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Deus e religião nos sistemas de pensamento medievais: a teodiceia nas filosofias medievais não cristãs Apresentação A filosofia sempre foi constituída de uma ampla relação entre saberes, por isso mesmo não se pode dizer que ela tenha somente um objeto ou que faça parte somente de uma cultura. Nesse sentido, é possível compreender as relações estabelecidas pelo pensamento filosófico na Idade Média entre o Ocidente e o Oriente. A produção filosófica medieval foi marcada por modificações culturais, conflitos políticos e sociais. A filosofia, até então atrelada ao pensamento cristão – primeiramente em relação à patrística e posteriormente relacionada à escolástica –, se fundamentava na produção platônica e aristotélica, e começou a se disseminar pelo Oriente. A partir dessas inter-relações filosóficas, as filosofias orientais conciliaram os seus argumentos religiosos com as noções metafísicas e epistemológicas, principalmente no desenvolvimento do pensamento árabe e judaico. Nesse contexto, especificamente decorrendo da obra de Aristóteles, as reflexões acerca da possibilidade de conhecer as revelações divinas fazendo uso da razão determinaram as concepções sobre a essência e a existência – em especial, deram as bases para a filosofia judaica de Maimônides. Nesta Unidade de Aprendizagem, você compreenderá as relações entre as filosofias oriental e ocidental no período medieval; a construção filosófica árabe entre os séculos X e XII; e, por fim, a estreita relação entre a filosofia judaica de Maimônides e a filosofia aristotélica. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Contextualizar as inter-relações entre a filosofia cristã medieval e as demais filosofias monoteístas não cristãs do mesmo período. • Caracterizar a filosofia islâmica dos séculos X a XII.• Explicar como a teoria dos atributos divinos de Maimônides se reapropria dos argumentos filosóficos elaborados por Aristóteles. • Infográfico A diáspora remonta à história do povo judeu. Desde o seu surgimento, o povo judeu passou por diversos conflitos que constam em versões até mesmo bíblicas. Nesse contexto, por diversas vezes, sofreram com a sua separação, dispersão, expulsão e dizimação. Foi o que aconteceu, por exemplo, na recente história do mundo com a Segunda Guerra Mundial. Neste Infográfico, você conhecerá a história da diáspora judaica desde o seu início até a formação do Estado de Israel. Diante disso, entenderá quando as expulsões e dispersões do povo judeu tiveram início, e como essa situação se prolongou no decorrer dos séculos até a formação do Estado de Israel, tema que já era demonstrado de forma inquietante na filosofia de Maimônides. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://statics-marketplace.plataforma.grupoa.education/sagah/8747ca52-3a44-40e5-aedc-cc06a5069f4a/1abf1489-a8c4-43fc-a84f-8d3ccd0d6930.jpg Conteúdo do livro A relação entre a filosofia e a religião é uma das mais antigas da história. Mesmo no período antecessor à Antiguidade Clássica, no período pré-filosófico, a reflexão se dava a partir das manifestações religiosas. Assim, buscando entender a realidade, o ser humano buscava nas narrativas o sentido da vida. Com o surgimento das religiões, as tradições se fixaram e contribuíram na formação das culturas e das sociedades. O judaísmo, a religião monoteísta mais antiga, originou as bases para as demais religiões monoteístas e abraâmicas. Por outro lado, sem a filosofia grega, em especial as reflexões filosóficas de Platão e Aristóteles, as religiões não teriam se desenvolvido em suas teologias, significações, doutrinas e dogmas. Trata-se, portanto, de uma ampla intersecção que contribui para o florescimento filosófico de cada religião de acordo com suas próprias diversidades culturais. No capítulo Deus e religião nos sistemas de pensamento medievais: a teodiceia nas filosofias medievais não cristãs, da obra Filosofia da religião, base teórica desta Unidade de Aprendizagem, você compreenderá as relações entre as produções filosóficas monoteístas e medievais ocidentais e orientais, as problematizações centrais à filosofia islâmica entre os séculos X e XII e a filosofia judaica de Maimônides e como ela se relaciona à filosofia aristotélica. Boa leitura. FILOSOFIA DA RELIGIÃO OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Contextualizar as inter-relações entre a filosofia cristã medieval e as demais filosofias monoteístas não cristãs do mesmo período. > Caracterizar