos grupos dominantes que, utilizando-se de mecanismos como a clínica, o direito e a educação, se esforçavam em normalizar esses sujeitos, escolhendo, por exemplo, não os incluir nas escolas regulares por considerá-los “anormais”. Além do mais, essa atitude de exclusão demonstrava o quanto a deficiência não estava situada no campo da cultura e identidade. Veiga-Neto e Lopes (2007, p. 955) apontam que “é dito normal aquele que é capaz de amoldar-se ao modelo e, inversamente, o anormal é aquele que não se enquadra ao modelo”. Desse modo, inventa-se um modelo de conduta e comportamento que necessita ser seguido, sendo que aqueles que desviam desses processos de normalização são excluídos e nomeados. Nesse caso, os surdos, por fugirem de uma normativa que tem as línguas orais e a audição como modelo de corpo, são enquadrados pelas normas elaboradas nos campos de poder. É nesse sentido que a clínica irá agir com o objetivo de reabilitá-los. Kassar (2011, p. 63), ao discutir sobre os programas educacionais elaborados pelo governo brasileiro no início século XX, diz que: Publicaram, em 1905, uma escala de inteligência, cujo objetivo foi medir o desenvolvimento da inteligência das crianças de acordo com a idade (idade mental). Nesse momento, acreditava-se que a separação de alunos “normais” e “anormais” traria benefício para todos no processo educativo. TEMA 2 – EDUCAÇÃO NO BRASIL NO INÍCIO DO SÉCULO XX Após a Proclamação da República e com as políticas de imigração sendo implementadas no país, inicia-se um processo de higienização no Brasil, excluindo as pessoas negras, surdas e com deficiência das políticas educacionais que privilegiavam uma educação de qualidade. A educação destinada a esses sujeitos, que pouco se encontravam nas salas de aula, não priorizava as suas diferenças e estava mais preocupada em formar mão de obra para trabalho no processo de industrialização no país. Além do mais, no Brasil, no início do século XX, existiam grupos de intelectuais, à época, que defendiam e propagavam as ideias do darwinismo social, defendendo políticas eugenistas no país. 4 O movimento eugenista ao procurar “melhorar a raça”, deveria “sanar” a sociedade de pessoas que apresentassem determinadas enfermidades ou características consideradas “indesejáveis” (tais como doenças mentais ou então os chamados “impulsos criminosos”), promovendo determinadas práticas para acabar com essas características nas gerações futuras. (Maciel, 1999, p. 121) À vista disso, a população surda se encontrava cada vez mais distante de uma educação que priorizasse as suas identidades, por mais que existisse o INES, não eram todos estudantes que tinha a oportunidade de mudar para o Rio de Janeiro, até então capital do país, para estudar. Os que não podiam ir até a cidade fluminense permaneciam, quase todos, sem o direito ao acesso a educação básica. No ano de 1913, iniciam-se investigações sobre a educação das pessoas surdas e pessoas com deficiência, com o lançamento dos livros Educação da inteligência anormal no Brasil, de Clemente Quaglio; Tratamento e educação das crianças anormais de inteligência, de Basílio de Magalhães; e A solução do problema pedagógico social da educação da infância anormal de inteligência no Brasil, de Ugo Pizzoli. A matrícula de estudantes com deficiência, que no início do século XX eram denominados de especiais, no ensino regular nas escolas públicas e privadas, passa a ser permitida com os incentivos financeiros do governo. Nesse momento, criam-se instituições especializadas para acolhê-los, tornando-se espaços de referência na educação especial. Para abertura de turmas para pessoas especiais no ensino público e nas intuições especializadas que recebiam incentivos do governo era preciso a supervisão de organismos públicos de inspeção sanitária (Kassar, 2011, p. 63). Dessa forma, iniciam-se algumas movimentações políticas na busca de uma educação para as pessoas com deficiência, tendo destaque a criação das Pestalozzis, com a chegada da psicóloga e professora russa Helena Antipoff, no ano de 1929, e a abertura das APAEs, no ano de 1954, na cidade do Rio de Janeiro. Enquanto isso, os surdos permaneciam nas políticas educacionais destinadas às pessoas com deficiência, frequentando em alguns casos, essas instituições. 