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HISTÓRIA E TENDÊNCIAS DA EDUCAÇÃO DOS SURDOS – COMUNICAÇÃO E BILINGUISMO AULA 2 Prof. Rhaul de Lemos Santos 2 CONVERSA INICIAL Anteriormente, conversamos sobre como a surdez e os surdos foram posicionados durante os períodos históricos. Realizar essa análise irá auxiliar a nossa compreensão dos motivos pelos quais a educação dos surdos passou por vários processos educacionais, ora com a finalidade de normalizar esses sujeitos, objetivando encaixá-los em uma normativa produzida por uma sociedade que busca a todo instante fixar as identidades e localizá-las em categorias homogêneas, ora com a função de descolonizar os corpos dos sujeitos surdos, para que estes consigam trazer para as discussões as suas identidades e culturas, a fim de desestabilizar as estruturas audistas. Nesse sentido, vamos analisar três métodos/propostas da educação dos surdos que se encontram presentes e se intercruzam nas salas de aula em que esses estudantes estão inseridos. Portanto, temos como objetivos: • debater o oralismo e a sua presença na educação dos surdos; • entender o que é comunicação total e a sua influência no processo educacional dos estudantes surdos; • discutir a luta do movimento surdo pelo direito à educação bilíngue. TEMA 1 – POR QUE PENSAR EM UMA EDUCAÇÃO DOS SURDOS? Estamos matriculados em um curso que tem como objetivo formar professores licenciados para trabalhar na disciplina de Libras na educação dos surdos. Não podemos esquecer que, embora estejamos conscientes de uma educação bilíngue para surdos que privilegie as línguas de sinais como primeira língua (L1) e as línguas orais, como segunda língua (L2) na modalidade escrita, somos sujeitos que vivemos constantes mudanças políticas e sociais que podem, a qualquer momento, privilegiar uma modalidade de educação que não seja a desejada pelo movimento surdo. Nesse sentido, precisamos estar atentos e preparados para defender e saber dialogar sobre os conceitos produzidos na esfera da educação que, por muitos anos, causaram uma divisão educacional na vida desses estudantes, prejudicando seriamente os seus processos formativos. Precisamos entender que o currículo é ideológico e traz em sua materialização enunciados que tentam subalternizar determinados grupos e privilegiar outros. Por essa razão, Silva 3 (1999, p. 32), ao discutir o currículo como um dos mecanismos que produzem as identidades dos estudantes, afirma que a ideologia neles contida, em muitas situações, quando não discutida e trabalhada de modo crítico, “inclina as pessoas das classes subordinadas à submissão e à obediência, enquanto as pessoas das classes dominantes aprendem a comandar e controlar”. Dessa forma, somos provocados a pensar: os educadores, estudantes e comunidade escolar surda estão participando da elaboração dos currículos escolares para a educação dos estudantes surdos? Não podemos esquecer que o currículo é uma das formas do audismo/ouvintismo operar na trajetória escolar das pessoas surdas. Muitos surdos, por não terem tido a oportunidade de estudar em escolas bilíngues comprometidas de forma ética em educar seus estudantes a partir de uma perspectiva surda, acabam passando por processos de opressão que os excluem dos processos educativos. Existem práticas produzidas nas escolas, a partir dos currículos, que tentam desenvolver uma “cultura universalista, em relação à qual as demais manifestações e produções culturais dos outros povos não passariam de casos particulares” (Veiga-Neto, 2003, p. 10). Essa negação da diversidade em sala de aula tem como proposta fazer com que os estudantes acreditem e assumam a ideia de que todos os sujeitos, independentemente de suas identidades e subjetividades, conseguem alcançar os mesmos espaços por meio dos mesmos mecanismos e instituições. Mas, na prática, quanto mais o sujeito faz parte dos grupos subalternizados, mais difícil torna-se ocupar determinados lugares. TEMA 2 – A DISPUTA DOS CURRÍCULOS NA EDUCAÇÃO DE SURDOS Nesse cenário, torna-se muito difícil discutir sobre as subjetividades e particularidades dos estudantes surdos nas escolas inclusivas. O currículo não está preparado para receber