a filosofia islâmica dos séculos X ao XII. > Explicar como a teoria dos atributos divinos de Maimônides reapropria-se dos argumentos filosóficos elaborados por Aristóteles. Introdução Com o início da Idade Média, a filosofia greco-romana passou por diversas re- formulações. Podemos dizer que tais desdobramentos filosóficos se deram em torno de argumentos religiosos, em especial das religiões abraâmicas. Nesse contexto, se no Ocidente os filósofos medievais buscaram fundamentar a fé cristã na filosofia grega, de modo que a filosofia servisse para pensar as revelações divinas, no Oriente o mesmo aconteceu com relação à filosofia islâmica e judaica. Deus e religião nos sistemas de pensamento medievais: a teodiceia nas filosofias medievais não cristãs Os pensamentos de Platão e Aristóteles se tornaram fundamentais nessa transição e, por isso, as três filosofias (medieval ocidental, islâmica e judaica) buscaram conciliar seus argumentos com suas verdades religiosas. Neste capítulo, você estudará as relações entre a filosofia medieval ocidental e as filosofias monoteístas orientais desenvolvidas à mesma época nas culturas orientais. Além disso, verá quais foram as principais características e os pensadores da filosofia islâmica entre os séculos X e XII. Por fim, compreenderá a filosofia judaica de Maimônides à luz dos argumentos aristotélicos. As inter-relações entre a filosofia cristã medieval e as demais filosofias monoteístas não cristãs O período compreendido como medieval durou do século V ao XV. Rompendo com o caráter politeísta demarcadamente greco-romano, o contexto medieval foi determinado, principalmente na Europa, pelo monoteísmo cristão. Isso significa que a religião cristã fundamentava o modo de vida e de reflexão sobre a realidade. Diferentemente do período anterior, sob o helenismo, em que encontramos uma diversidade de escolas filosóficas e culturais, na Idade Média a diversidade de pensamentos significava contradição aos argumentos religiosos. Contudo, isso não se iniciou no período medieval. Muito antes, nos últimos anos do helenismo, o cristianismo surgiu e passou a conquistar cada vez mais fiéis, sendo que grande parte não pertencia à elite greco-romana, ao menos no princípio. Assim, a religião que pregava que todos pertenciam ao reino de Deus e que Deus fez o homem à sua semelhança, acabou por dignificar a todos, lembrando que a sociedade greco-romana era adepta do regime escravagista. Isso contribuiu para a ascensão cristã. Nessa transição, a figura do apóstolo Paulo foi essencial nesse sentido. Paulo era helenista e discípulo de Cristo e foi responsável, em grande medida, pela disseminação do cristianismo (GILSON, 2001). O fim do período helenista, por volta do século 30 d.C., se deu devido à integração dos territórios helenísticos ao Império Romano. Anteriormente, após a morte de Alexandre, o Grande, em 323 a.C., o império helenista já fora fragmentado. A região que ficou sob a responsabilidade de Ptolomeu I (367–283 a.C.) passou a abrigar várias comunidades judaicas, mais especificamente nos arredores da cidade de Alexandria. Isso gerou uma interseção entre os povos judeus e gregos e fez surgir não apenas um dialeto grego com acentos hebraicos, mas também uma integração, na qual os judeus se reconheciam Deus e religião nos sistemas de pensamento medievais: a teodiceia nas filosofias...2 culturalmentepertencendo às duas culturas. Tal situação passou a ser mais bem assimilada pelas comunidades judaicas da Judeia após os acordos em torno das traduções da Bíblia. Nesse contexto, o cristianismo surgiu de seitas judaicas e, posteriormente, começou a ganhar status de uma grande religião. Após a morte de Cristo, Paulo (nascido na cidade de Tarso, na Cilícia, em 5 d.C. e falecido em Roma, por volta de 67 d.C.) percorreu diversas cidades fazendo pregações dos ensinamentos de Jesus. O apóstolo tinha uma leitura combativa em relação à filosofia grega, e os padres gregos admitiam que Paulo fora formado como homem helenista, mas que soube absorver o cristianismo e contornar sua formação cultural aos moldes da fé cristã. Outro aspecto importante é que o cristianismo não se tratava de uma ilustração da filosofia, ou de seu elemento essencial, a saber, a verdade, e sim de uma substituição da filosofia pela fé (GILSON, 2001). A filosofia só passou a ser lida sob uma óptica afirmativa pelos cristãos quando se tornou cristã. O cristianismo, em seu momento mais primitivo, carecia de formas e fundamentos, isto é, de