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Autora: Profa. Juliana Ferreira Mauri Colaborador as: Profa. Monica Teixeira Profa. Carolina Kurashima Profa. Christiane Mazur Doi Nutrição Clínica Avançada Professora conteudista: Juliana Ferreira Mauri Graduada em Nutrição pela Universidade Monte Serrat (Unimonte) em 2001, é especialista em Nutrição Clínica, Enteral e Parenteral pelo Ganep, em 2004, e em Nutrição Materno-Infantil pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em 2004. É pós-graduanda em Nutrição Funcional pela Universidade da Santa Casa. Tem mestrado (2009) e doutorado (2013) em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). É professora convidada no curso de Pós-graduação de Nutrição Materno-Infantil do Insira. Na UNIP, atua como professora no curso de Nutrição desde 2014. Desde 2003 é nutricionista do ambulatório de Fibrose Cística da Unifesp. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) M454n Mauri, Juliana Ferreira. Nutrição Clínica Avançada / Juliana Ferreira Mauri. – São Paulo: Editora Sol, 2021. 220 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Terapia. Nutrição. 3. Dieta. I. Título. CDU 612.39 U513.02 – 21 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez Vice-Reitora de Graduação Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Unip Interativa Profa. Dra. Cláudia Andreatini Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático Comissão editorial: Profa. Dra. Christiane Mazur Doi Profa. Dra. Angélica L. Carlini Profa. Dra. Ronilda Ribeiro Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista Profa. Deise Alcantara Carreiro Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Giovanna Oliveira Lucas Ricardi Vitor Andrade Sumário Nutrição Clínica Avançada APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 TN NAS ANEMIAS NUTRICIONAIS ............................................................................................................ 11 1.1 Anemias .................................................................................................................................................... 11 1.1.1 Classificação de anemia ....................................................................................................................... 12 1.1.2 Anemia ferropriva ................................................................................................................................... 13 1.1.3 Diagnóstico ............................................................................................................................................... 16 1.1.4 Tratamento clínico – suplementação oral .................................................................................... 16 1.2 Anemia megaloblástica ...................................................................................................................... 19 1.2.1 Cobalamina ............................................................................................................................................... 19 1.2.2 Folato ........................................................................................................................................................... 20 1.2.3 Quadro clínico .......................................................................................................................................... 20 1.2.4 Diagnóstico ............................................................................................................................................... 21 1.2.5 Tratamento da anemia megaloblástica ......................................................................................... 21 2 TN NA DESNUTRIÇÃO, CAQUEXIA E SARCOPENIA ............................................................................. 26 2.1 Definição .................................................................................................................................................. 26 2.1.1 DEP ................................................................................................................................................................ 28 2.1.2 Triagem nutricional Must 2000 ........................................................................................................ 33 2.1.3 Dietoterapia .............................................................................................................................................. 36 2.1.4 Cálculo das necessidades energéticas na desnutrição ............................................................ 37 3 TN EM INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA (IRA), SÍNDROME NEFRÓTICA, NEFROLITÍASE E HIPERURICEMIA (GOTA)................................................................................................................................ 45 3.1 Insuficiência renal aguda .................................................................................................................. 45 3.1.1 Definição .................................................................................................................................................... 45 3.1.2 Critérios para diagnóstico ................................................................................................................... 47 3.1.3 Etiologia ...................................................................................................................................................... 47 3.1.4 Nutrição e IRA .......................................................................................................................................... 49 3.1.5 Macro e micronutrientes ..................................................................................................................... 49 3.1.6 Gasto energético e IRA ......................................................................................................................... 51 3.2 Litíase renal (nefrolitíase) .................................................................................................................. 52 3.2.1 Nutrientes na litíase renal ................................................................................................................... 54 3.3 Gota ........................................................................................................................................................... 59 3.3.1 Patogênese da gota ............................................................................................................................... 60 3.3.2 Fatores associados com a gota ......................................................................................................... 61 3.3.3 TN .................................................................................................................................................................. 62 3.3.4 Recomendações nutricionais ............................................................................................................. 62 4 TN NA INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA (TRATAMENTO CONSERVADOR, HEMODIÁLISE, DIÁLISE, TRANSPLANTE) ...................................................................................................................................66 4.1 Conceito ................................................................................................................................................... 66 4.1.1 Etiologia da DRC ..................................................................................................................................... 68 4.1.2 Fisiopatologia ........................................................................................................................................... 70 4.1.3 Sinais, sintomas, manifestações clínicas da DRC ....................................................................... 71 4.1.4 Tratamento nutricional na DRC ........................................................................................................ 71 4.1.5 Avaliação nutricional na DRC ............................................................................................................ 71 4.1.6 Tratamento conservador (fase não dialítica) ............................................................................... 73 4.1.7 TN da fase dialítica ................................................................................................................................. 75 4.1.8 Recomendações de potássio, sódio e líquidos, fósforo, cálcio, ferro e vitaminas ........ 77 4.2 Transplante renal .................................................................................................................................. 81 4.2.1 Pré-transplante ........................................................................................................................................ 82 4.2.2 Pós-transplante inicial .......................................................................................................................... 82 4.2.3 Nutrientes pós-transplante tardio ................................................................................................... 82 Unidade II 5 DIETOTERAPIA NAS DOENÇAS HEPÁTICAS (HEPATITE, ESTEATOSE, ESTEATO-HEPATITE, CIRROSE, ENCEFALOPATIA HEPÁTICA E TRANSPLANTE) ...................................................................... 92 5.1 Doença hepática alcoólica ................................................................................................................ 92 5.1.1 Fisiopatologia da DHA........................................................................................................................... 93 5.1.2 Dietoterapia .............................................................................................................................................. 