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Linguística Aplicada APRESENTAÇÃO Professora Me. Vanessa Leme Fadel Steinhauser ● Doutoranda em Letras (Área de Concentração: Estudos Linguísticos; Linha de Pesquisa: Descrição Linguística) pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). ● Mestre em Letras (Área de Concentração: Estudos Linguísticos; Linha de Pesquisa: Descrição Linguística) pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). ● Especialista em Educação 5.0 – Metodologias e Tecnologias Inovadoras pela UniFatecie. ● Graduada em Letras – Português/Inglês pela Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR – Campus Paranavaí) ● Professora das disciplinas de Língua Portuguesa e Oficina de Produção de Texto no Colégio Educacional Noroeste Paranavaí, lecionando tanto no Ensino Fundamental II como no Ensino Médio. ● Endereço do currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/4818918038516327 A professora-pesquisadora tem experiência com o meio acadêmico a partir da participação em projetos de pesquisa que contemplam a descrição linguística; da apresentação de comunicações orais em eventos científicos; da publicação de artigos, trabalhos completos e resumos em revistas especializadas, anais de eventos e capítulos de e-book. Seus principais tópicos de pesquisa orbitam o campo das Letras, com ênfase no estudo de fenômenos linguísticos a partir de correntes teóricas diversas. APRESENTAÇÃO DA APOSTILA Seja muito bem-vindo(a)! Prezado(a) aluno(a), a Linguística Aplicada (doravante LA) é uma área de estudo recente, a qual tem consolidado o seu espaço enquanto ciência autônoma por meio da adoção de pressupostos teóricos, técnicas de investigação e metodologias próprias. Seu objeto de estudo é a linguagem enquanto prática social nos diversos contextos de uso. Esta apostila tem por objetivo proporcionar a você, estudante do curso de Letras, conhecimentos relativos à LA, com ênfase no processo de Aquisição de Segunda Língua (a saber, ASL). Para tanto, você se deparará com os principais conceitos que sustentam esse processo e perceberá que a aquisição de uma segunda língua bem como o ato de ensinar e de aprender uma língua estrangeira são bastante árduos. Com base nos pressupostos teóricos de autores renomados, busca-se apresentar o percurso histórico traçado pela LA; evidenciar as principais áreas de interesse da LA, com ênfase nos conceitos pertencentes à ASL; oferecer informações sobre as principais teorias, modelos e hipóteses acerca do processo da ASL; refletir sobre os desafios encontrados na formação dos professores de línguas, bem como analisar possíveis estratégias motivadoras do processo de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras. Espero que o material possa mostrar a você, futuro professor(a) e pesquisador(a), o quão importante é o seu processo de formação constante, pois é por meio dele que você alcançará melhores resultados em sua profissão. Torço também que você compreenda a importância de não limitar seus estudos a apenas esse material. É importante que você leia outros livros/artigos/ensaios, assista a vídeos, participe de eventos científicos, faça pesquisas na área e insista na busca pelo conhecimento. Afinal, ser professor é antes de tudo ser aluno de sua própria profissão. Muito obrigada e bons estudos! UNIDADE I LINGUÍSTICA APLICADA: DEFINIÇÃO, PERCURSO HISTÓRICO E ÁREAS DE INTERESSE Professora Me. Vanessa Leme Fadel Steinhauser Plano de Estudo: • O que é a Linguística Aplicada?; • A linguagem como objeto de estudo da LA; • Origem e consolidação da LA como ciência autônoma: um percurso histórico; • Linguística x Linguística Aplicada; • Principais tópicos trabalhados na LA com foco na subárea Aquisição de Segunda Língua (ASL). Objetivos de Aprendizagem: • Compreender a área de estudos da Linguística Aplicada; • Apresentar o percurso histórico traçado pela Linguística Aplicada até se consolidar como uma ciência autônoma que tem como objeto de estudo a linguagem enquanto prática social; • Evidenciar as principais áreas de interesse da Linguística Aplicada, com ênfase nos conceitos pertencentes à Aquisição de Segunda Língua. INTRODUÇÃO Prezado(a) aluno(a), nesta unidade, você é convidado(a) a conhecer a Linguística Aplicada (LA), de modo a compreendê-la como uma ciência oriunda do interesse em contextualizar o uso e a aplicação da língua. A partir dos capítulos selecionados, será possível verificar que a LA não é uma simples aplicação das teorias linguísticas. Trata-se, por outro lado, de uma ciência autônoma, com identidade, conceitos e métodos próprios. A Linguística Aplicada tem como objeto de estudo a linguagem, a qual deve ser compreendida como prática social em contextos de uso distintos. Desse modo, “ao compreender a linguagem como constitutiva da vida institucional, a LA passa a ser formulada como área centrada na resolução de problemas da prática de uso da linguagem dentro e fora da sala de aula”. (MOITA LOPES, 2009, p. 18) Considerada a extrema importância dessa disciplina para a formação de professores e pesquisadores na área de Letras, esta unidade almeja ainda evidenciar quais são os principais tópicos de pesquisa da LA. Assim, você, futuro docente, poderá compreender com maior eficácia o quão amplo e rico é seu escopo de atuação. Espero que a unidade 1 traga contribuições profícuas à sua formação, instigando o seu olhar crítico e reflexivo perante o tema, bem como despertando o seu interesse por obter mais conhecimento. Bons estudos! 1 O QUE É A LINGUÍSTICA APLICADA? Imagem do Tópico: ID da ilustração stock livre de direitos: 1311556790 https://www.shutterstock.com/pt/search/illustrations A Linguística Aplicada (doravante LA) é uma ciência autônoma que tem como objeto de estudo a linguagem enquanto prática social, já que é por meio da linguagem que o ser humano se comunica e se constitui como ser social. Por meio de métodos de investigação próprios, a LA busca compreender como a linguagem é empregada nos mais variados contextos de uso, de modo a perceber como ela constitui os sujeitos nos processos de interação social oriundos das práticas cotidianas. Ao compreender a linguagem como constitutiva da vida institucional, a LA passa a ser formulada como área centrada na resolução de problemas da prática de uso da linguagem dentro e fora da sala de aula. (MOITA LOPES, 2009, p. 18) Nesse sentido, a LA almeja estudar como a linguagem se desenvolve nos diferentes contextos reais de interação comunicativa, de modo a determinar como, por meio de produções escritas e orais, os sujeitos “produzem, reproduzem, desafiam e/ou alteram as estruturas sociais onde estão inseridas e como a linguagem contribui para que algumas pessoas exerçam domínio sobre as outras nas práticas sociais” (BIAZI; DIAS, 2007, p. 2 e 3). Percebe-se, dessa forma, que a LA investiga o “poder e o impacto da linguagem nas práticas cotidianas” (BIAZI; DIAS, 2007, p. 3). Por muito tempo, a LA foi compreendida equivocadamente “como uma tentativa de aplicação da Linguística (Teórica) à prática de ensino de línguas” (CAVALCANTI, 1986, p. 5). Entretanto, seu percurso histórico fez com que ganhasse autonomia. Maingueneau (1996) defende que a LA se diferencia por três características: (i) a linguística aplicada responde a uma demanda social; (ii) a linguística aplicada faz empréstimos a diferentes domínios científicos e técnicos; (iii) a linguística aplicada é avaliada por seus resultados. Rocha e Daher (2015) acrescentam ainda mais dois critérios, os quais se mostram mais polêmicos: (iv) a linguística aplicada se volta prioritariamente para o ensino/aprendizagem de línguas; (v) a linguística aplicada encontra suas bases teóricas na pesquisa linguística. Com o objetivo de avaliar tais característicascriticamente, faz-se uma análise de cada uma. A priori, a LA responde a uma demanda social em razão de assumir a existência de problemas sociais vinculados à linguagem e a necessidade de contribuir com possíveis soluções para essas intempéries. Tais problemáticas relacionam-se ao ensino e à aprendizagem de línguas, à tradução, à produção de dicionários, à comunicação nas relações interpessoais, entre outros fatores. Nota-se, portanto, que a LA pode trazer contribuições a diferentes campos do saber, já que a linguagem está presente em todo processo de interação social. Assim, a LA não só pode resolver problemas de ordem social, como também pode “renarrar a vida social” (MOITA LOPES, 2006, p. 90). No que tange ao fato de a LA fazer empréstimos diversificados, sabe-se que, para formular seus métodos de pesquisa, a LA “reúne conceitos e métodos escolhidos em domínios científicos e técnicos variados” (MAINGUENEAU, 1996, p. 57), unindo especialmente a linguística, a sociologia e a psicologia. Sobre isso, Smith (2000) declara que: uma concepção [de linguística aplicada] menos centrada na linguística, mais interdisciplinar e voltada para problemas pode ser identificada onde a linguística aplicada e vista como uma espécie de “zona de embreagem” entre prática e teoria, e onde o linguista aplicado é visto como um mediador entre prática e uma variedade de possíveis fontes disciplinares, sem que a prioridade seja necessariamente dada a linguística (no caso do ensino de línguas, por exemplo, psicologia da aprendizagem, educação geral, sociologia, antropologia, estudos políticos e história, todas elas poderiam ser vistas como desempenhando um papel ao lado da linguística no processo de resolução de problemas). (SMITH, 2000, p. 1) Embora a interdisciplinaridade componha uma das concepções da LA, vale salientar que essa ciência consolidou, ao longo da história, uma certa autonomia. Isso pode ser comprovado pela seguinte passagem: Há o que poderíamos chamar de concepção autônoma, com a linguística aplicada como uma disciplina ou atividade independente, desenvolvendo teorias, descrições ou outros esquemas potencialmente mais relevantes para as necessidades práticas do que aqueles que emanam de outras fontes disciplinares – o linguista aplicado não é mais um consumidor de teorias ou descrições nessa concepção, mas um produtor de teorias relevantes com base em pesquisa (em relação ao ensino de línguas, o crescimento de Aquisição de Segunda Língua como campo de pesquisa em linguística aplicada talvez o demonstre com mais clareza). (SMITH, 2000, p.1) Nesse viés, a LA faz uso de intersecções com outras áreas (ROCHA; DAHER, 2015), o que é extremamente significado e em nada invalida sua autonomia. O empréstimo de conceitos e métodos advindos de outras ciências é totalmente justificável se considerado seu objeto de estudo, dado que a linguagem age sobre todos os campos sociais. A terceira característica da LA apontada por Maingueneau (1996) diz respeito ao fato de a LA ser avaliada por seus resultados. Segundo Rocha e Daher (2015), os resultados obtidos na pesquisa serão avaliados como mais ou menos profícuos de acordo com a adequação da demanda traçada. Sobre isso, alegam que: Pensamos, então, em pelo menos quatro situações cujos efeitos repercutirão sobre a natureza dos resultados alcançados ao término de uma pesquisa em linguística aplicada: (i) a demanda é formulada por alguém que ocupa uma posição superior na hierarquia do universo a ser investigado (empresa, hospital, escola, etc.); (ii) a demanda é formulada pelo próprio pesquisador em função de objetivos próprios de pesquisa; (iii) a demanda é formulada pelo próprio pesquisador em função de objetivos que ele atribui a um dado coletivo; (iv) a demanda é formulada por um coletivo que não ocupa nenhuma situação privilegiada na hierarquia institucional. (ROCHA; DAHER, 2015, p. 121) Contudo, é válido salientar que, nos diferentes tipos de pesquisa, a “avaliação em função dos resultados obtidos não tem sido tarefa fácil e, por essa razão, muito poucas têm sido as oportunidades em que o pesquisador, ao final de uma etapa de trabalho em um dado campo, consegue satisfatoriamente dar um retorno dos resultados alcançados à comunidade envolvida”. (ROCHA; DAHER, 2015, p. 122 e 123) Rocha e Daher (2015) ainda incluem mais duas características atribuídas à LA. A primeira diz respeito à “quase-sinonímia” existente entre a LA e o processo de ensino-aprendizagem de línguas, dado que este sempre foi um terreno frutífero às pesquisas. Embora a LA tenha ampliado seu escopo de interesse, a maioria de seus trabalhos investem em perspectivas epistemológicas voltadas ao processo de ensino-aprendizagem de línguas, como: crenças em ensino e aprendizagem de línguas; ensino e aprendizagem de língua materna; ensino e aprendizagem de línguas adicionais; aquisição de segunda língua; formação de professores; produção e recepção de material didático; multilinguismo e multiculturalismo. Sobre esse assunto, veja a pesquisa quantitativa realizada por Rocha e Daher (2015) acerca dos trabalhos publicados nos anais dos IX e X congressos da Associação de Linguística Aplicada do Brasil (ALAB). A segunda característica apontada pelos autores refere-se ao fato de a LA ser “um lócus de atualização de saberes produzidos pela linguística” (ROCHA; DAHER, 2015, p. 127). Os estudos na área mostram que a LA não é uma mera aplicação da Linguística. Contudo, essa ideia parece resistir, e isso se dá em razão da complexa relação entre teoria e prática. Veja um segmento retirado do site da Associação Internacional de Linguística Aplicada (AILA): A Linguística Aplicada é um campo interdisciplinar de pesquisa e prática lidando com problemas práticos de língua e comunicação, os quais podem ser identificados, analisados ou solucionados aplicando-se teorias, métodos e resultados de trabalhos disponibilizados pela Linguística, ou desenvolvendo- se novos arcabouços teóricos e metodológicos em Linguística para trabalhar com esses problemas. A Linguística Aplicada difere da Linguística em geral no que diz respeito à sua orientação em direção a problemas práticos, do cotidiano, relacionados à língua e à comunicação. (AILA, 2013, apud ROCHA; DAHER, 2015, p. 128 e 129). Nesse ínterim, os autores defendem que não se pode tratar Linguística e Linguística Aplicada como dicotômicas, mas como ciências que mantém distâncias graduáveis e contínuas, com interesses especiais pelo fazer científico. No caso da LA, o investimento no estudo da linguagem enquanto prática social é o caminho mais promissor de investigação. Assim: Como funciona a linguística aplicada e o que pode ela se tornar? [...] ela pode se tornar a oportunidade de efetivamente exercermos, na qualidade de linguistas aplicados, o papel de cientistas sociais, de podermos mapear um social que se deixará apreender por meio da qualidade das trocas verbais que se atualizam e pelo modo como seremos então capazes de lê-las. O que se impõe como tarefa inadiável é, desse modo, reescrever uma história da linguística aplicada, revendo-se suas alianças e seus antagonismos. (ROCHA; DAHER, 2015, p. 137) Com base nessas reflexões, compreende-se que a LA volta o seu olhar para o uso da linguagem na sociedade, buscando refletir e construir possibilidades de se solucionar as questões práticas geradas por esse uso. Trata-se, portanto, mais do que uma simples aplicação de teorias linguísticas (SPOLSKY, 1980), visto que, por meio de métodos próprios, busca subsídios teóricos na Linguística e em outras ciências, como a Sociologia, a Psicologia, a Etnografia da Fala, a Filosofia, a Antropologia etc. A LA trabalha em recortes multidisciplinares, isto é, com o auxílio de resultados de pesquisa em outras áreas de investigação. Em seu percurso, a pesquisa em LAreforça procedimentos sistemáticos que vão consolidando sua área de atuação e seus métodos específicos de trabalho. (CAVALCANTI, 1986, p. 6) No âmbito multi/pluri/inter/transdisciplinar da LA, várias disciplinas colaboram e se integram nos estudos. Veja isso na visão apresentada por Kleiman (1998, apud GESSER; COSTA; VIVIANI, 2009, p. 5): Figura 1: Áreas que colaboram com a LA de acordo com Kleiman (1998) Fonte: GESSER, A.; COSTA, M. J. D.; VIVIANI, Z. A. Linguística aplicada. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009, p. 5. Em virtude da importância da Linguística Aplicada para os diferentes campos de estudo e de atuação social, torna-se importante analisar qual é o percurso de pesquisa da LA. Segundo Cavalcanti (1986), o trajeto de pesquisa em LA se dá com base nas seguintes fases: Figura 2: Trajetória da pesquisa em LA com base em Cavalcanti (1986) Fonte: autoral com base em Cavalcanti (1986). Note que, para a autora, a pesquisa em LA inicia-se a partir da observação de uma questão específica de uso da linguagem. Após, volta o seu olhar para a busca de subsídios teóricos em diferentes campos, de modo a fazer uma análise da questão na prática. Por fim, surge um encaminhamento ao problema. Cavalcanti (1986) compara a LA com a Linguística, alegando que esta última parte de uma teoria linguística, sem a obrigação de investir em uma questão prática. Por fim, faz uso da teoria para confirmá-la ou contrariá-la por meio da descrição e análise de dados. Para exemplificar a distinção das pesquisas em LA e em Linguística, a autora traz esses dois casos: Um linguística interessado em cláusulas relativas toma como ponto de partida uma teoria gerativa, coleta um corpus (por exemplo redações escritas no vestibular) e depois de descrever e analisar esse corpus, volta à teoria para confirmá-la ou para propor modificações. Um linguista aplicado interessado em inferências lexicais, detecta um problema de inferência lexical a nível de força ilocucionária na leitura de texto expositivo por crianças de 5ª série de 1º grau. Busca subsídios teóricos na Análise do Discurso e Pragmática, em Psicologia Cognitiva, em Inteligência Artificial e em Sociolinguística. Elabora testagens, aplica-as, procura uma solução para a questão e propõe encaminhamentos na forma de sugestões para preparação de material didático. (CAVALCANTI, 1986, p. 6 e 7) Para finalizar o primeiro capítulo, faz-se uma reflexão sobre o foco de ação das pesquisas quantitativas, qualitativas e/ou quanti-qualitativa em LA, a partir dos pressupostos de Cavalcanti (1986). A LA se interessa por questões de uso da linguagem (em L1 - língua materna; L2 - segunda língua, a exemplo da língua portuguesa nas comunidades indígenas; LE - língua estrangeira, a saber, a língua inglesa no Brasil) dentro ou fora do contexto escolar. Nesse viés, a autora defende que o foco de ação da LA é “a interação face-a-face (conversação) ou ouvido-a-ouvido (conversação telefônica) e a interação à distância mediada pelo texto” (CAVALCANTI, 1986, p. 8). Tais tipos de interação envolvem o processo de ensino-aprendizagem de línguas, o qual vem sendo a área de pesquisa mais fértil dessa ciência. Mediante a autora, a interação face-a-face, simétrica (sem distância social e com equilíbrio de poder) ou assimétrica (com distância social e sem equilíbrio de poder) evoca interações comunicativas em que a linguagem transita por relações com equilíbrio de poder (a exemplo de amizades) e por relações com desequilíbrio de poder (como as interações no trabalho). Por outro lado, Cavalcanti (1986) defende que, na interação a distância mediada pelo texto (escrita-texto-leitura e fala-gravação-audição), o sujeito lê ou produz um texto oral ou escrito, o qual pode ser oriundo de diferentes contextos de produção: meio literário, publicitário, midiático, acadêmico, burocrático, cotidiano etc. Percebe-se, assim, que o contexto social e as situações reais de comunicação em seus diferentes níveis fornecem questões de uso da linguagem para o estudo em LA. Para exemplificar o foco de ação da LA, Cavalcanti (1986) fornece o seguinte esquema: Figura 3: Objetivo e foco de ação em LA de acordo com Cavalcanti (1986) Fonte: CAVALCANTI, Marilda C. A propósito de linguística aplicada. Trabalhos em linguística aplicada, v. 7, 1986, p. 10. Analise com atenção a figura acima para dar continuidade aos estudos sobre Linguística Aplicada no próximo capítulo. 2 A LINGUAGEM COMO OBJETO DE ESTUDO DA LA Imagem do Tópico: ID do vetor stock livre de direitos: 1151217977 No primeiro capítulo, vimos que a LA tem por objetivo estudar os usos da linguagem nos diferentes contextos reais de interação social. Agora, torna-se oportuno fazer uma análise sobre como a linguagem é compreendida por essa ciência. Para iniciar, veja uma citação de Rajagopalan (2011): A linguagem é aquilo que a gente vive, é nossa vivência, não se restringe à língua. Linguagem é um conceito muito mais amplo que língua. Língua faz parte, e nem sei se a língua faz parte essencial da linguagem, do âmbito da linguagem. A linguagem é o nosso modo de lidar com as nossas circunstâncias, a nossa sociedade, a nossa inserção dentro da sociedade. Portanto, tudo dentro do mundo é mediado pela linguagem, então, pra mim, linguagem é tudo. (RAJAGOPALAN, 2011, apud SILVA; SANTOS; JUSTINA, 2012, p. 76 e 77) Com base nessa reflexão, é possível inferir que a linguagem1 é responsável pela interação social e pela constituição do sujeito como um “ser social”, que se comunica, se relaciona com o outro e vive em sociedade. É por meio da linguagem que “construímos nossa realidade, que nos situamos social e historicamente” (BIAZI; DIAS, 2007, p. 2). Nesse sentido, o objeto de estudo da LA é o uso dessa linguagem nos mais diversificados campos de atuação humana, como na sala de aula, no meio publicitário, nos grupos minoritários, nas redes sociais etc. Desse modo, o foco da LA é analisar e sugerir encaminhamentos para problemas de uso da linguagem, encontrados por diferentes pessoas no mundo real (professores, alunos, jornalistas, advogados, políticos, tradutores, intérpretes, empreendedores, dentre outros). A partir dessas constatações, a LA busca verificar como a linguagem ocorre nos diferentes contextos de produção e circulação da comunicação. 1 A palavra linguagem diz respeito a um instrumento usado para promover a comunicação e a interação social. Existem diferentes tipos de linguagem, a exemplo da linguagem oral, a linguagem escrita, a linguagem corporal, a linguagem não-verbal, etc. Por outro lado, a palavra língua pode ser compreendida como um sinônimo de idioma. Nesse sentido, temos a língua portuguesa; a língua inglesa; a língua espanhola, e assim por diante. https://www.shutterstock.com/pt/vectors Dessa forma, a LA procura explicitar como, através de textos orais e escritos, as pessoas produzem, reproduzem, desafiam e/ou alteram as estruturas sociais onde estão inseridas e como a linguagem contribui para que algumas pessoas exerçam domínio sobre as outras nas práticas sociais. A LA atua na conscientização das pessoas sobre o poder e o impacto da linguagem nas práticas cotidianas. (BIAZI; DIAS, 2007, p. 2 e 3) O estudo da linguagem permite aprender e ensinar uma língua, um sistema que beneficia as relações sociais. Ao realizar uma investigação mediadora, o linguista aplicado volta o seu olhar à situação da língua, a qual, segundo a LA, é uma avaliação desenvolvida sobre o papel da linguagem em um ambiente social. Refletir sobre Linguística Aplicada requer, preliminarmente, considerar que a linguagem ocupa lugar central na vida humana; afinal, é ela que nos permite a simbolização do real, umavez que viabiliza a formação de conceitos, a abstração e a organização cognitiva das representações do mundo extramental. A linguagem permite-nos, ainda e fundamentalmente, a interação social, condição para a vida em sociedade. Em razão, sobretudo, dessas funções, a linguagem tem sido, historicamente, uma questão muito estudada pelo homem. (RODRIGUES; CERUTTI-RIZZATTI, 2011, p. 13) É importante ainda analisar como a linguagem é tida como um instrumento de mediação e de interação social, garantindo a comunicação, a formação e manutenção das relações sociais, a constituição dos sujeitos e a construção do conhecimento. Para tanto, faz-se agora uma reflexão sobre a linguagem segundo Vygotsky (2008) e Bakhtin (2006). No que se refere a Vygotski (2008), sabe-se que o estudioso defende a importância do papel do sujeito no processo de aquisição de conhecimento. Segundo o autor, o sujeito não é apenas ativo, mas também interativo, já que constrói conhecimento a partir de suas trocas com outros sujeitos e consigo mesmo, a partir de relações intra e interpessoais. O indivíduo é, desse modo, fruto de um processo sócio-histórico e a linguagem, por sua vez, é mediadora entre o sujeito e o objeto de seu conhecimento. Então, para ele, a aquisição de conhecimentos se realiza pela interação do sujeito com o meio, e é através da linguagem que as funções mentais superiores (percepção, memória, pensamento) são socialmente formadas e culturalmente transmitidas. Podemos identificar nas bases de sua teoria que o desenvolvimento do indivíduo é o resultado de um processo sócio-histórico e, nesse desenvolvimento, o papel da linguagem é de extrema relevância, pois ela possibilita a elaboração e (re)elaboração de conceitos, as formas de organização do real e serve de mediadora entre o sujeito e o objeto do conhecimento. Para Vygotsky a linguagem tem duas funções complementares: no plano social (extra-psicológico) proporciona a comunicação, e no plano interno (intra-psicológico), como meio de reflexão. (GESSER; COSTA; VIVIANI, 2009, p. 11). Bakhtin, por sua vez, também compreende o sujeito como interativo, social e ativo na produção de seu conhecimento. Para o autor, a linguagem é uma prática social habitual, a qual implica na experiência dos relacionamentos entre os seres. A linguagem é compreendida como reflexo social. A língua, por sua vez, é a realidade material da linguagem, compreendida como um “processo de evolução ininterrupto, constituído pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação” (BAKHTIN, 2006, p. 127). Bakhtin (2006) defende a natureza social (e não individual) da linguagem. Entende ainda a língua - realidade material da linguagem -, bem como os sujeitos que a usam, como pertencentes a um contexto sócio-histórico. Sobre o interesse de Bakhtin acerca da linguagem, veja o que Pires (2002, p. 38) declara: O verdadeiro interesse do autor, no entanto, não era o sistema, mas a linguagem enquanto uso e em interação social. E a enunciação seria, precisamente, o momento do uso da linguagem, processo que envolve não apenas a presença física de seus participantes como também o tempo histórico e o espaço social de interação. Sua crítica à linguística, enquanto teoria da abstração - língua -, foi sempre nesse sentido, o de faltar a ela uma abordagem da enunciação, que desse conta do que, no seu entender, era o discurso, ou seja, “a linguagem em sua totalidade concreta e viva” (BAKHTIN, 1963, p. 181). O objeto de estudo do autor está, parece-nos, claramente definido: é a enunciação, não apenas como realidade da linguagem, mas também como estrutura sócio-ideológica. (PIRES, 2002, p. 38) Essa ligação da linguagem com os aspectos sociais e ideológicos é totalmente compreensível, dado que o fenômeno social de interação é a realidade essencial da linguagem. A interação verbal se dá por meio da troca de enunciados, na proporção de diálogos e por meio da enunciação (vide os trabalhos de BAKHTIN). Desse modo, a linguagem é um processo determinado e determinante do fluxo da interação social, sendo assim extremamente importante para a constituição dos indivíduos enquanto partícipes da vida em sociedade. Uma das principais tarefas dos linguistas aplicados é produzir conhecimentos sobre como as pessoas usam a linguagem em suas práticas cotidianas e como indivíduos de diferentes culturas e localidades empregam a linguagem de modos diferentes. Nesse viés: O uso da linguagem é o ponto de partida para entender como a LA, que anteriormente se preocupava somente com o ensino/aprendizagem de língua estrangeira e tradução, tem levantado questões de prática social tanto no contexto de sala de aula como em outras instituições sociais – educacional, de saúde, policial, empresarial etc. (CUNHA; RANGEL, 2018, p. 614) Na LA, a linguagem é tida como uma maneira de interação social presente em toda e qualquer atividade humana. Essa interação se caracteriza pelos sujeitos que interagem, pela situação comunicativa que vivenciam e pela posição sócio-histórica a que cabem. Nesse ínterim, parodiando Bakhtin (2006), pode-se afirmar que a linguagem constitui a vida social e a vida social constitui a linguagem. 