uma doutrina, de datas culturais e de argumentos racionais que o respaldasse. Foi desse modo que a filosofia se tornou uma importante ferramenta para a religião cristã. Nesse sentido, podemos dizer que a filosofia, principalmente a platônica, serviu de base inicial para o cristianismo, e a produção filosófica desse primeiro momento ficou conhecida como patrística. O maior representante da patrística foi, sem dúvida, o filósofo Santo Agostinho (354–430 d.C.), que estabeleceu paralelos entre a concepção dualista platônica e as noções de bem e mal, principalmente em A cidade de Deus e As confissões. Uma das questões mais relevantes sobre a qual a filosofia se debruçava nesse período consistia na própria cristiani- zação da filosofia e da linguagem gregas após o surgimento do cristianismo. Portanto, a principal tarefa da filosofia cristã foi compreender a realidade tal qual revelada por Cristo (no sentido de que todos os acontecimentos eram revelações de Cristo na realidade). Esse novo pathos filosófico encontra-se originalmente ligado ao pensamento judaico e, posteriormente, seria apro- fundado também pelos filósofos árabes. A filosofia judaica apresenta diversas semelhanças com a forma de pensar dos filósofos cristãos da Idade Média. Dentre os filósofos que contribuíram com a reflexão filosófica judaica desse período, alguns são de maior destaque, como Isaac Israeli (865–955 d.C.). Seu trabalho ficou mais conhecido pelo aspecto fisiológico (GILSON, 2001), por aproximar a medicina do exercício reflexivo, uma vez que era médico, e por ter dado os primeiros impulsos a uma reflexão filosófica propriamente judaica. Ao longo de suas principais obras — O livro das definições, O livro dos elementos, O livro dos espíritos Deus e religião nos sistemas de pensamento medievais: a teodiceia nas filosofias... 3 e da alma — encontra-se um constante paralelismo entre a noção dualista platônica e sua concepção emanatista sobre a origem do mundo e sobre a doutrina da alma, assim como concepções agostinianas neoplatônicas e dualistas em relação à realidade e à alma. Saadia ben Josef de Fayyum (892–942 d.C.) foi outro nome importante dos primórdios da filosofia judaica. Sua filosofia, ao contrário da de Israeli, apresenta uma preocupação fundamental com a conciliação entre a ciência da época e a religião judaica. Assim, suas principais obras, como o Comentário do Livro Jecira e o Livro das crenças e das opiniões, apresentam argumentos em torno da prova da existência de Deus e da origem do mundo paralela à origem do tempo. Nesse sentido, Fayyum argumenta que, se o universo é finito, composto de substância e acidente, não pode ser eterno, o que, por outro lado, comprova que nunca existiu um tempo infinito, pois o mundo começou com o tempo. Assim, paralela à filosofia aristotélica, a filosofia de Fayyum busca refutar o argumento neoplatônico. Para ele, Deus é uno, sua composição, a vida, o poder e a sabedoria em nada alteram a sua unidade, pois seus atributos metafísicos não são excludentes entre si. Com isso, refuta também a concepção cristã da trindade. Além disso, a alma não é entendida pelo filósofo como pré-existente, e sim como criada por Deus no instante em que cria o corpo, estando, portanto, duplamente unidos. Após a morte, a alma adormece e espera até a ressurreição, que deverá acontecer no dia do Juízo Final (GILSON, 2001). Tal reflexão se aproxima do movimento escolástico, protagonizado por São Tomas de Aquino, que buscava aplicar a teoria aristotélica como mé- todo de compreensão da realidade a partir do cristianismo. Nesse sentido, a escolástica se fundamentava na observação, análise, dedução imediata e interpretação doutrinal, todas inspiradas nas causas aristotélicas. Assim, Isaac Israeli e Saadia ben Josef de Fayyum demonstram, por meio de suas teorias, as aproximações entre a filosofia medieval cristã e a filosofia judaica. Em relação à filosofia árabe, em 529 d.C. o imperador romano Justiniano ordenou o fechamento das escolas filosóficas no território do império. Foi nesse contexto que ocorreu a expansão da filosofia grega para o Oriente, principalmente da filosofia aristotélica. Nesse contexto, vale considerar que, graças ao helenismo, a religião cristã chegou à Mesopotâmia e à Síria. Espe- cificamente na Mesopotâmia, encontrava-se a escola de Édessa, criada em 563 d.C., que ensinava a filosofia de Aristóteles e Hipócrates, principalmente. Porém, pouco depois o cristianismo passou substituído pelo islamismo nessas regiões. Os