5 TEMA 3 – 1990: EFERVESCÊNCIA DAS DISCUSSÕES EDUCACIONAIS PARA SURDOS Nesse sentido, como o nosso objetivo é trazer para o debate como a educação de surdos foi sendo construída no Brasil, iremos agora realizar um salto para a década de 1980, quando é fundada a Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS). É importante destacar que antes a Feneis (Federação Nacional de Educação e Integração do Surdo), era chamada de Feneida (Federação Nacional de Educação e Integração do Deficiente Auditivo), com sede no Rio de Janeiro. A Feneida foi oficialmente fundada em 1978, após algumas reuniões organizadas por iniciativa de profissionais ouvintes, em que sua diretoria era constituída basicamente por ouvintes. Sendo assim, a Feneis nasceu com caráter estritamente político, luta primeiro lugar, pelo direito de autodeterminação dos/as surdos/as. (Ramos, 2004, p. 4) A partir dos anos de 1990, inicia-se uma grande movimentação mundial, em função das mobilizações surdas nas décadas de 1970 e 1980, por meio do movimento Deaf Power. A comunidade surda, composta por pessoas surdas, familiares, profissionais da educação e aliados ouvintes articulam encontros para a discussão sobre a educação de surdos, baseada em uma política educacional bilíngue. Nesse mesmo momento, com a criação da FENEIS, o movimentosurdo no Brasil se fortalece, ganhando representatividade institucional e ocupando os espaços políticos na luta por uma educação que respeitasse as especificidades dos estudantes surdos sinalizantes. Outro aspecto importante é o processo de redemocratização no Brasil, que assegura na Constituição de 1988, no art.º 6, direitos sociais à educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados (Brasil, 1988). Além disso, no ano de 1994, na cidade de Salamanca, na Espanha é realizada a Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais. Apesar de ser um evento que não priorizava a educação de surdos, existiram discussões durante o encontro sobre as especificidades linguísticas da comunidade surda. 6 As políticas educativas deverão levar em conta as diferenças individuais e as diversas situações. Deve ser levada em consideração, por exemplo, a importância da linguagem dos sinais como meio de comunicação para os surdos, e ser assegurado a todos os surdos acesso ao ensino da linguagem de sinais de seu país. Face às necessidades específicas de comunicação de surdos/as e de surdo cegos, seria mais conveniente que a educação lhes fosse ministrada em escolas especiais ou em classes ou unidades especiais nas escolas comuns. (Unesco, 1994, p. 30) Com as discussões de Salamanca e os encontros realizados no país sobre a educação de surdos, estabelece-se o processo de inclusão dos estudantes surdos nas escolas regulares, respeitando o seu direito de ter acesso à língua de sinais em sala de aula. Apesar de essas discussões apontarem para uma mudança na educação de surdos, essa proposta educacional não era a desejada pela comunidade surda, que continuou realizando congressos e encontros para discutir a educação bilingue e a importância das políticas públicas para a concretização das suas demandas. No ano de 1999, na cidade de Porto Alegre, é realizado o V Congresso Latino – Americano de Educação Bilíngue para Surdos. Entre as exigências do movimento surdo, estava: 1. Propor o reconhecimento da língua de sinais como língua da educação do surdo. 2. Assegurar a toda criança surda o direito de aprender línguas de sinais e português e outras línguas. [...] 9. Regularizar ou implementar o ensino para os surdos onde quer que eles estejam presentes. [...] 22. Considerar que a integração/inclusão é prejudicial à cultura, a língua e à identidade surda. (Feneis, 1999). O congresso realizado na cidade de Porto Alegre foi um marco na educação de surdos. Com a publicação do documento “Educação que nós surdos queremos”, foi possível exigir politicamente o acesso a uma educação bilíngue e a garantia dos direitos linguísticos da comunidade surda. TEMA 4 – CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA SURDOS NO ANOS 2000 Nesse sentido, a década de 1990 será um período de reorganização na educação de surdos por meio das políticas públicas, que irá culminar na aprovação da Lei n. 10. 436/02 (Lei de Libras). De acordo com a lei de Libras Art. 1o É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados. Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de 7 natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constitui um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil. Art. 2o Deve ser garantido, por parte do poder público em geral e empresas concessionárias de serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar o uso e difusão da Língua Brasileira de Sinais - Libras como meio de comunicação objetiva e de utilização corrente das comunidades surdas do Brasil. Art. 3o As instituições públicas e empresas concessionárias de serviços públicos de assistência à saúde devem garantir atendimento e tratamento adequado aos portadores de deficiência auditiva, de acordo com as normas legais em vigor. Art. 4o O sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais, municipais e do Distrito Federal devem garantir a inclusão nos cursos de formação de Educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus níveis médio e superior, do ensino da Língua Brasileira de Sinais - Libras, como parte integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, conforme legislação