95 5.2 Doença hepática gordurosa ............................................................................................................. 95 5.2.1 Doença hepática gordurosa não alcoólica ................................................................................... 96 5.2.2 Prevalência da esteatose hepática não alcoólica ...................................................................... 97 5.2.3 Dietoterapia para esteatose hepática ............................................................................................. 97 5.3 Cirrose hepática .................................................................................................................................... 99 5.3.1 A gravidade da cirrose ........................................................................................................................100 5.3.2 Dietoterapia, desnutrição e cirrose hepática .............................................................................100 5.4 Encefalopatia hepática ....................................................................................................................102 5.4.1 Dietoterapia ............................................................................................................................................104 5.5 Transplante hepático.........................................................................................................................105 5.5.1 Dietoterapia e TN no transplante hepático ................................................................................106 5.6 Dietoterapia no pâncreas e vesícula biliar (pancreatite aguda e crônica/colecistite, colelitíase)..............................................................................................................107 5.6.1 Pancreatites (aguda e crônica) ........................................................................................................107 5.6.2 Fisiopatologia da pancreatite aguda ............................................................................................108 5.6.3 TN na pancreatite aguda ...................................................................................................................109 5.6.4 Manejo nutricional na pancreatite moderada e grave .......................................................... 110 5.7 Pancreatite crônica ............................................................................................................................111 5.8 Colecistite e colelítiase .....................................................................................................................111 5.9 Dietoterapia e obesidade .................................................................................................................113 5.9.1 Açúcar refinado ..................................................................................................................................... 113 5.9.2 Fibra alimentar ....................................................................................................................................... 113 6 TN EM DOENÇA PULMONAR OBSTRUTIVA CRÔNICA E INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA AGUDA – FIBROSE CÍSTICA ............................................................................................116 6.1 Doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e insuficiência respiratória (IR) .........116 6.1.1 Fisiopatologia .........................................................................................................................................117 6.1.2 Dietoterapia ............................................................................................................................................ 118 6.1.3 Recomendações nutricionais ...........................................................................................................119 6.2 Insuficiência respiratória .................................................................................................................120 6.2.1 Dietoterapia ............................................................................................................................................121 6.2.2 Imunonutrição .......................................................................................................................................121 6.3 Fibrose cística .......................................................................................................................................122 6.3.1 Dietoterapia ........................................................................................................................................... 124 6.4 TN em oncologia (pré e pós-cirúrgico, quimioterapia, radioterapia e cuidados paliativos) ..................................................................................................................................127 6.4.1 Síndrome da anorexia-caquexia e câncer ................................................................................. 129 6.4.2 Dietoterapia ............................................................................................................................................131 6.4.3 Recomendações nutricionais para adultos ............................................................................... 132 6.4.4 Antioxidantes e dieta imunomoduladora ..................................................................................134 Unidade III 7 DIETOTERAPIA EM PACIENTES COM HIV/AIDS E NAS DOENÇAS OPORTUNISTAS ..............144 7.1 Definição ................................................................................................................................................144 7.1.1 Mecanismo de ação dos antirretrovirais .................................................................................... 144 7.1.2 Desnutrição e HIV ................................................................................................................................ 145 7.1.3 Interação entre drogas e nutrientes ............................................................................................ 146 7.2 Síndrome lipodistrófica do HIV .....................................................................................................148 7.3 Alteração do metabolismo ósseo .................................................................................................150 7.3.1 Osteoporose ........................................................................................................................................... 150 7.4 TN em HIV/aids ....................................................................................................................................150 7.5 Cuidado nutricional nas doenças do sistema nervoso (paralisia cerebral, epilepsia, doença de Alzheimer e Parkinson) ..................................................................................152 7.5.1 Paralisia cerebral – conceito ............................................................................................................ 152 7.5.2 Classificação da PC .............................................................................................................................. 152 7.5.3 Etiologia da PC ...................................................................................................................................... 153 7.5.4 Nutrição e paralisia cerebral............................................................................................................ 154 7.5.5 Curvas de crescimento para pacientes com PC ....................................................................... 156 7.5.6 Intervenção nutricional ..................................................................................................................... 156 7.6 Epilepsia .................................................................................................................................................158 7.6.1 Conceito................................................................................................................................................... 158 7.6.2 Intervenção nutricional na epilepsia ........................................................................................... 160 7.6.3 Dieta com TCM .......................................................................................................................................161 7.6.4 Dieta de Atkins modificada (DAM) ............................................................................................... 162 7.6.5 Doença de Alzheimer ......................................................................................................................... 162 7.6.6 Dietoterapia – desnutrição e doença de Alzheimer .............................................................. 163 7.6.7 Dieta do mediterrâneo ...................................................................................................................... 163 7.7 Parkinson ...............................................................................................................................................165 7.7.1 Sinais da doença de Parkinson ....................................................................................................... 165 7.7.2 Etiologia ................................................................................................................................................... 165 7.7.3 Dietoterapia ........................................................................................................................................... 166 7.7.4 Papel da dieta na doença de Parkinson e progressão da doença .................................... 