esses estudantes e há pouca disposição para a mudança. As aulas não são pensadas em uma educação visual bilíngue e as avaliações não são traduzidas para a Libras. Silva (1999, p. 35) diz que “o currículo da escola está baseado na cultura dominante: ele se expressa na linguagem dominante, ele é transmitido através do código cultural dominante”. Não adianta promover uma educação inclusiva ou mesmo bilíngue, se o currículo no ambiente escolar continua reproduzindo a 4 linguagem dominante. É necessário permitir que o currículo se torne diverso e plural, e traga para o debate as experiências e vivências dos sujeitos. A comunidade surda, ao reivindicar o direito à educação bilíngue, não está promovendo uma segregação contra os estudantes ouvintes. Ao contrário, está exigindo que seu direito linguístico seja respeitado ao longo de sua trajetória escolar. Trazer essas questões para o debate “pode contribuir para desnaturalizá-las, para desconstruí-las, para mostrar mais uma vez o quanto elas são contingentes, justamente porque advêm de relações que são construídas social e discursivamente” (Veiga-Neto, 2003, p. 24). Dessa forma, iremos discutir as modalidades educacionais pelas quais os surdos passaram e passam ao longo de suas trajetórias escolares. TEMA 3 – A EDUCAÇÃO DE SURDOS E O ORALISMO Fernandes (2006, p. 3) explica que “o contexto educacional está organizado de forma que todas as interações são realizadas pela oralidade, o que coloca os alunos surdos em extrema desvantagem nas relações de poder e saberes”. Quando discutimos o oralismo na educação dos surdos, as primeiras palavras que vêm à nossa mente são o Congresso de Milão. Ficou marcado no imaginário social que esse congresso foi responsável pela proibição da língua de sinais na educação dos estudantes surdos em todo o mundo. Em etapa anterior, ressaltamos a importância das fontes históricas na construção do conhecimento, pois servem como documentos para a realização de uma análise crítica da realidade. Uma questão a ser considerada sobre a presença do oralismo como método na educação de surdos é que essa proposta educacional ganhará força a partir da unificação dos países europeus, valorizando a importância da unidade linguística para a criação dos Estados modernos. Esses mecanismos de unificação irão produzir um sentimento de pertencimento e de nação, permitindo um maior controle dos corpos dos sujeitos. Oliveira (2014, p. 151), ao falar sobre o processo de unificação linguística, explica que […] as línguas nacionais são sempre inventadas pelos grupos dominantes, ou pela elite letrada, ao contrário do que preconiza a mitologia nacionalista— que pressupõe que elas são forjadas pelo “povo” de cada nação. O processo de apagamento da grande variedade de idiomas falados inicia-se com a eleição de um determinado dialeto— o de Londres, no caso da Inglaterra, e o de Lisboa, no caso de Portugal—, que, depois de homogeneizado 5 ortográfica e gramaticalmente, passa a ser língua administrativa e literária, além de escolar. (Oliveira, 2014, p. 151) Com as instalações da modernidade, exigia-se que as nações se unificassem e se fortalecessem, criando uma rigidez cultural e identitária que produzisse nos seus cidadãos o sentimento nacionalista. Com a criação desses Estados, tornou-se mais fácil o processo de dominação sobre as pessoas, tornando-as obedientes às regras sociais estipuladas pelos grupos que ocupavam o poder. Essas transformações sociais também afetariam o povo surdo, que, durante suas reuniões, comemoravam o aniversário do abade Charles Michel L’Epée e discutiam o rumo que a educação de surdosestava tomando. À vista disso, para compreender a historicidade educacional dos estudantes surdos, precisamos voltar aos registros que falam sobre a escolarização desses sujeitos. Encontraremos documentos que apontam que, em um determinado período, a educação dos surdos tinha como responsáveis pela sua escolarização abades, monges e médicos. Outras fontes mostram que a língua de sinais servia como apoio para a aprendizagem da língua oral, e durante muito tempo houve disputa entre o método francês, baseado no ensino de sinais metódicos, e o método alemão voltado para