3 ORIGEM E CONSOLIDAÇÃO DA LA COMO CIÊNCIA AUTÔNOMA: UM PERCURSO HISTÓRICO Imagem do Tópico: ID da ilustração stock livre de direitos: 2016319220 Neste capítulo, faz-se uma breve apresentação do percurso histórico da LA, até se constituir como ciência autônoma. Para tanto, reúnem-se pressupostos de diferentes teóricos acerca da origem e da consolidação dessa ciência. O surgimento da LA ocorreu no período da Segunda Guerra Mundial. A motivação adveio do interesse dos Estados Unidos da América em desenvolver o ensino de línguas, de modo a melhorar o contato com seus aliados e decifrar as informações de seus inimigos. De acordo com Costa (2011), o contexto sociopolítico influenciou demasiadamente a busca pelos estudos da linguagem, já que, com a Segunda Guerra Mundial, tornou-se necessário: O conhecimento de outros idiomas por parte dos soldados americanos, pois realizar contato com os aliados e inimigos falantes de outras línguas era imprescindível. O ensino de línguas a partir desse momento passa a ser visto com outros olhos, com outras perspectivas, deixando de ser apenas um método cujo objetivo único era o de ensinar a ler. (COSTA, 2011, p. 18 e 19) O interesse dos EUA na Segunda Guerra Mundial fez com que muitas mudanças ocorressem no cenário de ensino-aprendizagem de línguas. Observe o relato de Richards e Rodgers (1986): Para fornecer ao governo dos EUA profissionais fluentes em alemão, francês, italiano, chinês, japonês, malaio e outras línguas e que pudessem também trabalhar como intérpretes, assistentes da sala de códigos e tradutores, era necessário criar um programa especial de treinamento de idiomas. O governo comissionava as universidades para que desenvolvessem programas de língua estrangeira para militares. Assim, o Programa de Treinamento Especializado do Exército foi estabelecido em 1942. Cinquenta e cinco universidades americanas estavam envolvidas neste programa no início de 1943 (RICHARDS; RODGERS, 1986, p. 44). Observa-se, assim, que o ensino de LE, bem como a tradução e a interpretação, motivaram o surgimento da LA. No início, surgiu o método audiolingual ou método do exército, o qual tinha como intuito desenvolver a habilidade oral dos soldados, por meio do condicionamento e da repetição. Nessa época, a LA era tida como uma subdisciplina em franca ascensão. Com o apoio do governo, vários linguistas se dispuseram a estudar novas metodologias de ensino de línguas, em especial do ensino de inglês como língua estrangeira aos aliados. Observe que esse interesse partiu de uma estratégia de guerra, já que a linguagem empregada por povos usuários de diferenteslínguas podia (ou não) tornar a comunicação eficaz. Desse modo, nota-se que a origem da LA tem estreita relação com o ensino de línguas. É complexo delimitar um momento exato para a origem da LA. Contudo, segundo Grabe (2002), o marco institucionalizado dessa ciência se dá com a publicação do primeiro número do periódico Language Learning: A Quarterly Journal of Applied Linguistics, em 1948. Nele, Charles Fries e Robert Lado, professores da Universidade de Michigan, usaram pela primeira vez (publicamente) o termo “linguística aplicada”. Contudo, em 1946, os professores Fries e Lado já ministraram o primeiro curso independente de LA. Conforme Mulik (2019), anos mais tarde, foram fundadas algumas associações, a exemplo da: Association Internationale de Linguistique Appliqueé (AILA); British Association of Applied Linguistics (BAAL); American Association of Applied Linguistics (AAAL). Alguns livros também foram publicados. Porém, é válido ressaltar que, mesmo com essa difusão do termo, por muito tempo, a LA foi compreendida apenas como um “ensinamento de línguas” ou “aplicação das teorias linguísticas ao ensino de língua inglesa como LE”. Isto posto, enquanto a Linguística era reconhecida como uma ciência autônoma cujo foco era desenvolver teorias, à LA foi dado um papel secundário/inferiorizado, em razão de ser vista como uma mera matéria de aplicação da Linguística. Essa visão foi desconstruída com o tempo, de modo que a LA se consolidasse como uma ciência autônoma, dona de métodos e conceitos próprios. Conforme Moita Lopes (2009), foi somente nos anos de 1970 que a LA deixou de ser reconhecida como uma aplicação da Linguística. Isso se deu com Widdowson (1979), que criticou a sujeição da LA aos padrões da descrição linguística, alegando que a LA poderia criar seus próprios modelos de acordo com seus interesses de estudo. Segundo Grabe (2002), na década de 1990, a LA ampliou seu escopo de estudo, abrangendo temáticas como a política, os estudos literários, a sociologia, a psicologia etc. É interessante mencionar que, em 1993, o periódico Language Learning passou a englobar outros assuntos também: diversas disciplinas, incluindo aplicações de métodos e teorias da linguística, psicolinguística, ciência cognitiva, etnografia, etnometodologia, sociolinguística, sociologia, semiótica, pesquisa educacional, e estudos culturais ou históricos, para abordar: b) questões fundamentais da aprendizagem da língua, tais como bilinguismo, aquisição da linguagem, educação de segunda língua e de língua estrangeira, letramento, cultura, cognição, pragmática, e relações entre grupos (DAVIES; ELDER, 2004, p. 3) Destarte, nos anos 2000, notou-se ainda mais o processo de evolução da LA, a qual passou a ser compreendida também como uma área que se volta aos problemas do uso da linguagem no mundo real. Embora o foco central da LA ainda seja os estudos sobre o ensino-aprendizagem de línguas, existem outras temáticas contempladas, as quais, segundo Grabe (2012), são fortes tendências de pesquisa para o século XXI, pois são norteadas em razão do uso da linguagem. A saber: a formação de professores, os estudos críticos, as análises descritivo-discursivas baseadas em corpus, o uso da linguagem em textos acadêmicos e profissionais, as práticas bilíngues e o multilinguismo, a avaliação da linguagem e a neurolinguística. Findada a análise da trajetória da Linguística Aplicada no “mundo”, é hora de analisar o percurso trilhado pela LA no Brasil. Para tanto, faz-se uso da esquematização elaborada por Biazi e Dias (2007). Segundo as autoras, a LA é institucionalizada no Brasil a partir da inserção do Centro de Linguística Aplicada Yázigi, em 1966, por Francisco Gomes de Matos. Dando sequência, em 1970, surge o primeiro Programa de Estudos Pós- Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL), da PUC- SP. Biazi e Dias (2007, p. 4) declaram ainda que, em 1973, a LA é compreendida “estritamente como aplicação de teorias linguísticas para perguntas de sala da aula de língua estrangeira (inglês), o que era demonstrado nos assuntos de dissertações produzidas na época”. Indo um pouco além, em 1983, é lançada a revista intitulada “Trabalhos em Linguística Aplicada”, pelo Instituto de Estudos da Linguagem da UNICAMP. E, em 1984, surge um Fórum para debates de trabalhos em LA no Congresso da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Linguística (ANPOLL). Durante os próximos anos, surgem revistas (a exemplo da D.E.L.T.A.) e programas de pós-graduação em Linguística Aplicada (como o da UNICAMP). Em 1990, por sua vez, foi instituída a Associação de Linguística Aplicada do Brasil (ALAB). A partir daí, surgem os Congressos Brasileiros de Linguística Aplicada (CBLA), de modo a disseminar os estudos em LA no Brasil. Biazi e Dias (2007) afirmam ainda que, na década de 1990, a disciplina de LA é adicionada na ementa curricular dos cursos de graduação que formam docentes nas universidades do país. Assim: Na década de 1990, a Linguística Aplicada estabelece-se como uma área própria de conhecimento. Seu campo de estudo passa a tratar, não somente sobre questões de sala de aula de línguas, mas, principalmente, sobre a linguagem em uso em diversos contextos sociais, tais como: a linguagem utilizada no trabalho, na mídia, no ambiente familiar, por grupos marginalizados socialmente (adultos não alfabetizados, indígenas, mulheres em situação de vulnerabilidade, homens e mulheres homoeróticos, etc.). (BIAZI; DIAS, 2007, p. 5) Com essa ampliação de visão, novas pesquisas foram surgindo, no campo da “tradução e educação bilíngue, linguagem e gênero, linguagem e novas tecnologias, discurso e identidades, educação à distância, formação do professor, e educação bi/multilingual” (BIAZI; DIAS, 2007, p. 5). Novos livros de pesquisadores de renome também foram publicados, a exemplo da “Oficina de Linguística Aplicada”, de Moita Lopes (1996). Por esse ângulo: Na década de 2000, ocorre o fortalecimento da Linguística Aplicada como uma área de estudo que trata de questões de uso da linguagem na interação social e que tem a responsabilidade social de pensar em alternativas que possam melhorar a qualidade de interação entre as pessoas por meio do estudo da linguagem na vida social. (BIAZI; DIAS, 2007, p. 5). Com base nesse percurso histórico, nota-se que a LA ganhou bastante autonomia ao longo do tempo. A partir dessa constatação, torna-se importante analisar como os teóricos distinguem a LA da Linguística. 4 LINGUÍSTICA X LINGUÍSTICA APLICADA Imagem do Tópico: ID da ilustração stock livre de direitos: 1856072773 É extremamente complexo distinguir a LA da Linguística. Muitos autores defendem que não é necessário pensar em dicotomias. Contudo, em razão da Linguística ter sido historicamente concebida como superior, por produzir a teoria; a LA, reconhecida por muitos em detrimento da prática, mergulhou em um sentimento de inferioridade, havendo, assim, a necessidade de declarar independência em relação à Linguística. Nesse ínterim, a busca incessante pela autonomia, fez com que, hoje, a LA possa apresentar metodologias e conceitos próprios, os quais inevitavelmente perpassam por um caráter interdisciplinar, já que essa é uma das características da LA. Em seu site, a Associação Internacional de Linguística Aplicada (AILA) conceitua e difere a LA da Linguística com base na seguinte afirmação: Linguística Aplicada é um campo de pesquisa e prática interdisciplinar e transdisciplinar que lida com problemas práticos de linguagem e comunicação que podem ser identificados, analisados ou resolvidos pela aplicação de teorias disponíveis, métodos e resultados de Linguística disponíveis ou pelo desenvolvimento de novos arcabouços teóricos e metodológicosem Linguística para trabalhar com esses problemas. A Linguística Aplicada difere da Linguística em geral principalmente no que diz respeito à sua orientação explícita para problemas práticos e cotidianos relacionados à linguagem e à comunicação. Os problemas com os quais a Linguística Aplicada lida variam de aspectos da competência linguística e comunicativa do indivíduo, como aquisição da primeira ou segunda língua, alfabetização, distúrbios da linguagem, etc., até problemas relacionados à linguagem e à comunicação entre sociedades, como variação linguística e discriminação do https://www.shutterstock.com/pt/search/illustrations idioma, multilinguismo, conflito entre línguas, política linguística e planejamento linguístico (AILA, 2021, s.p.). Embora trate da linguagem – assim como a LA, a Linguística volta o seu olhar principalmente à formulação de teorias com base na descrição da língua. A LA, por sua vez, estuda a linguagem como prática social em contextos de usos diferentes, pautando-se especialmente em demandas sociais. Nesse sentido, a LA e a Linguística dialogam, mas não compartilham aspectos teórico- metodológicos concomitantes. De acordo com Rajagopalan (2011, apud SILVA; SANTOS; JUSTINA, 2011), a LA usa a prática como palco de criação de reflexões teóricas. Outrossim, não se pode afirmar que a LA é apenas prática. Nessa ciência, teoria e prática convivem. Portanto, a LA não deve ser compreendida como a aplicação da Linguística, mas como uma ciência autônoma que se interessa não só pela língua como sistema, mas também pela língua em discurso. Observe: A compreensão de que a LA não é aplicação da Linguística é agora um truísmo para aqueles que atuam no campo [...]. Tendo começado sob a visão de que seu objetivo seria aplicar teorias Linguísticas [...], a LA já fez a crítica a essa formulação reducionista e unidirecional de que as teorias Linguísticas forneceriam a solução para os problemas relativos à linguagem com que se defrontam professores e alunos em sala de aula. O simplismo aqui é claro. Como é possível pensar que teorias Linguísticas, independentemente das convicções dos teóricos, poderiam apresentar respostas para a problemática do ensinar e do aprender em sala de aula? Uma teoria Linguística pode fornecer uma descrição mais acurada de um aspecto linguístico do que outra, mas ser completamente ineficiente do ponto de vista do ensinar e do aprender línguas. (MOITA LOPES, 2009, p. 18). Rees-Miller (2002) também diferencia a Linguística da LA a partir de seus objetos de estudo, alegando que: Ao contrário de algumas áreas da linguística teórica que se preocupam com a linguagem como um objeto abstrato, linguistas aplicados devem levar em consideração não apenas a natureza da linguagem, mas a natureza do mundo particular no qual ela é usada, as crenças, as instituições sociais e a cultura dos seus usuários, e como essas questões influenciam o uso da linguagem. (REES-MILLER, 2002, p. 479). Assim, Rees-Miller (2002) entende que a Linguística está interessada em analisar a língua e a linguagem como abstratas. Por outro lado, a autora defende que a LA é interdisciplinar, voltando-se aos problemas práticos do uso da linguagem a partir das motivações externas. Sobre isso, Davies e Elder (2004) declaram que: Distinguimos Linguística e Linguística Aplicada pela diferença de orientação. Embora a Linguística se preocupe principalmente com a língua em si e com os problemas de linguagem, na medida em que estes fornecem evidências para uma melhor descrição das línguas ou para o ensino de uma teoria linguística, a Linguística Aplicada está interessada em problemas de linguagem pelo que eles revelam sobre o papel desta no cotidiano das pessoas e se a intervenção é possível ou desejável. O que isso significa é que a Linguística Aplicada está preocupada tanto com os contextos quanto com a linguagem e, portanto, é capaz de se debruçar sobre disciplinas diferentes da Linguística, a Antropologia, a Educação e a Psicologia. Isso também significa que os problemas de linguagem com os quais a Linguística Aplicada se preocupa são muitas vezes voltados para instituições, como a escola, o lugar de trabalho, o tribunal, a clínica. (DAVIES; ELDER, 2004, p. 11 e 12) Nesse sentido, o linguista aplicado se dedica a refletir sobre a linguagem nas diferentes situações de uso, a exemplo da sala de aula, onde se estuda o processo ensino-aprendizagem de línguas. Contudo, é importante frisar que, por ter como objeto de estudo a linguagem como prática social, a LA não se limita ao contexto de sala de aula. O linguista aplicado investiga, então, a linguagem em todo processo de interação que envolve a atividade humana. Como muitos teóricos defendem, a LA é, portanto, responsiva à vida social. 5 PRINCIPAIS TÓPICOS TRABALHADOS NA LA COM FOCO NA SUBÁREA AQUISIÇÃO DE SEGUNDA LÍNGUA (ASL) Imagem do Tópico:ID do vetor stock livre de direitos: 1893713401 A Linguística Aplicada é uma área de estudos bastante rica. Embora traga como principal tópico de reflexão o processo de ensino-aprendizagem de línguas, sabe-se que qualquer campo de uso da linguagem pode ser fecundo para a LA. Assim sendo, a sala de aula não é o único ambiente de interação social investigado por essa ciência. Segundo Rojo (2007), fazer LA: Trata-se, então, de se estudar a língua real, o uso situado da linguagem, os enunciados e discursos, as práticas de linguagem em contextos específicos, buscando não romper esse frágil fio que garante a visão da rede, da trama, da multiplicidade, da complexidade dos objetos-sujeitos em suas práticas. (ROJO, 2007, p. 1762 apud RODRIGUES; CERUTTI-RIZZATTI, 2011, p. 27) A LA vai além do universo escolar, adentrando os diferentes setores da sociedade, de modo a pesquisar como se dá o uso da linguagem nas diferentes situações comunicativas de interação social. Isso pode ser exemplificado a partir da descrição da área de concentração Linguística Aplicada do Programa de Pós- Graduação em Estudos Linguísticos (POSLIN) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG): A área de concentração em Linguística Aplicada aborda a linguagem em uso por meio de um enfoque interdisciplinar que incorpora subsídios teóricos da Linguística e de outros campos disciplinares para elucidar questões relacionadas à produção de significados e à comunicação humana a partir de pesquisa teórica, empírica e experimental, bem como questões relacionadas ao ensino e a aprendizagem. A área abriga quatro linhas de pesquisa que visam à investigação de manifestações da linguagem em (i) contextos formais e informais de ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras, analisando-se processos de aquisição, experiências de aprendizes e de professores, e questões identitárias; (ii) contextos de tradução e interpretação, enfocando-se o processo de produção multilíngue e multimodal de textos; (iii) contextos de mediação tecnológica, examinando-se a organização e a aquisição da linguagem em ambientes virtuais de aprendizagem e outros ambientes interativos; (iv) contextos de ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa em diferentes abordagens, sociolinguística, https://www.shutterstock.com/pt/vectors enunciativa, gramatical, lexical e voltadas para estudos de leitura e escrita. (POSLIN-UFMG, 2021). Note que o processo de ensino-aprendizagem de línguas (materna e estrangeira) de fato é um dos temas mais estudados na LA, em razão de toda a questão histórica que perpassa essa construção. Contudo, existem outras áreas de interesse, as quais dizem respeito: ● à formação docente; ● aos estudos sobre bilinguismo e multilinguismo; ● ao multiculturalismo nas relações sociais; ● à produção de materiais didáticos; ● aos tradutores e intérpretes; ● ao processo de alfabetização e letramento; ● aos trabalhos com gêneros do discurso; ●à análise da conversa; ● à análise do discurso; ● às noções de linguagem e identidade; ● à multimodalidade no texto; ● à relação entre linguagem e mídias digitais; ● ao uso da comunicação nas instituições sociais; ● à políticas linguísticas; ● ao ensino de idiomas com objetivos específicos; ● ao estudo do inglês nas escolas; ● à avaliação de programas de idiomas e de testes de proficiência; ● à aquisição de segunda língua e seus estágios; ● entre outras áreas de interesse. Para dar conta de tantas áreas de interesse, a LA dialoga com outras ciências (Antropologia, Psicologia, Sociologia, Filosofia, Educação etc.) que também se voltam para a linguagem. Isso posto, a LA articula os campos do saber de modo a formar o seu próprio escopo de investigação. Estudar os processos de construção do ato de ensinar e de aprender uma língua é uma das funções da LA. Na verdade, é a área que a LA fez (e faz) mais pesquisas. Tais estudos não focam apenas em criar técnicas e soluções para serem empregadas na sala de aula. Uma das preocupações da LA é analisar como é feita essa abordagem e quais são os problemas oriundos dela no contexto escolar. Sobre isso: Destaca-se como um problema para a Linguística Aplicada entender como as línguas podem ser melhor ensinadas, como os profissionais das línguas podem ser melhor assistidos, como um exame de proficiência pode ser aplicado adequadamente, como um programa bilíngue deve ser avaliado, como o nível de alfabetização deve ser determinado, como a discussão sobre a linguagem de um texto deve proceder, como a aquisição de uma língua deve acontecer, entre outros aspectos relacionados ao ensino da língua materna ou de uma segunda língua. (SILVA, BUCHWEITZ, HAINZENREDER, VIDAL, 2018, p. 16) Essa ligação intrínseca entre a LA e o ensino-aprendizagem de línguas faz com que frequentemente essa ciência seja conceituada como “[...] o estudo da aprendizagem e do ensino de segunda língua ou língua estrangeira” (RICHARDS; SCHMIDT, 2010). Como pôde ser visto, ela não se restringe a isso, porém, por ser o tópico mais recorrente, torna-se viável discutir sobre ele. O ensino e a aprendizagem de línguas já é um lugar certo de investimento das pesquisas em linguística aplicada, um campo garantido de intervenção no qual a atuação é quase exclusiva da Linguística Aplicada. (ROCHA; DAHER, 2015, p. 123) O mundo globalização atual pede o aprendizado de uma segunda língua, como o inglês ou o espanhol, para fins pessoais e, principalmente, profissionais. Contudo, esse processo de aprendizado inclui dificuldades, já que o estudante apresenta uma exposição limitada à segunda língua. Assim, muitas vezes, a proficiência atingida na segunda língua não corresponde àquela obtida na língua materna. Com base nessa reflexão, Silva, Buchweitz, Hainzenreder e Vidal (2018) formulam os seguintes questionamentos: O que é necessário aprender em um segundo idioma? Há algo que não interessa aprender quando estamos aprendendo outra língua, além da língua nativa? O que é necessário para chegarmos ao mesmo grau de conhecimento e proficiência que temos na nossa língua nativa? Por que alguns estudantes conseguem alcançar proficiência no segundo idioma que aprendem, enquanto outros não? Aprender uma segunda língua se torna fácil se trabalhadas hipóteses para entender as regras da língua inglesa, por exemplo? (SILVA, BUCHWEITZ, HAINZENREDER, VIDAL, 2018, p. 68). Existem muitas perguntas a serem respondidas sobre o processo de aquisição de uma segunda língua (ASL). Para formular uma reflexão sobre esse assunto, a LA adota diferentes abordagens, sendo que cada uma tem seus conceitos e métodos analíticos. Porém, antes de se estudar as principais teorias, modelos e hipóteses acerca do processo de Aquisição de Segunda Língua, é importante fazer uma introdução mais aprofundada a esse assunto. Para tanto, a próxima unidade trará alguns conceitos que orbitam o campo da ASL. SAIBA MAIS Toda ciência tem a tarefa de responder às necessidades da sociedade. Então, qual é a contribuição da ciência Linguística Aplicada para a sociedade? Afirmamos que a LA é responsiva à vida social, pois busca falar à vida contemporânea sobre o mundo como se apresenta e atender às necessidades da sociedade que se relacionam a questões de linguagem, com o objetivo de melhorar a qualidade dos seus relacionamentos sociais das pessoas para que passem a desfrutar de uma melhor qualidade de vida. Podemos dizer que a LA procura dar um retorno à sociedade de duas maneiras: A LA procura dar um retorno à sociedade quando se centra em identificar, compreender e interferir em questões de conflito comunicativo em situações concretas de interação social. Como por exemplo, como a mídia constrói um determinado entendimento da masculinidade, fazendo circular certas verdades sobre o que é ser homem; ou como a mídia e a lei constroem o estupro, os estupradores e as vítimas de estupro, e de que forma essas verdades influenciam o modo como a sociedade vê os crimes de violência sexual; ou ainda como a violência doméstica contra a mulher, veiculada seja pela mídia, pela lei ou pela família, exerce uma forte influência na forma como agressores e vítimas são tratados, ou por fim, como os discursos judiciais constroem e reforçam noções do senso comum sobre as formas corretas e aceitáveis de comportamento social e sexual das mulheres. A LA também busca responder às necessidades da sociedade quando auxilia um profissional, por exemplo, na preparação de um programa ou material de ensino de língua materna ou estrangeira; na resolução de problemas de bilinguismo (uso de duas línguas ao mesmo tempo); na investigação sobre o uso de estrangeirismos de origem inglesa no português do Brasil; na tradução literária e técnica; na tradução e legendagem de filmes; no trabalho com a linguagem de sinais (Libras); na discussão sobre política e planejamento educacional; no entendimento dos processos de aquisição de língua; no desenvolvimento de programas de formação de professores; na elaboração de programas para combater o analfabetismo; nas questões relativas ao processo de ensino-aprendizagem de línguas; na elaboração de dicionários e glossários; ou ainda quando trata de relações profissionais, buscando auxiliar no tratamento verbal na relação empregador/empregado. (BIAZI; DIAS, 2007, p. 3 e 4). #SAIBA MAIS# REFLITA Linguística Aplicada, para mim, nada mais é do que pensar a linguagem no âmbito da vida cotidiana que nós estamos levando. Não fazendo grandes elucubrações. Daí, a diferença entre a linguística dita teórica e a linguística aplicada. É pensar, não como se pensou durante muito tempo: levar a teoria para a vida prática. Mais que isso, é usar a prática como próprio palco de criação de reflexões teóricas, ou seja, neste âmbito, teoria e prática não são coisas diferentes. A teoria é relevante para a prática porque é concebida dentro da prática. (RAJAGOPALAN, 2011, apud SILVA; SANTOS; JUSTINA, 2012, p. 76). #REFLITA# CONSIDERAÇÕES FINAIS Prezado(a) aluno(a), nesta unidade, você pôde conhecer a Linguística Aplicada, a partir de sua conceituação, características, objeto de estudo, origem, percurso histórico e principais áreas de interesse. No capítulo 1, foi possível analisar como a LA é compreendida no campo dos estudos da linguagem, por meio das implicações dessa ciência nas interações verbais oriundas da comunicação social; da interdisciplinaridade como característica essencial da LA; e de seu trajeto de pesquisa. No capítulo 2, você conheceu um pouco mais sobre a linguagem - objeto de investigação da LA. Em seguida, no capítulo 3, pôde-se averiguar o percurso histórico traçado pela LA até se consolidar como ciênciaautônoma. Essa retomada se deu não apenas no âmbito global, como também no brasileiro. Em razão da LA buscar historicamente a sua independência em relação à Linguística, no capítulo 4, fez-se uma diferenciação dessas duas ciências, as quais, embora tratem da linguagem, apresentam interesses investigativos próprios. Por fim, no capítulo 5, foram apresentadas algumas áreas de estudo da LA, de modo a mostrar a você, caro leitor, o quão rica e importante é essa ciência para a compreensão de tantos problemas relacionados ao uso da linguagem em diferentes esferas sociais. Espero que essas informações tenham instigado o seu interesse pela Linguística Aplicada. Na próxima unidade, centraremos o nosso olhar no processo de aquisição de segunda língua (ASL), temática extremamente abordada nas pesquisas de LA. Vamos juntos! LEITURA COMPLEMENTAR BIAZI, T. M. D.; DIAS, L. C. F. O que é linguística aplicada. Anais da Universidade em foco: o caminho das humanidades. Paraná: UNICENTRO, 2007. CAVALCANTI, M. C. A propósito de linguística aplicada. Trabalhos em linguística aplicada, Campinas, SP, v. 7, 1986. CUNHA, G. R. S.; RANGEL, P. L. N. Linguística aplicada: construção de uma identidade própria. Anais do XXII Congresso Nacional de Linguística e Filologia. Cadernos do CNLF, vol. XXII, n. 03, Textos Completos. Rio de Janeiro: CIFEFIL. Disponível em: http://www.filologia.org.br/xxii_cnlf/cnlf/tomo01/044.pdf. Acesso em: 22. set. 2021. DE ALMEIDA FILHO, J. C. P. Maneiras de compreender linguística aplicada. Revista Letras,UFSM, Rio Grande do Sul, n. 2, p. 4-10, 1991. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/letras/article/viewFile/11407/6882. Acesso em: 22. set. 2021. KUMARAVADIVELU, B. A linguística aplicada na era da globalização. Por uma linguística aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola, p. 129-148, 2006. MULIK, K. B. Linguística Aplicada: diálogos contemporâneos. Curitiba: InterSaberes, v. 1, 2019. Disponível em: https://plataforma.bvirtual.com.br/Leitor/Publicacao/169750/pdf/0. Acesso em: 22. set. 2021. SILVA, D.C.F.; BUCHWEITZ, M.; HAINZENREDER, L. S.; VIDAL, A. G. Linguística Aplicada ao Ensino do Inglês. Porto Alegre: SAGAH, 2018. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788595025530/. Acesso em: 22. set. 2021. SCHMITZ, J. R. Linguística aplicada e o ensino de línguas estrangeiras no Brasil. ALFA: Revista de Linguística, Campinas, v. 36, 1992. SILVA, K. A. da; SANTOS, L. I. S; JUSTINA, O. D. Entrevista com Kanavillil Rajagopalan: ponderações sobre linguística aplicada, política linguística e ensino-aprendizagem. Revista de Letras Norte@ mentos, UNEMAT, Mato Grosso, v. 4, n. 8, 2012. LIVRO 1 • Título: Linguística Aplicada ao Ensino do Inglês • Autores: Dayse Cristina Ferreira da Silva [et al.] • Editora: SAGAH EDUCAÇÃO S.A. • Ano de publicação: 2018. • Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788595025530/pageid/ 10. • Sinopse: A primeira parte deste livro aborda aspectos conceituais da Linguística Aplicada (LA) em um breve histórico sobre o seu surgimento como disciplina, ramificada a partir da Linguística Geral. Na segunda parte, o leitor é convidado a refletir sobre questões referentes à aquisição de segunda língua, levando em consideração a noção de erro compreendida sob a perspectiva da LA. Na terceira parte, destacam-se as questões de interlíngua e o papel do aprendiz na aquisição de segunda língua. Ao final, o livro traz reflexões sobre o papel do professor na aquisição e a importância da educação continuada, bem como sobre as motivações e desafios na formação desse profissional. LIVRO 2 • Título: Linguística Aplicada: diálogos contemporâneos • Autora: Katia Bruginski Mulik • Editora: INTERSABERES. • Ano de publicação: 2019. • Disponível em: https://plataforma.bvirtual.com.br/Leitor/Publicacao/169750/pdf/0. • Sinopse: Nas últimas décadas, a Linguística Aplicada (LA) tem ganhado forte destaque no cenário nacional e internacional. Basta olhar para os programas de congressos, simpósios e especializações para perceber que, cada vez mais, a academia tem se dedicado a discutir problemas concernentes a essa área. Assim, nosso objetivo nesta obra é apresentar os fundamentos teóricos que sustentam a LA e mostrar os principais enfoques que costumam ser explorados nesse contexto. Acompanhe-nos neste estudo e descubra você também os motivos pelos quais a LA tem chamado tanta a atenção de pesquisadores na atualidade. FILME/VÍDEO • Título: O que é Linguística Aplicada? • Canal: O que é • Ano: 2021. • Sinopse: O que é Linguística Aplicada? A linguística aplicada é um campo particular de exploração linguística que não só estuda a linguística de forma teórica, mas também examina como a linguagem tem um impacto real na sociedade e na vida das pessoas. • Link: https://www.youtube.com/watch?v=67aOGx-vevc REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DE LINGUÍSTICA APLICADA. O que é AILA?. Theaterstrasse: Alemanha, 2021. 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Objetivos de Aprendizagem: • Conceituar e contextualizar a Primeira e Segunda Línguas; • Compreender a definição de Língua Estrangeira e Segunda Língua; • Estabelecer a importância da Aquisição e do Aprendizado de Línguas; • Explicitar a análise contrastiva, a análise de erros e o processo de transferência; • Descrever a interlíngua e a fossilização. INTRODUÇÃO Prezado(a) aluno(a), esta unidade tem por objetivo introduzi-lo ao processo de Aquisição de Segunda Língua (ASL). Para tanto, você se deparará com os principais conceitos que sustentam esse processo e perceberá que a aquisição de uma segunda língua bem como o ato de ensinar e de aprender uma língua estrangeira são bastante árduos. Abordar conceitos linguísticos por meio do pensamento de diversos autores propicia a quem o faz (e a quem o lê) clareza sobre questões de suma relevância no âmbito de nossos estudos. Isto posto, entendemos que a definição das terminologias usadas na ASL é importante porque há no uso de cada nomenclatura um significado que lhe é próprio. Nesse sentido, a introdução de novos conceitos nos possibilita dar um passo adiante nas reflexões da LA. Hoje em dia, é natural que as pessoas queiram aprender um idioma, seja por razões pessoais ou profissionais. O inglês, o espanhol e o mandarim são as línguas mais desejadas pelos brasileiros e as mais procuradas pelo mercado de trabalho, em virtude das influências da globalização e de suas relevâncias políticas e econômicas. Como se aprende primeiro a língua materna antes de uma língua estrangeira, a primeira influencia muito na aquisição da segunda. Ao estudar a linguagem como prática social nesse contexto de ASL, nota-se que problemas podem surgir, já que cada língua tem suas particularidades e o processo de aquisição e ensino-aprendizagem não se dão da mesma forma para todos os sujeitos. Assim sendo, a unidade 2 discutirá alguns conceitos-chave sobre os processos de aquisição de segunda língua e aprendizagem de língua estrangeira. Bons estudos! 1 PRIMEIRA LÍNGUA, SEGUNDA LÍNGUA E LÍNGUA ESTRANGEIRA Imagem do Tópico: ID da foto stock livre de direitos: 1818291203 A aquisição da Primeira Língua, ou da Língua Materna, trata-se de um fator identitário de suma importância para a formação do conhecimento de https://www.shutterstock.com/pt/photos mundo e da capacidade de interação social do falante, dado que, em conjunto com a competência linguística, são construídos valores individuais e coletivos. Nesse sentido, a Língua materna “é a língua que se constitui a identidade pessoal, regional, étnica e cultural da pessoa” (MAIA, 2009, p. 20). Assim: A língua materna é uma língua que se adquire sem aprendê-la, uma língua-reflexa, uma fala abundante, invasora, que vem do interior ... das entranhas e que será falada, em consequência, sem vigilância metalinguística, sem que o falante calibre ou controle conscientemente os efetivos discursos categoriais de sua fala. (WALD, 1989, p. 95 e 96) Ao falarmos sobre a Primeira Língua (L1), estamos normalmente nos referindo à primeira língua que aprendemos em casa com nossos pais e com a comunidade da qual fazemos parte. Contudo, fatores internos e externos à língua podem condicionar essa conceituação, dado que existem crianças bilíngues, cujos pais apresentam uma língua na comunicação de suas casas e a comunidade se vale da outra. Assim, se a criança adquire essas duas línguas simultaneamente, ambas funcionarão como L1. Para exemplificar isso, iremos parafrasear os exemplos de Spinassé (2006). Para tanto, considere uma criança que nasceu nos Estados Unidos da América e vive lá com sua mãe e seu pai, que são, respectivamente, brasileira e argentino. Se essa criança se comunica com seus pais ora em português ora em espanhol; e, na escolinha, usa diariamente o inglês com seus amigos, essa criança possui três línguas maternas. Veja, por meio dessa explicação, que para caracterizarmos a Língua Materna, é preciso considerarmos as motivas intra e extralinguísticas, como a língua da mãe, a língua do pai, a língua dos outros familiares, a língua da comunidade, a língua adquirida por primeiro, a língua com a qual se estabelece uma relação afetiva, a língua do dia- a-dia, a língua predominante na sociedade, a de melhor status para o indivíduo, a que ele melhor domina, língua com a qual ele se sente mais à vontade... Todos esses são aspectos decisivos para definir uma L1 como tal. (SPINASSÉ, 2006, p. 5) Supondo agora que a criança usada na exemplificação se mudou para o Japão com 6 anos de idade e adquiriu o japonês para se comunicar e interagir socialmente, nota-se que o japonês seria a sua Segunda Língua (L2). Segundo Spinassé (2006), o processo de aquisição da L2 ocorre quando o sujeito já domina parcial ou integralmente a(s) sua(s) L1. A autora salienta ainda que as línguas adquiridas ainda cedo são definidas como L1, desde que desempenhem funções sociais de Língua Materna. Com base nisso, se a criança que aprendeu o japonês como L2 morar muitos anos no Japão, isto é, se a língua desempenha mais do que um papel de integração social e se torna uma língua diária, importante para se viver, detentora de características identitárias, e o indivíduo a domina como um nativo –, embora tenha havido originalmente um processo de aquisição de L2, temos agora um caso de língua materna. Ou seja, o status de uma língua pode, ocasionalmente, se modificar. (SPINASSÉ, 2006, p. 5 e 6) É válido destacar ainda que o termo Segunda Língua pode designar não exclusivamente uma segunda, já que pode ter uma terceira, uma quarta, e assim por diante. Assim, “segunda” está para “outra que não a primeira (a materna)”.É oportuno diferenciarmos também o conceito de Língua Estrangeira (LE) e Segunda Língua (L2). Para tanto, faz-se uma revisão dos conceitos a partir de alguns pesquisadores na área. Segundo Littlewood (1999, p. 02), “a segunda língua tem uma função social dentro da comunidade onde ela é aprendida, e a língua estrangeira é aprendida primeiramente para um contato fora da própria comunidade”. Revuz (1998, p. 215), por sua vez, entende que a “língua estrangeira é, por definição, uma segunda língua, aprendida depois e tendo como referência uma primeira língua, aquela da primeira infância”. Griffin (2011) entende a segunda língua como sendo aquela aprendida por razões instrumentais ou extrínsecas, como, por exemplo, uma pessoa que mudou de país e precisa da nova língua para sobreviver. Já a língua estrangeira é entendida pelo autor como aquela aprendida por motivos intrínsecos, seja por gosto ou por viagens esporádicas e estudos. Já para Maia (2009, p. 21), a língua estrangeira é um termo empregado “para a aprendizagem de outra língua que não é falada geralmente fora da sala de aula, ou seja, não é falada no país onde se estuda essa língua”. Maia (2009) exemplifica a LE a partir da língua inglesa ensinada no Brasil. Em contrapartida, para a autora, a segunda língua pode ser definida com base em dois conceitos. “A L2 pode se referir à aquisição da língua que é falada no país por um estudante estrangeiro. O termo L2 também pode se referir a uma segunda ou terceira língua que coexiste com outra língua também nativa do mesmo país” (MAIA, 2009, p. 21). Para Spinassé (2006, p. 6), a L2 “é uma não-primeira-língua que é adquirida sob a necessidade de comunicação e dentro de um processo de socialização”. De modo que o processo de aquisição de uma segunda língua ocorra, é preciso haver um contato mais intenso com a nova língua, fazendo com que a comunicação e a integração/interação social sejam peças cruciais nesse desenvolvimento. Por outro lado, no processo de aprendizado de LE não se firma um contato tão intenso com a mesma. Há, portanto, uma preocupação social menos aprofundada. Sobre isso, a autora afirma que: A aquisição de uma Segunda Língua e a aquisição de uma Língua Estrangeira (LE) se assemelham no fato de serem desenvolvidas por indivíduos que já possuem habilidades linguísticas de fala, isto é, por alguém que possui outros pressupostos cognitivos e de organização do pensamento que aqueles usados para a aquisição da L1. Uma diferenciação entre essas duas formas de aquisição de língua não-materna baseia- se fundamentalmente no já citado papel ou função da SL na cultura do falante. Do contrário, no processo de aprendizado de uma LE não se estabelece um contato tão grande ou tão intenso com a mesma. A grande diferença é que a LE não serve necessariamente à comunicação e, a partir disso, não é fundamental para a integração, enquanto a SL desempenha um papel até mesmo vital numa sociedade. (SPINASSÉ, 2006, p. 6) Nota-se assim que, na aquisição de uma L2, exige-se uma maior competência e uma maior performance do sujeito, dado que o meio social e as situações comunicativas de interação solicitam isso. Entretanto, o indivíduo que está aprendendo uma LE geralmente não atinge esse nível de proficiência, pois não vê uma necessidade social e, até mesmo, vital, para tanto. Ao refletir sobre essas considerações, percebe-se que a categorização de uma língua diz respeito à forma como ela foi adquirida (quando, em qual circunstância, com qual importância etc.). Não existe, nesse sentido, uma regra para a diferenciação entre Primeira Língua, Segunda Língua e Língua Estrangeira. O que é importante, na verdade, diz respeito ao uso dessa língua nas diferentes relações e situações sociais. 2 AQUISIÇÃO E APRENDIZADO DE LÍNGUAS Imagem do Tópico: ID da ilustração stock livre de direitos: 339642275 Ao discorrer sobre a língua, Cardona (2006, p. 3) diz que ela “é o elemento primário na vida de uma comunidade, é o instrumento fundamental da interação entre homem e homem e é impossível imaginar um grupo social que não se sirva pelo menos de uma variedade linguística nos seus intercâmbios quotidianos”. Com base nos estudos de Krashen (1985), Maia (2009, p. 23) conceitua o processo de aquisição como sendo “subconsciente idêntico ao processo que a criança utiliza ao aprender sua LM”. Assim, compreende a aquisição de uma língua como sendo fruto de um processo natural de interação, em que a língua é empregada em situações comunicativas significativas. Para a autora, a aquisição se dá em ambiente informal. Comparando conceitos, pode-se assemelhar a aquisição à aprendizagem informal, a qual se dá fora da sala de https://www.shutterstock.com/pt/search/illustrations aula, de forma espontânea e com exposição do sujeito a usos reais da língua- alvo. Maia (2009, p. 24) define a aprendizagem como “um processo consciente que resulta em saber sobre a língua sobre ela”. A autora entende assim a aprendizagem como resultado das trocas em sala de aula, onde há mais preocupação com a forma em detrimento do uso. Essa aprendizagem se dá em ambientes formais, com o auxílio de materiais didáticos para a absorção de regras. A autora declara ainda que “tanto o processo de aquisição como o processo de aprendizagem representam dois sistemas de interiorização do conhecimento da língua que se coadunam com o contexto em que ele ocorre”. (MAIA, 2009, p. 24) Como foi possível observar, Maia (2009) se vale das nomenclaturas de Krashen (1981), correlacionando “consciente” para a aprendizagem e “subconsciente” para a aquisição. Santos Gargallo (2010, p. 19), por sua vez, adota o termo “inconsciente” para a aquisição, explicando que “é um processo espontâneo e inconsciente de internalização de regras como consequência do uso natural da linguagem com fins comunicativos e sem atenção expressa à forma”. Em contrapartida, usa a mesma terminologia para a aprendizagem, alegando que ela seria “consciente”, já que “é um processo consciente que se produz através da instrução formal na aula e implica um conhecimento explícito da língua como sistema” (SANTOS GARGALLO, 2010, p. 19). Eckert (2015) cita Vez Jeremías (2004), afirmando que: a) enquanto a L1 se adquire espontaneamente, o aprendizado da L2 é controlado e organizado; b) na aprendizagem da L2, não há tanta retenção de dados na memória; c) o reforço que ocorre na L1 é primário, isto é, com nomes de alimentos, jogos do dia a dia, etc., enquanto o reforço da L2 é secundário, ou seja, fatos sobre a aula, relações culturais e até questões internacionais; d) existe uma maior exposição à L1; logo, o falante adquire mais a entonação, o ritmo e os sons típicos. Na L2, o tempo de exposição é, geralmente, reduzido; e) na L1, o que se adquire antes é a estrutura profunda, enquanto na L2 é a estrutura superficial. (ECKERT, 2015, p. 23) Com o objetivo de diferenciar a aquisição da aprendizagem, Santos Gargallo (2010) traz alguns critérios, os quais foram organizados por Eckert e Frosi (2015, p. 203): Figura 4: Critérios de diferenciação Fonte: ECKERT, K.; FROSI, V. M. Aquisição e aprendizagem de línguas estrangeiras: princípios teóricos e conceitos-chave. Revista Domínios da Lingu@gem. UFU: Minas Gerais, 2015, p. 203. Segundo Griffin (2011), embora exista uma dificuldade em definir o processo de aquisição de línguas, todo homem nasce com a capacidade inata de adquirir uma língua. Quando pensamos nos motivos que fazem uma pessoa querer aprender uma segunda língua, a autora cita dois: Existem pessoas que devem aprender uma segunda língua por obrigação para poder sobreviver em uma comunidade linguística diferente da sua própria origem; e pessoas que, pelo desejo de poder viajar, melhoram sua situação, trabalho ou simplesmente por interesseintelectual (GRIFFIN, 2011, p. 19). Com base nessas considerações, pode-se compreender que a aquisição está vinculada a processos de desenvolvimento biológico ou naturais, enquanto a aprendizagem relaciona-se com a escolarização por meio de regras gramaticais, por exemplo. Sobre essas questões, Marotta (2004) declara que: Enquanto a aquisição é processo que diz respeito exclusivamente às crianças, a aprendizagem pode envolver tanto crianças quanto adultos; em segundo lugar, enquanto toda criança dotada de inteligência normal está em condições de adquirir uma completa competência da própria L1, num tempo relativamente breve, não todos aqueles que tencionam aprender uma L2, especialmente se forem adultos, conseguem atingir um bom grau de conhecimento de estruturas da L2, com frequência, independentemente do grau de inteligência, ou do nível cultural individual (MAROTTA, 2004, p. 18) Assim, nota-se que a aquisição muitas vezes vincula-se à L1, enquanto a aprendizagem diz respeito à L2. Veja o quadro abaixo, em que Eckert e Frosi (2015) sintetizam as ideias de Martín Martín (2004) sobre isso. Figura 5: Aquisição de L1 X Aprendizagem de L2 Fonte: ECKERT, K.; FROSI, V. M. Aquisição e aprendizagem de línguas estrangeiras: princípios teóricos e conceitos-chave. Revista Domínios da Lingu@gem. UFU: Minas Gerais, 2015, p. 205. Martín Martín (2004) entende que a aprendizagem de L2 é influenciada por alguns fatores, os quais dizem respeito a: (a) Fatores externos ao indivíduo - input, relacionamento com o ambiente, contexto e situação de aprendizagem, etc.-; Esses fatores são a primeira causa da variabilidade em termos da taxa de aprendizagem e do grau de abordagem da fala do nativo que pode ser alcançado; (b) Fatores internos: língua materna, conhecimento do mundo, conhecimento linguístico; e (c) Fatores individuais: idade, personalidade, inteligência, etc. (MARTÍN MARTÍN, 2004, p. 268). Nesse viés, no caso do processo de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras, os estudantes e professores atuam em um contexto sócio-histórico e a situação de aprendizagem de línguas molda uma prática social. Indo um pouco além, devemos nos concentrar nos estudos de Krashen (1981), para o qual: O significado de aquisição é ampliado à aprendizagem de uma L2, que ocorre de maneira similar à forma como uma criança aprende a sua L1, ou seja, por contato direto e de forma espontânea. Assim, a aprendizagem de uma L2 está relacionada ao estudo formal, que ocorre, geralmente, numa sala de aula, com um professor, com exercícios gramaticais e comunicativos que visem a fomentar o domínio e a conversação em L2 (ECKERT; FROSI, 2015, p. 202) Além da aquisição e da aprendizagem, pode-se também refletir sobre as outras hipóteses de Krashen (1985), as quais dizem respeito à: ● i) hipótese da ordem natural, em que “a aquisição de estruturas gramaticais acontece numa ordem previsível e que os indivíduos internalizam certas estruturas gramaticais mais cedo e outras mais tarde, e também que a ordem em que se adquirem as regras da L2 não é a mesma da L1” (MAIA, 2009, p. 24); ● ii) hipótese do monitor, em que a aquisição e a aprendizagem são empregadas de modo específico, de modo que a aquisição faz com que os aprendizes se comuniquem de forma espontânea, natural, sem consciência e sem referência a regras, o que contribui para a sua fluência. A aprendizagem, por sua vez, se dá em contextos institucionalizados, onde “a função do monitor é de autocorreção, de fiscal, que leva os aprendizes a fazerem mudanças nos enunciados, quando for necessário” (MAIA, 2009, p. 24); ● iii) hipótese do filtro afetivo, que vincula os fatores afetivos ao processo de aprendizagem de L2, de modo que “o indivíduo deve estar aberto para receber o input, esteja com o filtro afetivo baixo, isto é, motivado, com pouca ansiedade e sem bloqueios para aprender a L2, pois somente um input compreensível não é suficiente para que a aprendizagem aconteça” (MAIA, 2009, p. 24); ● iv) hipótese do input, ilustrada pela fórmula (i+1), onde “ao se adquirir uma língua, o indivíduo passa por um processo gradual de novas aquisições, passando de um estágio para outro mais adiantado” (MAIA, 2009, p. 24). Para essa última hipótese do input, o sujeito deve receber novos input, os quais devem estar em um patamar além do atual. Tal hipótese defende que “primeiro se adquire os significados e depois os demais elementos presentes na língua” (MAIA, 2009, p. 25). As reflexões concebidas neste capítulo puderam mostrar que ao falarmos sobre uma segunda língua, geralmente estamos nos referindo a um processo de aquisição. A L2 seria “aquela que cumpre uma função social e institucional na comunidade linguística em que se aprende” (SANTOS GARGALLO, 2010, p. 21). Por outro lado, a terminologia língua estrangeira vincula-se a um processo de aprendizagem, o qual normalmente ocorre em sala de aula. É, portanto, “aquela que se aprende em um contexto no qual não tem uma função social e institucional'' (SANTOS GARGALLO, 2010, p. 21). Porém é válido ressaltar que, quando não se quer falar do contexto, usa-se geralmente a L2 como forma de abarcar os conceitos de segunda língua e de língua estrangeira (vide. MARTÍN MARTÍN, 2004). Griffin (2011, apud ECKERT, FROSSI, 2015, p. 209) elabora um quadro com o intuito de explicitar os nomes empregados para fazer referência a línguas aprendidas. Figura 6: L1 e L2 Fonte: ECKERT, K.; FROSI, V. M. Aquisição e aprendizagem de línguas estrangeiras: princípios teóricos e conceitos-chave. Revista Domínios da Lingu@gem. UFU: Minas Gerais, 2015, p. 209. Com base nos conceitos aqui apresentados, sabe-se que nem sempre as definições expressas no quadro funcionam em todos os casos. Porém, essas delimitações geralmente são aceitas quando torna-se necessário explicar a distinção entre L1 e L2. É comum o uso dos termos primeira língua e segunda língua ao se considerar a ordem cronológica em que um sujeito aprende línguas. Ademais, é tratado como sendo comum no campo dos estudos linguísticos a ideia de que os indivíduos sempre serão influenciados por sua primeira língua (L1/Língua Materna). Outrossim, a aprendizagem ou a aquisição de uma segunda ou terceira línguas (L2/Língua Estrangeira) apenas é exequível no confronto das duas línguas em contato. 3 ANÁLISE CONTRASTIVA, ANÁLISE DE ERROS E TRANSFERÊNCIA Imagem do Tópico: ID da foto stock livre de direitos: 1173570004 No capítulo anterior, você observou que o processo de aprendizagem e de aquisição de uma segunda língua é influenciado pela primeira língua (língua materna). Em razão de o estado inicial de aquisição do sujeito aprendiz não ser nulo, dado que ele apresenta uma gramática completa em sua língua materna - com princípios e parâmetros (vide. CHOMSKY, 1992), faz com que, ao aprender uma língua estrangeira, ele use a noção de transferência, a qual o pode levar aos “erros”. Para Richards (1994): A interferência da língua materna é claramente a maior fonte de dificuldade no aprendizado de segunda língua e a análise contrastiva demonstrou a localização das áreas da interferência da interlíngua. (RICHARDS, 1994, p. 182) A Análise Contrastiva (doravante AC) foi criada em 1945 por Charles Fries. Com os anos, foi ampliada e, em 1961, passou por um processo de reclassificação, feito por Roberto Lado. Essa corrente foi bastante influenciada pelo behaviorismo, o qual defendia que a aprendizagem de LE se dava por meio de hábitos, imitações, repetições, estímulos e respostas. Veja: O modelo de Análise Contrastiva (AC) assume como próprio o fenômeno da transferência, filtrado pela Teoria Behaviorista. Assim, vê os processos linguísticos como ‘comportamentosverbais’ e a aquisição da linguagem como produto de uma formação de hábitos, obtida com a ajuda de exaustivos exercícios de repetição e substituição. (DURÃO; CANATO, 2005, p. 4) O modelo de AC foi instituído a partir de três componentes: linguístico, psicológico e pedagógico (DURÃO, 2007). Seu objetivo era o de desvendar os processos interiores de se aprender línguas, por meio da previsão dos prováveis erros dos aprendizes, com o anseio de impedi-los. Outrossim, “pregava que https://www.shutterstock.com/pt/photos fazendo o contraste entre a LM e a LA dos aprendizes de LE seria possível determinar as diferenças e as igualdades entre as duas línguas e, assim, prever as dificuldades e antecipar os erros que os aprendizes viriam a enfrentar durante o processo” (MAIA, 2009, p. 35 e 36). Nesse sentido: Aprender uma LE seria o mesmo que substituir os hábitos da LM por hábitos da LE, posto que (os comportamentalistas) entendiam que a aprendizagem de uma nova língua consistia na capacidade de responder a novos estímulos, criando novos hábitos. Esses pesquisadores, assim como outros contemporâneos seus, acreditavam que a LM interferia na aprendizagem da LE, ocasionando erros que podiam ser evitados com análises contrastivas das línguas envolvidas no processo, já que os erros, naquele momento, eram vistos como algo que indicava a incapacidade para responder corretamente aos novos estímulos. (ANDRADE, 2011, p. 22). A AC foi uma das maiores tendências dentro dos estudos de LA no século XX, já que trouxe uma perspectiva diferenciada para a aprendizagem de LE. Os seguidores do modelo AC acreditavam que se o professor tivesse um conhecimento sistemático das diferenças existentes entre a LM do aluno e a LE objeto de estudo, poderia desenvolver técnicas de instrução e materiais apropriados a fim de evitar a aparição de erros, já que, seguindo esse ponto de vista, o que determina a facilidade ou a dificuldade de aprendizagem de uma LE eram as diferenças existentes entre as estruturas das línguas em questão. (DURÃO, 2004, p. 38) À vista disso, Canato e Durão (2005, p. 4) explicam que “a AC preocupa- se, especialmente, com o contraste científico e descritivo de sistemas de duas ou mais línguas, buscando explicar a interlíngua do aprendiz, predizer erros e criar um método de trabalho que os evite, com base na interferência da LM na Língua alvo”. Contudo, esse modelo sofreu muitas críticas, em especial pelo declínio das ideias estruturalistas e pelo interesse dos estudos cognitivos e o surgimento da ASL. Com o aproveitamento das ideias de Chomsky sobre aquisição de línguas, o modelo de AC sofreu duras críticas (DURÃO, 2007, p. 13-4), tais como os conceitos de competência e performance, aos quais Corder (1967) relaciona erros sistemáticos e erros não sistemáticos, o conceito de competência comunicativa de Hymes (1972, apud DURÃO, 2004b), a ideia de interação provinda da teoria sócio-cognitiva e interacionista de Vygotsky (2009 apud DURÃO, 2004b), as quais não apenas mudaram o cenário das ciências mas também estabelecendo o modelo de AE. A partir de Corder (1967 apud DURÃO, 2004b) esse novo modelo passou a servir de respaldo para abordagens de ensino diferenciadas de LE, superando algumas limitações da AC. No contexto das AE mudou-se a visão que se tinha de erro, isto é, passou-se a entender o erro não como indicativo de fracasso, mas como índice de aprendizagem. (DURÃO, SCHARDOSIM, 2011, p. 4) Com base na