vigente. Parágrafo único. A Língua Brasileira de Sinais - Libras não poderá substituir a modalidade escrita da língua portuguesa. (Brasil, 2002) A partir da Lei de Libras, os surdos começam legalmente a ter os seus direitos linguísticos respeitados. A fim de oportunizar a formação de profissionais fluentes na língua de sinais, capazes de lecionar na educação básica de surdos com qualidade, a lei solicita a formação de docentes na graduação, que tenham competência linguística para atuar na educação bilíngue. Para isso, foi aprovado o Decreto n. 5.636/05, que regulamenta a lei e traz em seus artigos informações de como essa formação deve acontecer. No capítulo 3, intitulado “Da formação de professores de Libras e instrutor de Libras”, é exposto pelo decreto que: Art. 4º A formação de docentes para o ensino de Libras nas séries finais do ensino fundamental, no ensino médio e na educação superior deve ser realizada em nível superior, em curso de graduação de licenciatura plena em Letras: Libras ou em Letras: Libras/Língua Portuguesa como segunda língua. Parágrafo único. As pessoas surdas terão prioridade nos cursos de formação previstos no caput. Art. 5º A formação de docentes para o ensino de Libras na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental deve ser realizada em curso de Pedagogia ou curso normal superior, em que Libras e Língua Portuguesa escrita tenham constituído línguas de instrução, viabilizando a formação bilíngue. § 1º Admite-se como formação mínima de docentes para o ensino de Libras na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, a formação ofertada em nível médio na modalidade normal, que viabilizar a formação bilíngue, referida no caput. § 2º As pessoas surdas terão prioridade nos cursos de formação previstos no caput. (Brasil, 2005) Além disso, segundo esse documento, pessoa surda é “aquela que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais Libras” (Brasil, 2005). A Educação Especial tem 8 influência na educação de surdos, por mais que no ano de 2021 tenha sido aprovada a Lei n. 14.191, que traz a educação bilíngue como uma modalidade da educação. No ano de 2011, com as políticas da educação inclusiva sendo cada vez mais implementadas nas escolas regulares, a comunidade surda recebeu a notícia da possibilidade do fechamento do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), causando uma grande indignação no movimento surdo. Resistindo a essas ameaças, os surdos se organizaram e realizaram manifestações em Brasília. Esse ato ficou conhecido como Movimento surdo em defesa da educação bilíngue. As investigadores subalternas surdas Patrícia Rezende e Ana Regina Campello, ao relatar esse acontecimento, dizem que os dias 19 e 20 de maio de 2011 “foram dias marcantes e históricos para a nossa vida; foram dias eternizados em nossos corações como representação da resistência surda contra a autoridade do Ministério da Educação” (Campello; Rezende, 2014, p. 79). A comunidade surda sempre se sentiu ameaçada pela estrutura audista, que se utiliza de alguns mecanismos para impor uma educação que não está de acordo com as pautas políticas dos surdos. Infelizmente, esses ataques ignoram as particularidades desse grupo, negando-lhes o direito de uma educação bilínguede qualidade que priorize a língua de sinais como primeira língua. Por isso, quando discutimos sobre a história do surdo e da surdez no primeiro capítulo dessa unidade, debatemos a importância de conhecermos os fatos históricos por meio de fontes confiáveis para que assim os erros do passado possem ser evitados, respeitando os direitos dos sujeitos. A seguir, segue a carta aberta escrita pela comunidade surda ao Ministério da Educação no ano de 2012 Nós, surdos, militantes das causas dos nossos compatriotas surdos, apelamos a Vossa Excelência pelo nosso direito de escolha da educação que melhor atende aos surdos brasileiros que têm a Libras como primeira língua. Concordamos que “O Brasil tem que ter 100% das crianças e jovens com deficiência na escola”, sim, mas não concordamos que a escola regular inclusiva seja o único e nem o melhor espaço onde todas essas crianças e jovens conseguem aprender com qualidade. Afirmar que “A política de educação inclusiva permitiu um crescimento espetacular, de forma que os estudantes com deficiência convivem com os outros estudantes e os outros estudantes convivem com eles” nos angustia, pois queremos conviver com os demais cidadãos brasileiros, sim, mas queremos, acima de tudo, que a escola nos ensine. [...] Escrevemos essa carta, juntos, para dizer-lhe, respeitosamente, mas com a ênfase necessária à gravidade que o tema exige que suas falas não tenham fundamento científico ou empírico, conforme mostram nossas próprias pesquisas e as de um sem número de outros pesquisadores brasileiros. Várias pesquisas 9 mostram que os surdos melhor incluídos