o oralismo puro. Precisamos ter cuidado ao falar sobre as decisões tomadas no Congresso de Milão em 1880. Os debates sobre o oralismo advêm de outros encontros realizados em diferentes países na forma de congressos, com o objetivo de encontrar, de acordo com os especialistas que participavam desses eventos, o melhor método para a educação de surdos. Vieira-Machado e Rodrigues (2022, p. 5) apontam que: Tais verdades assim repetidas sem acesso a outros documentos, que relatam Milão, podem trazer como consequência principal o apagamento de toda a memória sobre outros fatos que também compõem a história da educação de surdos. Esse apagamento produz uma narrativa muitas vezes distorcida e até mesmo o esquecimento das personagens que foram fundamentais para a luta dos surdos enquanto resistência aos métodos educacionais e para a defesa do uso dos sinais no processo educacional dos surdos. (Vieira-Machado; Rodrigues, 2002, p. 5) Para que o método oralista puro recebesse a maioria dos votos no Congresso de Milão, foram realizados dois congressos que antecederam esse evento: o Congresso de Paris (1878) e o de Lyon (1879). De acordo com Vieira- Machado e Rodrigues (2022), no Congresso de Paris, os professores surdos 6 reunidos naquela ocasião somavam 52 participantes, que criaram uma sessão para discutir a educação de surdos. Durante o congresso, foram votadas 12 deliberações relacionadas à educação de surdos, formação de professores, participação da família, entre outros assuntos. A decisão final do congresso foi a continuidade da utilização da língua de sinais na educação dos surdos, conforme citação: […] manifesta-se o desejo de que o método baseado na articulação se expanda pelo mundo. Todavia, reserva-se um lugar para a mímica como necessária para a relação professor-aluno. Há também o reconhecimento de que o método articulatório não seria eficaz com todos, portanto, preserva-se a possibilidade de que se fizesse uso dos sinais. Ou seja, o que se propunha era um método misto. O que nos leva a perceber que a tendência não pendia para a proibição dos sinais (denominado mímica). (Vieira-Machado; Rodrigues, 2022, p. 10) Nota-se que existia uma movimentação muito sutil para privilegiar as línguas orais e deixar as línguas de sinais como apoio para o processo de ensino-aprendizagem do oralismo. No ano seguinte, na cidade de Lyon, é realizado o Primeiro Congresso Nacional para o Melhoramento das Condições dos Surdos-Mudos. No evento, que aconteceu em 1879, os participantes presentes votaram a favor do uso da mímica e da permanência do método misto (Vieira-Machado; Rodrigues, 2022). Percebendo que o método oralista estava perdendo força, decide-se realizar o próximo encontro na cidade de Milão, no ano de 1880. A escolha de Milão para sediar o próximo congresso estava relacionada às escolas para surdos existentes na cidade que tinham o oralismo como método. Documentos históricos apontam que era comum a apresentação pública dos métodos oralistas para os governantes com o objetivo de sensibilizá-los e oficializar o oralismo como metodologia na educação de surdos. Apesar de a maioria dos institutos assentarem o seu trabalho no método desenvolvido por L’Épée, em 1832, foi fundado um que priorizou o método oral. O fundador foi o Padre Antonio Provolo, que abriu uma escola para surdos em Verona, aplicando tal método. As primeiras proposições para o atendimento educacional de alunos surdos proposto por Antonio Provolo foram marcadas pela fase de sensibilização dos governantes e das autoridades. Assim como L’Epée, realizava aulas públicas com os alunos surdos, a fim de demonstrar ao público os resultados obtidos no processo educacional e com o intuito de receber financiamento para a consecução dos objetivos pedagógicos e institucionais. (Sofiato; Filho, 2023, p. 8) Essas mesmas apresentações foram realizadas no Congresso de Milão, resultando na escolha do método oral puro como proposta educacional a ser 7 utilizada na educação de surdos. Mas, ao contrário do que se pensa, muitas instituições, assim como o Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines), continuaram a utilizar o método misto em suas aulas, não sendo todos