167 7.7.5 Recomendações nutricionais .......................................................................................................... 167 7.7.6 Nutrição funcional na DP ................................................................................................................. 168 8 DIETOTERAPIA NAS DOENÇAS DO ESTRESSE METABÓLICO (TRAUMA/GRANDES CIRURGIAS, QUEIMADO, SEPSE) .................................................................................................................172 8.1 Conceito .................................................................................................................................................172 8.1.1 Nutrição no trauma ............................................................................................................................ 172 8.1.2 Suporte nutricional ............................................................................................................................. 173 8.1.3 Avaliação do grau de catabolismo ................................................................................................ 175 8.1.4 Queimadura ............................................................................................................................................ 176 8.1.5 Cálculo da superfície corporal queimada (SCQ) ...................................................................... 176 8.1.6 TN ............................................................................................................................................................... 177 8.2 Atuação do nutricionista em UTI: cuidado nutricional em lesão por pressão (cicatrização) ...............................................................................................................................179 8.2.1 TN ............................................................................................................................................................... 179 8.2.2 Atribuição do nutricionista da equipe multidisciplinar de TN .......................................... 180 8.2.3 Protocolos de suporte nutricional ................................................................................................ 180 8.2.4 Trabalho do nutricionista na UTI ................................................................................................... 183 8.2.5 Necessidades nutricionais ................................................................................................................ 184 8.2.6 Dieta imunomoduladora ................................................................................................................... 186 8.2.7 Abordagem prática .............................................................................................................................. 187 8.2.8 Avaliar a necessidade de nutrientes específicos ..................................................................... 189 9 APRESENTAÇÃO A saúde de um indivíduo ou população é a interação entre as escolhas alimentares, bem-estar e qualidade de vida. É importante saber sobre a doença, sua fisiopatologia, compreender o efeito do alimento no organismo, as alterações metabólicas, interações e compreensão do estilo de vida e individualidade. Assim, será possível propor a terapia nutricional (TN) mais adequada para a promoção e prevenção de saúde. Esta disciplina fornece fundamento teórico-prático dos princípios da nutrição clínica para o uso e a importância do tratamento dietoterápico e desenvolve habilidades para aplicação da TN em indivíduos ou grupos, de acordo com a doença apresentada, por meio de prescrição dietoterápica específica, enfatizando a intervençãonutricional nas doenças hepáticas, pancreáticas, biliares, renais, pulmonares e na desnutrição. Também promove orientação dietética e prescrição nutricional a pacientes em situações de estresse metabólico, doenças do sistema nervoso, oncologia e HIV (+). Considerando a avaliação e o diagnóstico nutricional, esta disciplina capacita o aluno para atuar em equipes multiprofissionais no acompanhamento, na avaliação e no diagnóstico nutricional e aplicar conhecimentos para o planejamento, a prescrição, a análise e a supervisão de dietas e suplementos dietéticos para indivíduos sadios e enfermos. É importante que o profissional saiba discutir sempre com bases científicas a respeito da dietoterapia, principalmente, com enfoque no suporte nutricional e atuação em UTI. Assim, será possível desenvolver habilidade para aplicar a TN conforme a doença apresentada. INTRODUÇÃO Inicialmente, vamos estudar a TN e suas diversas modalidades. Há muitos fatores que causam anemia, a exemplo de doenças hereditárias e deficiências nutricionais. A caquexia é uma síndrome multifatorial associada à perda de massa celular, reduzida ingestão alimentar, diminuição de atividade física e acelerada degradação de proteínas. Outros temas relevantes neste livro-texto são a insuficiência renal aguda (IRA) e a insuficiência renal crônica (IRC). A primeira é um distúrbio clínico complexo que é caracterizado por perda repentina da função excretora do rim. Já a segunda é uma síndrome clínica que leva à mudança definitiva na função e/ou estrutura do rim e é caracterizada por uma perda progressiva irreversível da função renal. Vamos estudar a dietoterapia nas doenças hepáticas, no pâncreas e na vesícula biliar. O fígado tem funções importantes no nosso organismo e é o principal órgão metabólico devido às suas múltiplas funções, regulando o metabolismo de vários nutrientes (carboidratos, proteínas e lipídios). Este livro-texto também destaca a TN em doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e insuficiência respiratória aguda – fibrose cística. O tabagismo é o fator de risco mais bem estabelecido para o desenvolvimento de DPOC. No entanto, não fumantes, ao longo da vida, podem desenvolvê-la. 10 Na TN em oncologia, veremos que câncer é um termo que abrange mais de cem diferentes tipos de doenças malignas que têm em comum o crescimento desordenado de células que podem invadir tecidos adjacentes ou órgãos a distância. A dietoterapia em pacientes com HIV e as doenças oportunistas também serão alvos de nossa atenção. Quando ocorre a infecção pelo vírus causador do HIV, o sistema imunológico começa a ser atacado, levando à imunodeficiência. O sistema imunológico fica debilitado e o indivíduo fica mais suscetível a infecções. E é no primeiro estágio, chamado de infecção aguda, que ocorre a incubação do HIV (tempo da exposição ao vírus até o surgimento dos primeiros sinais da doença). Nesse contexto, serão acentuados também os cuidados nutricionais nas doenças do sistema nervoso, como epilepsia e doença de Alzheimer. Ao estudar a dietoterapia nas doenças do estresse metabólico, destacaremos que nutrição no trauma deve ser integrada no tratamento global do paciente criticamente doente a fim de minimizar as complicações de um tratamento mais prolongado. As prioridades imediatas após o trauma são: reanimação volêmica, oxigenação e interrupção da hemorragia. Por fim, vamos falar da atuação do nutricionista em UTI e do Cuidado Nutricional em Lesão por Pressão (LPP) – cicatrização. A UTI é definida como a área crítica destinada à internação de pacientes graves. Paciente crítico ou paciente grave é aquele que se encontra em risco iminente de perder a vida ou função de órgão/sistema do corpo humano, bem como aquele em frágil condição clínica decorrente de trauma ou outras condições. Espera-se que o conteúdo apresentado neste livro-texto contribua muito para a sua formação profissional. Bons estudos! 11 NUTRIÇÃO CLÍNICA AVANÇADA Unidade I 1 TN NAS ANEMIAS NUTRICIONAIS 1.1 Anemias A anemia afeta cerca de um terço da população mundial e é um grande problema de saúde pública global. As hemácias, também conhecidas como eritrócitos ou glóbulos vermelhos, facilitam a circulação do oxigênio dos pulmões para os órgãos vitais. O indivíduo saudável precisa de um grande número de eritrócitos para cumprir essa função, aproximadamente 5 milhões de eritrócitos por microlitro de sangue. Então, a anemia pode ser definida como um número reduzido de eritrócitos circulantes (deficiência), concentração de hemoglobina reduzida ou redução do hematócrito. Essa deficiência de eritrócitos limita a troca de oxigênio e de dióxido de carbono entre o sangue e as células dos tecidos (BROADWAY- DUREN; KLAASSEN, 2013). Figura 1 Disponível em: https://bit.ly/3mxeY2k. Acesso em: 23 ago. 2021. As anemias podem ser classificadas pelo tamanho das células. Na anemia macrocítica (grande), os eritrócitos são maiores do que o normal, assim como o volume corpuscular médio (VCM) e a concentração de hemoglobina corpuscular média (CHCM). Temos a normocítica (normal) e a microcítica (pequena), cujos eritrócitos são menores do que o normal e possuem menos quantidade de hemoglobina circulante, como na anemia ferropriva (AF) e na talassemia (MAHAN; ESCOTT-STUMP; RAYMOND, 2018). Observação A compreensão da etiologia variada e complexa da anemia é importante para o desenvolvimento de intervenções nutricionais eficazes. Os exames laboratoriais são essenciais para facilitar a detecção precoce e a diferenciação da anemia. 