observação desses equívocos, alguns estudiosos na área entendem que a AC foi dividida em duas versões: i) a mais fraca, também chamada de Análise de Erros (doravante AE), a qual era “usada para esclarecer os erros que realmente ocorrem, sem a tentativa de prever quais realmente ocorrerão” (MAIA, 2009, p. 36); ii) a mais forte, conhecida como AC, em que “a transferência linguística é a base para prever quais modelos e padrões da LA serão os mais aprendidos e quais serão mais preocupantes” (MAIA, 2009, p. 36). Desse modo, contrariando a AC, a qual defendia que os erros se restringiam à influência da língua materna, a AE, por sua vez, surgiu para mostrar que os erros advém de diversas causas. A AE originou-se na década de 70, nos Estados Unidos, em especial, a partir dos estudos de Corder (1967). Esse modelo foi fortemente influenciado pelas teorias de Chomsky (1978), que questionava o behaviorismo e as ideias de Skinner sobre o processo de aquisição de línguas. Com a AE, “o aprendizado é vinculado ao sistema cognitivo e passou a existir uma perspectiva mais tolerante para o tratamento dos erros” (MAIA, 2009, p. 37). Ademais, ao descobrir e classificar os erros dos aprendizes pode-se elaborar um quadro com os traços da língua que dificultam a aprendizagem, de modo a superá-los. A AE tem como objetivo a investigação, dentro das quatro habilidades linguísticas, da origem dos erros dos aprendizes de uma LE, suas consequências e como superá-los, como forma de ajudá-los no aprendizado dessa língua e conscientizá-los sobre a sua importância, além de dar aos educadores informações sobre o que está acontecendo e como anda a aprendizagem, porque, além de fazerem parte do processo de ensino/aprendizagem de LE, eles também indicam possíveis dificuldades que os aprendizes enfrentam. (MAIA, 2009, p. 38) Ellis (1999) comenta que os passos a serem seguidos pela AE devem perpassar a coleta de dados da linguagem, o reconhecimento dos erros no corpus de análise, a descrição dos erros, a explicação das possíveis causas, e a avaliação dos erros. Todos esses passos seguem a premissa de que a transferência linguística ocorre quando o aprendiz de uma LE se baseia em sua LM para respaldar seu processo de aprendizagem na língua alvo. De acordo com a AE, a LM é uma das fontes de erro no aprendizado da LE. Esse fenômeno ocorre quando os aprendizes identificam elementos entre as línguas, a LM e a LE, não notando que há diferenças, considerando tudo igual, causando erros nas suas hipóteses na LE e interferindo na aprendizagem da LE. (MAIA, 2009, p. 55) “Quanto maior a proximidade tipológica entre a LM e a LE/A, maior será a facilidade com a qual o aluno realiza essas transferências” (SANTOS, 2018, p. 32). Na AE, há, portanto, uma necessidade de se estudar os impactos que as semelhanças e as diferenças existentes na LM e na LE ou L2, visto que as semelhanças convertem-se em transferências positivas e as diferenças acarretam interferências (transferências negativas). Segundo Durão (2005, p. 98 e 99), a transferência linguística “não é um ato mecânico, mas, como um fenômeno de caráter cognitivo, que exige comparação e reflexão sobre as línguas em presença por parte dos aprendizes”. Assim, é preciso que o professor se prepare para mediar esse processo, já que a AE “preocupa-se em analisar os erros produzidos por aprendizes, explicá-los, e buscar maneiras de trabalho que permitam o desenvolvimento da LE” (DURÃO; CANATO, 2005, p. 5 e 6). A transferência da LM é um dos principais tópicos de pesquisa da ASL, dado que “o aprendiz usa sua experiência prévia da língua materna como meio de organizar os dados da segunda língua” (LITTLEWOOD, 2001, p. 25). Para Maia (2009): Quando os aprendizes de uma LE passam formas da LM para a LA porque são iguais revelam o uso de estratégias de aprendizagem. Esse processo de incorporação de “empréstimos” da LM, de aproveitamento de habilidades linguísticas prévias é chamado de “transferência”. A transferência se dá quando há semelhança entre itens da LM e da LE e os aprendizes os transferem. (MAIA, 2009, p. 52) O processo de transferência é inevitável, dado que os conhecimentos não são apagados, pelo contrário, perduram. É nesse sentido uma aplicação aparente de regras da LM na língua alvo (Selinker, 1975). Essa aplicação pode ser positiva ou negativa, já que “a transferênciaé a influência resultante das semelhanças e diferenças entre a língua em estudo e qualquer outra língua previamente (e talvez imperfeitamente) adquirida” (ODLIN, 1989, p. 27). Nesse sentido, a “aprendizagem prévia do aluno afeta a aprendizagem seguinte, de maneira positiva quando o novo domínio coincide com o aprendido anteriormente e de maneira negativa quando se opõe” (NEMSER, 1971, apud LICERAS, 1991, p. 58). No processo de aquisição ou de aprendizagem, os aprendizes inevitavelmente reconhecem que existem fatores potencialmente transferíveis e outros potencialmente não transferíveis. A partir dos estudos de Ellis (1994), Jarvis (2000) propõe que há algumas predisposições capazes de promover ou inibir a transferência, as quais são elencadas por Percegona (2005): Idade; personalidade, motivação e atitude; background social, educacional e cultural; background de outras línguas aprendidas (L1s e L2s); tipo e quantidade de exposição à língua em estudo; proficiência na língua em estudo; distância entre a L1 e a L2; e tipos de tarefas e área de uso da língua. O autor esclarece que a ordem em que os fatores estão listados não indica sua relativa importância, mas que todas estas variáveis são relevantes em uma análise sobre a influência da L1. (PERCEGONA, 2005, p. 34) Todos esses fatores influenciam o processo de transferência, o qual pode ser positivo ou negativo. A transferência positiva é aquela em que a LM facilita o processo de aquisição e/ou aprendizagem de uma LE, isto é, ocorre quando existem semelhanças entre as duas línguas, tornando a assimilação mais fácil. “A transferência positiva refere-se ao uso automático da estrutura da LM no desempenho da LE, quando as estruturas em ambas as línguas são as mesmas, resultando em declarações corretas” (DULAY; BURT; KRASHEN, 1982, p. 97). Para Maia (2009), a transferência positiva pode ocorrer quando há semelhança entre vocabulário, sistemas vocálicos, sistemas de escrita, estrutura sintática etc. Quando isso acontece, há um processo de facilitação da aprendizagem. Os aprendizes sentem mais facilidade com as estruturas semelhantes e mais dificuldade com as que se diferenciam. Desse modo, a transferência negativa é denominada também de interferência ou estudos dos erros. A interferência “leva aos erros no aprendizado da LE podendo prejudicar o desenvolvimento da interlíngua dos aprendizes” (MAIA, 2009, p. 56). Durante o behaviorismo, a interferência era tida como conotação negativa, contudo, com a modernidade, percebeu-se que as dificuldades são necessárias e inevitáveis no processo de ensino-aprendizagem. Vale destacar ainda que: Estudos indicam que algumas formas mal aplicadas da LM na LE poderão permanecer no insumo dos aprendizes causando a fossilização dos erros. O grau de interferência da LM pode ser grande ou pequeno, dependendo do modelo de desempenho a que eles estão expostos. Se esse modelo não for autêntico, eles assimilarão erros que caracterizam a interlíngua que é definida como a língua dos aprendizes por Davis (1989) e Selinker (1972). (MAIA, 2009, p. 56) Ao longo processo de ensino e aprendizagem de uma LE, professores e alunos se aproximam de uma situação linguística em formação, a chamada Interlíngua (IL) (SELINKER, 1972), a qual se refere a um estágio transitório de aprendizagem, isto é, uma língua em construção. Citando Romero Guillemas (2004, p. 10), na situação definir em poucas palavras cada um dos modelos, há de se atentar ao fato de que o mais fácil é afirmar superficialmente que a AC prediz os erros; que a AE os cataloga e a Interlíngua os localiza cronologicamente na história de aprendizagem do aluno. Segundo essa autora, o mais adequado é pensar na LC1 como um processo contínuo que transita por etapas complementares e cada uma delas oferece a informação suficiente para que o aluno possa avançar. (SANTOS, 2018, p. 35) A IL possibilita uma análise de erros própria (Durão, 2004), portanto, torna-se importante contemplá-la. No próximo capítulo, você conhecerá a interlíngua e a fossilização, a qual caminham praticamente juntas. 1 LC = Linguística Contrastiva. 4 INTERLÍNGUA E FOSSILIZAÇÃO Imagem do Tópico: ID da foto stock livre de direitos: 1745938655 O termo interlíngua (doravante IL) foi criado pelo linguista americano Larry Selinker em 1972, para designar o sistema linguístico intermediário entre a primeira língua e a língua alvo de aprendizes de L2. De acordo com Baralo Ottonello (2004, apud DURÃO; SCHARDOSIM, 2011, p. 4), “a interlíngua é um sistema linguístico independente, com sistematicidade e caráter transitório, que evolui, tornando-se cada vez mais complexo”. Trata-se, portanto, de um processo de transição, um continuum único e inevitável. Esse continuum é ilustrado por uma metáfora: a de uma passarela (ponte para pedestres), mas não necessariamente retilínea e uniforme. Por ser uma passagem, não depende https://www.shutterstock.com/pt/photos somente do caminho, e sim dos outros fatores envolvidos, como o tempo, as línguas envolvidas, as pessoas, o contexto. (BECKHAUSER; SCHARDOSIM, 2011, p. 32) Ao trabalhar com a interlíngua, engloba-se os conceitos de transferência, fossilização, permeabilidade, variabilidade, e estratégias de aprendizagem. Durão (2004) acrescenta ainda o fenômeno plateau, que se dá no momento em que os aprendizes deixam de alavancar sua produção por acharem que estão em um nível suficiente de comunicação, o que pode produzir fossilizações. Fernández (2007) resume a interlíngua como uma etapa obrigatória na aprendizagem de uma LE. Ela é um sistema interiorizado que evolui, tornando-se cada vez mais complexo. É um sistema diferente da língua materna e da língua alvo, embora se apresente como uma mistura das duas. Possui duas características contraditórias: a sistematicidade e a variabilidade. É sistemática no sentido de que, como em toda língua, pode-se encontrar nela um conjunto de regras de caráter linguístico e sociolinguístico que são, em parte, coincidentes com a língua-alvo e em parte não. É variável pelo fato de que, em cada estágio, as produções dos alunos obedecem a mecanismos e hipóteses sistemáticos, só que essa sistematicidade é variável, porque as hipóteses vão sendo reestruturadas. (ALVAREZ, 2002, p. 3) Andrade (2004, apud SANTOS, 2018, p. 34), por sua vez, compreende a Interlíngua como “um produto linguístico sistemático que os aprendizes de línguas não nativos constroem em cada etapa de desenvolvimento do idioma estudado.” Contudo, de acordo com o mesmo autor, esse termo também pode se referir ao “sistema que permite a observação das diferentes etapas de aprendizagem dos estudantes de línguas não nativas; e ao sistema utilizado como meio de comunicação entre aprendizes, ou entre aprendizes e professores de uma determinada língua estrangeira” (ANDRADE, 2004, apud SANTOS, 2018, p. 34). Isto posto, Corder estabelece que o fenômeno da interlíngua se refere a um sistema interlinguístico do qual o aprendiz faz uso, e em que aparecem tanto as reduções como as simplificações do código da LE. Corder expõe, ainda, que o aluno de uma LE utiliza um reduzido número de palavras gramaticais, utiliza estruturas sintáticas simples e um léxico altamente polissêmico. Portanto, nesta perspectiva o objetivo do pesquisador deve ser o de identificar e analisar as expressões idiossincráticas produzidas pelos alunos, buscando a explicação de sua produção. Segundo Corder, existem quatro etapas da interlíngua na análise de erros. A primeira é a pré-sistemática, caracterizada por ser uma etapa inicial de experimentação da língua, em que se constroem hipóteses de acordo com os dados a que se tem acesso. Na segunda etapa, a emergente, há o início do discernimento e assimilação de regras da LE; todavia, emborapossua um conhecimento linguístico, o aprendiz ainda não consegue corrigir os próprios erros. Na terceira, denominada etapa sistemática, o aprendiz é capaz de se corrigir quando os erros são apontados por outras pessoas, revelando, assim, um conhecimento mais estruturado da língua. A etapa final, denominada etapa de estabilização, caracteriza-se pela ocorrência de poucos erros na produção do aprendiz, não havendo a necessidade da retroalimentação. Nessa fase, o aprendiz se autocorrige. (ROCHA; ROBLES, 2017, p. 647) Isso nos mostra que a interlíngua é a transição que se dá no processo de assimilação da LE. Sua conceituação não pertence nem à LM e nem à LE. Trata- se de um sistema independente, carregado de avanços, retrocessos, instabilidades e fossilizações. Ellis (1997, apud PERCEGONA, 2005, p. 5 e 6) declara que o conceito de interlíngua engloba as seguintes proposições acerca do processo de aquisição de L2: 1. O aprendiz constrói um sistema de regras linguísticas abstratas que norteiam a compreensão e produção da L2. Este sistema de regras é visto como uma "gramática mental" e é referido como uma "interlíngua"; 2. A gramática do aprendiz é permeável. O que significa que as regras, que constituem o conhecimento de um aprendiz em qualquer estágio, não estão fixadas, mas sim abertas às influências externas (através do insumo). 3. A gramática do aprendiz é transicional. O aprendiz muda sua gramática de tempos em tempos, acrescentando regras, deletando outras e reestruturando o sistema todo. Isto resulta em um processo chamado de interlanguage continuum. Isto é, o aluno constrói uma série de gramáticas mentais ou interlínguas quando gradualmente aumenta a complexidade de seu conhecimento da L2; 4. Há duas hipóteses sobre o sistema de IL. A primeira é que o sistema que o aprendiz constrói contém regras variáveis, ou seja, regras que funcionam em um contexto, mas em outros não. A segunda é que o sistema de interlíngua é homogêneo e que a variabilidade reflete os erros que os aprendizes cometem quando tentam usar seus conhecimentos para se comunicar. A premissa de que os sistemas de interlíngua são variáveis é, porém, discutível. Corder (1978) citado por Moita Lopes (1996, p.115), por exemplo, "trata as ILs como contínuas, isto é, elas estão constantemente passando por mudança. O autor sugere que as ILs, assim como qualquer sistema linguístico real, não- idealizado, podem ser descritas por meio de regras variáveis"; 5. O aprendiz empreende várias "estratégias de aprendizagem" (grifo do autor) para desenvolver sua interlíngua. Os diferentes tipos de erros que ele comete refletem diferentes estratégias de aprendizado, por exemplo, erros de omissão sugerem que ele está de alguma forma simplificando a tarefa de aprender, ignorando fatores gramaticais que ele não está preparado para processar. Por outro lado, erros de generalização e transferência também podem ser vistos como evidência de estratégia de aprendizado; 6. A gramática do aprendiz é passível de uma fossilização. A fossilização refere-se aos erros e desvios no uso da língua estrangeira, internalizados e difíceis de serem eliminados. (ELLIS, 1997, apud PERCEGONA, 2005, p. 5 e 6) Mediante Weinreich (1953), uma vez que aspectos da interlíngua perdem seu caráter transitório e se tornam permanentes, surge a fossilização de determinadas estruturas. Sobre a fossilização, pode-se afirmar que: A fossilização é um dos processos pelo qual a interlíngua do aprendiz pode passar, seria como um caso de transferência que se torna permanente de uma regra ou conjunto de regras não existentes na LE. Formas de LM que são erroneamente identificadas como formas equivalentes da LE, e assim transferidas ficam estabilizadas e eventualmente se fossilizam, mas pensa-se que tal processo seja irreversível. (SELINKER, apud MAIA, 2009, p. 58) Maia (2009, p. 58) compreende a fossilização como “a transferência de formas linguísticas incorretas, que se tornam permanentes no uso da L2”. Segundo a autora, essas formas tidas como errôneas são internalizadas, se repetem e são difíceis de serem eliminadas por causa da interferência. A fossilização geralmente denota a recorrência, durante o desempenho da L2, de uma forma que não é somente desviada da forma correta da língua em estudo, mas também "inalterável/imutável", não importando o grau de exposição ao qual o aprendiz se encontra, mesmo sendo ele falante fluente da L2. Esse fenômeno é distinto da "estabilização", que é um estágio no sistema de interlíngua do aprendiz que precede a fossilização e é caracterizada por todos os fatores desta última, exceto por seu caráter imutável. Em outras palavras, enquanto uma forma desviada estabilizada pode ainda ser corrigível, uma forma fossilizada, não. (PERCEGONA, 2005, p. 8) Selinker (1972) declara que cerca de 5% dos aprendizes constroem a mesma gramática mental de um falante nativo, sendo a fossilização própria apenas da L2. Segundo o autor, esse é um dos pontos mais relevantes da descrição de interlíngua, dado que a fossilização, compreendida como o reaparecimento de estruturas linguísticas da L2 que supostamente foram erradicadas, se dá quando os aprendizes acreditam que já atingiram um nível suficiente na L2, deixando de se atentarem aos erros, que nem sempre inibem a comunicação. De acordo com Maia (2009, p. 59), “fatores como a idade, o acesso à GU, o filtro afetivo, o tipo de aprendizado, o discurso apresentado pelo educador, a qualidade e quantidade de insumo recebido e alguns fatores sociais ou pessoais dos aprendizes, também podem ser causas da fossilização”. Esta por sua vez pode se dar em nível morfossintático, semântico-lexical, fonético-fonológico. Percebe-se assim que os interesses, os comportamentos, o processo de aprendizagem/aquisição e as estratégias adotadas influenciam na fossilização dos erros, a qual pode ocorrer quando o aprendiz “tem sua atenção voltada para um tema intelectual novo ou difícil, está ansioso ou excitado, está muito relaxado, fica sem falar a língua durante algum tempo” (SELINKER, 1972, apud MAIA, 2009, p. 59). Por fim, Santos Gargallo (1993, apud ANDRADE, 2011, p. 37), por sua vez, define a fossilização “como um fenômeno linguístico que faz com que se mantenham, de maneira inconsciente e persistente, características da língua materna na interlíngua do estudante”. Assim sendo, compreender e identificar as causas da fossilização podem fazer com que professores de LE construam formas de evitar que os alunos fossilizem seus erros, e assim aprimorem o processo de ensino-aprendizagem. SAIBA MAIS Ainda nos anos 60, Selinker iniciou um reconceito de transferência dentro de um quadro cognitivo no qual os alunos se baseiam na sua L1 para formar hipóteses da interlíngua. Eles não constroem regras sem um conhecimento prévio, mas trabalham com qualquer informação à sua disposição e isto inclui seus conhecimentos da L1. De acordo com esta visão, a transferência não é uma "interferência", mas um processo cognitivo. O sentido da transferência é amplamente abordado nos estudos de Selinker, principalmente quando ele trata da fossilização. De acordo com o autor, no aprendizado de uma L2, a linha condutora é a língua materna. Ao levantar questões sobre a ocorrência da transferência e da fossilização, Selinker (1992, p.238) sugere a criação de uma teoria de aquisição de ASL e estudo da IL que dê conta de prever o fenômeno da transferência, respondendo assim às questões de quando ela ocorre e o que realmente é transferido de uma língua para outra. Richards (1985) afirma que, atualmente, a transferência não é vista como uma manifestação de incapacidade do aluno de resistir às normas da L1, mas sim como uma interação no processo de desenvolvimento da L2. (PERCEGONA, 2005, p. 40). #SAIBA MAIS#REFLITA Quando aprendemos uma língua, estudamos as regras dessa língua, mas, antes de formalizar esse entendimento, temos esse conhecimento de nossa própria língua materna. A aquisição da segunda língua é um processo que consiste em aprender uma língua depois de já saber um idioma. Para aprender a língua inglesa como segunda língua, por exemplo, é necessária certa exposição, ou seja, aprender e vivenciar. A motivação para aprender um segundo idioma é diferente para cada estudante. Essa motivação leva a pessoa a querer aprender mais ou somente o necessário, como a gramática, por exemplo. Se um estudante tem interesse em aprender inglês porque quer estudar em uma universidade nos Estados Unidos, sua motivação e dedicação são direcionadas a fazer desse estudante uma pessoa mais proficiente na língua inglesa. Em vez disso, se um brasileiro precisa estudar uma segunda língua porque está cursando um mestrado, sua motivação e dedicação serão exclusivamente aplicadas para passar em um teste de proficiência com o qual possa obter o certificado de mestre. Esses são apenas dois exemplos que podem ilustrar a necessidade de alguém de estudar uma segunda língua para se tornar um proficiente ou para fazer apenas um exame de proficiência. Para se tornar proficiente, é necessário aprender a se comunicar, conversar, perguntar, responder, saber as palavras que são usadas em ocasiões diferentes, combinando- as. Para fazer uma prova de proficiência, o entendimento da língua formal é fundamental porque, para esse tipo de exame, o conhecimento das regras e normas, além do conhecimento sobre a aplicação das regras gramaticais e sobre como usar esse idioma para se comunicar, serão exigidos. Há muitas outras motivações ou, talvez, nenhuma motivação, e o interesse de cada pessoa em estudar um segundo idioma é diferente. (SILVA, BUCHWEITZ, HAINZENREDER, VIDAL, 2018, p. 68 e 69) #REFLITA# CONSIDERAÇÕES FINAIS Prezado(a) aluno(a), nesta unidade, você pôde conhecer alguns conceitos que o introduziram ao universo da ASL. Por meio dos pressupostos teóricos de diversos autores, no capítulo 1, foi possível compreender o que se entende por Primeira Língua, Segunda Língua e Língua Estrangeira no campo da Linguística Aplicada. Além disso, no capítulo 2, pôde-se evidenciar as semelhanças e diferenças existentes nos processos de Aquisição e de Aprendizado de Línguas. Viu-se, com base nas conceituações, que há uma complexidade em se classificar as línguas e os processos, já que são influenciados por fatores intra e extralinguísticos. No capítulo 3, contextualizamos, explicitamos e conceituamos os modelos de Análise Contrastiva, Análise de Erros e Transferência. Para tanto, pautamo- nos em estudiosos que investigaram esses modelos a partir da época, dos objetivos e dos alcances que tiveram no âmbito dos estudos da ASL. Por fim, no capítulo 4, descrevemos a interlíngua e a fossilização, de modo a mostrar que a fossilização é um dos processos pelo qual a interlíngua do aprendiz pode passar. Espero que os conteúdos apresentados tenham despertado ainda mais o seu interesse pela Linguística Aplicada, em especial, pelos processos de Aquisição de Segunda Língua e de Ensino-Aprendizagem de Línguas Estrangeiras. Na próxima unidade, discutiremos o processo de ASL, a partir das teorias, hipóteses e modelos elencados por Paiva (2014). Vamos juntos! LEITURA COMPLEMENTAR DURÃO, A. B. A. B.i; SCHARDOSIM, C. R. Análise de erros na interlíngua escrita observada em uma sala de aula de espanhol como língua estrangeira. Anais do XIII Simpósio Nacional de Letras e Linguística e III Simpósio Internacional de Letras e Linguística, v.2, n.2, Uberlândia: EDUFU, 2011. ECKERT, K. O uso do artigo neutro 'lo' por aprendizes de espanhol como língua estrangeira: uma questão de língua e leitura. 2015. Tese (Doutorado em Letras). - ASSOCIAÇÃO AMPLA UCS/UniRitter, Caxias do Sul. ECKERT, K.; FROSI, V. M. Aquisição e aprendizagem de línguas estrangeiras: princípios teóricos e conceitos-chave. Revista Domínios de Lingu@gem, Minas Gerais, v. 9, n. 1, p. 198-216, 2015. MAIA, A. M. B. Os erros de interlíngua na produção escrita da LE (inglês): um estudo com alunos do ensino médio de uma escola pública do Distrito Federal. 2009. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade de Brasília – UnB. PERCEGONA, M. S. A fossilização no processo de aquisição de segunda língua. 2005. Dissertação (Mestrado em Letras) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2005. SANTOS, C. G. A Linguística Contrastiva como aliada nas aulas de língua estrangeira / adicional da Educação Básica. 2018. 180 f. Dissertação (Mestrado em Estudos da Linguagem) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2018. SPINASSÉ, K. P. Os conceitos Língua Materna, Segunda Língua e Língua Estrangeira e os falantes de línguas alóctones minoritárias no Sul do Brasil. Revista Contingentia, UFRGS, Rio Grande do Sul, v. 1, n. 1, 2006. LIVRO • Título: Segunda língua: Aquisição e conhecimento • Autor: Ricardo Augusto de Souza. • Editora: Parábola Editorial • Sinopse: Qual é a natureza do conhecimento linguístico que se instala na mente de um aprendiz de segunda língua e de que maneiras tal natureza pode se relacionar com os limites das habilidades alcançadas? Quais fatores internos do aprendiz modulam o que se aprende em uma segunda língua? É esse o recorte do livro Segunda língua: aquisição e conhecimento. Aqui nos ocuparemos em discutir o que vem sendo pensado sobre esse tema desde a década de 1960, quando se inicia a história dos estudos acerca da segunda língua dentro dos estudos de cognição humana. Assim, este livro se dedica principalmente a resgatar hipóteses sobre o lugar da segunda língua na arquitetura mental humana e sobre a razão pela qual as possíveis explicações das habilidades do falante de segunda língua, assim como possivelmente do próprio conhecimento linguístico que dá suporte a tais habilidades, variam por vezes de modo tão díspar das habilidades e do conhecimento linguístico do falante nativo de uma língua. Que esta lhes seja uma leitura informativa, instigante e inspiradora! FILME/VÍDEO • Título: Rod Ellis • Canal: Abralin. • Ano: 2021. • Sinopse: Uma breve história da ASL: de onde viemos e para onde estamos indo? O estudo de como as pessoas aprendem línguas tem uma longa história, mas se tornou uma subárea identificável da Linguística Aplicada na década de 1960, impulsionada por dois artigos seminais (Corder, 1967; Selinker, 1970), que motivaram intensa investigação empírica. As primeiras pesquisas se concentraram em investigar a ordem e a sequência da aquisição de L2, levando ao trabalho sobre a variabilidade na linguagem do aluno e repensando o papel da L1. Posteriormente, os pesquisadores voltaram-se para o papel de input e interação, aprendizagem implícita e explícita e a importância da consciência na aprendizagem de línguas. Nesse estágio, a ASL era predominantemente um empreendimento cognitivo-interacionista direcionado a explicar como os alunos adquirem a gramática. No entanto, a década de 1990 viu uma virada social na ASL. Houve maior ênfase no contexto social de aprendizagem, na identidade social dos alunos e em diferentes aspectos da linguagem. A ASL sociocultural se tornou uma grande influência nessa época. Mais recentemente, os lados cognitivo e social da ASL se aproximaram por meio da investigação dos sistemas dinâmicos complexos dos alunos. Conforme a ASL evoluiu, podemos ver uma mudança nos motivos para investigar a aquisição de L2. Nas fases iniciais, os pesquisadores de ASL estavam interessados em melhorar o ensino de línguas. Nas fases posteriores, a ASL se tornou menos aplicada e mais puramente acadêmica, voltada para contribuir com a nossa compreensãoda linguagem e da mente humana. Ilustrarei como essa mudança ocorreu por meio de uma análise dos periódicos que publicam pesquisas de ASL e sugerirei que essa é uma das razões pelas quais os professores estão cada vez mais céticos em relação a SLA como uma fonte útil de informação sobre pedagogia. • Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=t7sH76PmsPU&t=109s REFERÊNCIAS ALVAREZ, M. L. O. 