os estudantes oralizados. A oralização, nessa instituição, era destinada apenas aos estudantes que os professores julgavam ser capazes de ser reabilitados. Em 1911, no Brasil, o Ines, seguindo a tendência mundial, estabeleceu o Oralismo puro em todas as disciplinas. Mesmo assim, a língua de sinais sobreviveu em sala de aula até 1957, quando a diretora Ana Rímoli de Faria Doria, com assessoria da professora Álpia Couto, proibiu a língua de sinais oficialmente em sala de aula. Mesmo com todas as proibições, a língua de sinais sempre foi utilizada pelos alunos nos pátios e corredores da escola. (Goldfeld, 2002, p. 32, citado por Rocha, 2009, p. 68) Mesmo com o oralismo tornando-se obrigatório nas escolas para surdos no Brasil a partir do decreto 9.199, em 1911, os surdos continuaram a sinalizar com seus pares nas escolas, realizando um movimento de resistência às imposições audistas/ouvintistas. TEMA 4 – A EDUCAÇÃO DE SURDOS E A COMUNICAÇÃO TOTAL Com o oralismo presente na educação dos surdos, nos anos 1960, inicia- se nos Estados Unidos um novo método na educação: a comunicação total. Essa proposta de ensino tem como objetivo realizar uma educação híbrida em que a oralização e outros meios de linguagens são utilizados no processo educacional dos surdos. Neste método, quando a língua de sinais é utilizada, serve apenas de apoio para as línguas orais e não ganha centralidade no processo de ensino- aprendizagem. Capovilla (2000, p. 104) explica que: Como o objetivo maior da filosofia educacional oralista era permitir o desenvolvimento da linguagem e como ela nunca chegou a realizar satisfatoriamente esse objetivo, passou a tornar-se cada vez mais atraente a ideia de que aquele mesmo objetivo de permitir ao surdo a aquisição e o desenvolvimento normais da linguagem poderia vir a ser alcançado por uma outra filosofia educacional que enfatizasse não a língua oral mas todo e qualquer, meio possível, incluindo os próprios sinais. (Capovilla, 2000, p. 104) Percebe-se que o oralismo, enquanto método de reabilitação da fala dos estudantes surdos, vai perdendo força, sendo substituído por outros métodos, assim como outros modelos educacionais foram sendo incorporados pelas escolas com estudantes surdos. Apesar da resistência por parte do povo surdo pelo direito de utilizar a língua de sinais e serem instruídos por ela, o fantasma 8 do oralismo permanecia nas escolas. Portanto, ao adotarem a comunicação total como método de aprendizagem, alguns docentes que lecionavam para estudantes surdos utilizavam-se de várias linguagens para que os estudantes se apropriassem dos conteúdos. Segundo Capovilla (2000, p. 104), “a comunicação total advoga o uso de um ou mais desses sistemas juntamente com a língua falada, com o objetivo básico de abrir canais de comunicação adicionais”. Observa-se, nesse sentido, que mesmo notando o fracasso do oralismo na educação de surdos e incluindo- se outras linguagens no processo educacional, a oralização continua sendo utilizada. Essa insistência na continuidade da utilização do oralismo na educação dos surdosdemonstra o quanto o audismo é estrutural e está presente na sociedade ouvintizada, que privilegia, em sua maioria, as línguas orais. Goes e Souza (1998) citados por Giameralo (2013), ao falarem sobre a comunicação total e sua utilização na educação de surdos, afirmam que “conferiu ao oralismo uma nova roupagem ideológica, já que essa prática pedagógica permite ao surdo valer-se de sinais, marca linguística de sua diferença, sem que se perca de vista, no entanto, o principal objetivo educacional: o domínio pelo aluno surdo da língua majoritária”. Na comunicação total, a língua de sinais estaria relacionada a um “português sinalizado”, não sendo construída culturalmente e não obedecendo à estrutura gramatical linguística das línguas de sinais. Dessa forma, Capovilla (2000, p. 105) explica que os recursos utilizados na educação de surdos por meio da comunicação total tinham como princípio aplicar “a ordem de produção dos sinais seguindo a ordem de produção das palavras da língua falada, que é produzida simultaneamente”. Apesar de a educação de surdos ter tido uma melhora com a comunicação