12 Unidade I 1.1.1 Classificação de anemia Quadro 1 – Classificação da anemia Microcítica (VCM < 80; CHCM < 31) Normocítica (VCM de 82-92 fl; CHCM > 30) Macrocítica (VCM > 94; CHCM > 31) Deficiência de ferro Anemia aplásica Anemia perniciosa/deficiência de vitamina B12 Anemia por inflamação ou doença crônica Doença renal Anemia megaloblástica/deficiência de acido fólico Deficiência de vitamina A (talassemia) Leucemia e mieloma múltiplo Distúrbios da síntese de DNA induzida por fármacos/anemia falciforme Deficiência de cobre Hipotireoidismo e insuficiência suprarrenal Anemia responsiva à piridoxina (vitamina B6) Edemas na gestação Adaptado de: Chaparro e Suchdev (2019). Diversos fatores são causadores de anemia: doenças hereditárias, deficiências nutricionais (deficiência em ferro, vitamina B12 e ácido fólico, por exemplo), hemorragia, infecções, doenças crónicas e neoplasias. As anemias que resultam de uma quantidade inadequada de ferro, proteínas, vitaminas, cobre e outros metais pesados são denominadas anemias nutricionais e, se não forem tratadas da forma adequada, podem causar consequências nutricionais graves, por isso que é tão importante a conduta nutricional adequada. Quadro 2 – Investigação de anemia Diminuição da produção de eritrócitos Diminuição de nutrientes Deficiência de ferro, vitamina B12 ou folato Doenças da medula óssea Anemia aplásica Infiltração tumoral Síndrome mielodisplásica Supressão de medula óssea Efeitos de drogas Quimioterapia e/ou radiação Hormônios diminuídos Eritropoietina Hipotireoidismo Hipogonadismo Aumento da destruição de eritrócitos Anemias hemolíticas hereditárias Esferocitose hereditária Hemoglobinopatias (por exemplo, SCD, talassemias) Anemias hemolíticas adquiridas Anemia hemolítica autoimune Infecções (por exemplo, malária, Babesia, Bartonella) Reações de transfusão (por exemplo, incompatibilidade ABO) Aumento da perda de eritrócitos Trauma Sangramento no trato gastrointestinal Úlcera com sangramento Carcinoma Menorragia (sangramento uterino intenso durante o período menstrual) Fonte: Broadway-Duren e Klaassen (2013, p. 413). 13 NUTRIÇÃO CLÍNICA AVANÇADA Econômicos, políticos, climáticos, geográficos Educação/saúde/comportamento e hábitos culturais/políticas de saúde Vulnerabilidade fisiológica de mulheres e crianças, parto prematuro, alta paridade e intervalo curto entre o nascimento de crianças Distúrbios genéticos(hemoglobina) Anemia Insegurança alimentar (qualidade e quantidade) Cuidados inadequados no período materno/infantil Acesso limitado à saúde e a atendimentos nutricionais Consumo e absorção inadequada de nutrientes Diminuição na produção de eritrócitos Deficiências de micronutrientes Inadequado conhecimento de saúde/ educação/nutrição Doença crônica/exposição a doenças infecciosas Aumento da perda de eritrócitos Inflamação Fatores determinantes fundamentais Fatores determinantes intermediários Doença subjacente Figura 2 – Etiologia da anemia Adaptada de: Chaparro e Suchdev (2019). Lembrete A anemia possui as seguintes classificações: microcítica (VCM < 80; CHCM < 31); normocítica (VCM de 82-92fl; CHCM > 30); e macrocítica (VCM > 94; CHCM > 31). 1.1.2 Anemia ferropriva A deficiência de ferro e a anemia por deficiência de ferro são problemas globais de saúde que levam à deterioração da qualidade de vida dos pacientes e ao prognóstico mais sério em pacientes com doenças crônicas. A causa da deficiência de ferro e da anemia é geralmente uma combinação de aumento da perda e diminuição da absorção e liberação intestinal dos estoques de ferro devido à inflamação. O ferro é componente essencial do grupo heme (independente de ação de mecanismos inibidores ou facilitadores da dieta) da hemoglobina. Assim, quando ocorre uma restrição desse elemento aos precursores de eritrócitos, a eritropoiese é ineficaz (GOODNOUGH; NEMETH; GANZ, 2010). Quando as perdas de ferro são maiores que a sua absorção, ocorre a anemia ferropriva, que é caracterizada pela produção de eritrócitos (microcíticos) e por concentrações diminuídas de hemoglobina circulante. 14 Unidade I Quando se pensa na causa da anemia ferropriva, pode-se dizer que está associada a vários fatores fisiológicos, ambientais e genéticos. É muito comum em crianças que passam por fases de crescimento rápido, especialmente em bebês prematuros com baixo peso ao nascer. A deficiência de ferro aumenta o risco de doenças e mortalidade perinatal e neonatal. Durante a gravidez, o organismo tem uma necessidade adicional de ferro. No período pós-parto, associa-se à redução da qualidade de vida e ao aumento nos níveis de depressão, o que pode afetar diretamente o cuidado com o recém-nascido e seu desenvolvimento, desfavorecendo o aleitamento materno. Pesquisas nacionais evidenciaram que a anemia materna exerceu influência sobre os valores de hemoglobina do lactente aos 6 meses de vida, mesmo em aleitamento materno exclusivo (MARQUES et al., 2016). A American Academy of Pediatrics (AAP – Academia Americana de Pediatria) indica que a suplementação de ferro seja iniciada aos 4 meses de vida (AAP, 2011). A hemorragia é a principal causa de deficiência em ferro em adultos, e a hemorragia gastrointestinal é causa de anemia ferropriva nos homens e em mulheres na pós-menopausa (PARISHA et al., 2010). A inadequada ingestão de ferro, seja pela condição socioeconômica precária, seja por uma dieta restritiva, pode levar à desnutrição (WHO, 2017; CAPPELLINI et al., 2020). O quadro a seguir ilustra exemplos de populações e condições clínicas com múltiplas etiologias. Quadro 3 – Exemplos de populações e condições clínicas com múltiplas etiologias para anemia por deficiência de ferro (anemia ferropriva) Crianças em países em desenvolvimento Diminuição da ingestão (desnutrição) Perda crônica de sangue gastrointestinal (infecções parasitárias) Diminuição da absorção (infecções parasitárias) Inflamação (de infecção crônica) Atletas Perda de sangue por hemólise Inflamação crônica Idosos Diminuição da ingestão (desnutrição) Perda de sangue gastrointestinal (benigna ou condições malignas, induzidas por drogas) Diminuição da absorção (gastrite atrófica, inibidores da bomba de prótons) Condições inflamatórias crônicas (incluindo câncer) Doença renal crônica Perda crônica de sangue (diálise, uso de anticoagulantes) Diminuição da ingestão (desnutrição) Diminuição da absorção (bomba de prótons inibidores) Inflamação crônica Insuficiência cardíaca Diminuição da ingestão (desnutrição) Diminuição da absorção (edema) Perda de sangue gastrointestinal (antiplaquetária ou anticoagulante) Inflamação crônica Obesidade Diminuição da absorção (cirurgia bariátrica) Inflamação crônica Doença inflamatória intestinal Diminuição da ingestão (desnutrição) Perda crônica de sangue gastrointestinal Diminuição da absorção (ressecção cirúrgica na doença de Crohn) Inflamação crônica Grandes cirurgias Perda de sangue Inflamação pós-operatória Fonte: Cappellini, Musallam e Taher (2020, p. 155). 15 NUTRIÇÃO CLÍNICA AVANÇADA Cappellini, Musallam e Taher (2020, p. 158) acentuam as implicações clínicas na anemia ferropriva: - Carga sintomática aumentada da doença inflamatória intestinal. - Diminuição na qualidade de vida. - Diminuição na qualidade de vida na doença renal crônica. - Aumento da mortalidade pré-diálise. - Aumentos das hospitalizações. - Pele áspera e seca. - Alopecia, cabelo seco e danificado. - Unhas fracas. - Lesões na boca. - Aumento de morbidade, mortalidade, maior tempo de internação e readmissão. - Síndrome da perna inquieta. - Dor de cabeça, vertigem. - Danos neurológios em crianças e idosos. - Fadiga, taquicardia, angina, dispneia. - Baixa performance física e qualidade de vida em todas as idades. - Aumento de hospitalizações e diminuição na tolerância de exercício e sobrevida na doença cardíaca crônica. - Aumento nas hospitalizações. - Aumento do risco do parto prematuro, baixo peso ao nascer, complicações perinatal, mortalidade materna e do recém-nascido durante a gestação. - Instabilidade hemodinâmica. - Diminuição da resposta imune. 16 Unidade I 1.1.3 Diagnóstico Muitos testes são propostos para o diagnóstico de deficiência de ferro, como ferro e a transferrina, mas a ferritina sérica é o exame mais preciso para determinar a deficiência de ferro. A concentração de hemoglobina sozinha não é indicada como instrumento de diagnóstico nos casos de suspeita de anemia ferropriva. A hemoglobina é somente alterada na fase tardia da doença e não diferencia a deficiência de ferro de outras anemias. Tabela 1 – Avaliação bioquímica em deficiência de ferro Exame Valor de referência Deficiência Ferritina sérica Recém-nascido 25-200 ng/mL; 25-200 ng/dL Neonato – 5 meses 50-200 ng/mL 50-200 μg/dL 6 meses – 15 anos 7-142 ng/mL 7-142 μg/dL F + 15 anos 10-150 ng/mL 10-150 μg/dL M + 15 anos 12-300 ng/mL 12- 300 μg/dL Indicador mais sensível de deficiência de ferro Mulheres – < 10 μg/dL Homens – < 12 μg/dL Ferro sérico ou plasmático F 40-150 μg/dL M 50-160 μg/dL Mulheres – < 40 μg/dL Homens – < 50 μg/dL Capacidade total de ligação do ferro (CTLF) – quantidade de transferrina circulante total no soro 250-460 μg/dL A CTLF reflete principalmente a função hepática e fornece uma medição indireta da transferrina < 250 μg/dL F = masculino M = masculino Fonte: Mahan, Escott-Stump e Raymond (2018, p. 2360-2361). 1.1.4 Tratamento clínico – suplementação oral O tratamento de anemia ferropriva envolve os seguintes aspectos: • Orientação nutricional para o consumo de alimentos fonte e reposição de ferro por via oral. 17 NUTRIÇÃO CLÍNICA AVANÇADA • Dose terapêutica de 3 a 5 mg/kg/dia de ferro elementar para crianças, no mínimo, por 8 semanas. A suplementação deve ser continuada de 2 a 6 meses até a obtenção de ferritina sérica maior que 15μg/dl. O valor esperado é entre 30 e 300 ug/dl. Opções de suplemento: sais quelatos-bisglicinatos ou ferro polimaltosado. O sulfato ferroso também pode ser uma opção, mas é importante observar a adesão ao tratamento, haja vista a grande quantidade de ocorrência de efeitos colaterais, mesmo em doses baixas (FISBERG et al., 2018). • Para adultos: a dose diária de ferro elementar recomendada pode variar de 50 a 100 mg, três vezes ao dia, durante 3 meses. • A vitamina C aumenta acentuadamentea absorção de ferro e ligeiramente a irritação gástrica devido à sua capacidade de mantê-lo no estado reduzido. Saiba mais Para entender melhor a importância e a suplementação de ferro preventiva em crianças, leia a referência a seguir. FISBERG, M. et al. Consenso sobre anemia ferropriva: mais que uma doença, uma urgência médica! São Paulo: Sociedade Brasileira de Pediatria, 2018. Observe a seguir as recomendações nutricionais: • A suplementação com ferro é necessária, mas também é importante o consumo de ferro por meio da alimentação. • Alimentos que são excelente fonte de ferro contribuem com 10% da ingestão diária (RDA) e do ajuste de sua dose. • O ferro pode ser encontrado sob duas formas: heme (boa disponibilidade: carnes e vísceras); não heme (baixa disponibilidade: leguminosas e verduras de folhas verde-escuras). • Para melhorar a absorção do ferro não heme, deve-se introduzir agentes facilitadores, como carnes e vitamina C, e evitar os agentes inibidores, como refrigerantes, café, chás, chocolate, leite. A tabela a seguir elenca os alimentos que apresentam maior teor de ferro. 