socialmente são os que estudam nas Escolas Bilíngues, que têm a Língua de Sinais brasileira, sua língua materna, como primeira língua de convívio e instrução, possibilitando o desenvolvimento da competência em Língua Portuguesa escrita, como segunda língua para leitura, convivência social e aprendizado. (Carta Aberta..., 2012) Apesar das ameaças, o INES permaneceu aberto. Mas, apesar de ter conquistado o direito do funcionamento do instituto, os surdos tiveram que continuar lutando pelo reconhecimento como minoria linguística, reivindicando a língua de sinais como sua primeira língua, sendo necessário a abertura de mais escolas bilíngues para surdos, oportunizando a esses estudantes uma educação produzida e pensada de/para surdos. Por isso no ano de 2014, pesquisadores e lideranças surdas foram convidados para a elaboração do documento Relatório sobre Política Linguística de Educação Bilíngue - Língua Brasileira de Sinais, contendo algumas diretrizes sobre a educação de surdos a criação de ambientes linguísticos para a aquisição da Libras como primeira língua (L1) por crianças surdas, no tempo de desenvolvimento linguístico esperado e similar ao das crianças ouvintes, e a aquisição do português como segunda língua (L2). A Educação Bilíngue é regular, em Libras, integra as línguas envolvidas em seu currículo e não faz parte do atendimento educacional especializado. O objetivo é garantir a aquisição e a aprendizagem das línguas envolvidas como condição necessária à educação do surdo, construindo sua identidade linguística e cultural em Libras e concluir a educação básica em situação de igualdade com as crianças ouvintes e falantes do português. (Brasil, 2014, p. 6) Mesmo com a produção do documento e contendo as diretrizes que a comunidade surda julgava ser necessárias para uma educação bilíngue, as políticas voltadas para a educação inclusiva para os estudantes surdos permaneceram. Será por meio da língua e da linguagem que a cultura e a identidade serão construídas, além da possibilidade da construção de uma consciência crítica que permita entender os enunciados produzidos na sociedade. Em defesa da educação bilíngue, Campello e Rezende (2014) dizem Somos intelectuais em busca de uma produção política legítima para a educação dos surdos, que significa uma política educacional permeada pelas necessidades e anseios dos alunos; uma política que condiz com nossa luta, com nossas experiências de vida, com nossos anseios pelos e ao lado de nossos pares surdos, em busca do direito de as crianças surdas terem, desde a mais tenra idade, a possibilidade de adquirir a Identidade Linguística da Comunidade Surda (Campello; Rezende, 2014, p. 72, 73). No ano de 2021, foi aprovada a Lei n. 14.191/21 que altera a Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), 10 para dispor sobre a modalidade de educação bilíngue de surdos. Antes tínhamos como modalidades de ensino: Educação de Jovens e Adultos (EJA), Educação Especial, Educação Profissional e Tecnológica, Educação do Campo, Educação Escolar Indígena, Educação Escolar Quilombola e Educação a Distância. TEMA 5 – DISCUSSÕES E MAIS CONQUISTAS NA EDUCAÇÃO DE SURDOS A educação de surdos ainda se encontra localizada na educação inclusiva, em que os estudantes estão em um período na sala de aula com os demais estudantes e no contraturno no Atendimento Educacional Especializado (AEE). O AEE faz parte da educação de surdos desde a década de 1990, estando na Lei de Diretrizes e Bases (LDB), Lei n. 9.394/1996, capítulo 3, art. 4º, inciso III diz que é dever do Estado garantir “o atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino” (Brasil, 1996). No caso dos estudantes surdos, existem especificidades que os Atendimentos Educacionais Especializados (AEEs) precisam obedecer. Essas diretrizes se encontram presentes no Decreto n. 5.636/05, capítulo 6, art, 22º, inciso II em que “os alunos têm o direito à escolarização em um turno diferenciado ao do atendimento educacional especializado para o desenvolvimento de complementação curricular, com utilização de equipamentos e tecnologias de informação” (Brasil, 2005). Por mais que os AEEs tenham uma importância na educação de surdos, principalmente por ter o ensino da língua de sinais e do português na modalidade escrita, essa ainda não é a educação desejada pela comunidade surda. De acordo com a Lei n. 14.191/21, no art. 60-A Entende-se por educação bilíngue de surdos, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar oferecida em Língua Brasileira de Sinais (Libras), como primeira língua, e em português escrito, como segunda língua, em escolas bilíngues de surdos, classes bilíngues de surdos, escolas comuns ou em polos de educação bilíngue de surdos, para educandos surdos, surdo-cegos, com deficiência auditiva sinalizantes, surdos com altas habilidades ou superdotação ou com outras