total, observou-se por meio de pesquisas científicas que esse método não era o melhor a ser utilizado no processo de apropriação da leitura e escrita. Por essa razão, iniciou-se um movimento de investigação, convidando as professoras da época que lecionavam para estudantes surdos a participar das pesquisas. O objetivo desses trabalhos era fazer com que as docentes passassem pelas mesmas experiências dos estudantes surdos em sala de aula. Durante as observações, notou-se que quando o som da fala que acompanhava a sinalização era retirado, não era possível compreender os sinais produzidos pelas docentes nos vídeos, concluindo, dessa forma, que ao oralizar e sinalizar 9 ao mesmo tempo, a língua de sinais era omitida durante as aulas, dificultando o entendimento dos conteúdos. A conclusão desconcertante óbvia é a de que, durante todo o tempo, as crianças não estavam obtendo uma versão visual da língua falada na sala de aula, mas sim uma amostra linguística incompleta e inconsistente, em que nem os sinais nem as palavras faladas podiam ser compreendidos plenamente por si sós. Em consequência daquela abordagem, para sobreviver comunicativamente, as crianças estavam se tornando não bilíngues, mas “semilíngues”, sem ter acesso a qualquer uma das línguas plenamente e sem conhecer os limites entre uma e outra. (Capovilla, 2000, p. 109) Com as pesquisas científicas sendo realizadas e comprovando que a comunicação total não era o método ideal para a apropriação da escrita e leitura dos surdos, inicia-se uma discussão sobre o método bilíngue. Esse método tem por objetivo a utilização da língua de sinais no processo educacional e aquisição da linguagem dos estudantes surdos, auxiliando na apropriação da escrita e leitura das línguas orais. TEMA 5 – A EDUCAÇÃO DE SURDOS E O BILINGUISMO A educação de surdos sempre esteve em disputa, sendo necessárias mobilizações do movimento surdo para a conquista de alguns direitos linguísticos. No Brasil, no campo das políticas públicas, foram aprovadas a Lei de Libras (Lei n. 10.436/2002), que cooficializa a língua de sinais, o Decreto 5.636/05, que regulamenta a Lei de Libras e auxiliou na construção e elaboração dos cursos de graduação em Letras Libras para formação de professores bilíngues na educação de surdos por meio dos cursos de licenciatura, e a formação de tradutores/intérpretes de Libras nos cursos de bacharelado. No ano de 2021, foi aprovada a Lei n. 14.191/2021, que torna a educação bilíngue uma modalidade na educação, inserida na Lei de Diretrizes e Bases (LDB). Apreender a educação bilíngue, como elemento norteador da política educacional para surdos, tem sido alvo de disputas e enfrentamentos, operados por posições discursivas, que expressam relações de poder assumidas pelo Ministério da Educação (MEC) em oposição ao movimento surdo, silenciando ou destacando intenções em relação aos rumos da educação de surdos no Brasil. A questão central colocada em disputa repousa no lócus preferencial da oferta da educação bilíngue que, segundo o MEC, deve ser o contexto da escola comum, ao invés de espaços exclusivos para surdos como classes e escolas bilíngues, como defende o movimento surdo. (Fernandes; Moreira, 2017, p. 129) 10 Apesar de a comunidade surda lutar pelo seu direito linguístico e reconhecimento como minoria linguística, ainda existem barreiras políticas que impedem que esses direitos sejam respeitados. A negação dos direitos das pessoas surdas está ligada a um pensamento ouvocêntrico que privilegia a audição e a oralização e desconsidera a língua de sinais como língua materna dos surdos. Por isso, os profissionais da educação comprometidos com uma educação antiaudista precisam estar envolvidos com a educação bilíngue, sendo aliados da comunidade surda. As comunidades surdas estão despertando e percebendo que foram muito prejudicadas com as propostas de ensino desenvolvidas até então e estão percebendo a importância e valor da sua língua, isto é, a Libras. Além desse despertar, os profissionais da área da surdez estão tendo acesso a informações que são resultados de pesquisas e estudos sobre as línguas de sinais, possibilitando assim uma retomada dos conceitos estruturados