18 Unidade I Tabela 2 – Alimentos fontes de ferro e sua biodisponibilidade Alimento Teor de ferro (mg/100 g) Medida caseira (100 g) Carne bovina (magra) 4,0 4 colheres de sopa ou 1 bife médio e fino Carne suína (lombo) 3,2 1 bife médio e fino Peixes (anchova) 1,4 1 filé médio Galinha 1,7 4 colheres de sopa rasa Fígado bovino 5,1 1 bife médio e fino Coração 5,4 1 xícara de chá rasa Língua 1,5 2 pedaços médios Miúdos de galinha 4,3 1 xícara de chá rasa Leite humano 0,5 1 xícara de chá Cereais matinais 12,5 1 xícara de chá Farinha láctea 4,0 7 colheres de sopa Nabo 0,4 3 unidades médias Brócolis 1,3 1 xícara de chá Suco de limão 0,6 4 colheres de sopa Açaí (polpa) 11,8 1 colher de sobremesa Laranja 0,7 1 unidade pequena Açúcar mascavo 3,4 5 colheres de sopa Rapadura 4,2 4 porções pequenas Fonte: SBP (2018, p. 108). Tabela 3 – Valores da ingestão dietética diária de ferro (mg/d) segundo idade e gênero (DRI) Lactentes 0-6 meses 0.27 Lactentes 7-12 meses 11 Lactentes 1-2 anos 7 Crianças 3-8 anos 10 Adolescente 9-13 anos (masculino) 8 Adolescente 9-13 anos (feminino) 8 Adolescente 14-18 anos (masculino) 11 Adolescente 14-18 anos (feminino) 15 Gravidez 27 Lactação 10 Mulheres 19-50 anos 18 Homens 19-50 anos 8 Mulheres 51+ anos 8 Homens 51+ anos 8 Adaptada de: Padovani (2006, p. 745). 19 NUTRIÇÃO CLÍNICA AVANÇADA Observação A vitamina C contribui com a absorção do ferro. Por ser considerada um agente redutor, ajuda a manter o ferro na forma ferrosa mais solúvel. Então, é recomendado que, após a refeição, seja adicionado um alimento rico em vitamina C (DELOUGHERY, 2017). 1.2 Anemia megaloblástica A anemia megaloblástica representa a principal anemia macrocítica e resulta da deficiência de cobalamina (vitamina B12) e/ou folato (vitamina B9). Esses dois nutrientes são muito importantes, pois atuam como coenzimas em reações que ocorrem na síntese de DNA. Pacientes com deficiência de cobalamina apresentam síntese de DNA ineficaz em células precursoras hematopoéticas, sendo o mecanismo principal que leva à anemia megaloblástica. As anemias nutricionais são resultantes da deficiência de nutrientes. As anemias nutricionais são clinicamente silenciosas, muitas vezes o paciente não apresenta nenhum sinal ou sintoma. Assim, é muito importante investigar a alimentação do paciente através de um recordatório alimentar 24 horas ou dia alimentar habitual para verificar se tem deficiência de cobalamina e/ou folato. Se houver deficiência, é interessante solicitar exame de cobalamina e folato (GREEN; MITRA, 2017). 1.2.1 Cobalamina Observe a seguir as causas da deficiência de cobalamina: • Baixa ingestão alimentar do nutriente e suas formas biodisponíveis (são encontradas apenas em alimentos de origem animal). • Má absorção intestinal crônica em idosos que têm atrofia gástrica, cirurgia de redução do estômago, doença de Crohn, doença celíaca. • Alcoolismo e uso de longo prazo de antiácidos (diminuem a capacidade do corpo de absorver cobalamina). • Anemia perniciosa, uma doença autoimune na qual os anticorpos são formados contra o fator intrínseco essencial para a absorção de cobalamina e em reinfecções bacterianas e parasitárias. • Vegetarianos, veganos ou indivíduos que consomem uma quantidade mínima de carne, ovos, aves ou laticínios também têm alto risco de desenvolver deficiência de cobalamina. 20 Unidade I 1.2.2 Folato Com relação à deficiência de folato, podem ser feitos os seguintes comentários: • É comum em populações que não têm uma ingestão adequada de legumes e vegetais e dependem de trigo ou arroz não fortificado como alimento básico. • Na gravidez, há um aumento da necessidade de 5 a 10 vezes de folato causada pela transmissão de folato para o feto, que está em crescimento. A necessidade se intensifica com gestações múltiplas, má nutrição, infecção, anemia hemolítica ou medicação anticonvulsivante. • É agravada na lactação, em especial na lactação prolongada. • Ressecção cirúrgica do intestino delgado, linfoma ou infiltração leucêmica do intestino delgado e diabetes melito estão entre as causas de deficiência de folato. 1.2.3 Quadro clínico Entre os sintomas relacionados à deficiência de B12 estão: • palpitações; • fadiga; • tontura; • falta de ar; • icterícia; • fraqueza; • leucopenia; • distúrbios gastrointestinais; • dormência/confusão mental; • 10% dos pacientes apresentam hiperpigmentação; • pacientes com anemia perniciosa podem ter vitiligo autoimune associado. Observação Outros sintomas associados encontrados raramente com deficiência de vitamina B12 incluem má absorção generalizada causada por megaloblastose, infertilidade, glossite e trombose venosa cerebral. O maior risco de trombose pode ocorrer como resultado de hiper-homocisteinemia em casos graves. 21 NUTRIÇÃO CLÍNICA AVANÇADA 1.2.4 Diagnóstico O diagnóstico deve ser feito levando em conta o seguinte: • Pacientes com anemia macrocítica (VCM > 94; CHCM > 31) devem ser testados para possíveis deficiências de vitamina B12 e ácido fólico. • Pacientes com deficiência de cobalamina ou ácido fólico apresentam anemia macrocítica, portanto, é importante testar ambos os tipos de deficiências de vitaminas. • Deve-se basear na história do paciente (por exemplo, má absorção, dieta, história familiar de anemia perniciosa ou doenças autoimunes, sintomas), no exame físico (ver quadro de sintomas) e verificar em conjunto com achados laboratoriais. • Os exames de sangue devem incluir um hemograma completo com índices de hemácias, níveis séricos de cobalamina total, homocisteína (Hcy) e níveis de ácido metilmalônico (MMA). • Pacientes com anemia macrocítica e limite inferior de níveis normais de cobalamina sérica total provavelmente têm deficiência de cobalamina. • Hcy e MMA estão acentuadamente aumentados em pacientes com deficiência de cobalamina. • Entre os dois marcadores, o MMA é mais específico para detectar a deficiência de cobalamina, enquanto a Hcy pode ser aumentada na deficiência de ácido fólico ou cobalamina. • O teste inicial para deficiência de folato é a presença de níveis baixos de folato no soro ou plasma (< 2 ng/mL) e a dosagem de vitamina B12 < 200 pg/mL é indicativo da doença. 1.2.5 Tratamento da anemia megaloblástica O tratamento com a suplementação de cobalamina ou folato deve ser iniciado para todos os pacientes que apresentarem deficiência. A tabela a seguir ilustra as orientações de como deve ser feita a suplementação. Tabela 4 – Suplementação Deficiência Suplementação Cobalamina eritrocitária Depleção < 300 pg/ml Deficiência < 150 pg/ml 1000 mcg (micrograma), 1x/dia por 2 meses, via oral Melhor absorvida na forma sublingual Folato sérico Deficiência: < 3 ng/ml Adulto saudável: 1 a 5 mg/dia, via oral (2 a 3 semanas) Adulto com má absorção: 15 mg/dia Gestação: 400 mg/dia (dosesmais altas podem mascarar a deficiência de B12) Fonte: Broadway-Duren e Klaassen (2013, p. 418). 22 Unidade I A avaliação dos níveis séricos de folato e cobalamina é obrigatória no tratamento da anemia megaloblástica porque a suplementação com folato pode corrigir parcialmente as anormalidades hematológicas causadas pela deficiência de B12. Observação Quando prescreve uma suplementação nutricional, o nutricionista não pode passar dos valores do limite superior tolerável pelas DRIs (Dietary Reference Intakes – Ingestão Diária Recomendada – IDR). Saiba mais Leia mais sobre suplementação nutricional em: CONSELHO FEDERAL DE NUTRIÇÃO (CFN). Resolução n. 656, de 15 de junho de 2020. Dispõe sobre a prescrição dietética, pelo nutricionista, de suplementos alimentares e dá outras providências. Brasília, 2020. Disponível em: https://bit.ly/2X9qlTZ. Acesso em: 26 ago. 2021. Observe a seguir as recomendações nutricionais: • Dieta hiperproteica (1,5 g/kg) e rica em vitaminas. • Consumir vegetais e frutas (folhas verdes contêm ferro e acido fólico), de preferência crus, já que o folato se perde com o calor. • Consumir carnes (sobretudo a carne bovina e a carne de porco), mas é preciso ter cuidado com o excesso devido ao colesterol alto. • Consumir ovos, leite e derivados do leite. Dos indivíduos que tomam metformina para o tratamento do diabetes melito, 10% a 30% apresentam uma redução na absorção de vitamina B12. Observação Pessoas veganas têm uma alimentação à base de vegetais, frutas, grãos, legumes, produtos de soja, nozes e sementes e não consomem alimentos de origem animal, que são ricos em vitamina B12. Portanto, os veganos precisam de fontes confiáveis de vitamina B12, como alimentos fortificados ou suplementos. 