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Vanessa Leme Fadel Steinhauser Plano de Estudo: • Teoria behaviorista-estrutural; • Modelo do monitor, hipótese do input ou da compreensão; • Modelo da aculturação; • Modelo da gramática universal; • Modelo conexionista; • Hipótese da interação; • Hipótese do output ou da lingualização; • Teoria sociocultural; • Aquisição de segunda língua na perspectiva da complexidade. Objetivos de Aprendizagem: • Conceituar e contextualizar as principais teorias, modelos e hipóteses que englobam a Aquisição de Segunda Língua; • Refletir sobre a importância das principais teorias, modelos e hipóteses que englobam a Aquisição de Segunda Língua. INTRODUÇÃO Prezado(a) aluno(a), nesta unidade, você conhecerá as principais teorias, hipóteses e modelos do processo de aquisição de segunda língua. Para realizar esse estudo, utilizaremos os pressupostos teóricos organizados por Paiva (2014) em seu livro “Aquisição de segunda língua”. Faz-se uso desta obra em razão da autora explicar as teorias com base no contexto brasileiro, em que muitos aprendizes têm baixo contato com a segunda língua. Assim, a autora fornece um panorama das teorias mais conhecidas nessa área de pesquisa, a partir de uma contextualização com histórias reais de aprendizagem de línguas, as quais podem ser contempladas a partir da leitura do livro na íntegra, o qual consta como leitura complementar. Paiva (2014) nos mostra que, embora nenhumateoria isolada explique como aprendemos uma segunda língua, todas devem ser estudadas, já que cada uma traz uma consideração importante sobre o fenômeno de ASL e, juntas, podem nos ajudar a compreender esse complexo campo de investigação da Linguística Aplicada. Nesse sentido, com base nos relevantes estudos de Paiva (2014), espera-se que essa unidade traga a você, aluno do curso de Letras, a possibilidade de explorar as pesquisas em ASL. Bons estudos! 1 TEORIA BEHAVIORISTA-ESTRUTURAL Imagem do Tópico: ID do vetor stock livre de direitos: 1917084476 A teoria behaviorista-estrutural (behaviorista/empirista) teve sua origem influenciada pela psicologia behaviorista (Watson, 1930; Skinner, 1957) e a linguística estrutural (Bloomfield, 1933). De acordo com Paiva (2014), essa teoria foi dominante nas duas décadas subsequentes à Segunda Guerra Mundial. Embora não traga uma fórmula para a teoria da aquisição, fornece princípios e orientações que merecem ser explicados. Em seu livro, Paiva (2014) faz uma apresentação da psicologia behaviorista, a qual foca em evidências comportamentais, na objetividade e na pesquisa experimental. Para esse modelo, “os comportamentos são explicados em termos de estímulos e respostas” (PAIVA, 2014, p. 13). Segundo a autora, um dos precursores da psicologia behaviorista foi Watson (1930), o qual entendia que a língua era um tipo simples de comportamento, um hábito manipulável; e as respostas verbais são condicionadas a estímulos e hábitos. Ademais, Watson (1930) acreditava que os hábitos eram formados em certos períodos da vida, o que justifica o fato de adultos ao aprenderem uma língua estrangeira terem sotaque. O principal pressuposto da teoria é que a aprendizagem em geral é sinônimo de formação de hábitos e seus princípios são: i) a aprendizagem acontece através da repetição de estímulos, ii) os reforços positivos e negativos têm influência fundamental para a formação dos hábitos desejados, iii) a aprendizagem ocorre melhor se as atividades forem graduadas. (PAIVA, 2014, p. 13). Após discorrer sobre Watson (1930), Paiva (2014) traz os pressupostos de Skinner (1957, p. 107), a partir da seguinte tese: “em todo comportamento verbal sob controle de estímulo há três acontecimentos importantes a serem considerados: um estímulo, uma resposta e um reforço”. Assim, nas palavras de Paiva (2014, p. 14), “uma criança adquire comportamento verbal quando suas vocalizações começam a ser reforçadas ao produzirem consequências em uma dada comunidade verbal”. Skinner identifica seis tipos de comportamento verbal: mano, ordens, regras de polidez, eco (repetições); textual (como a leitura, a transcrição ou cópia, o ditado); intraverbal (ex. respostas em cadeia como, por exemplo, recitar o alfabeto; associações de palavras, tradução; tato https://www.shutterstock.com/pt/vectors (contato) e relação com o público (o ouvinte como condição necessária para que o comportamento ocorra). (PAIVA, 2014, p. 14) Skinner (1992) entende a aprendizagem como fruto de condicionamento operante, que se volta aos comportamentos externos à mente e suscetíveis a observações. Nesse sentido, tem-se que “a aprendizagem é um comportamento observável, adquirido de forma mecânica e automática por meio de estímulos e respostas. Os mecanismos centrais da formação de hábitos são o condicionamento e o reforço” (PAIVA, 2014, p.15). Paiva (2014) lembra ainda que os conceitos de transferência positiva e transferência negativa/interferência (estudados na unidade anterior) advém do behaviorismo, já que os hábitos da primeira língua influenciam na criação de novos hábitos na segunda língua. Outrossim, com base nesses conceitos, surge a linguística contrastiva, que buscava descrever e comparar as línguas no processo de ASL. Dando continuidade, a autora traz algumas considerações sobre o estruturalismo, o qual, segundo Paiva (2014, p. 16), tinha como princípios: “i) a língua é fala e não escrita; ii) a língua é um conjunto de hábitos; iii) ensine a língua e não sobre a língua; iv) a língua é o que os falantes nativos falam e não o que alguém pensa que eles devem falar; v) as línguas são diferentes”. A partir dessas premissas, Lado (1964) explicita qual seria o objetivo de aprender uma língua: Defendemos o objetivo de aprender uma língua estrangeira como a habilidade de usá-la, compreender seus significados e conotação em termos da língua e da cultura alvo, e a habilidade de compreender a fala e a escrita dos nativos da cultura alvo, tanto em termos de seus significados como também de suas grandes ideias e realizações. Essa definição exclui a necessidade de aprender a agir como um nativo, mas inclui a de entender o que o nativo quis dizer quando ele diz e age de uma forma específica. Isso inclui a necessidade de conhecer que interpretação o nativo dará quando lhe é dito que alguém agiu de uma forma específica. (LADO, 1964, p. 25) Lado (1964, p. 32) entende que “aprender uma segunda língua é mais do que aprender sua descrição”, é preciso saber usá-la. De acordo com o autor, a aprendizagem ocorre por meio da experiência e da repetição de hábitos. Para Lado (1964), existem 17 princípios que norteiam a aprendizagem e o ensino de línguas: fala antes da escrita, estruturas básicas, estruturas como hábitos, uso do sistema sonoro, controle de vocabulário, ensino dos problemas, a escrita como representação da fala, estruturas graduadas, prática da língua versus tradução, língua padrão autêntica, prática constante, modelamento das respostas, velocidade e estilo, reforço imediato após a resposta, atitude em relação à cultura alvo, conteúdo, aprendizagem como resultado crucial. Para o autor, esses princípios são constantes, mas existem variáveis. Em relação ao aprendiz, existem variáveis de idade, nível educacional, capacidade, limitações, nível de proficiência, objetivos, background linguístico e cultural. Em relação à escola, devemos considerar os materiais e equipamentos disponíveis e a qualificação do professor. Além disso, ainda há enorme diferença entre contextos nos quais a língua é falada e outros em que há poucas oportunidades de comunicação. (PAIVA, 2014, p. 21) Finalizada a contextualização, Paiva (2014) admite que a teoria behaviorista- estrutural se ampara em duas colunas: a linguística, por compreender a língua como um conjunto de estruturas, e a psicológica, em virtude de analisar a aprendizagem como formação de hábitos automáticos. “Assim, adquirir uma língua é adquirir hábitos linguísticos automáticos e isso é feito através da repetição de estruturas básicas da língua” (PAIVA, 2014, p. 22). Essa teoria sofreu algumas críticas em razão de não considerar os mecanismos internos do aprendiz. Estudos posteriores adotaram uma visão mais mentalista, e mostraram que a língua materna não é a única fonte de erro no processo de aprendizagem. 2 MODELO DO MONITOR, HIPÓTESE DO INPUT OU DA COMPREENSÃO Imagem do Tópico: ID do vetor stock livre de direitos: 1590974218 Ao falarmos sobre o modelo do monitor (hipótese do input ou da compreensão), devemos tratar dos estudos de Krashen, o qual entende que os ambientes formais assim como os informais colaboram com a proficiência linguística, cada qual com suas contribuições. https://www.shutterstock.com/pt/vectors O ambiente informal contribuiria com o insumo necessário para as operações mentais, gerando o intake, ou seja, a absorção do insumo linguístico. Já o ambiente formal, a sala de aula, seria responsável pelo desenvolvimento do monitor, ou seja, um editor da produção linguística que se utiliza do conhecimento consciente da gramática aprendida. (PAIVA, 2014, p. 27), Em seu modelo do monitor, Krashen (1978, p. 1) defende que “o ator da segunda língua pode interiorizar regras da língua-alvopor meio de um dentre dois sistemas: uma forma implícita, denominada aquisição inconsciente da língua, e uma forma explícita, aprendizagem consciente da língua”. O autor postula que a aquisição se dá como a aprendizagem da primeira língua pelas crianças, ou seja, é preciso uma interação espontânea sem preocupação com a forma. A aprendizagem consciente tem êxito somente como monitor. “Ele entende que, na aquisição, a correção explícita de erros não parece relevante, mas que, na aprendizagem consciente, a atenção ao erro pode ajudar” (PAIVA, 2014, p. 28). Krashen (1978, p. 15) defende que “a tarefa central no ensino de línguas é encorajar a aquisição”. Dito isso, Paiva (2014, p. 50) explica que “a condição necessária para que ela aconteça, seja com crianças ou adultos, é o intake [absorção do input], definido por ele como ‘o input linguístico que os aprendizes podem realmente utilizar para a aquisição da língua na sala de aula ou fora dela’”. Ademais, para o uso bem-sucedido do monitor é necessário tempo, foco na forma e conhecimento da regra. Cook (1993) afirma o seguinte sobre o modelo de Krashen: Ele sugere que o conhecimento nos usuários da L2 acontece de duas formas: conhecimento adquirido e aprendido. Tal conhecimento é criado por dois processos separados: “Aquisição”, usando o processo natural de construção interna da mente, e “aprendizagem” usando processos racionais conscientes. O uso da L2 pode envolver um processo distinto de monitoramento que faz com que o conhecimento aprendido influencie os enunciados produzidos pelo conhecimento adquirido. (COOK, 1993, p. 58) Ao abordar o intake (insumo absorvido), Paiva (2014) declara que esta é uma condição essencial para que a aquisição ocorra, já que, nas palavras de Krashen (1981, p. 101), “a principal função da sala de aula de segunda língua é prover intake para a aquisição”. O intake é tido como comunicação natural sequenciada em níveis, o que facilita a aquisição, dado que o foco recai na mensagem e não na forma. Nas ideias de Krashen (1981), atividades como conversação livre, rádio ou TV, podem ser úteis aos estudantes avançados. Exercícios comunicativos podem ajudar nesse processo, uma vez que “se o aprendiz está no estágio i na aquisição da sintaxe, ele pode progredir para o estágio i+1 ao compreender o input naquele nível de complexidade” (KRASHEN, 1981, p. 102 e 103). Em seu livro denominado “Input Hypothesis”, Krashen (1985) discorre sobre sua teoria de aquisição a partir de cinco hipóteses: 1. Hipótese da aquisição-aprendizagem; 2. Hipótese da ordem natural; 3. Hipótese do monitor; 4. Hipótese do input; 5. Hipótese do filtro afetivo. Sobre elas, Paiva (2014) comenta: A hipótese da aquisição-aprendizagem prevê que há duas formas de desenvolver a segunda língua. A primeira é inconsciente, por ele denominada de aquisição, assemelhada ao processo de crianças aprendendo a língua materna. A segunda, denominada de aprendizagem, é consciente e significa o 'saber sobre a língua. A hipótese da ordem natural, inspirada em Corder (1967), prevê que nós adquirimos as regras de uma língua em uma ordem previsível que não depende da ordem como as regras são ensinadas na sala de aula. A hipótese do monitor reforça que nossa habilidade em produzir enunciados em outra língua é fruto de um conhecimento inconsciente e que o conhecimento consciente tem como função o monitoramento. Esse conhecimento consciente serve para editar, ou seja, fazer correções no output antes das produções escritas ou orais. Esse foco na forma visa à precisão gramatical. A hipótese do input postula que adquirimos a língua de uma forma espantosamente simples – quando compreendemos a mensagem. A hipótese prevê que existe apenas uma forma de adquirir a língua: compreendendo mensagens, ou seja, recebendo ‘input compreensível’. O ‘filtro afetivo’ é um bloqueio mental que impede os aprendizes de utilizar plenamente o input compreensível que recebem para a aquisição de língua'. Aprendizes pouco motivados, inseguros, ansiosos e com baixa autoestima teriam um filtro afetivo alto, o que impediria a conexão do input com o DAL. (PAIVA, 2014, p. 32) De modo a sintetizar essas hipóteses, Krashen (1985, p. 4) afirma que: As pessoas só adquirem uma segunda língua se conseguem input compreensível e se seu filtro afetivo estiver baixo o suficiente para permitir a entrada do input. Quando o filtro está 'baixo' e é apresentado input compreensível apropriado (e compreendido), a aquisição é inevitável e o ‘órgão mental' da linguagem funcionará automaticamente como qualquer outro órgão. (KRASHEN, 1985, p. 4) As hipóteses de Krashen receberam muitas críticas, em especial de professores que não aceitavam um modelo que reduzisse a relevância do ensino formal do idioma. Ademais, alguns autores questionaram o modelo por defender construtos em termo de consciência e inconsciência, que não são bem definidos (cf. McLaughlin, 1987) e por não serem empiricamente avaliados (Ellis, 1985). Contudo, embora existam críticas, cada hipótese de Krashen “gerou inúmeros projetos de pesquisa, o que fez com que a área de aquisição de segunda língua avançasse muitos passos à frente, focando a atenção, particularmente, em áreas inexploradas” (GASS; SELINKER, 1994, p. 151). 3 MODELO DA ACULTURAÇÃO Imagem do Tópico: ID do vetor stock livre de direitos: 1808618392 Paiva (2014) traz os pressupostos de Schumann (1978a) sobre o modelo de aculturação, o qual defende que é possível aprender uma língua naturalmente, em contato com seus falantes. Dentre os nove fatores que influenciam a aquisição (a saber: social, afetivo, personalidade, cognitivo, biológico, aptidão, pessoal, instrucional e insumo linguístico), Schumann (1978a) acredita que os mais importantes são o social e o afetivo, os quais poderiam ser unidos em um único fator, denominado de “aculturação”. A aculturação seria “a integração social e psicológica do aprendiz com o grupo da língua-alvo” (SCHUMANN, 1978a, p. 28). Assim sendo, o modelo postula que “a aquisição é fruto da aculturação e que os aprendizes se localizam em um continuum entre mais proximidade e mais distância social e psicológica dos falantes da língua-alvo” (PAIVA, 2014, p. 51). https://www.shutterstock.com/pt/vectors Linton (1963, apud STAUBLE, 1980, p. 43) declara que a aculturação abrange “modificação nas atitudes, conhecimento e comportamento dos indivíduos e essas modificações envolvem não apenas a adição de novos elementos a seu background cultural, mas também a eliminação de elementos prévios e a reorganização de outros”. Nota-se, assim, que a aculturação não se trata apenas de um “ajustamento aos hábitos culturais de outra cultura, mas, também, a apropriação de hábitos linguísticos para funcionar dentro de um grupo linguístico” (LINTON, 1963 apud STAUBLE, 1980, p. 43). O modelo da aculturação abarca uma adaptação social e psicológica. Sobre isso, Paiva (2014) explica que a aculturação é dividida por Schumann em dois tipos: No primeiro, as condições ideais para aquisição são aquelas em que o aprendiz está socialmente integrado ao grupo da segunda língua, o que lhe proporciona contato suficiente para aprendê-la, e psicologicamente aberto para a outra língua, absorvendo o insumo obtido em suas interações sociais. No segundo, além das características do primeiro, o aprendiz vê os falantes da língua-alvo como um grupo de referência e, consciente ou inconscientemente, adota seus valores e estilo de vida. Em sua visão, a adoção de estilos e valores não é condição necessária para uma aquisição bem-sucedida, mas sim o contato social e o psicológico com o grupo da língua-alvo. (PAIVA, 2014, p. 52) Para Schumann (1978), cinco fatores sociais podem beneficiar ou prejudicar o grau de aculturação: padrões de dominação, estratégias de integração, fechamento, coesão e tamanho,congruência e tempo de residência pretendida. Outrossim, como variáveis afetivas, o autor adiciona choque linguístico, choque cultural, motivação e permeabilidade do ego. A hipótese de aculturação postulada por Schumann se constrói na ideia de que “a ASL é apenas um aspecto da aculturação e o grau de aculturação de um aprendiz ao grupo da língua-alvo controlará o grau de aquisição da língua” (PAIVA, 2014, p. 55). Essa hipótese é formada com base no caso de Alberto, cuja explicação encontra-se em Paiva (2014), mas pode ser sintetizado com base na: Na década de setenta, com base em estudos sobre aprendizes de L2 fora de contextos educacionais, Schumann (1978a e 1978b, apud Mitchell e Myles, 1998, Larsen-Freeman e Long, 1994 [1991]) percebeu que a interlíngua que desenvolviam nos estágios iniciais era muito parecida com pidgins, apresentando características como ordem fixa de palavras e ausência de flexões. Ao estudar, por dez semanas, a interlíngua de Alberto, um costarriquenho que trabalhava nos EUA, Schumann (ibidem) observou a produção simultânea da estrutura negativa no + verbo e raras vezes don’t + verbo. Schumann também observou que a formação da pergunta, com a inversão entre sujeito e verbo em perguntas afirmativas / interrogativas, em perguntas iniciadas por pronomes interrogativos, mesmo após sete meses de instrução em L2. Tal fato levou o pesquisador a afirmar que Alberto havia fossilizado, i.e., havia estacionado em um dado estágio de sua interlíngua. Conforme comentam Larsen-Freeman e Long (1994 [1991]), tal fato fez com que Schumann tentasse explicar porque o processo de aquisição de L2 de Alberto era tão limitado, levando-o a postular a Teoria da Aculturação. Schumann (ibidem) observou que o Alberto não apresentava limitações cognitivas; quanto à idade, uma vez que havia aprendizes mais velhos que apresentavam um desempenho linguístico superior. Por isso, ele tentou explicar o que acontecia com Alberto em termos de distância social e psicológica. A distância social é um fenômeno ligado ao grupo que consiste de oito fatores (LARSEN-FREEMAN e LONG, 1994 [1991] 252, 253): [1] dominância social (dominância, não dominância, subordinação) – Alberto era membro de um grupo social (trabalhadores imigrantes latinos) que o tornava subordinado e, consequentemente, distante socialmente, politicamente, culturalmente, tecnicamente do grupo falante da língua alvo; [2] padrão de integração (assimilação, aculturação, preservação) – Alberto era membro de um grupo cujo padrão de integração estava entre preservação da identidade cultural (fator negativo para aquisição de L2) e assimilação à cultura da L2 (fator positivo) ; [3] Fechamento – ele era membro de um grupo que possuía seus próprios clubes, jornais, igrejas, etc., ou seja, que tinha um alto ‘fechamento’; [4] Coesão – ele era membro de um grupo bastante coeso, o que tendia a minimizar o contato com o grupo da língua alvo; [5] Tamanho – ele era membro de um grupo relativamente grande o que levava a facilitar o contato intra-grupo e não inter-grupo; [6] Congruência cultural – seu grupo e o da língua alvo não eram muito congruentes culturalmente, minimizando o contato intergrupal; [7] Atitude- embora difícil de avaliar, as atitudes intergrupo eram neutras a hostis; [8] Tempo pretendido de permanência - a duração da estadia no ambiente da língua alvo era relativamente curto, tornando contato com o grupo da língua alvo menos possível de ser desenvolvido. Já a distância psicológica é um construto que envolve quatro fatores no nível individual (LARSEN-FREEMAN e LONG, 1994 [1991] 253): choque cultural, choque linguístico, motivação e permeabilidade do ego. Segundo Schumann (ibidem) tais “fatores tornam-se importantes nos casos em que um indivíduo é membro de um grupo que não está situado favoravelmente nem negativamente no processo de aquisição de L2”. No caso específico de Alberto - que trabalhava à noite, não fazia esforços no sentido de interagir com falantes de inglês, socializava-se com falantes de espanhol, ouvia músicas em espanhol e nunca ia às aulas de inglês - Schumann acreditava que suas respostas a um questionário proposto pelo pesquisador deixavam transparecer motivação e atitude positivas apenas para agradá-lo. Schumann, na verdade, percebeu que havia a combinação de distância social e de distância psicológica. Acredito que a aparente fossilização de Alberto também parecia dever-se ao fato de que, para ele, bastava o nível de competência comunicativa atingido, uma vez que era suficiente para dar conta de suas necessidades de interação social. Comparando a performance de Alberto a de outros aprendizes, estes em condições iniciais de aquisição de L2, Schumann (1978b apud Larsen-Freeman e Long, 1994 [1991]) chegou à conclusão que os processos subjacentes à pidginização e aos estágios iniciais de aquisição de L2 em ambientes naturalísticos eram idênticos, pois ambos envolviam o desenvolvimento de uma segunda língua para dar conta da função comunicativa ou referencial, deixando de lado as funções integrativa e expressiva. Schumann (apud Mitchell e Myles, 1998:181), então, propõe o “conceito de aculturação como forma de explicar os vários níveis de sucesso atingido por aprendizes de L2 adultos e que não passaram por qualquer instrução”. Assim, a passagem para outros estágios da interlíngua, além da pidginização, dependeria de maior ou menor contato social e psicológico com o grupo da língua alvo. (BEZERRA, 2003, p. 40, 41 e 42). O modelo de Schumann destaca a relevância dos fatores sociais e psicológicos na formação bilíngue, contudo, assim como os outros modelos, a aculturação recebeu críticas, principalmente por focar na integração social e psicológica e desconsiderar outros fatores, não explicando assim a aquisição onde a língua não é falada. Além disso, as críticas se embasaram no fato de o modelo ter sido basicamente formulado a partir de um informante (Alberto), sem considerar que os indivíduos e os fatores são múltiplos no processo de ASL. 4 MODELO DA GRAMÁTICA UNIVERSAL Imagem do Tópico: ID do vetor stock livre de direitos: 1741494746 O modelo da gramática universal (GU) baseia-se na teoria chomskiana, a qual compreende que a linguagem funciona como um órgão humano, de modo que “a faculdade da linguagem parece ser uma ‘propriedade real da espécie’, variando pouco entre os humanos e sem análogos significativos” (CHOMSKY, 2000a, p. 3) Para Chomsky, a linguagem é um dispositivo comum a todos os indivíduos, sendo o estágio inicial do sistema linguístico. Sobre isso, Paiva (2014) afirma que: Esse estágio inicial recebe input da experiência e produz linguagem como output. Chomsky 2000a) explica que o estágio inicial seria uma rede fixa conectada a um painel de distribuição, as chaves são as opções a serem determinadas pela experiência. Se as chaves são ajustadas de uma forma, temos uma língua e, de outra forma, temos outra língua. Cada língua tem uma quantidade de parâmetros, e pequenas mudanças nas configurações podem gerar uma grande variedade aparente de output, pois o efeito prolifera através do sistema. Cada língua resulta da ação recíproca do estado inicial e do curso da experiência. (PAIVA, 2014, p. 72) Paiva (2014) declara que, com base na teoria chomskiana, o modelo da gramática universal se volta para a ideia de que o ser humano é biologicamente provido de um dispositivo de aquisição de linguagem (DAL). Para esse modelo, “todos os falantes, de qualquer língua, possuiriam um conjunto de princípios e parâmetros que modelam a língua” (PAIVA, 2014, p. 75). Para explicar os princípios e parâmetros, a autora diz o seguinte: https://www.shutterstock.com/pt/vectors Um exemplo de princípio fundamental a todas as línguas seria, por exemplo, a dependência da estrutura que afirmaexistir uma relação estrutural entre os elementos de uma frase ou a existência de um sujeito, mesmo que ele não esteja explicitamente representado no enunciado. Os parâmetros determinam a variabilidade linguística, como, por exemplo, o parâmetro pro-drop, que determina se o sujeito deve ou não aparecer no enunciado. Outro exemplo é o parâmetro que determina a posição do núcleo no sintagma. O português, por exemplo, coloca o núcleo no início do enunciado e o japonês, no final. Assim, em português, temos a ordem SVO (sujeito + verbo + objeto), mas em japonês é SOV (sujeito + objeto + verbo). Por exemplo: em português se diz “Onde está...?”