de surdez e língua de sinais. Assim, a educação de surdos no Brasil está entrando em uma terceira fase, que caracteriza um período de transição. Os estudos estão apontando na direção de uma proposta educacional bilíngue. (Quadros, 1997, p. 26) Por essa razão, é necessária uma aliança entre os profissionais da educação de surdos, a comunidade surda e os familiares surdos na busca por uma educação bilíngue que valorize as identidades e culturas surdas, garantindo-lhes o direito linguístico. O bilinguismo na educação de surdos precisa ter a língua de sinais como protagonista, sendo a primeira língua em sala de aula. O processo não pode ser inverso, privilegiando as línguas orais como meio de aprendizagem da língua de sinais. É necessário que os estudantes surdos sejam fluentes em Libras para obter sucesso na aprendizagem da segunda língua na modalidade escrita. […] a Língua de Sinais exerce não apenas a mera função instrumental de recurso para leitura do Português escrito, mas sobretudo, de língua que mobilizará as hipóteses dos alunos sobre a constituição dos sentidos do texto. Diante de tamanha centralidade no processo de desenvolvimento e aprendizagem, a Língua de Sinais carece de espaços de uso social para se manter viva com meio de enunciação dos seus falantes — os surdos. (Fernandes, 2001, p. 40) Por esse motivo, é importante entender como funciona uma proposta bilíngue na educação de surdos para que esse método seja aplicado corretamente, não causando prejuízo educacional aos estudantes surdos. É a língua de sinais que dará sentido aos conteúdos lecionados em sala de aula, partindo do letramento. Fernandes (2006) explica que o aprendizado do português por estudantes surdos precisa partir “do significado que essa língua 11 assume nas práticas sociais (com destaque para as escolares) para as crianças e jovens surdos”. E esse valor só poderá ser conhecido por meio da língua de sinais. Diante disso, torna-se importante estar comprometido com uma educação de qualidade para os estudantes surdos, formando professores bilíngues fluentes na língua de sinais e comprometidos com uma educação antiaudista, sendo aliados e participando dos movimentos sociais surdos. Além disso, é necessário criar escolas bilíngues para garantir uma educação de qualidade. NA PRÁTICA Pensando nas discussões que realizamos nesta etapa sobre os métodos utilizados na educação de surdos e as reivindicações da comunidade surda pelo acesso à língua de sinais, indicamos o filme E o seu nome é Jonas. O longa-metragemnarra a história de uma criança surda que passa por todos os métodos de educação que discutimos neste texto e que, ao entrar em contato com a língua de sinais, inicia um processo de letramento e descoberta do mundo, construindo sua identidade e subjetividade. Esse filme serve como modelo para provar a importância da língua de sinais na vida das crianças surdas e a necessidade de sua aquisição desde a primeira infância. FINALIZANDO Estudamos, nesta etapa, os métodos utilizados na educação de surdos e como esses sujeitos passaram por processos educacionais que trouxeram prejuízos em suas trajetórias escolares. Por mais que a comunidade surda mostre, através de pesquisas científicas, a importância da língua de sinais na vida dos estudantes surdos, ainda existe uma resistência ao seu uso. Essas movimentações contra a educação bilíngue têm base no audismo/ouvintismo, muito presente na educação dos surdos. A comunidade surda continua a resistir e a ocupar os espaços políticos, defendendo o direito a uma educação que priorize a língua de sinais, respeitando o direito linguístico dos estudantes surdos. Apesar da comprovação da importância do método bilíngue que prioriza a língua de sinais como primeira língua e a língua portuguesa como segunda língua, na modalidade escrita, ainda se tem muito o que lutar e conquistar. 12 REFERÊNCIAS CAPOVILLA, F. C. Filosofias educacionais em relação ao surdo: do oralismo à comunicação total ao bilinguismo. Revista Brasileira de Educação Especial, v. 6. p. 99-116, 2000. FERNANDES, S. Práticas de Letramento em contextos de educação bilíngue para surdos. 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