23 NUTRIÇÃO CLÍNICA AVANÇADA Tabela 5 – Valores da ingestão dietética diária de folato (ug/d) e vitamina B12 (mg/d) segundo idade e gênero (DRI) Folato Vitamina B12 Lactentes 0-6 meses 65* 0.4 Lactentes 7-11 meses 80* 0.5 Lactentes 1-2 anos 150 0.9 Crianças 3-8 anos 200 1.2 Adolescentes 9-13 anos (masculino) 300 1.8 Adolescentes 9-13 anos (feminino) 300 1.8 Adolescentes 14-18 anos (masculino) 400 2.4 Adolescentes 14-18 anos (feminino) 400 2.4 Gravidez 600 2.6 Lactação 500 2.8 Mulheres 19-50 anos 400 2.4 Homens 19-50 anos 400 2.4 Mulheres 51+ anos 400 2.4 Homens 51+ anos 400 2.4 *Como equivalentes de folato (EF), 1 EF = 1 μg folato no alimento = 0,6 μg de ácido fólico em alimento fortificado. Adaptada de: Padovani (2006, p. 750-751). Tabela 6 – Alimentos fontes de acido fólico e folato Alimento Miligramas (mg) por porção Grão-de-bico, enlatado 1,1 Fígado bovino, frito na panela, 85 g 0,9 Atum-amarelo, fresco, cozido, 85 g 0,9 Salmão-vermelho, cozido, 85 g 0,6 Peito de frango, assado, 85 g 0,5 Cereais matinais enriquecidos com 25% da QD* para a vitamina B6 0,5 0,5 Batatas, cozidas, 1 xícara 0,4 Banana, 1 média 0,4 Queijo cottage, baixo teor de gordura (1%), 1 xícara 0,2 Abóbora-de-inverno, cozida, 1/2 xícara 0,2 Arroz, branco, grão longo, enriquecido, cozido, 1 xícara 0,1 Uva passa, sem semente, 1/2 xícara 0,1 Cebolas picadas, 1/2 xícara 0,1 Espinafre, congelado, picado, cozido, 1/2 xícara 0,1 Tofu, cru, firme, preparado com sulfato de cálcio, 1/2 xícara 0,1 Melancia, crua, 1 xícara 0,1 *QD = quota diária Fonte: Mahan, Escott-Stump e Raymond (2018, p. 3689-3690). 24 Unidade I Tabela 7 – Alimentos fontes de vitamina B12 Alimento Microgramas (μg) por porção Mariscos cozidos, 85 g 84,1 Fígado bovino cozido, 85 g 70,7 Cereais matinais, fortificados com 100% da QD* para a vitamina B12, 1 porção 6,0 Truta arco-íris selvagem cozida, 85 g 5,4 Salmão-vermelho cozido, 85 g 4,8 Truta arco-íris de criação cozida, 85 g 3,5 Atum-vermelho (light) enlatado em água, 85 g 2,5 Cereais matinais fortificados com 25% da QD* para a vitamina B12, 1 porção 1,5 Carne bovina, contrafilé (top sirloin), grelhada, 85 g 1,4 Leite desnatado, 1 xícara 1,2 Iogurte de frutas semidesnatado, 230 g 1,1 Queijo suíço, 30 g 0,9 Ovo inteiro e cozido, 1 grande 0,6 Frango (peito) assado, 85 g 0,3 *QD = Quota diária Adaptada de: Mahan, Escott-Stump e Raymond (2018). Exemplo de aplicação R.A.M.S, uma mulher de 25 anos de idade, apresentou dor de cabeça, síndrome da perna inquieta, menstruação maciça ano passado. Exame físico: unhas fracas e cabelo seco. Medicações: nenhuma. Estatura: 1,65 cm Peso: 90 kg Exames: hemoglobina: 10,5 g/dL; ferritina: 9,5 ng/dL Alimentação: rica em carboidratos simples, refrigerantes e frituras. Paciente refere dificuldades em comer carne, vegetais e frutas. Relata fazer duas refeições por dia. Imagine que essa paciente chegue ao seu consultório. 25 NUTRIÇÃO CLÍNICA AVANÇADA 1. Qual tipo de anemia a paciente apresenta? Considere os dados da paciente e justifique. A anemia ferropriva (AF) está associada a vários fatores fisiológicos, ambientais, genéticos e até socioeconômicos. A paciente em consulta relatou dor de cabeça, síndrome da perna inquieta, menstruação maciça. No exame físico, unhas fracas e cabelo seco são sinais de anemia ferropriva. Outro fator importante que devemos observar são os exames laboratoriais. Muitos exames são propostos para o diagnóstico de deficiência de ferro, mas a ferritina sérica é o exame mais sensível para determiná-la. A hemoglobina, sozinha, não é indicada como instrumento de diagnóstico nos casos de suspeita de anemia ferropriva, pois é alterada somente na fase tardia da doença e não diferencia a deficiência de ferro de outras anemias. A paciente apresenta uma ferritina de 9,5, confirmando o diagnóstico de anemia ferropriva, isto é, o indicador mais sensível de deficiência de ferro - lembrando que ferritina < 10 ng/dL pode ser considerada uma deficiência. 2. Quais são os objetivos da TN para esta paciente? • Corrigir a deficiência de ferro e orientar a importância da adesão à suplementação. • Melhorar os sintomas relatados. • Orientar sobre a qualidade da alimentação. • Orientar sobre o fracionamento das refeições. • Traçar estratégias nutricionais que favoreçam a reeducação alimentar. 3. Quais condutas nutricionais e orientações devem ser feitas? Conduta nutricional: para corrigir a deficiência de ferro e tratar a anemia ferropriva, é necessário prescrição de ferro. A dose diária de ferro elementar recomendada pode variar de 50 a 100 mg, três vezes ao dia, durante 3 meses. Consumir as necessidades de ferro preconizadas pelas Dris (a paciente não consome alimentos ricos em ferro, isto é, tem uma dieta restritiva quando pensamos em micronutrientes). A dose recomendada diária para a paciente segundo a DRI é de 18 mg/d - lembrando que o ferro pode ser encontrado sob duas formas: heme (boa disponibilidade: carnes e vísceras) e não heme (baixa disponibilidade: leguminosas e verduras de folhas verde-escuras). Para melhorar a absorção do ferro não heme, deve-se orientar o consumo de vitamina C, que é um agente facilitador para absorção do ferro não heme. Orientações: evitar o consumo de alimentos ricos em açúcar, refrigerantes e frituras; priorizar alimentos de origem proteica, que são ricos em ferro e vitamina B12; aumentar o consumo de vegetais, de preferência de cor escura (que são ricos em ferro); realizar no mínimo três refeições ao dia e três pequenos lanches; explicar para a paciente quais alimentos são ricos em ferro; deve-se controlar o tamanho das porções (paciente tem IMC = 33,0 kg/m2 = obesidade grau I). 26 Unidade I Saiba mais Para aprofundar seu conhecimento, consulte os sites das instituições indicadas a seguir: Centers for Disease Control and Prevention (CDC – Centros de Controle e Prevenção de Doenças): Disponível em: http://www.cdc.gov. Acesso em: 26 out. 2021. Iron Disorders Institute: Disponível em: http://www.irondisorders.org/. Acesso em: 26 out. 2021. 2 TN NA DESNUTRIÇÃO, CAQUEXIA E SARCOPENIA 2.1 Definição A desnutrição energético-proteica (DEP) pode ser definida como uma doençamultifatorial de alta letalidade, capaz de promover diversas alterações fisiológicas na tentativa de adaptar o organismo à escassez de nutrientes (OPAS, 1999). É o estado de carência calórico-proteica, ou seja, insuficiente aporte alimentar em energia e nutrientes ou inadequado aproveitamento dos alimentos ingeridos, no qual o organismo demonstra desaceleração, interrupção ou declínio de sua evolução normal, com prejuízo bioquímico, funcional e anatômico e aparecimento de complicações que podem levar à morte (LIMA; GAMALLO; OLIVEIRA, 2010). Devido à complexidade da desnutrição grave, o conhecimento prévio sobre os aspectos básicos dessa condição auxilia no diagnóstico e no tratamento adequado. O grupo de trabalho internacional denominado Global Leadership Initiative in Malnutrition (Glim) visa unificar propostas para desenvolver uma ferramenta de diagnóstico universal (CEDERHOLM et al., 2019). A sarcopenia foi definida, originalmente, como a diminuição da massa muscular relacionada ao envelhecimento (EVANS, 1995). Entretanto, ao longo da última década, tornou-se um termo mais abrangente, regularmente usado para definir a perda de massa e força muscular relacionada à idade, a qual, inclusive, pode se iniciar antes do envelhecimento (ADAMO; FARRAR, 2006). O termo dinapenia foi utilizado para descrever a diminuição de força muscular relacionada à idade, separando o conceito de redução de massa do conceito de redução de força, dado que adaptações na função fisiológica muscular de ordem celular, neural e metabólica são capazes de mediar a diminuição de força muscular relacionada à idade (MANINI; CLARK, 2012). No início de 2018, o European Working Group on Sarcopenia in Older People (EWGSOP) se reuniu para determinar uma atualização da definição de sarcopenia baseada nas evidências científicas acumuladas 27 NUTRIÇÃO CLÍNICA AVANÇADA desde então. Hoje a sarcopenia é formalmente reconhecida como uma doença muscular (insuficiência muscular), na qual a baixa força muscular é o determinante principal para disparar o gatilho da investigação do diagnóstico, ultrapassando a baixa massa muscular (CRUZ-JENTOFT et al., 2019). Por sua vez, caquexia é uma síndrome multifatorial associada à perda de massa celular, reduzida ingestão alimentar, diminuição de atividade física e acelerada degradação de proteínas, que, combinadas com outras consequências psíquicas e sociais, levam à deterioração da qualidade de vida do paciente (GRAUL; STRINGER; SORBERA, 2016). As principais causas primárias e secundárias dessas patologias estão listadas a seguir: • Primárias: — Pobreza: exclusão do sistema de saúde, más condições ambientais. — Infecções. — Baixa ingestão alimentar. — Aleitamento artificial e desmame precoce. — Envelhecimento. • Secundárias: — Estenose hipertrófica do piloro. — Doença celíaca. — Diarreia crônica ou má absorção intestinal. — Diabetes melito tipo 1. — Insuficiência renal crônica (IRC). — Síndrome da imunodeficiência adquirida (aids). — Insuficiência cardíaca crônica (ICC). — Câncer/caquexia/anorexia. — Queimaduras amplas. — Alcoolismo. 28 Unidade I — Falência crônica dos pulmões. — Cirrose hepática. — Sepse. Lembrete A sarcopenia foi definida, originalmente, como a diminuição da massa muscular relacionada ao envelhecimento (EVANS, 1995). 