. Em japonês, o núcleo, no caso o verbo conjugado 'está', 'desuka', fica no final do enunciado: ...wa doko desuka. Mitchell e Myles (2004: 54), citando Radford (1997: 22), explicam que se a GU informar à criança que as únicas escolhas possíveis para uma língua são o núcleo no início ou no final, ela pode fixar o parâmetro corretamente a partir de um mínimo de experiência linguística. (PAIVA, 2014, p. 75). Mitchell e Myles (2004), por sua vez, entendem que a aquisição de segunda língua é mais complexa, pois os aprendizes já sabem uma língua e suas motivações para aprender uma L2 são distintas. Além disso, não há um consenso dentro do modelo sobre a presença da GU na vida adulta. Alguns autores, como Lightbown e White (1987), acreditam que a dificuldade dos adultos em adquirir uma outra língua se dá em razão da GU não estar mais presente na fase adulta. “O aprendiz de L2 teria que reconfigurar certos parâmetros se as duas línguas diferissem, e falhas nessa tarefa afetariam a qualidade de aquisição” (PAIVA, 2014, p. 79). Baseada em Ellis (1999), a autora sintetiza a abordagem da GU em seis pressupostos: Modularidade (a língua é uma das faculdades da mente); A gramática é um sistema de regras composto por um conjunto de regras e restrições que permitem aos falantes distinguirem o que é ou não gramatical; A pesquisa deve investigar a competência gramatical (uma abstração idealizada) e não a língua em uso; A pobreza dos estímulos nos leva à hipótese da existência de uma GU; A linguagem é um instinto, pois herdamos os universais linguísticos; A aquisição como um conjunto de parâmetros. (PAIVA, 2014, p. 83) Contudo, como pôde ser observado, o modelo da GU não traz uma teoria de ASL, mas várias hipóteses que vêm do gerativismo chomskiano. Além disso, embora exista um consenso de que a ASL e a GU estão relacionadas, não é de comum acordo o papel desempenhado pela GU no processo de aquisição. A teoria chomskiana nunca se propôs a explicar a aquisição de segunda língua. A preocupação de Chomsky nunca foi a aprendizagem, mas sim o que ele chama de língua interna. [...] A teoria chomskiana sempre privilegiou a sintaxe e não tem sido diferente nos estudos sobre aquisição. O modelo da GU desconsidera vários aspectos importantes envolvidos na aquisição. Aspectos linguísticos, como os semânticos e pragmáticos, são ignorados, assim como fatores individuais, como os sociais e afetivos. (PAIVA, 2014, p. 82) Assim sendo, para Paiva (2014), embora as pesquisas com a GU tenham trazido contribuições (assim como os outros modelos já apresentados), os pesquisadores que se baseiam no modelo da GU ficam devendo a explicação da função exata da GU na ASL e a descrição de quais princípios orbitam a ASL. 5 MODELO CONEXIONISTA Imagem do Tópico: ID da foto stock livre de direitos: 1653464644 O modelo conexionista almeja explicar a ASL por meio da cognição (representações mentais e processamento de informação). Para tanto, rejeita a modularidade da linguagem e o inatismo. Segundo Paiva (2014, p. 85), “essas teorias têm como suporte a linguística cognitiva, que vê a língua como fruto de experiência humana (a língua se constrói pelo uso e não por princípios inatos) e não se separa a linguagem dos outros tipos de cognição, como o que envolve a visão, por exemplo”. Existe toda uma perspectiva computacional que fundamenta o conexionismo, como pode ser visualizado a seguir: O conexionismo estuda a mente por uma perspectiva computacional, isto é, tenta descrever o processamento cognitivo à semelhança de um computador - os dados que alimentam a mente (input ou dados de entrada), seu processamento (dados ocultos) e o produto ou output (dados de saída). Mellon (2004) explica que o conexionismo assume que a aprendizagem é uma consequência de conexões repetidas da rede neural e se caracterizaria por mudanças de padrões dessas conexões. Segundo Gasser (1990: 179), "nos modelos conexionistas, todo conhecimento é incorporado a uma rede de unidades de processamento simples através de conexões fortalecidas ou enfraquecidas em resposta às regularidades de padrões de input. (PAIVA, 2014, p. 85 e 86) Tem-se que a aprendizagem é compreendida como o processamento dos dados da experiência, é tida, portanto, como “uma questão de acúmulo progressivo de fortalecimento de associações de input e output” (BIRDSONG, 1999, p. 7). Contrariando o gerativismo, o conexionismo não acredita na hipótese da faculdade inata da linguagem, optando por defender a aprendizagem como fruto de associações entre informações. A ASL é compreendida como “análise distribucional de mapeamentos de forma- função em uma rede neural que tenta satisfazer, simultaneamente, as restrições de todas as outras construções que são representadas” (ELLIS, 2003, p. 95). Paiva (2014) cita Mellon (2004, p. 133) que afirma que, no caso da L2, “as unidades linguísticas e suas https://www.shutterstock.com/pt/photos restrições emergiriam gradualmente em resposta a estruturas recorrentes encontradas no input, em uma forma que é afetada pelas estruturas, significados e restrições da primeira língua”. A pesquisa conexionista em ASL era feita por meio de modelos computacionais inspirados nas redes neurais em processo de aprendizagem. Os neurônios artificiais eram alimentados com input parecido ao recebido pelo homem, e o output era comparado com o comportamento do homem. Um dos modelos conexionistas mais conhecidos foi intitulado “processamento distribuído em paralelo”, o qual compreendia que as informações não eram mantidas em um único local do cérebro, mas sim espalhadas em diversas camadas do cérebro, cumprindo funções linguísticas e não linguísticas. Paiva (2014) traz comentários sobre esse famoso modelo: Em um estudo sobre a aprendizagem do passado verbal, Rumelhart e McClelland (1986) procuram demonstrar que a aprendizagem da primeira língua não se baseia em um sistema de regras inatas, mas na força das conexões entre as unidades de input e output. Eles levantam a hipótese de que, assim como acontece com uma colmeia, a linguagem pode ser explicada por uma regra, mas o mecanismo que produz essa regra não contém nenhuma afirmação sobre essa regra. Assim, um mecanismo sem representação explícita de regras pode processar a língua e fazer julgamentos sobre gramaticalidade. Rumelhart e McClelland (1986) observaram que há uma sequência de três estágios na aquisição do tempo passado por crianças. No estágio 1, as crianças usam poucos verbos no passado, a maioria irregular, e tendem a usar as formas corretas. Eles apresentam um exemplo de uma sequência possível nesse estágio, com sete verbos, sendo que apenas dois deles são regulares: came, got, gave, looked, needed, took e went. No estágio 2, as crianças usam mais verbos, a maioria regular, e isso faz com que eles gerem uma regra para o passado. As crianças tendem a usar o -ed para formar passado com palavras inventadas e até mesmo para verbos que usavam de forma correta no primeiro estágio, gerando, por exemplo, comed /k/md/, em um processo de supergeneralização. No estágio 3, coexistem tanto as formas regulares como as irregulares.Rumelhart e McClelland (1986) desenvolveram um modelo no computador, com base em estruturas associativas, para simular a aprendizagem do passado regular vs. passado irregular em inglês. Eles simularam um modelo, incluindo os três estágios observados na aprendizagem do passado por crianças, e comprovaram que, de forma semelhante às crianças, o sistema aprendeu a morfologia do passado verbal. Eles explicam: ao final da experiência, o computador fez generalizações a partir dos exemplos estocados de forma muito semelhante à aprendizagem do passado por crianças. Nosso modelo, como ocorre com as crianças, mostra, mais tarde na aprendizagem, uma proporção relativamente maior de passado regular |- ed). Como os aprendizes de inglês, algumas vezes, geram formas do passado para verbos novos que demonstram sensibilidade tanto às sub- regularidades do inglês quanto às maiores regularidades. Assim, o passado de cring pode algumas vezes aparecer como crang ou crung. Resumindo, nosso modelo de aprendizagem dá conta de todas as principais características da aquisição da morfologia do passado em inglês (p. 266). Os autores entendem que o sistema consegue generalizar porque as associações são armazenadas na rede e a sobreposição de estruturas semelhantes atua como reforço mútuo, fazendo com que essas regularidades possibilitem a generalização. Além disso, o sistema é capaz de responder adequadamente tanto aos mesmos verbos do treinamento quanto a verbos não vistos antes. Segundo Rumelhart e McClelland (1986:267), “a rede meramente reflete as estatísticas das representações características das formas verbais". Em síntese, o PPD defende que a aprendizagem tem por base o processamento do input e que seus resultados dependem do fortalecimento ou enfraquecimento das conexões em redes neurais complexas em função da frequência de estímulos e respostas. Ao contrário da linearidade do behaviorismo, o conexionismo prevê que vários processamentos podem acontecer de forma paralela ou simultânea e o conhecimento é distribuído entre as várias interconexões. Assim, as atividades de aprendizagem não se realizam em etapas sequenciadas, mas de forma paralela, acontecendo simultaneamente em vários locais do cérebro. (PAIVA, 2014, p. 91 e 92) O conexionismo recebeu críticas por não haver uma teoria de ASL que englobe não só os aspectos sintáticos e lexicais, mas todas as dimensões. Ademais, um outro ponto debatido foi a inexistência de representações linguísticas complexas no modelo, bem como a limitação de evidências empíricas. Uma outra crítica se deu em razão da semelhança com o behaviorismo, por não dar atenção aos aspectos internos e motivacionais. Contudo, mesmo com as críticas, esse modelo trouxe contribuições significativas, a exemplo de sua percepção de que a união das experiências com práticas sociais fortalece as associações é essencial para gerar aquisição. 6 HIPÓTESE DA INTERAÇÃO Imagem do Tópico: ID do vetor stock livre de direitos: 1906997185 https://www.shutterstock.com/pt/vectors A hipótese da interação contraria a hipótese do input de que a língua se aprende apenas ouvindo. Paiva (2014) declara que essa hipótese tem como nomes destaques Michael Long (1996) e Hatch (1978). Hatch (1978) defendia que a aquisição não parte da estrutura para o discurso, mas o inverso. “Aprende-se como conversar, como interagir verbalmente, e dessa interação se desenvolvem as estruturas sintáticas” (HATCH, 1978, p. 404). Segundo o autor, assim como no processo de aquisição de língua materna, o aprendiz de L2 emprega estratégias de interação conversacional, como chamar a atenção, engajar o interlocutor no tópico da conversa e, nela, adquirir a sintaxe. Para explicar isso, Paiva (2014) declara que, quando adulto, o aprendiz tem dificuldade em reconhecer o tópico conversacional, por isso: O aprendiz de L2, quando em interação com o falante da outra língua, se vale de repetições, reparos (correção ou reconstrução da fala), pedidos de repetição e de esclarecimento. Ele se vale também de elementos do contexto e de gestos. [...] após identificar o tópico da conversa, o aprendiz pode usar seu conhecimento de mundo e do discurso em sua própria língua para prever a continuidade da conversa e assim tentar se engajar na interação. (PAIVA, 2014, p. 100) Para estudar esse processo, Hatch (1978) propõe que mais dados sejam analisados, de modo a transcrever não só a citação, mas também o contexto, com pausa, entonação, gestões, enfim, o discurso. Long (1996), por sua vez, postula que “os aprendizes de língua precisam ser participantes ativos quando recebem input, pois ouvir apenas novas estruturas linguísticas não é suficiente para a aprendizagem bem-sucedida de uma língua” (PAIVA, 2014, p. 101 e 102). Assim, sua hipótese de interação inclui a hipótese do input e a do output. Em seus estudos, Long (1996) mostra que em conversas de falantes nativos com não nativos há quantitativamente mais estratégias conversacionais, reiterando os esforços comunicativos no processo de aquisição e de interação. Para o autor, nessas conversas os falantes nativos dão feedbacks aos aprendizes, mostrando os erros e oferecendo explicações. As contribuições do ambiente para a aquisição são mediadas pela atenção seletiva e pelo desenvolvimento pelo aprendiz da capacidade de processamento da L2 [...] esses recursos são reunidos de forma mais produtiva, mas não exclusivamente, durante a negociação de sentido, Feedback negativo obtido durante o trabalho de negociação ou em outro momento pode facilitar o desenvolvimento da L2 - pelo menos para vocabulário, morfologia, aspectos sintáticos específicos - e essencial para aprender certos contrastes específicos das L1 e L2 (LONG, 1996, 414). A hipótese da interação entende então que o input é essencial para a aquisição de LE e as alterações da estrutura conversacional por meio das negociações interativas tornam o input mais claro ao aprendiz. E sobre isso, a hipótese recebeu críticas, em especial por Ellis (1991), que declara que, embora o input compreensível ajude a aquisição, não é nem necessário e nem suficiente. Ademais, as alterações no input pelo processo de negociação só tornarão a aquisição possível quando os aprendizes entenderem o input, identifiquem os novos aspectos do input e comparem com o output. Apesar de ser um consenso a ideia de que a interação é importante para aquisição, sabe-se que a interação não está só no processo de aquisição. Outros fatores relevantes considerados pelas demais teorias também merecem destaque. 7 HIPÓTESE DO OUTPUT OU DA LINGUALIZAÇÃO Imagem do Tópico: ID da foto stock livre de direitos: 1486695746 Ao falarmos sobre a hipótese do output ou da lingualização, devemos nos recorrer aos estudos de Swain (1985, 1995, 2005), que defende a importância do output compreensível no processo de aquisição. Segundo a autora, “o papel das trocas interacionais na aquisição de segunda língua pode ter tanto a ver com ‘output compreensível’ como com ‘input compreensível” (SWAIN, 1985, p. 236). https://www.shutterstock.com/pt/photos Paiva (2014) explica que a definição de output nessa hipótese não está voltada apenas ao resultado/produto da ASL, mas ao processo de aprendizagem. Em seus estudos, Swain (2005) relata que o input compreensível não é suficiente para a aquisição. É preciso maior oportunidade de uso da L2 no dia a dia dos aprendizes, de modo com que haja interação e negociações de sentido. Assim, Swain (2005) defende a necessidade do output: Krashen (1981b) sugere que o único papel do output é gerar input compreensível. Mas penso que há papéis para o output na aquisição de segunda língua independentes do input compreensível. Um estudante do 9º ano me contou o que acontece quando ele usa o francês: "Eu entendo tudo o que qualquer pessoa me diz,e posso ouvir na minha cabeça como eu deveria falar, mas nunca sai daquela forma' (estudante de imersão, comunicação pessoal, novembro de 1980). Em outras palavras, uma função do output é fornecer oportunidade para alguém fazer uso significativo de seus recursos linguísticos. (SWAIN, 2005, p. 248) Nesse sentido, Paiva (2014, p. 115) acrescenta que, para Swain (2005), “se aprende a falar falando e que o significado de ‘negociação de sentido’ deve ir além do sentido simples de ‘transmitir uma mensagem’, para incluir a ideia de transmitir uma mensagem de forma coerente e apropriada”. Na visão de Swain (2005), o output pode colaborar com a criação de hipóteses e fazer com que o aprendiz transite do processamento semântico ao sintático. Ademais, a produção na língua-alvo aumenta a fluência em razão de proporcionar a percepção; oportunizar o teste de hipóteses sobre compreensão e forma linguística, gerando feedback; proporcionar a reflexão da função metalinguística. Para Swain (2000), [...] é o diálogo que constrói o conhecimento linguístico. É o que permite que o desempenho supere a competência. É onde o uso da língua e a aprendizagem da língua ocorrem simultaneamente. É o uso da língua mediando a aprendizagem da língua. É atividade cognitiva e é atividade social. (SWAIN, 2000, p. 97) Paiva (2014) comenta que Swain (2000) concorda com as críticas ao uso da nomenclatura “output”, de modo a posteriormente substituir essa terminologia por “lingualização”, a qual seria “um processo sem fim e dinâmico de uso da língua para produção de sentido” (SWAIN, 2006, p. 96), um “processo de produção de sentido e de criação de conhecimento e de experiência através da linguagem” (SWAIN, 2006, p. 98). Sobre as críticas, apesar dos estudos na área não terem conclusões definitivas, e por essa razão receberem críticas, é evidente a contribuição da negociação na aprendizagem de L2/LE. Krashen (1998) critica a hipótese alegando que a insistência na fala gera desconforto nos aprendizes. Ademais, Paiva (2014), lembra que é possível também ocorrer uma aprendizagem individual com a ajuda de um dicionário, por exemplo, durante a produção escrita. Contudo, mesmo com as críticas, a hipótese do output ou da lingualização vem trazendo consideráveis contribuições no campo da aprendizagem de línguas estrangeiras, em especial no contexto brasileiro, por meio dos estudos do grupo de pesquisa ALESA (A Instrução-focada-na-forma e a lingualização como forma de aprendizagem de inglês como língua estrangeira em contexto brasileiro). 8 TEORIA SOCIOCULTURAL Imagem do Tópico: ID do vetor stock livre de direitos: 1390292588 A teoria sociocultural tem como premissa que “o funcionamento mental humano resulta da participação em e da apropriação de formas de mediação cultural integradas em atividades sociais” (LANTOLF; BECKETT, 2009, p. 459). Para ela, “a aquisição de uma língua se dá através de processo colaborativo por meio do qual os aprendizes se apropriam da língua de sua própria interação, para seus próprios propósitos, construindo a competência gramatical, expressiva e cultural” (OHTA, 2000, p. 51). Essa teoria baseia-se nos estudos de Vygotsky, cujos principais postulados são: “não se pode separar o desenvolvimento da linguagem do contexto histórico e social; os humanos ‘pensam através da criação e do uso de ferramentas mediadoras’ (SWAIN, KINNEAR E STEINMAN, 2015, p. 2); a linguagem tem papel importante no https://www.shutterstock.com/pt/vectors desenvolvimento mental, sendo ela a principal ferramenta de mediação” (PAIVA, 2014, p. 128). Para a teoria sociocultural, os trabalhos “exploram, de forma variada, implicações da teoria sociocultural da mente para a aprendizagem e o ensino de segunda língua'' (LANTOLF, 2000, p. 1). A aquisição de uma L2 não é mais tida como a aquisição de conhecimentos linguísticos sintáticos e fonológicos, mas “como o desejo e empenho do aprendiz em se tornar um participante de pleno direito nas práticas discursivas de uma comunidade” (JOHNSON, 2004, apud PAIVA, 2014, p. 138). A língua é tratada como um instrumento de poder que possui valor de uso, na sua capacidade de produzir sentidos. O funcionamento da mente, por sua vez, é compreendido como um processo mediado, organizado instrumentos culturais, que podem ser físicos ou simbólicos. Isto posto, a aprendizagem vincula-se a um processo de participação em práticas sociais a fim de inclusão em uma comunidade. Paiva (2014) cita que alguns dos conceitos dessa teoria são: mediação, zona próxima ao desenvolvimento, andaime, fala privada e fala interior. A mediação é defendida por Vygotsky (2008) por acreditar que a interação mediada (por meio de meios auxiliares para agir – física, mental e socialmente) influencia no modo como as crianças se comportam. Para Lantolf (2000, p. 1), “o conceito mais fundamental da teoria sociocultural é que a mente humana é mediada”. A língua é, nesse sentido, utilizada para criar pensamento, transformá-lo e ser fonte de aprendizagem (cf. Ortega, 2009). Em termos de aprendizagem de língua, o ambiente está cheio de linguagem que oferece oportunidades para aprendizagem à aprendiz participativa e ativa. O mundo linguístico ao qual a aprendiz tem acesso, e no qual ela se torna ativamente engajada, é cheio de demandas e exigências, oportunidades e limitações, rejeições e convites, capacitações e limitações - em suma, de propiciamentos. (SHOTTER e NEWSON, 1982, p. 34). Indo além, a zona próxima ao desenvolvimento refere-se ao local em que o desenvolvimento futuro seja negociado entre o especialista e o aprendiz. Assim, a assistência é dada e absorvida, após, recusada e evitada. Sobre essa assistência, Johnson (2004) declara que ela precisa ser graduada e contingente. Como enfatiza Paiva (2014), assim que o aprendiz consegue se autorregular, a assistência deve ser retirada. O andaime seria “o processo que habilita uma criança ou um aprendiz a resolver um problema, executar uma tarefa ou alcançar um objetivo que estaria além de seus esforços se não houvesse uma assistência” (WOOD; BRUNER; ROSS, 1976, p. 90). Para esses três autores, o andaime tem seis funções: recrutamento, simplificação da tarefa, manutenção do aprendiz focado na tarefa, demonstração dos aspectos relevantes da tarefa, controle de frustração, demonstração. Em outras palavras, o mediador desperta o interesse do aprendiz em executar a tarefa; reduz a complexidade ou tamanho da tarefa, auxiliando em etapas que estão além do nível do aprendiz; encoraja o aprendiz a atingir os objetivos, fazendo com que valha a pena prosseguir com a tarefa; aponta aspectos mais importantes e relevantes da tarefa; tenta reduzir as frustrações e auxilia na proteção da face quando erros são cometidos; e demonstra ou modela soluções para a tarefa, permitindo ao aprendiz imitá-la. (PAIVA, 2014, p. 132). A fala privada diz respeito ao momento em que o aprendiz se interroga e conversa consigo mesmo. De acordo com Paiva (2014, p. 135), ela é empregada “no planejamento e controle das tarefas, na repetição silenciosa de enunciados e vocábulos e pode ser acompanhada por gestos”. Paiva (2014) declara ainda que a fala privada se transforma em fala interior a partir do amadurecimento das habilidades mentais. Segundo a autora, para Vygotsky (1962), o desenvolvimento da criança é influenciado pela comunidade e o pensamento é em suma uma fala interior. “Enquanto na fala exterior o pensamento é incorporado em palavras, na fala interior, as palavras morrem para dar origem ao pensamento. A fala interior é, em grande parte, pensamento na forma de significado puro. É algo instável, oscilante e dinâmico” (VYGOTSKY, 1962, p. 149) Paiva (2014) finaliza o seu capítulo refletindo sobre a mediação que, embora seja extremamente importante no processo de ASL, nem semprese dá de maneira eficaz. Veja abaixo a reflexão da autora. Apesar de todos os exemplos retirados das narrativas de aprendizagem que comprovam a importância da mediação, é importante lembrar que o ambiente também oferece restrições e que professores e pares mais competentes podem também interferir negativamente no desenvolvimento do aprendiz. Em Paiva (2010a, 215) demonstro que 'entre as quatro paredes da sala de aula, alguns alunos transformam o mundo da aprendizagem em um inferno, alimentado pelo medo do conhecimento do outro e pela inibição frente ao julgamento desse outro'. Não só alguns colegas como também alguns professores podem desestimular o aprendiz e impedir seu desenvolvimento, ao demandar o que está além de suas possibilidades ou ao ameaçar sua face com críticas injustas ou excessivas. (PAIVA, 2014, p. 140) Essa reflexão nos mostra que o papel do professor, dos estudantes e da sala de aula são fatores cruciais nesse processo de mediação. Enquanto em ambientes saudáveis a mediação pode ser benéfica, em ambientes de restrição, o processo pode se configurar como uma experiência negativa ao aprendiz. 9 AQUISIÇÃO DE SEGUNDA LÍNGUA NA PERSPECTIVA DA COMPLEXIDADE Imagem do Tópico: ID da ilustração stock livre de direitos: 1190988160 Para estudarmos essa perspectiva, é importante revisarmos os trabalhos de Larsen-Freeman (1997, 2002, 2007), que foi a pioneira na associação da ciência da complexidade/caos ao processo de ASL. De acordo com Paiva (2014, p. 141), “o postulado básico da teoria do caos é o de que existe uma ordem subjacente à aparente desordem”. O caos aqui seria compreendido como imprevisibilidade e não falta de ordem (cf. Bot, 2008). Segundo essa teoria, pequenas perturbações nas condições iniciais podem levar o sistema ao caos e gerar um efeito borboleta, metáfora utilizada por Lorenz (2001) para representar a ideia de que pequenas alterações no sistema podem provocar consequências enormes e imprevisíveis. Por outro lado, grandes perturbações podem não trazer as consequências esperadas. A teoria lida com fenômenos não lineares nem previsíveis e demonstra que, mesmo em condições muito semelhantes, o desenvolvimento de um sistema pode seguir rotas muito diferentes. (PAIVA, 2014, p. 141 e 142) Para essa teoria, os sistemas são dinâmicos, complexos, não lineares, caóticos, imprevisíveis, sensíveis às condições iniciais, abertos, auto-organizáveis, adaptativos. A lingua(gem), por sua vez, é tida também como um sistema complexo. Na definição de https://www.shutterstock.com/pt/search/illustrations Paiva (2014, p. 144), a lingua(gem) é um “sistema dinâmico não linear e adaptativo, composto por uma interconexão de elementos bio-cognitivo-sócio-histórico-culturais e políticos que nos permitem pensar e agir na sociedade”. Uma perspectiva da teoria da complexidade vê a língua em uso não como um sistema atemporal, fechado, autônomo e fixo, mas como um sistema dinâmico que emerge e se auto organiza a partir de padrões recorrentes do uso da língua em diferentes escalas de tempo - dos milissegundos das conexões neurais aos milênios da evolução - e através de uma amplitude de níveis, do individual aos pares interactantes até às comunidades de fala. (LARSEN-FREEMAN, 1997; CAMERON, 2007, p. 111). Portanto, a lingua(gem) é tida como um sistema complexo por evoluir e mudar de forma não linear, por ser composta por outros sistemas, e por ser fractal. Seguindo a mesma linha de pensamento, a ASL também é “um sistema dinâmico adaptativo e complexo, onde há muitos elementos em interação” (PAIVA, 2014, p. 145). Para essa teoria, a aquisição não se trata de adquirir língua, mas de desenvolver linguagem. Trata-se, portanto, de um processo constituído por mudanças de estabilidade e instabilidade relativas. Assim sendo, “na perspectiva da complexidade, a ASL não é vista como tendo começo e fim, em uma progressão sequencial, mas como um fenômeno irregular, não linear, iterativo (o output de um ciclo torna-se o input do seguinte) e auto- organizado” (PAIVA, 2014, p. 146). Pode-se compreender que na perspectiva dos sistemas dinâmicos, a aquisição se dá por meio da interação em um contexto social. Ademais, em razão da língua ser culturalmente repassada, a aprendizagem ocorre tanto dentro como fora do indivíduo. Segundo Paiva (2014, p. 146), “a ASL não é um processo linear em que vão se somando os itens aprendidos. O sistema é aberto, e novos elementos vão entrando na interlíngua, que vai permanentemente se auto-organizando”. Sobre a interlíngua, Paiva (2014) reúne alguns pressupostos teóricos, declarando que: Larsen-Freeman (1997: 151) lista alguns dos elementos que determinam o desenvolvimento da interlíngua: "A língua fonte, a língua-alvo, os elementos marcados da L1 e os da L2, a quantidade de input, a quantidade de interação, a quantidade e o tipo de feedback recebido, se é adquirida sem ou com ensino formal etc. A essa lista, citando Larsen- Freeman e Long (1991), ela acrescenta fatores que interagem e interferem no sucesso da ASL: 'Idade, aptidão, fatores sociopsicológicos como motivação e atitude, fatores de personalidade, estilos cognitivos, hemisférios do cérebro, estratégias de aprendizagem, sexo, ordem de nascimento, interesses etc.' [...]"Tal como acontece com as comunidades de fala, a interlíngua emerge por meio do uso' (Larsen-Freeman AN, 2011: 54) em contexto social. Os contextos sociais são imprescindíveis para o desenvolvimento da L2, pois oferecem experiências variadas de uso da língua. Na mesma direção, Hopper 1998: 171) afirma: "Aprender uma língua não é uma questão de adquirir estruturas gramaticais, mas de expandir um repertório de contextos comunicativos". Na concepção de DeBot, Lowie e Verspoor (2005: 122), todas as línguas que um indivíduo conhece são parte de um sistema dinâmico, logo 'é de se esperar que as duas línguas interajam', o que é facilmente identificado em nossas experiências de aprendizagem. Quando aprendemos uma língua adicional, a interação entre as duas acaba afetando ambas. É comum, por exemplo, encontrarmos, em textos produzidos. (PAIVA, 2014, p. 146 e 147). Paiva (2014) declara ainda que, na perspectiva da complexidade, as principais teorias que tentam explicar o fenômeno de ASL podem se reunir, de modo a se aproveitar cada elemento significativo. Com o intuito de fazer essa inter-relação, a autora propõe a seguinte representação: Figura 7: Aquisição de L2 como sistema complexo Fonte: PAIVA, Vera Lúcia Menezes de Oliveira. Aquisição de segunda língua. São Paulo: Parábola Editorial, 2014, p. 149. Para explicar essa imagem, Paiva (2014) afirma que: Em sucessivas tentativas de representar graficamente a complexidade da ASL (Paiva, 2005, 2009, 2013), cheguei à figura, que representa vários elementos do processo de aquisição que, em interação, fazem emergir a segunda língua. Inseri oito tópicos que incluem elementos presentes nas teorias, modelos e hipóteses de aquisição, de aportes teóricos diversos, todas elas tratadas separadamente em oito capítulos deste livro. Tenho consciência de que muitos outros existem e alguns deles estão no próximo capítulo sobre outras teorias. Tentei representar também a ideia de movimento e de inter-relação entre as partes. Na figura, estão representados: as estruturas mentais inatas, condição inicial para o desenvolvimento da L2; os hábitos automáticos, responsáveis, por exemplo, pela aquisição de expressões formulaicas e por pronúncia; a afiliação, termo que uso para substituir aculturação, responsável por maior ou menor aproximação com as comunidades de prática e as comunidades imaginadas e também pelas questões identitárias; input, pois é essencial que o aprendiz seja exposto ao idioma e tenha contato com diversos registros orais e escritos; a interação para que o aprendiz possa ter experiênciasde uso da língua na comunicação com o outro e, consequentemente, o output, quando o aprendiz negocia sentido, testa hipóteses e reflete sobre a língua, as conexões neurais que vão gerar as sinapses, e a mediação sociocultural, essencial para o desenvolvimento da L2 e que se dá pela interação com outras pessoas conversa face a face, aulas, e outras práticas Sociais ou pelo uso de artefatos culturais (livros, vídeo, internet etc.). (PAIVA, 2014, p. 148 -149). A autora declara que muitos outros elementos poderiam ser inseridos nessa representação, por justamente a ASL ser um sistema complexo, em que “aprender uma língua não é uma questão de formar hábitos automáticos de estruturas linguísticas, nem de acumular informações gramaticais. É um processo de transformação, de mudança, e que envolve muitos fatores, entre eles a autonomia e a identidade” (PAIVA, 2014, p. 150 e 151). Com base na complexidade, o aprendiz deve agir no ambiente buscando sua inclusão em práticas sociais de linguagem mediadas pelos outros e por instrumentos culturais. Assim, é preciso haver um processo de mudança na interlíngua e a criação de experiências identitárias. Sobre a sala de aula, a autora alega que: Em contextos onde a sala de aula é pobre em propiciamentos, como discuto em Paiva (2010), a ASL é bem-sucedida quando 'os aprendizes vão em busca de propiciamentos que os estimulem a agir, seja pela interação com outros falantes, seja pela emoção estética, seja pela ludicidade, ou pela busca de informação" (p. 157). (PAIVA, 2014, p. 151) Essa reflexão sobre a necessidade de estímulo e de motivação nos processos de ASL e/ou aprendizagem de LE em sala de aula é de suma importância para entendermos as dificuldades encontradas e as possíveis propostas de abordagem que invistam na linguagem como prática social que acolha as várias identidades. Sobre esse assunto, na próxima unidade, faremos uma reflexão sobre a formação de professores de línguas, bem como acerca de estratégias que possam motivar o processo de ensino- aprendizagem/aquisição de L2/LE. SAIBA MAIS Além das 9 teorias aqui apresentadas, no livro de Paiva (2014), a autora traz um resumo de mais 15 teorias/modelos/abordagens, a saber: modelo ACT*, teoria de processamento da informação, abordagem funcional tipológica, abordagem orientada para o conceito, modelo da competição, teoria neurofuncional, teoria da interlíngua, modelo interacionista-cognitivo, modelo da competência variável, modelo multidimensional, teoria CREED associativo-cognitivo, teoria da acomodação, abordagem da identidade, teoria da atividade e modelo dialógico. Sugiro que você faça a leitura das informações elencadas pela autora, pois são de extrema importância no estudo da ASL. Fonte: a autora. #SAIBA MAIS# REFLITA Entre as quatro paredes da sala de aula, alguns alunos transformam o mundo da aprendizagem em um inferno, alimentado pelo medo do conhecimento do outro e pela inibição frente ao julgamento desse outro. Como afirma Simões (2005), ao analisar a peça de Sartre, “os outros não são necessariamente os causadores do meu sofrimento. Eu mesmo faço do outro o carrasco de minha tortura”. Por outro lado, insistir que o par mais competente deva ajudar seu colega, mesmo contra a sua vontade, é transformar a sala de aula em inferno para esse aprendiz mais competente. É legítimo que um aprendiz mais interessado em aprender do que a ensinar demande por experiências mais desafiadoras e se recuse a desempenhar o papel de andaime do colega. Por mais que acreditemos que o ato de ensinar, muitas vezes, seja também um ato de aprendizagem, nem todas as atividades em pares trazem contribuições para o par mais competente. Enfim, fecho este texto como o abri, com Sartre. Quando sua personagem Inês diz a Estelle: “Estamos no inferno, minha filha, e aqui não pode haver erros...”