deficiências associadas, optantes pela modalidade de educação bilíngue de surdos (Brasil, 2021). As escolas bilíngues precisam ser espaços de fortalecimento da língua de sinais, trazendo para os debates promovidos em sala de aula a história do povo surdo e a importância das políticas públicas para o fortalecimento da 11 comunidade. Além do mais, as crianças surdas precisam ter a oportunidade de serem letradas e educadas na sua primeira língua, a Libras, para que assim possam compreender as discursividades produzidas na sociedade. Dessa forma, como discutido em capítulos anteriores, o currículo precisa ser disputado e ser produzido com todos os sujeitos que fazem parte da escola, principalmente docentes, comunidade escolar e estudantes surdos. Por essa razão, as políticas educacionais são importantes na construção de uma educação bilíngue equânime e de qualidade. NA PRÁTICA O movimento “Nada sobre nós, sem nós” é um lema utilizado pelas pessoas com deficiência e pessoas surdas que têm por objetivo mostrar que as políticas públicas não podem ser construídas sem a participação ativa desses sujeitos e suas lideranças. A presença desses sujeitos sociais nas elaborações das políticas e ações afirmativas irá possibilitar que as suas solicitaçõessejam debatidas partindo das suas experiências e vivências. Não adianta pensar em políticas educacionais, por exemplo, sem a participação do movimento surdo. Devem-se evitar práticas audistas que excluem esses sujeitos da participação na elaboração dessas políticas, entendendo que estes são os atores centrais na discussão. Por isso, no mês do Setembro Azul várias programações destinadas à educação, arte, literatura entre outras formas de educação e letramento são desenvolvidas pelos surdos. O Setembro Azul é celebrado pela comunidade surda, tendo o dia 26 como o dia principal das comemorações, em homenagem à inauguração do INES neste dia. Além disso, esse mês serve para lembrar as lutas políticas e as conquistas do povo surdo sobre os seus diretos civis e linguísticos, promovendo momentos de debates e reflexões para que a comunidade surda nunca se esqueça de resistir e disputar os espaços de poder, trazendo para esses embates as suas vivênciais. FINALIZANDO Neste capítulo, aprendemos que o movimento surdo vem lutando pelo reconhecimento linguístico, com o objetivo de oferecer aos estudantes surdos uma educação bilíngue que respeite as suas identidades e subjetividades. 12 Observou-se que a educação das pessoas surdas, por estar incluída nos programas de educação especial, estiveram relacionadas com a reabilitação, possuindo influência da clínica nesse processo. Em seguida, com a insurgência do movimento surdo no final da década de 1980 com a fundação da FENEIS e nos anos 90, com a criação de propostas educacionais acordadas nesses encontros. No caso dos estudantes surdos, a educação bilíngue é essencial para sua formação escolar, principalmente se pensarmos que as escolas inclusivas não priorizam a língua de sinais, sendo o português ensinado em sala como primeira língua e não segunda língua. Uma outra situação foram as lutas e conquistas do movimento surdo no Brasil, principalmente em episódios da história que colocaram em risco a educação de surdos, com o fechamento das escolas bilíngues de surdos em algumas cidades do país. Por meio da luta das lideranças surdas, a educação bilíngue foi cada vez mais ganhando o espaço político, solicitando o reconhecimento linguístico para a elaboração de políticas educacionais que auxiliam no processo de ensino e aprendizagem desses estudantes. Nesse sentido, inaugura-se uma nova fase na educação de surdos em que a educação bilíngue torna-se uma modalidade. Por isso, neste momento, é necessário pressionar os setores políticos para a construção das escolas bilíngues e elaboração das diretrizes que irão direcionar a aplicabilidade da Lei n. 14.191/2021. 13 REFERÊNCIAS FENEIS – Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos. A educação que nós, surdos, queremos. In: V CONGRESSO LATINO AMERICANO DE EDUCAÇÃO BILINGUE PARA SURDOS. Anais..., Porto Alegre/RS, UFRGS 20-24 abr. 1999. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, 5 out. 1988. _____. Decreto n. 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 23 dez. 2005. _____. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 23 dez. 1996. _____. Lei n. 10.436, de 24 de abril de 2002. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 25 abr. 2002. _____. Lei 14.191, de 3 de agosto de 2021. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 4 ago. 2021. BRASIL. Relatório do Grupo de Trabalho designado por Portaria Ministerial para elencar subsídios à Política Linguística de Educação Bilíngue – Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEESP, 2014. CAMPELLO, A. R.; REZENDE, P. L. F. 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