2.1.1 DEP O tratamento adequado da DEP, sarcopenia e caquexia envolve o diagnóstico preciso e rápido, uso adequado de medicamentos e o planejamento da TN, que deve ser dividida em três etapas: fase 1 ou período de estabilização; fase 2 ou etapa de reabilitação; e fase 3 ou acompanhamento ambulatorial (OPAS, 1999). Fase 1 ou período de estabilização O paciente desnutrido grave deve ser considerado imunodeficiente. Devido às suas características fisiopatológicas, não tolera a administração de grandes volumes, além de necessitar de reposição de micronutrientes. A TN deve ser adequada às necessidades energéticas de macro e micronutrientes, considerando-se o grau de estresse do paciente. Nesse momento, deve-se prevenir e tratar as complicações clínico-metabólicas, que podem aumentar o risco de morte, corrigir as deficiências nutricionais específicas e iniciar a alimentação. O objetivo não deve ser a recuperação nutricional do paciente, mas sua estabilização clínico-metabólica (OPAS, 1999). Fase 2 ou etapa de reabilitação Nessa etapa, o paciente encontra-se em estabilidade clínica e pode ser iniciada a reabilitação nutricional visando à recuperação nutricional. Deve-se não só oferecer alimentação adequada, mas realizar a estimulação motora e emocional. No momento da alta hospitalar, é preciso orientar os responsáveis quanto aos cuidados realizados em domicílio, elaborar o resumo de alta (diagnóstico e tratamento) e garantir o retorno ambulatorial em uma semana (OPAS, 1999). Fase 3 ou acompanhamento ambulatorial Envolve dois aspectos: acompanhamento em unidade de saúde para prevenir recaídas e assegurar a continuidade do tratamento (OPAS, 1999). A TN no ambiente hospitalar inicia-se com a detecção dos pacientes de alto, médio e baixo risco nutricional através de procedimentos que facilitem a identificação e o tratamento. A triagem/avaliação 29 NUTRIÇÃO CLÍNICA AVANÇADA nutricional é um processo sistemático, sendo o primeiro passo da assistência nutricional. Ela tem como objetivo obter informações adequadas, a fim de identificar problemas ligados à nutrição e engloba inanição, processos de digestão, absorção, metabolização e excreção dos nutrientes, além de observar como o organismo do paciente reage à TN e, assim, selecionar aqueles que devem receber avaliação nutricional mais detalhada, conforme preceituam a Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral (SBNPE) e a Associação Brasileira de Nutrição (Asbran) (SBNPE; ASBRAN, 2011a). Geralmente, é aplicada pelo nutricionista, ocorrendo em âmbito domiciliar, unidades de saúde, ambulatorial ou hospitalar. Inicia-se por protocolos que englobam desde características objetivas, como antropometria e exames bioquímicos, até características subjetivas, com questionários, história alimentar e semiologia nutricional (SANTOS et al., 2020). Nas últimas décadas, algumas ferramentas de triagem nutricional foram desenvolvidas para avaliar o risco de desnutrição em crianças e adolescentes hospitalizados. As principais são a Pediatric Nutritional Risk Score (PNRS) (SERMET-GAUDELUS et al., 2000), a Subjective Global Nutritional Assessment (SGNA) (SECKER; JEEJEEBHOY, 2007), a ferramenta Screening Tool for the Assessment of Malnutrition in Paediatrics (STAMP©) (MCCARTHY et al., 2012), a Paediatric Yorkhill Malnutrition Score (PYMS) (GERASIMIDIS et al., 2011) e o Screening Tool Risk on Nutritional status and Growth (Strong kids) (HULST et al., 2010). Todas apresentam vantagens e desvantagens e diferenças de sensibilidade e especificidade. Atualmente, a única ferramenta de triagem para pediatria (crianças e adolescentes) com tradução validada para a língua portuguesa é a Strong kids (CRUZ-GOUVEIA; TASSITANO; SILVA, 2018). Essa ferramenta contempla os itens essenciais que precisam ser analisados para a determinação do risco nutricional, tais como condição nutricional atual, estabilidade dessa condição (variação ponderal prévia), perspectiva de piora, seja por baixa ingestão alimentar, seja por aumento de perdas e impacto da doença na deterioração nutricional. Observação Toda criança internada deve ter seu estado nutricional avaliado. Se a criança for gravemente desnutrida, recomenda-se a identificação de sinais e sintomas compatíveis com hipoglicemia, hipotermia, desidratação/edema e infecção. Após a detecção desses distúrbios, deve-se iniciar o tratamento específico o mais rápido possível. Buscar, com a mãe ou responsável, o maior número de informações que possam compor a história clínica da criança (LIMA; GAMALLO; OLIVEIRA, 2010). Em 2019, a Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral (SBNPE), também conhecidacomo Braspen, destacou os principais fatores a serem considerados na abordagem nutricional dos pacientes internados: antropometria, etiologia, cronicidade, estado inflamatório e mecanismo de patogenicidade (GOMES et al., 2019). 30 Unidade I Os 11 passos do combate à desnutrição estão descritos detalhadamente nos tópicos a seguir: Quadro 4 D Determinar o risco nutricional e realizar avaliação nutricional E Estabelecer as necessidades nutricionais S Solicitar peso corporal e monitorar durante a internação N Nunca negligenciar o jejum e monitorar os eletrólitos U Utilizar métodos para acompanhar a adequação energética, macro e micronutrientes T Treinar equipe para manejar a desnutrição na fase aguda R Repor os estoques de micronutrientes I Implementar indicadores de qualidade e garantir a continuidade do cuidado intra-hospitalar Ç Controlar a perda de massa muscular e reabilitar precocemente à Acolher e engajar o paciente e familiares no tratamento O Orientar a alta hospitalar e agendar retorno ambulatorial precoce Fonte: Gomes et al. (2019, p. 4). Saiba mais Para mais informações sobre a triagem nutricional completa para crianças e adolescentes, leia os artigos indicados a seguir: SANTOS, C. A. et al. Strong kids for pediatric nutritional risk screening in Brazil: a validation study. European Journal of Clinical Nutrition, Londres, v. 79, n. 9, 2020. GOMES, D. F. et al. Campanha “Diga não à desnutrição Kids”: 11 passos importantes para combater a desnutrição hospitalar. Braspen Journal, São Paulo, v. 34, n. 1, p. 3-23, 2019. Em adultos, a triagem nutricional efetua-se por meio da avaliação subjetiva global (ASG) por apresentar melhor valor preditivo. O risco nutricional é baseado em dados clínicos, história e exame físico do paciente, o qual considera a perda de peso nos últimos 6 meses, a alteração no consumo alimentar, os sintomas gastrointestinais, a redução da capacidade funcional, o estresse metabólico da doença e a presença de edema. No diagnóstico, classifica-se o indivíduo em bem nutrido, moderadamente desnutrido ou severamente desnutrido (LEW et al., 2017). 31 NUTRIÇÃO CLÍNICA AVANÇADA Avaliação subjetiva global do estado nutricional (Selecione a categoria apropriada com um X ou entre com valor numérico onde houver a indicação de #) A. História 1. Alteração no peso Perda total nos últimos 6 meses: total = # _________ kg; % perda = # ______________ Alteração nas últimas duas semanas: _____ aumento _____ sem alteração _____diminuição 2. Alteração na ingestão alimentar _____ sem alteração _____ alterada _____ duração = # _____semanas _____ tipo: _____ dieta sólida subótima _____ dieta líquida completa _____ líquidos hipocalóricos _____inanição 3. Sintomas gastrointestinais (que persistam por > 2 semanas) _____ nenhum _____ náusea _____ vômitos _____ diarreia _____ anorexia 4. Capacidade funcional _____ sem disfunção (capacidade completa) _____ disfunção _____ duração = # _____ semanas _____ tipo: _____trabalho subótimo _____ ambulatório _____ acamado 5. Doença e sua relação com necessidades nutricionais Diagnóstico primário (especificar) ____________________________________ Demanda metabólica (estresse): _____ sem estresse _____ baixo estresse _____ estresse moderado _____ estresse elevado B. Exame físico (para cada categoria, especificar: 0 = normal, 1+ = leve, 2+ = moderada, 3+ = grave) # _____ perda de gordura subcutânea (tríceps, tórax) # _____ perda muscular (quadríceps, deltoide) # _____ edema tornozelo # _____ edema sacral # _____ ascite C. Avaliação subjetiva global (selecione uma) _____ bem nutrido _____ moderadamente (ou suspeita de ser) desnutrido _____ gravemente desnutrido Figura 3 – Avaliação subjetiva global (ASG) Adaptada de: Detsky et al. (1987). 32 Unidade I Outra ferramenta amplamente utilizada no ambiente hospitalar é a Nutritional Risk Screening (NRS-2002). Indicada como protocolo de avaliação do risco nutricional pela Sociedade Europeia de Nutrição Clínica e Metabolismo (Espen), tem como principais critérios o IMC < 20,5 kg/m2, a avaliação da ingestão alimentar, a perda de peso involuntária recente e a gravidade da doença. Se alguma questão referente ao estado nutricional for positiva, o comprometimento do estado nutricional em termos de IMC, perda de peso e/ou alteração de ingestão alimentar e gravidade da doença serão analisados. A depender da pontuação obtida, define-se se há ou não risco nutricional. Idosos acima de 70 anos iniciam a avaliação com 1 ponto (KONDRUP et al., 2003). Quadro 5 – Classificação do risco nutricional (NRS-2002) Classificação Sim Não IMC < 20,5 /m2? Perda de peso nos últimos 3 meses? Redução de ingestão alimentar na última semana? Saúde gravemente comprometida? Fonte: Kondrup et al. (2003, p. 420). Se “sim”, continue e preencha a parte 2. Se “não”, reavalie o paciente semanalmente. Caso seja indicada operação de grande porte, continue e preencha a parte 2 (triagem final). A segunda parte da triagem leva em consideração alguns fatores importantes: • Avaliar a porcentagem de perda de peso em um período determinado. • Avaliar a ingestão alimentar. • Considerar a gravidade da doença. Observe o quadro a seguir, que o Ministério da Saúde adaptou da Sociedade Brasileira de Nutrição. 