. Esse trecho nos remete à sala de aula onde, o outro, com frequência, representa esse inferno que pune o erro, o pecado, com o deboche e o riso, inibindo o aprendiz em suas manifestações no inferno da sala de aula. Cabe ao professor lidar com essa situação e entender que nem sempre é possível fazer com que Lúcifer se transforme em anjo Gabriel, o mensageiro das boas notícias, da compreensão e da sabedoria na mitologia cristã. (PAIVA, 2010, p. 215). #REFLITA# CONSIDERAÇÕES FINAIS Prezado(a) aluno(a), esta unidade teve como objetivo mostrar a você quais são as principais teorias, modelos e hipóteses que norteiam o processo de aquisição de segunda língua. Com base no livro de Paiva (2014), nos 9 capítulos selecionados, foram apresentados os principais pressupostos teóricos que conceituam, contextualizam e explicitam essas teorias. É importante destacar que, para um melhor aproveitamento das temáticas abordadas, a leitura – na íntegra – do livro de Paiva (2014) é de suma importância, pois na obra foram relatadas narrativas que ilustram na prática os conceitos estudados. Além disso, a autora ainda faz um resumo de outras 15 teorias vigentes na ASL, portanto, a leitura torna-se complementar ao que foi exposto aqui. Espero que esta unidade tenha feito com que você, estudante de Letras, se aproximasse ainda mais do universo científico em que as pesquisas em Linguística Aplicada orbitam. Na próxima unidade, faremos uma reflexão sobre como a formação docente interfere na ASL, de modo a verificar quais são as principais dificuldades e estratégias a serem empregadas nos processos de ensino-aprendizagem/aquisição de L2/LE. Vamos juntos! LEITURA COMPLEMENTAR BAPTISTA, L. M. T. R. Teorias linguísticas e aquisição e aprendizagem de línguas. Todas as Letras, São Paulo, v. 2, n. 1, p. 77-85, 2000. BEZERRA, I. C. R. M. Aquisição de segunda língua de uma perspectiva linguística a uma perspectiva social. SOLETRAS, v. 3, n. 5/6. São Gonçalo: UERJ, 2003. GALEFFI, D. A. Teorias de aprendizagem de segunda língua. Filosofar e Educar, PUC-Rio de Janeiro, 2003. LOPES, R. S.; SALLES, J. L.; PALLÚ, N. M. Linguística Aplicada e o ensino de línguas adicionais. BELT-Brazilian English Language Teaching Journal, PUC-RS, Rio Grande do Sul, v. 9, n. 2, p. 281-292, 2018. ROCHA, N. A.; ROBLES, A. M. P. A. Interferências linguísticas na interlíngua em alunos hispano falantes de português como língua estrangeira. Revista de Estudos da Linguagem, Belo Horizonte, v.25, n.2, p. 641-680, 2017. SOUZA, A.S. O processo de aquisição de um segundo idioma em crianças e adultos. Estação Científica, Juiz de Fora, n. 14, jul./dez., 2015. TAFAREL, G. As teorias de aquisição de segunda língua. Revista Científica Semana Acadêmica, Fortaleza, ano MMXVIII, Nº. 000127, 31/07/2018. LIVRO • Título: Aquisição de segunda língua • Autora: Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva • Editora: Parábola Editorial • Sinopse: As principais teorias e modelos de aquisição foram desenvolvidos tendo como referência contextos muito diferentes do brasileiro. A maioria dessas pesquisas não leva em conta a aquisição em contextos nos quais o aprendiz tem pouca oportunidade de contato real e efetivo com a segunda língua. Exatamente por falta de teorias mais específicas, a autora resolveu trazer para o contexto brasileiro algumas teorias já existentes, com o propósito de, além de fornecer um panorama das teorias mais conhecidas nessa área de pesquisa, demonstrar que muitos dos pressupostos fazem sentido quando confrontados com histórias reais de aprendizagem de línguas. Este livro dá espaço à voz dos aprendizes por meio de narrativas de aprendizagem apresentadas ao longo de seus capítulos. Elas foram incluídas visando entender a percepção do fenômeno da aquisição pelos aprendizes. Essas narrativas contêm informações quelegitimam a aquisição de segunda língua (ASL) como um sistema complexo, pois ao analisá-las, cada qual, sob o prisma de uma teoria diferente, percebe-se que cada narrativa oferece evidência dos pressupostos da teoria descrita no capítulo no qual se encontra. Constata-se que nenhuma teoria por si só explica como aprendemos uma segunda língua, mas todas nos ajudam a entender o processo de aquisição. Isso significa que nenhuma das teorias de ASL deve ser descartada, pois cada uma delas explica um aspecto de um todo complexo que caracteriza o fenômeno da aquisição para começarmos a responder à pergunta de como se aprende uma nova língua. FILME/VÍDEO • Título: Teoria Behaviorista na aquisição de segunda língua • Ano: 2014 (original)//2016 (republicado) • Sinopse: Feito por Michelle Payne e Sharon Sitler e republicado por Laís Guerra, o vídeo em animação faz uma excelente apresentação da teoria behaviorista no processo de aquisição de segunda língua, por meio de uma contextualização com a psicologia behaviorista e seus impactos no processo de ensino-aprendizagem. É importante destacar que o áudio está em inglês, porém é possível ativar a legenda em português. • Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=t7sH76PmsPU&t=138s REFERÊNCIAS BEZERRA, I. C. R. M. Aquisição de segunda língua de uma perspectiva linguística a uma perspectiva social. Soletras, n. 5-6, p. 31-52, São Gonçalo: UERJ, 2003. BIRDSONG, D. (Ed.). Second language acquisition and the critical period hypothesis. Routledge, Mahwah, New Jersey, 1999. BLOOMFIELD, L. Language. Londres: George Allen and Unwin, 1933. CAMERON, L.; LARSEN-FREEMAN, D. 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Objetivos de Aprendizagem: • Contextualizar os desafios na formação de professores de línguas e seus impactos no processo de ensino-aprendizagem; • Compreender o poder transformador da ASL, pensando em quais são seus benefícios tanto para o âmbito pessoal quanto para o profissional; • Apresentar algumas estratégias que podem auxiliar no despertar dos aprendizes no processo de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras dentro e fora da salade aula. INTRODUÇÃO Prezado(a) aluno(a), nesta unidade, você é convidado a refletir sobre a formação de professores de línguas, em especial de línguas estrangeiras. Para tanto, faremos uma discussão acerca dos desafios encontrados no processo de ensino-aprendizagem, a partir de pressupostos teóricos de autores renomados no campo da educação. Outrossim, avaliaremos a importância da Aquisição de Segunda Língua, com base na reflexão de seu poder transformador na vida em sociedade. Por fim, tratemos também algumas estratégias que podem ser empregadas no processo de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras, a fim de mostrar a você, futuro professor, que a atuação docente é complexa, porém transformadora. Espero que essa unidade possa mostrar a você, futuro professor, o quão importante é o seu processo de formação constante, pois é por meio dele que você alcançará melhores resultados em sua profissão. Afinal, “você é responsável por se aprimorar e pesquisar constantemente sobre o seu objeto de trabalho. Seus aprendizes devem ser sua fonte de inspiração para buscar a compreensão do contexto e das estratégias metodológicas que permitirão uma mediação mais viável do processo de ensino-aprendizagem” (SILVA; BUCHWEITZ; HAINZENREDER; VIDAL, 2018, p. 188 e 189). Bons estudos! 1 DESAFIOS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LÍNGUAS Imagem do Tópico: ID do vetor stock livre de direitos: 1621573825 https://www.shutterstock.com/pt/vectors O professor representa a função de mediador no processo de ensino- aprendizagem, sendo uma peça chave na construção de cidadãos críticos e ativos na sociedade, já que ele constrói sentidos ao lado de seus alunos, associando o conhecimento científico à realidade prática. Conforme Freire (1987, p.42): A tarefa coerente do educador que pensa certo é, exercendo como ser humano a irrecusável prática de inteligir, desafiar o educando com quem se comunica e a quem comunica, produzir sua compreensão do que vem sendo comunicado. Não há intelegilidade que não seja comunicação e intercomunicação e que não se funde na dialogicidade. O pensar certo por isso é dialógico e não polêmico (FREIRE, 1987, p.42). Freire (1987, p.52) afirma que “saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”. A reflexão sobre a prática docente necessita estar norteada nos atos políticos e suas consequências em diferentes dimensões: de ordem pessoal – os resultados advindos do trabalho do professor geram desenvolvimento social e emocional dos alunos; ii) de ordem acadêmica – promoção de desenvolvimento dos conhecimentos intelectuais dos alunos; iii) de ordem política – as diversas vivências escolares propiciam transformações na própria vida dos alunos (BIAZI; GIMENEZ; STUTZ, 2011, p. 62). Quando os estudantes do curso de Letras se formam como professores de línguas, ganham um escopo de atuação bastante amplo. Um professor/pesquisador pode atuar nas escolas de Educação Básica e Superior, em escolas de línguas estrangeiras, nos setores de publicidade e propaganda, nas redes sociais, na elaboração de jogos, em traduções e revisões, entre muitas outras possibilidades. Para atuar de forma eficiente, seja na sala de aula ou em um outro ambiente de ensino-aprendizagem de línguas, o professor necessita considerar a diversidade contextual de seu campo de atuação. Para que o docente possa fazer essa reflexão, [...] a formação inicial deve contemplar abordagens de gêneros em sua exposição e intervenção de perspectivas teórico-metodológicas no sentido de preparar o futuro professor para agir na docência também em contextos de demanda de línguas para fins específicos. (CRISTÓVÃO; BEATO-CANATO, 2016, p. 47) É importante então que os cursos de Letras ofereçam aos discentes momentos para que enxerguem as vastas possibilidades de atuação em sua profissão. Para tanto, segundo Cristóvão e Beato-Canato (2016), torna-se necessário abordar os diferentes usos da língua em sala de aula, por meio dos gêneros textos no processo de formação docente. Os futuros professores precisam compreender que devem também ser pesquisadores, buscando uma formação continuada, que os atualizem e os motivem a aperfeiçoar suas práticas. Com isso, compreenderão que, [...] para trabalhar nessa perspectiva, o professor precisa estar aberto a novos desafios diariamente, já que terá que lidar com situações comunicativas que não fazem parte de seu cotidiano e que são familiares a seus alunos. Assim, seus conhecimentos serão somados aos conhecimentos dos aprendizes e o trabalho deverá ser colaborativo. Além disso, o professor deverá ser pesquisador, consultando a literatura, coletando e analisando corpus, dialogando com especialistas, etc., enfim, agindo de maneira colaborativa (CRISTÓVÃO; BEATO-CANATO, 2016, p. 50). Por possuir vários campos de atuação, é importante que o graduando se prepare para enfrentar os mais diversos desafios existentes em situações-contextos de ensino- aprendizagem de línguas. Veja o que é defendido por Silva, Buchweitz, Hainzenreder e Vidal (2018): Trazendo para o universo dos cursos de graduação em Letras essa necessidade da formação de um sujeito professor com uma visão ampla de contextualização do ensino-aprendizagem de uma segunda língua, Cristóvão e Beato-Canato (2016, p. 55) destacam a criação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), no ano de 1996, e, a partir de 2001, pareceres e resoluções oficiais que estabelecem direcionamentos para os cursos de Letras, enfocando em desfazer “[...] as dicotomias educação-trabalho, teoria-prática, instituto-básico-faculdade de educação, ao sugerir um diálogo entre educação, teoria e prática, cabendo a cada curso propor alterações a fim de alcançar esse objetivo”. Nesse sentido, você, como futuro professor da área de Letras, precisa estar familiarizado com o sistema complexo de formação do professor para o mercado de trabalho. Esse processo é tão complexo que sua formação não se esgota, ela deve estar sempre alicerçada pelo contexto social e cultural no qual você se insere e, principalmente, no qual os seus aprendizes estão inseridos. Com tudo isso, você deve se conscientizar da multiplicidade de opções de trabalho que poderá desenvolver assim que se formar. Também, pensando nisso, você deve buscar cursar disciplinas, dentre as ofertadas de forma optativa, que possam prepará-lo para esse leque de possibilidades diversas de situações-contextos de ensino-aprendizagem de uma segunda língua. Quanto mais você entender a relevância do olhar para o contexto de seu aprendiz, mais você se aproximará dele e mais sua formação como docente contribuirá para que a aprendizagem se efetive. (SILVA; BUCHWEITZ; HAINZENREDER; VIDAL, 2018, p. 187) Essa reflexão nos ajuda a compreender que a graduação é um período de formação extremamente importante, onde os discentes devem estar bem preparados para enfrentar os desafios do mercado de trabalho. Contudo, ao sair da universidade, esses profissionais se depararão com realidades, e assim verão que nem sempre a prática é espelho da teoria. Por essa razão, a formação docente deve ser contínua, repleta de atualizações e aperfeiçoamentos das práticas com base nas mudanças sociais e culturais. Como Silva, Buchweitz, Hainzenreder, Vidal (2018, p. 188) bem afirmam, “o conhecimento requer revisões, ampliações e reorientações em seu escopo com vistas a uma educação linguística mais eficaz e realista, principalmente em função das novas práticas de hipermídias na hipermodernidade e da circulação de novos letramentos [...] a formação docente é dependente do contexto cultural, da realidade do sistema de ensino e da formação pessoal adquirida”. A formação continuada, deve, nesse sentido, contemplar “[...] seminários de observação mútua,espaços de prática reflexiva, laboratórios de análise coletiva das práticas e dispositivos de supervisão dialógica, em que os supervisores são parceiros e interlocutores” (NÓVOA, 2011 apud SILVA; BUCHWEITZ; HAINZENREDER; VIDAL, 2018, p. 188). Os cursos de licenciatura em Letras geralmente certificam o professor para atuar na língua vernácula e em uma LE, e a maioria dos currículos apresenta uma carga horária bem maior de disciplinas ligadas à língua vernácula do que à língua estrangeira. Isso também contribui para a baixa proficiência na LE que estuda e compromete a sua competência linguístico-comunicativa em sala de aula e fora dela. Cabe ao professor, tendo consciência dessa deficiência, tentar saná-la, por exemplo, por meio de um aperfeiçoamento linguístico, procurando, na medida do possível, uma formação continuada. Ao lado da proficiência, cabe ao novo professor refletir constantemente sobre a sua prática pedagógica. Um dos grandes desafios do início de carreira é transpor a barreira entre a teoria e a prática. Muitos recém-formados (como já vimos pelos depoimentos acima transcritos) se sentem inseguros, não sabem o que fazer com toda a teoria que adquiriram nos cursos de graduação e nas disciplinas de educação. Para que seja considerado um bom profissional na atualidade, o professor de LE, além do domínio da língua que se quer ensinar, deve procurar o domínio das novas tecnologias, a atualização didática, uma contínua autoavaliação de seu trabalho e o trabalho em equipe. É preciso ter a consciência de que não cabe apenas às instituições de ensino superior – por melhor que sejam – cuidarem da sua formação, assim como não cabe a elas serem responsabilizadas exclusivamente pelo seu sucesso ou fracasso profissional. (RODRIGUES, 2016, p. 29) Os professores de línguas estrangeiras precisam estar cientes de quais são os papéis dessas LE no mundo globalizado, afinal, “uma definição de língua é sempre, implícita ou explicitamente, uma definição dos seres humanos no mundo” (WILLIAMS, 1979, p. 21). Quando pensamos no inglês, por exemplo, temos que refletir como essa língua ganhou destaque na era da globalização. Atualmente, a língua inglesa é tida como um instrumento de penetração no mercado de trabalho, favorecendo assim as trocas sociais entre empresas, grupos e pessoas. O inglês está presente no nosso dia a dia, por meio das tecnologias, das campanhas publicitárias, das redes sociais, das notícias, do universo cinematográfico... É difícil delimitar o campo de inserção da língua inglesa nos dias de hoje, pois ela ganhou o título de hegemônica. Assim sendo, nota-se que a língua, assim como conceitos de identidade e de comunidade, são conjuntos de recursos simbólicos e materiais que revelam e definem posicionamentos e estruturas sociais no contexto de um “mercado”. Pensar no processo de ensino-aprendizagem de língua inglesa não se restringe às questões de ordem linguística, mas também às reflexões sobre o usos dessa língua em práticas de interação envoltas por realidades sócio-histórico-culturais. Nesse sentido, a língua e a identidade são produtos discursivos e ideológicos da interação social, que não são fixos, mas construídos socialmente, múltiplos, variáveis, contraditórios e comprimidos por fronteiras simbólicas e materiais que são definidas desigualmente. Identificar as necessidades do aluno, portanto, é uma forma de o professor refletir sobre a realidade em que ele está inserido e, consequentemente, sobre as estratégias que podem ser mais eficientes em sua prática pedagógica. No contexto do ensino de línguas, nem todos terão os mesmos objetivos, facilidades/dificuldades, o que acaba sendo um desafio constante para o docente. O espaço da sala de aula é lugar privilegiado de reflexão sobre os próprios conhecimentos e sobre conhecer o outro e entender as suas necessidades. Dessa forma, o professor poderá servir verdadeiramente como mediador, como facilitador da produção de conhecimento dos alunos. (SILVA; BUCHWEITZ; HAINZENREDER; VIDAL, 2018, p. 196). Percebe-se, assim, que ser professor de língua estrangeira é desafiador, pois precisa compreender não apenas os “conteúdos” a serem ensinados, como também os contextos de ensino desses “conteúdos”. Para ser um mediador, o professor deve, portanto, estar situado no mundo e na realidade em que ele e seus aprendizes estão inseridos. Pensando nisso, Perrenoud (2000) reorganizou as competências, transformando-as em dez, as quais são elencadas por Rodrigues (2016). O bom professor de LE dos dias de hoje, além de uma postura crítico- reflexiva, deve ser possuidor de certas competências: competências inerentes a todo profissional da educação e competências específicas ao professor de LE. Perrenoud (2000) estabeleceu, aliás, as dez novas competências para ensinar, que devem ser observadas por todo professor nos dias de hoje: 1) organizar e dirigir situações de aprendizagem; 2) administrar a progressão das aprendizagens; 3) conceber e fazer evoluírem os dispositivos de diferenciação; 4) envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho; 5) trabalhar em equipe; 6) participar da administração da escola; 7) informar e envolver os pais; 8) utilizar novas tecnologias; 9) enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão; e, 10) administrar sua própria formação contínua. (RODRIGUES, 2016, p. 28) Silva, Buchwitz, Hainzenreder e Vidal (2018), por sua vez, fazem uma reflexão acerca das competências descritas por Almeida Filho (1993), as quais são as mais difundidas nos estudos de LE. Inicialmente, é necessário desenvolver a competência aplicada (cf. ALMEIDA FILHO, 1993) na atuação docente, de modo que o professor possa conciliar os conhecimentos teóricos aprendidos em sua formação inicial e continuada juntamente com os conhecimentos práticos que advém de suas próprias práticas docentes. A reflexão é crucial nesse processo, visto que: A formação do professor é, por vezes, excessivamente teórica, outras vezes excessivamente metodológica, mas há um déficit de práticas, de refletir sobre as práticas, de trabalhar sobre as práticas, de saber como fazer. É desesperante ver certos professores que têm genuinamente uma enorme vontade de fazer de outro modo e não sabem como. Têm o corpo e a cabeça cheios de teoria, de livros, de teses, de autores, mas não sabem como aquilo tudo se transforma em prática, como aquilo tudo se organiza numa prática coerente. Por isso, tenho defendido, há muitos anos, a necessidade de uma formação centrada nas práticas e na análise dessas práticas. [...] Não é a prática que é formadora, mas sim a reflexão sobre a prática. É a capacidade de refletirmos e analisarmos. A formação dos professores continua hoje muito prisioneira de modelos tradicionais, de modelos teóricos muito formais, que dão pouca importância a essa prática e à sua reflexão. Este é um enorme desafio para profissão, se quisermos aprender a fazer de outro modo. (NÓVOA, 2007, p. 14) Torna-se importante, então, que a formação intelectual do profissional de Letras volte-se ao seu desenvolvimento crítico, de modo a levá-lo a uma construção de sua autonomia e a busca de novas e de melhores soluções para a sua prática docente. É preciso formar “estudantes e futuros profissionais que não irão simplesmente reproduzir cegamente o que acontece à sua volta, mas refletir sobre aquilo que se lhe apresenta, fazendo de suas práticas um exercício contínuo de reflexão” (RODRIGUES, 2016, p. 23). Ademais, a competência teórica também precisa ser desenvolvida, por meio do contínuo contato com a produção científica (livros, artigos, dissertações e teses). O professor deve constantemente atualizar suas metodologias, pensando nas novas realidades que o cercam. Assim, torna-se imprescindível a aproximação do docente aos construtos teóricos, seja durante ou após a formação superior. Já sobre a competêncialinguístico-comunicativa, tem-se que: Para que a aprendizagem dos alunos tenha sentido, isto é, para que tenha relação com a sua realidade e com seus objetivos, é necessário que o professor desenvolva a competência linguístico-comunicativa. Não se trata de adquirir o conhecimento sobre a gramática do idioma apenas, mas de saber utilizar a competência linguística dentro de diferentes situações comunicativas. [...] O conceito de competência comunicativa é dinâmico e tem a ver com a ideia de fazer com que o aluno possa usar a língua estrangeira em eventos reais, não apenas em situações artificiais. Seu desenvolvimento serve para superar a ideia de que o estudo das formas e estruturas gramaticais da língua é suficiente para preparar o aluno e para ensiná-lo a utilizar uma língua estrangeira. (SILVA; BUCHWEITZ; HAINZENREDER; VIDAL, 2018, p. 199). Nesse sentido, a competência-comunicativa diz respeito à junção dos conhecimentos gramaticais, sociolinguísticos, discursivos, estilísticos e pragmáticos, de modo a se produzir sentidos na LE. Sem ela, a atuação docente não se dá de forma eficaz. Outrossim, o docente precisa compreender o seu papel social enquanto educador e transformador de realidades. Em razão da profissão ser bastante desvalorizada em nosso país (salários desproporcionais, sucateamento de estruturas, falta de recursos, baixo incentivo etc.), é difícil fazer com que um professor mantenha a motivação para realizar seu trabalho. Porém, é preciso fazer com que o professor sempre lembre como a sua função é essencial para a educação. Para criar essa consciência, torna-se válido desenvolver a competência profissional, a qual seria melhor trabalhada se dessem maiores incentivos, reconhecimentos e valorizações ao trabalho docente. É importante destacar que as escolhas realizadas pelo professor dizem também respeito aos saberes, crenças e vivências que permeiam suas experiências pessoais. As estratégias e o método de ensino vinculam-se portanto às ideologias e as identidades que circundam a prática do educador, isto é, a competência implícita diz muito de como o ensino-aprendizagem ocorrerá. De fato, nenhuma das competências discutidas aqui se sustenta sozinha. É preciso entender que elas se relacionam constantemente e é essa interação e influência mútua que constrói o trabalho docente. As competências são uma forma de