33 NUTRIÇÃO CLÍNICA AVANÇADA Quadro 6 – NRS-2002 – Triagem do risco nutricional (parte 2 – triagem final) Prejuízo do estado nutricional Gravidade da doença (aumento das necessidades nutricionais) Ausente (pontuação 0) Estado nutricional normal Ausente (pontuação 0) Necessidades nutricionais normais Leve (pontuação 1) Perda de peso > 5% em 3 meses ou ingestão alimentar menor que 50-75% da necessidade normal na última semana Leve (pontuação 1) Fratura de quadril; pacientes crônicos, em particular com complicações agudas, cirrose, DPOC, hemodiálise crônica, diabetes e câncer Moderado (pontuação 2) Perda de peso > 5% em 2 meses ou IMC 18,5-20,5 kg/m² + condição geral comprometida ou ingestão alimentar de 25-60% da necessidade normal na última semana Moderado (pontuação 2) Cirurgias abdominais de grande porte, fraturas, pneumonia severa, leucemias e linfomas Grave (pontuação 3) Perda de peso > 5% em 1 mês (ou > 15% em 3 meses) ou IMC < 18,5kg/m2 + condição geral comprometida ou ingestão alimentar de 0-25% da necessidade normal na útlima semana Grave (pontuação 3) Trauma craniano, transplante de medula óssea, pacientes em cuidados intensivos (Apache >10) Pontuação total + Idade: se > ou = 70 anos: adicionar 1 ponto no total acima Pontuação > 3: paciente está em risco nutricional e o cuidado nutricional é iniciado. Pontuação < 3: reavaliar paciente semanalmente. Caso o paciente tenha indicação de cirurgia de grande porte, considerar plano de cuidado nutricional para evitar riscos associados. Atenção: a NRS-2002 também pode ser utilizada em pacientes idosos, conforme orientações da ferramenta, se o paciente com idade igual ou maior que 70 anos adicionar 1 ponto a mais no total. Risco nutricional é definido pelas condições nutricionais atuais e pelo risco de prejuízo dessas condições devido às alterações causadas pelo estresse inflamatório e metabólico da condição clínica e/ou doença. Adaptado de: Brasil (2016, p. 35). 2.1.2 Triagem nutricional Must 2000 O dispositivo Malnutrition Universal Screening Tool (Must – Ferramenta Universal para Rastreio da Malnutrição) pode ser aplicada em pacientes adultos, idosos, gestantes e lactentes em diversas situações clínicas. O rastreamento poderá ser repetido regularmente, uma vez que a condição clínica e os problemas nutricionais dos indivíduos podem se alterar. É vital reavaliar os indivíduos em estado de risco à medida que avancem nas instituições de cuidado. Observe a tabela da British Association for Parenteral and Enteral Nutrition (Bapen), que foi adaptada pelo Ministério da Saúde. 34 Unidade I Tabela 8 Must para adultosDetectar a desnutrição em pacientes hospitalizados, em domicílio ou em casas de repouso Idosos, pacientes cirúrgicos e ortopédicos que necessitam de cuidados intensivos, sendo adaptado para gestantes e lactantes Três variáveis: IMC, % PP, padrão alimentar (não ingestão alimentar > 5 dias) Pontuação do IMC Pontuação da perda de peso Pontuação da consequência e doença grave IMC (kg/m²) pontuação >20 (> 30 obesidade) -------- 0 18,5-20 -------------------- 1 18,5 ----------------------- 2 % perda de peso involuntária nos últimos 3 a 6 meses: % ------------------ Pontuação < 5 ----------------------- = 0 5-10 ------------------------ = 1 > 10 -------------------- = 2 Consequência de doença grave: + 2 pontos se houve ou há possibilidade de ausência de ingestão alimentar > 5 dias Somar todas as pontuações para calcular o risco geral de malnutrição Pontuação 0 = baixo risco Pontuação 1 = médio risco Pontuação 2 ou mais = alto risco Adaptada de: Brapen (2011). A Miniavaliação Global (MNA), utilizada em idosos, consiste em um questionário dividido em duas partes. A primeira contém questões que envolvem alterações na ingestão alimentar, perda de peso, mobilidade, ocorrência de doença aguda, presença de alterações neuropsicológicas e o índice de massa corporal (IMC). A segunda inclui modo de vida, lesões de pele ou escaras, uso de medicação, avaliação dietética, autoavaliação da saúde e, por fim, a antropometria, utilizando-se os perímetros braquial e de panturrilha. Nesse método, o paciente é classificado em normal, ou seja, sem risco de desnutrição, em risco nutricional ou desnutrido (AGUILAR-NASCIMENTO et al., 2011). A tabela a seguir, de Rubenstein et al. (2001), foi adaptada pelo Ministério da Saúde. Tabela 9 – MNA Questões Pontuação A – Nos últimos 3 meses houve diminuição da ingestão alimentar devido à perda de apetite, problemas digestivos ou dificuldade para mastigar ou deglutir? 0 = diminuição grave do apetite 1 = diminuição moderada do apetite 2 = sem diminuição do apetite B – Perda de peso nos últimos meses? 0 = superior a 3 kg 1 = não sei dizer 2 = entre 1 e 3 kg 3 = sem perda de peso C – Mobilidade? 0 = restrito ao leito ou à cadeira de rodas 1 = capaz de sair da cama/cadeira, mas não é capaz de sair de casa 2 = capaz de sair de casa 35 NUTRIÇÃO CLÍNICA AVANÇADA Questões Pontuação D – Passou por algum estresse psicológico ou doença aguda nos últimos 3 meses? 0 = sim 2 = não E – Apresenta problemas neuropsicológicos? 0 = demência ou depressão grave 1 = demência leve 2 = sem problemas psicológicos F1 – Índice de massa corporal [IMC = peso (kg) / altura (m²)] 0 = IMC < 19 1 = 19 ≤ IMC < 21 2 = 21 ≤ IMC < 23 3 = IMC ≥ 23 Se o cálculo do IMC não for possível, substituir a questão F1 pela F2 Não preencha a questão F2 se a questão F1 já tiver sido completada F2 – Circunferência da panturrilha (CP) em cm 0 = CP menor que 31 3 = CP maior que 31 Escore de triagem: (subtotal, máximo de 14 pontos) 12 a 14 pontos: estado nutricional normal 8 a 11 pontos: sob risco de desnutrição 0 a 7 pontos: desnutrido Fonte: Rubenstein et al. apud Brasil (2016, p. 35). Observação Recomenda-se o uso de prontuário único para cada paciente. Esse documento deverá conter as informações completas do quadro clínico e sua evolução. Tudo deverá ser feito por escrita, de forma clara e precisa, datado e assinado pelo profissional responsável pelo atendimento. Observe a seguir as informações indispensáveis do prontuário: • Identificação do paciente. • Histórico clínico. • Triagem, avaliação e diagnóstico nutricional. • Indicação e acompanhamento nutricional. • Programação de orientação nutricional na alta hospitalar, com indicação das necessidades nutricionais, características gerais da fórmula infantil ou dieta enteral e forma de administração. • Descrição da evolução diariamente. 36 Unidade I • Sumário da alta hospitalar contendo registro da orientação de alta para o paciente sobre os procedimentos da TN no domicílio. • Evolução ambulatorial. 2.1.3 Dietoterapia Destaca-se que a TN deve ser planejada segundo as fases de estabilização ou de reabilitação já descritas. As metas podem não ser alcançadas em qualidade e quantidade em virtude das alterações fisiopatológicas ocorridas principalmente no trato digestório. Após o período de estabilização, o comprometimento de dissacarídeos, como a lactase, pode ser prolongado, o que justifica o emprego de fórmulas ou dietas enterais nutricionalmente completas com conteúdo restrito de lactose tanto na pediatria quanto em indivíduos adultos/idosos (LIMA; GAMALLO; OLIVEIRA, 2010). - Insuficiência pancreática - Sobrecrescimento bacteriano - Alteração do processamento dos sais biliares - Descamação e dificuldade do epitélio intestinal - Atrofia das vilosidades do intestino delgado Término da fase de estabilização (média) Dias 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 Fase de recuperação nutricional Fase de estabilização Deficiência enzimática: sacarase, maltase e lactase Figura 4 – Principais alterações que ocorrem no trato digestório durante as fases de estabilização e recuperação da DEP Fonte: Lima, Gamallo e Oliveira (2010, p. 359). A TN de forma individualizada é essencial para melhorar a nutrição em situações de desnutrição, caquexia e sarcopenia em função das múltiplas doenças que acometem essa população, das mudanças biológicas e psicológicas associadas ao envelhecimento e da capacidade funcional e das necessidades nutricionais próprias de cada indivíduo. O objetivo é proporcionar todos os nutrientes necessários para manter o estado nutricional adequado, pois a melhora da nutrição está associada a uma melhor recuperação funcional. A meta de ingestão de energia na TN é definida como o gasto energético total (GET) mais a quantidade de energia acumulada. A quantidade de energia acumulada por 1 kg de peso corporal é geralmente de 7.500 kcal. Se a meta é ganhar 1 kg de peso em 30 dias, calcula-se o GET + 250 kcal/dia. O processo de reabilitação consiste em cinco etapas: 37 NUTRIÇÃO CLÍNICA AVANÇADA • Avaliação e raciocínio diagnóstico. • Diagnóstico. • Definição de metas. • Intervenção. • Monitoramento. Deve-se definir objetivos claros usando os princípios específicos, mensuráveis, alcançáveis, relevantes e com prazo determinado. A aplicação e o efeito da TN variam dependendo da etiologia e da condição da desnutrição. Pré-cefaleia, síndrome do intestino curto e idosos com demência de leve a moderada são indicações para TN agressiva. No entanto, é geralmente contraindicada em casos de caquexia refratária, doença aguda ou lesão com inflamação grave, pacientes acamados com demência grave e atividade reduzida. A TN aprimorada combinada com reabilitação em pacientes com doença cerebrovascular, fratura de quadril ou doença aguda é recomendada nas diretrizes de prática clínica de 2018 para nutrição de reabilitação. Em 2017, a Aspen e o Comitê de Segurança de Nutrição Parenteral e de Prática Clínica convocaram um força-tarefa interprofissional composta de nutricionistas, enfermeiros, farmacêuticos e médicos encarregados de desenvolver recomendações para triagem e gerenciamento pacientes que estão em risco ou desenvolveram síndrome de realimentação. Saiba mais Para saber como identificar os casos e exercer a prática clínica, consulte o artigo a seguir: DA SILVA, J. S. V. et al. Aspen Consensus Recommendations for Refeeding Syndrome. Nutrition in Clinical Practice, Londres, v. 35, n. 2, p. 178-195, 2020. 2.1.4 Cálculo das necessidades energéticas na desnutrição O aporte energético e de nutrientes deve ser individualizado e baseado na avaliação atual e passada, na composição corporal e funcional e na condição clínica do paciente (SBNPE; ASBRAN, 2011b). • Harris Benedict — Fórmula para pacientes adultos e não obesos (FRANKENFIELD et al., 2003). — GEB: gasto energético basal 38 Unidade I — Homens: GEB = 66,4 + (13,7 x peso (kg)) +
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