pensar a prática em sala de aula em suas dinâmicas. (SILVA; BUCHWEITZ; HAINZENREDER; VIDAL, 2018, p. 203). Nota-se, assim, que o professor deve estar preparado para ensinar em um mundo globalizado, em que as mobilidades, trocas e interações entre os povos se tornam uma imposição para as práticas comunicativas. Pensar em ensinar uma língua estrangeira atualmente requer analisar conceitos como identidade e identificação; relações de poder; legitimação das usos, interesses econômicos, políticos, sociais e culturais; repertórios e performances linguísticas e midiáticas; translinguagem; mobilidade transnacional; recursos semióticos; complexidade multilíngue; habitus; práticas sociais; tensionamentos; ideologias; etc. O professor deve, portanto, desenvolver sua autonomia e refletir criticamente sobre sua prática. Ser um bom professor, porém, não significa simplesmente dominar o conteúdo da sua área de atuação, mas sobretudo saber o que fazer com aquele conteúdo que se domina, decidir que uso dará a ele, decidir a forma como deve ser transmitido o conhecimento que adquiriu e, dentro de uma perspectiva ainda mais moderna, ter a consciência de que o conhecimento se constrói e se troca e que não se considera pronto e acabado com a colação de grau. (RODRIGUES, 2016, p. 21). Contudo, na prática, ser professor de língua estrangeira, em especial no Brasil, não é uma tarefa fácil. Estudos (Almeida Filho, 1992; Martins e Anchieta, 2009) revelam que os alunos formados nos cursos de Letras, no Brasil, saem da universidade sem atingir um nível de proficiência satisfatório, o que faz com que muitos professores tenham um baixo domínio da língua que ensinam. Além da má formação nas universidades, outros fatores contribuem para o insucesso do processo de ensino-aprendizagem nas escolas: cargas horárias desumanizadas, salas de aula superlotadas, falta de recursos (como computadores com bom acesso à internet), sucateamento de estruturas, excesso de trabalho, baixa remuneração, falta de tempo para preparo das aulas e para estudos continuados, entre outros pontos. Nóvoa (2007) explicita isso a partir de uma reflexão sobre os professores recém-formados: Como cuidamos dos jovens professores? O pior possível. Eles vão para as piores escolas, têm os piores horários, vão para as piores turmas, não há qualquer tipo de apoio. Eles são ‘lançados às feras’ totalmente desprotegidos. E nós fazemos de conta que o problema não é conosco. É um problema talvez do Estado, talvez de alguém, das autoridades, mas não um problema nosso. Mas este é, sim, um problema nosso e dramático da profissão. Porque se não formos capazes de construir formas de integração mais harmoniosas, mais coerentes desses professores, nós vamos justamente acentuar nesses primeiros anos de profissão dinâmicas de sobrevivência individual que conduzem necessariamente a um fechamento individualista dos professores. É um problema dramático da organização da profissão: o modo como nos organizamos na escola, como nos organizamos com os colegas e como integramos os jovens professores. Se não for possível resolver isso, haverá muita dificuldade em resolver muitos dos outros problemas que temos pela frente. (NÓVOA, 2007, p. 14) Ser um professor reflexivo de LE no Brasil é tentar desenvolver as competências de sua atuação docente, refletindo e questionando frequentemente suas práticas e, sobretudo, não desanimando diante das intempéries que circundam sua profissão. Porém, “refletir demanda, acima de tudo, tempo. Tempo este que parece faltar ao professor de LE, que necessita muitas vezes conciliar atividades em escolas, cursos de idiomas e aulas particulares, de modo a manter sua sobrevivência” (RODRIGUES, 2016, p. 30). Assim sendo, o estudante de Letras, futuro professor de LE, deve ter consciência dos desafios encontrados em sua profissão, bem como da importância de seu trabalho, de modo a não se tornar subserviente ao mercado. Como bem afirma Rodrigues (2016): O que não se pode perder de vista é a formação crítica de nossos estudantes-futuros professores. Esse é o elemento que traça a linha divisória entre a mediocrização e a formação de professores- pesquisadores conscientes, entre a unidade universitária meramente prestadora de serviços e a unidade formadora de intelectuais atentos, mas não subservientes ao mercado. [...] O aparelhamento crítico de nossos estudantes e futuros professores de línguas estrangeiras é, a nosso ver, o caminho mais eficaz a nosso alcance para a formação de profissionais transformadores e, por conseguinte, socialmente relevantes. (RODRIGUES, 2016, p. 31) 2 ALGUMAS ESTRATÉGIAS PARA MOTIVAR O PROCESSO DE ENSINO- APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS Imagem do Tópico: ID do vetor stock livre de direitos: 1714186504 O mundo globalizado praticamente exige o desenvolvimento das habilidades de se comunicar em uma segunda língua. Seja por razões pessoais ou profissionais, aprender uma língua estrangeira se tornou necessário para as trocas em sociedade, visto que a relação entre os povos está cada vez mais próxima. A aprendizagem/aquisição de uma segunda língua atualmente vem sendo motivada por diferentes fatores, como a mobilidade transnacional, as interações nas redes sociais, a legitimação de vozes, a inclusão em comunidades específicas etc. Ter conhecimentos sobre um segundo idioma não se trata somente de obter fluência, mas de adquirir competênciasinterculturais que ampliem a visão de mundo e as possibilidades de interação nos diferentes contextos comunicativos. Vários estudos demonstram que a aprendizagem de uma segunda língua pode desenvolver as habilidades cognitivas, ampliando o olhar crítico do indivíduo para diferentes esferas sociais: política, cultura, ciências, economia. Assim sendo, aprender uma ou mais línguas estrangeiras é também desenvolver um vasto repertório linguístico e cultural que dá luz à valorização da diversidade. As trocas no âmbito linguístico-cultural proporcionam ao falante a possibilidade de adquirir autonomia para interagir em diferentes situações comunicativas. Afinal: O aprendizado de uma segunda língua constitui-se em uma experiência significativa, que vai além de um resgate cultural, possibilitando o aumento do repertório linguístico e cultural, ampliando a visão de mundo e a forma de pensar das crianças. [...] Segundo Vigotski (2009), a aprendizagem de uma língua estrangeira promove a criança, possibilitando uma maior reflexão sobre sua própria língua e atingindo assim um grau mais sofisticado de pensamento. Nesta direção, a aprendizagem de uma língua de contato (TRAUER, 1994) modifica o https://www.shutterstock.com/pt/vectors olhar, a ação e a constituição do sujeito no mundo. (GOMES, 2014, p. 11). Para que esse aprendizado transformador ocorra, em geral, o professor deve criar um ambiente suscetível à formação de alunos sedentos por conhecimento, isto é, curiosos, criativos, críticos, pensantes. Conforme Rubem Alves: "A missão do professor não é dar respostas prontas. As respostas estão nos livros, estão na internet. A missão dos professores é provocar a inteligência, o espanto, a curiosidade". Logo, o professor deve construir o conhecimento conjuntamente aos seus alunos, mediando a formação de cidadãos pensantes e conscientes das diversidades socioculturais e da riqueza proveniente das diferenças. Nessa perspectiva, o professor de língua estrangeira possui a função de transmitir ensinamentos ligados à prática social. Além de trabalhar com os aspectos linguísticos, o educador deve inserir o contexto do gênero discursivo-textual, de modo a satisfazer as demandas cognitivas que permeiam a práxis, id est, por meio da língua estrangeira, vários sentidos podem ser construídos com os alunos, seja com relação às estratégias de marketing utilizadas em anúncios publicitários de empresas famosas mundialmente; produções literárias; músicas atuais em LE diferentes e misturadas; tirinhas que reflitam sobre a problemática da política no Brasil e no exterior; entre tantas outras formas. O ensino da língua estrangeira, assim, surge como uma ferramenta que busca transcender as barreiras do individualismo, unir as culturas e os povos, criar condições de reflexão e desenvolver os sujeitos na prática social. Afinal, “ensinar exige reflexão crítica sobre a prática” (FREIRE, 1987, p.42). Isto posto, o processo de ensino- aprendizagem de LE deve problematizar situações: Que levem em consideração a formação acadêmico-científica, tecnológica, técnica, artística, literária, enfim, diferentes dimensões que passariam a orientar os eixos formadores dos programas de curso. O estímulo à pesquisa, à busca de soluções de problemas no âmbito da reflexão didático-pedagógica, de instrumentos de avaliação e autoavaliação, entre outras questões, traz para docentes e discentes o desafio de rever, ou seja, revisitar as práticas existentes buscando novos caminhos e reflexões mais aprofundadas. (ALBUQUERQUE COSTA; MARINELLI, 2008, p. 95 e 96) Não existe uma fórmula ideal para um “perfeito” processo de ensino- aprendizagem, posto que, na prática, as dificuldades surgirão, porém, a forma como você, professor, lidará com essas problemáticas é o que realmente importa. No capítulo anterior já foi mostrado a você a importância da formação continuada, a qual não se refere apenas às atualizações dos métodos de ensino-aprendizagem, mas também à percepção de que o mundo está em constante mudança. Assim, os professores precisam fazer leituras e participar de eventos (palestras, cursos, bate-papos etc.) que possam suprir as lacunas deixadas na formação inicial. Além dessa formação continuada dos professores, existem outras estratégias que podem ajudá-lo, a saber: ● Usar diferentes gêneros textuais/discursivos no processo de ensino- aprendizagem de uma segunda língua, de modo a correlacionar texto, contexto, aspectos gramaticais e linguísticos; ● Enfocar nos multiletramentos, nos letramentos multissemióticos e nos letramentos críticos necessários para a interlocução entre linguagem e contexto; ● Promover o diálogo entre textos e intertextos que partam de uma análise dos aspectos da linguagem, da cultura e do meio/contexto em que estão inseridos para a formação crítica dos alunos; ● Inclusão de novas tecnologias e da multimodalidade na construção de sentidos; ● Chamar outros professores, pesquisadores ou falantes nativos da língua-alvo para bater um papo com os alunos durante as aulas de LE; ● Refletir sobre as ideologias presentes no uso e no ensino de línguas estrangeiras no país. O desenvolvimento do pensamento crítico é crucial no processo de ensino- aprendizagem de LE, dado que o uso da língua não pode ser observado de modo ingênuo, é preciso um olhar crítico-reflexivo por parte do professor e dos estudantes. “Dessa maneira, com a compreensão de que ensinar um idioma vai muito além de apresentar estruturas gramaticais (embora elas também sejam importantes), podemos dizer que o ensino de língua estrangeira, sob a ótica do letramento crítico, é potencialmente transformador, porque permite ao aluno construir leituras críticas a respeito do mundo em que vive” (SILVA; BUCHWEITZ; HAINZENREDER; VIDAL, 2018, p. 215). Os frutos do trabalho docente normalmente não aparecem de forma repentina, afinal, o ensino-aprendizagem, bem como o pensamento crítico, são processos que levam tempo para serem construídos. E para que esses processos ocorram, o professor de LE deve motivar/estimular o aluno a refletir sobre a língua e a cultura que está aprendendo e a questionar as ideologias que estão por trás do uso dessas línguas em sociedade. “Desse modo, o aluno deverá ser capaz de produzir novos significados e leituras de mundo, indo além do senso comum e tornando-se responsável pelas perspectivas que defende” (SILVA; BUCHWEITZ; HAINZENREDER; VIDAL, 2018, p. 213). No que tange ao aluno, sabe-se que a desmotivação dos discentes é um dos desafios apontados por professores de LE, em especial na rede pública de ensino. Muitos estudantes não veem utilidade nas aulas de LE, assim, desvalorizando o processo de ensino-aprendizagem, bem como a atuação do professor. É importante salientar que a falta de motivação dos alunos nem sempre está vinculada a alguma inconsistência no trabalho do professor. Os alunos chegam na escola com outros problemas também, de ordem social, que os afetam profundamente. Por isso, a motivação torna-se um fator importantíssimo para o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem, dado que: Motivação é uma das duas características-chave do aprendiz que determina a razão e o sucesso da aprendizagem em língua estrangeira (a outra é a aptidão): a motivação fornece o ímpeto principal para embarcar na aprendizagem e, depois, a força diretriz que sustenta o longo e frequentemente tedioso processo de aprendizagem (DORNYEI apud BERNARDINO, 2009, p. 02). Fazendo uma reflexão acerca dos pressupostos acima, pode-se afirmar que a motivação é fundamental para que o indivíduo atinja suas metas e se sinta instigado a aprender. “Na sala de aula, o professor pode promover um espaço que seja propício ao engajamento, ou seja, ele é um colaborador, um facilitador do caminho a ser percorrido” (SILVA; BUCHWEITZ; HAINZENREDER;VIDAL, 2018, p. 216). Uma forma de motivar os alunos é desenvolver a aula à luz da Abordagem Comunicativa (doravante, AC), a qual entende a língua como um instrumento de comunicação e interação social. Portanto, o processo de ensino-aprendizagem pauta-se no desenvolvimento da capacidade do discente de usar a língua em contextos reais de comunicação, de modo a aprender a interagir por meio da língua. Segundo Hinkel (2010), a grande inovação da AC é a integração das quatro habilidades – Reading, Speaking, Writing, Listening. Brown (2007) explica que essas habilidades estão naturalmente integradas quando considerada a comunicação real. Desse modo, a integração prioriza o uso da língua, com o intuito de desenvolver a competência comunicativa dos alunos. De acordo com Leffa (1988), na abordagem comunicativa, não existe uma ordem de preferência para as quatro habilidades e nem restrição sobre o uso da língua materna. As aulas devem ser planejadas considerando as necessidades e interesses dos alunos. Um modelo importante de integração que pode ser utilizado é o Content based instruction (CBI) - em português, instrução baseada em conteúdo -, o qual “integra a aprendizagem da língua com a aprendizagem de alguns outros conteúdos, muitas vezes assuntos acadêmicos” (LARSEN-FREEMAN, 2000, p. 137). Na CBI, o conteúdo é o ponto de partida para a elaboração da aula. A escolha do conteúdo dependerá das necessidades e dos interesses dos alunos em relação à aprendizagem da LE. A língua, portanto, é tida como um veículo de comunicação pelo qual o aluno obterá informações essenciais e relevantes para sua formação. Mediante os estudos de Brown (2007), aulas formuladas a partir da CBI tendem a ser mais motivadoras, já que os alunos se concentram em assuntos importantes para suas vidas, estando mais dispostos a ouvir, falar, ler e escrever sobre temas relacionados. A falta de motivação é um problema que pode ocorrer tanto em escolas de idiomas quanto no ensino fundamental e médio. Entretanto, ela tende a ser mais grave quando o inglês é uma matéria escolar, o que se deve ao fato de que o aluno não pode fazer escolhas quanto à grade curricular e também em função do ambiente ser menos propício à valorização do idioma. O inglês, muitas vezes, é visto como uma disciplina “menor”, menos importante do que português e matemática, por exemplo. Por isso, é importante que o ambiente da sala de aula atribua significado ao ensino do idioma estrangeiro. Aquilo que faz parte da realidade do aluno, que não é um conteúdo abstrato sem relação nenhuma com a vida dele, tende a obter uma recepção melhor e, portanto, deve ser aproveitado no planejamento de cada professor. (SILVA; BUCHWEITZ; HAINZENREDER; VIDAL, 2018, p. 219) Assim sendo, pensar em práticas significativas aos alunos é, portanto, focar em situações reais de comunicação que de fato vão agregar na vida dos estudantes. É preciso também valorizar os conhecimentos prévios dos estudantes, associando os conteúdos a assuntos tratados nas áreas de interesse dos jovens aprendizes. Quando partimos de algo que eles já sabem, eles sentem que podem contribuir, sentem-se seguros para se lançar a novos conhecimentos, o que também é um fator bastante positivo para gerar um ambiente que favoreça a motivação. Por exemplo, a escolha de temas atuais que o professor já observou em alguma ocasião que seus alunos apreciam é uma boa ideia. [...] Quando o aluno sente que o que se ensina tem a ver com o todo, com o mundo em que ele vive, a identificação se torna mais provável. (SILVA; BUCHWEITZ; HAINZENREDER; VIDAL, 2018, p. 217) Uma outra forma de motivar os alunos é inspirá-los, para tanto, o professor deve buscar melhorar sua proficiência no idioma, fazendo cursos, vendo filmes, conversando em inglês com colegas, estudando. Com essa melhora, o professor se sentirá mais seguro e o aluno, por sua vez, o valorizará mais. Além do uso de recursos físicos (livros, giz, caderno, cartazes, fantoches, RPG etc.), o uso de recursos tecnológicos durante as aulas também ajuda muito no desenvolvimento da aprendizagem. O uso das tecnologias da informação e comunicação (TICs), quando bem mediadas, auxiliam muito nesse processo. Jogos on-line, músicas, vídeos, livros digitais, programas de gravação de áudio, redes sociais, tudo isso pode colaborar. Falando especificamente dos meios tecnológicos, sua relação com a língua inglesa é um caso especial. Na chamada world wide web, o inglês é a língua predominante que permite a comunicação entre as pessoas ao redor do mundo. Ele é, também, o idioma da linguagem computacional propriamente dita. O advento da internet mudou muitos aspectos interacionais e comunicacionais: hoje, o aluno pode buscar conhecimentos que, antes, dependeria de um professor ou de outro indivíduo para encontrar. O lado ruim disso tudo é que, sem nenhum direcionamento, essa procura pode cair em um vazio e não produzir efetivamente nada de positivo. Por outro lado, a internet permite uma maior autonomia na produção de conhecimento, o que favorece o processo de aprendizagem. Sabemos que cada um aprende de um jeito, cada um tem sua história, sua trajetória, seus interesses. Enfim, se o professor sozinho não tem como dar conta de todas as necessidades de seus alunos, a ideia é que estes, quando têm acesso a uma educação para autonomia, possam correr atrás de seus interesses mais particulares. (SILVA; BUCHWEITZ; HAINZENREDER; VIDAL, 2018, p. 218) Infelizmente muitos estudantes vêm para a sala de aula com a ideia enraizada de que não aprenderão a LE ou de que a LE não é útil para suas vidas. Esse pré-conceito deve ser desconstruído e, nesse processo, o professor desempenha um importante papel. Como já foi dito no começo deste capítulo, não há uma fórmula padrão para ser empregada em todas as situações-contextos de ensino-aprendizagem, visto que existem questões linguísticas e extralinguísticas que interferem na educação. Entretanto, o olhar crítico-reflexivo do professor precisa ser acionado, de modo que, por meio de práticas inovadoras e motivadoras, os alunos encontrem uma ressignificação na aprendizagem de LE. SAIBA MAIS Pouca atenção tem sido dada ao papel do professor dentro da sala de aula. Os professores têm sido observados como se fossem simples ferramentas usadas para aplicar métodos previamente prescritos para que um aprendizado de sucesso seja alcançado. A maioria das pesquisas na área de desenvolvimento do professor simplesmente observa se o método usado pelo professor está implementando o aprendizado de uma língua com sucesso e também suas falhas, ou então se os professores estão aplicando a técnica, a abordagem ou método adequados, ao invés de observar “o que” os professores poderiam trazer para as suas próprias salas de aula através de suas próprias experiências, e “como” um método poderia ser melhor aplicado com a colaboração dos professores. (WOODS apud HIBARINO, 2011, p.112). #SAIBA MAIS# REFLITA Há um outro paradoxo entre a retórica do professor reflexivo e, ao mesmo tempo, a inexistência de condições de trabalho concretas – desde condições de tempo, a matéria-prima mais importante da reflexão – e desenvolvimento profissional que possam, de fato, alimentar a ideia do professor reflexivo. São paradoxos que precisamos saber ultrapassar e, para isso, é importante a mobilização, o combate coletivo dos professores. (NÓVOA, 2007, p. 13). #REFLITA# CONSIDERAÇÕES FINAIS Prezado(a) aluno(a), nesta unidade, você pôde refletir sobre alguns desafios encontrados na formação de professores de línguas estrangeiras, bem como algumas estratégias e motivações para o enfrentamento dessas dificuldades. Espero que as informações selecionadas para compor essa unidade tenham ajudado você,futuro professor, a pensar na sua formação inicial e continuada. Lembre-se de que a teoria não deve (e não pode) caminhar sozinha, é preciso haver questionamentos constantes sobre as práticas pedagógicas, de modo com que elas sejam atualizadas mediante as necessidades das interações sociais. Você, enquanto aluno do curso de Letras, precisa buscar ferramentas e mecanismos para aprimorar sua formação na graduação, os quais vão além do oferecido pelas instituições de ensino. É importante fazer pesquisa, ler artigos na área, participar de eventos científicos em diferentes lugares, estagiar na sala de aula, enfim, é necessário ir além do que já se tem, de modo a desenvolver as competências necessárias para a atuação docente. Afinal, o professor é um eterno aluno de sua própria profissão. Uma das propostas da Linguística Aplicada é justamente trazer contribuições para o diálogo e a articulação entre a teoria e a prática. Pensar na formação docente é uma maneira de refletir sobre o professor, seu trabalho, sua carreira, bem como o impacto da sua formação e das suas escolhas didático-metodológicas no processo de aprendizagem dos alunos. LEITURA COMPLEMENTAR CRISTOVÃO, V. L. L.; BEATO-CANATO, A. P. M. A formação de professores de línguas para fins específicos com base em gêneros textuais. DELTA: Documentação de Estudos em Lingüística Teórica e Aplicada, São Paulo, v. 32, p. 45-74, 2016. FURLANETTO, P. F. O professor global e o ensino da língua inglesa: uma visão a partir do pós-método. Curitiba: Editora Intersaberes, 2019. PONTES, V. F.; DAVEL, M. A. N. O inglês na educação básica: um desafio para o professor. Revista X, Curitiba, v. 1, p. 102-117, 2016. RODRIGUES, L. C. B. A Formação do Professor de Língua Estrangeira no Século XXI: entre as antigas pressões e os novos desafios. Signum: Estudos da Linguagem, Londrina, v. 19, n. 2, p. 13-34, 2016. SILVA, D. C. F.; BUCHWEITZ, M.; HAINZENREDER, L. S.; VIDAL, A. G. Linguística Aplicada ao Ensino do Inglês. Porto Alegre: SAGAH, 2018. KUMARAVADIVELU, B. A linguística aplicada na era da globalização: Por uma linguística aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola, p. 129-148, 2006. LIVRO • Título: O professor global e o ensino da língua inglesa: uma visão a partir do pós- método. • Autora: Priscila Fernanda Furlanetto. • Editora: Intersaberes. • Sinopse: Com o objetivo de proporcionar uma discussão embasada sobre a língua inglesa na era global, assim como o papel do professor de inglês nesse contexto, esta obra discute o idioma sob três principais prismas: o inglês como língua franca; língua estrangeira (LE); e segunda língua (L2). Além disso, explora os principais métodos de ensino do inglês, dando especial atenção à sua fase atual, conhecida como Pós-Método. FILME/VÍDEO • Título: Desafios da Educação: O ensino da língua inglesa nas escolas públicas brasileiras • Ano: 2015 • Canal: UNIVESP • Sinopse: O ensino da língua inglesa é um grande desafio para as escolas públicas brasileiras. Os professores se queixam do material didático e de não ter acesso à internet e músicas em sala de aula. Apenas um terço dos docentes tem algum certificado em inglês. Nina Coutinho, do British Council, e Maurício Prado, autor de uma pesquisa inédita, participam de debate no programa Desafios da Educação. • Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=6cEc2zUEKeg REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE COSTA, H.; MARINELLI, V. L. Formação inicial de professores de língua estrangeira: o ensino e a pesquisa no curso de letras francês da PUC-SP. Revista Intercâmbio, São Paulo, v. 18, p. 94-106, 2008. ALMEIDA FILHO, J. C. P. O ensino de línguas no Brasil de 1978: e agora?. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, Minas Gerais, v. 1, n. 1, p. 15-29, 2001. BERNARDINO, E. A. O pensamento deweyano, a motivação e o interesse do aluno no contexto de aprendizagem de língua estrangeira. Revista Travessias, Cascavel, v. 3, n. 1, 2009. BIAZI, T. M. D.; GIMENEZ, T.; STUTZ, L. O papel da observação de aulas durante o estágio supervisionado de inglês. Signum: Estudos da Linguagem, Londrina, v. 14, n. 1, p. 57-78, 2011. BROWN, D. H. 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CONCLUSÃO GERAL Prezado(a) aluno(a), neste material, você pôde conhecer a Linguística Aplicada, a partir de sua conceituação, características, objeto de estudo, origem, percurso histórico e principais áreas de interesse. Com essas informações, dispostas especialmente na unidade I, foi possível mostrar a você, caro (a) leitor (a), o quão rica e importante é essa ciência para a compreensão de tantos problemas relacionados ao uso da linguagem em diferentes esferas sociais. Na unidade II, você entrou em contato com alguns conceitos que o introduziram ao universo da ASL. Viu-se, com base nas conceituações, que há uma complexidade em se classificar as línguas e os processos, já que são influenciados por fatores intra e extralinguísticos. Em seguida,na unidade III, foram apresentados quais são os principais modelos, teorias e hipóteses que norteiam o processo de aquisição de segunda língua, com base no livro de Paiva (2014). A autora nos mostra que, embora nenhuma teoria isolada explique como aprendemos uma segunda língua, todas devem ser estudadas, já que cada uma traz uma consideração importante sobre o fenômeno de ASL e, juntas, podem nos ajudar a compreender esse complexo campo de investigação da Linguística Aplicada. Por fim, na unidade IV, refletimos sobre alguns desafios encontrados na formação de professores de línguas estrangeiras, bem como algumas estratégias e motivações para o enfrentamento dessas dificuldades. Fez-se isso em razão de uma das propostas da Linguística Aplicada ser justamente trazer contribuições para o diálogo e a articulação entre a teoria e a prática. Espero que com este material você possa ter compreendido a importância da Linguística Aplicada e da Aquisição de Segunda Língua nos estudos de Letras. Reitero que um bom graduando (futuro professor (a) e pesquisador (a) não pode restringir seus estudos a somente uma apostila. É importante fazer leituras de artigos, dissertações e teses sobre a temática; participar de eventos científicos que contemplem os assuntos trabalhados; assistir a minicursos que discutam o tema abordado; e, em especial, fazer pesquisas sobre um tópico escolhido com o intuito de se aprofundar nos pressupostos teórico-metodológicos, desenvolvendo trabalhos que ampliem ainda mais o escopo de investigação científica dessa área de estudos. Lembre-se sempre de que, no fim, somos todos iguais. Professores, pesquisadores e professores-pesquisadores estão sempre buscando saber mais e mais. Como diz Rubem Alvez, “não haverá borboletas, se a vida não passar por longas e silenciosas metamorfoses”. Para obtermos resultados significativos com nossas pesquisas, trabalhos e estudos, precisamos ir à luta. A construção de conhecimento é um processo de fato árduo mas que, ao fim, nos liberta.