gregos foram então traduzidos para o árabe e para o siríaco. A Deus e religião nos sistemas de pensamento medievais: a teodiceia nas filosofias...4 filosofia árabe apresentava, inegavelmente, um apreço majoritário pela filo- sofia aristotélica e, em segundo plano, pela filosofia platônica (GILSON, 2001). O primeiro filósofo originalmente árabe e mulçumano foi Alkindi (não se sabe a data de nascimento, mas faleceu em 873 d.C.) que, além de um grande pensador, tinha profundos conhecimentos em geometria, aritmética, medi- cina, lógica, psicologia, política e meteorologia. Sua principal obra intitula-se De intellectu e apresenta uma abordagem da filosofia aristotélica sobre o pensamento. Para Alkindi, o intelecto é sempre a ação de uma potência ao ato e, portanto, o intelecto se efetiva na demonstração da finalidade da coisa em sua compreensão. Assim, a inteligência é superior à alma, pois age em conformidade a ela, para satisfazê-la. É como se a alma fosse algo a ser alcançado pela inteligência, que se desdobra por merecê-la. A inteligência tem o papel e a responsabilidade de tornar a alma inteligente em ato e de retirá-la do estado inerte de potência. Conclui-se que as filosofias orientais não apenas assimilaram aspectos e problematizações oriundas do Ocidente, mas também elaboraram e avançaram a partir deles. Trata-se, portanto, de uma grande interseção colaborativa entre a filosofia ocidental, eminentemente greco-romana, e as filosofias judaica e árabe, que, nesse contexto, se teceram mais conjuntamente que as asiáticas. A filosofia islâmica dos séculos X ao XII A filosofia árabe compreendida entre os séculos X ao XII seguiu sob intensa influência da filosofia greco-aristotélica. Com o surgimento do islamismo ao longo do século VII d.C., a religião viu na filosofia aristotélica a possibilidade de fundamentação da fé mulçumana. Nesse contexto, o Alcorão, enquanto ensinamentos e práticas reveladas por Alá ao profeta Maomé, necessitava ser compreendido e pensado em relação à realidade como revelação divina. Cabe dizer que a fé mulçumana, em seus costumes e práticas, foi fortemente influenciada tanto pelo judaísmo quanto pelo cristianismo. Diversos pensadores cunharam filosofias no contexto árabe. Contudo, o filósofo a inaugurar tal pensamento filosófico no século X foi Al-Farabi(870–950 d.C.) (Figura 1). Esse filósofo estudou e lecionou em Bagdá e ficou conhecido por suas traduções e comentários da obra Órganon, de Aristóteles. Além disso, produziu as obras A alma, Inteligência e o inteligível, A Unidade e o uno e a mais importante, Concordância de Platão e Aristóteles. Nesse sentido, convém ressaltar que a filosofia islâmica desse período apresenta uma extensa produção que mais do que se dissociar do pensamento grego, partiu dele rumo à sua própria filosofia. A obra de Al-Farabi, por exemplo, Deus e religião nos sistemas de pensamento medievais: a teodiceia nas filosofias... 5 demonstra uma leitura singular da filosofia grega, pois até aquele momento as leituras dos gregos eram separadas: de um lado a teoria platônica, de outro a aristotélica. Al-Farabi, porém, opera em junção, o que demonstra que os pensadores desse contexto estavam convencidos de que Platão e Aristóteles concordavam. Esse traço conciliador ficou bem conhecido dos árabes daquele período, que antes tiveram que operar a conciliação entre o Antigo Testamento e o Deus islâmico, Alá, para se chega a um acordo sobre a criação. Figura 1. Estátua de Al-Farabi na cidade de Almaty, Cazaquistão. Fonte: Al-Farabi Kazakh National University, [2020]. Tal problematização sobre a criação foi uma das temáticas centrais entre os séculos X e XII. A principal questão em torno do tema era: quais são os direitos de Deus sobre a realidade que se mostra autossuficiente? Um dos grandes protagonistas dessa problematização foi Al-Achari (873–935 d.C.), que também ficou conhecido como um reformador do Islã e que chegou à constatação de que o universo fora criado pelo fiat lux de Deus. Portanto, Deus é compreendido por esse pensador como aquele que depende totalmente de seu próprio poder e que elaborou tanto o bem quanto o mal. Esses princípios metafísicos guiaram os pensadores do período em suas reflexões sobre o universo e sua origem. A compreensão recorrente pode ser resumida assim: [...] tudo era desarticulado no tempo e no espaço para permitir que a onipotência de Deus pudesse circular à vontade. Uma matéria de átomos disjuntos perdurando num tempo composto de instantes disjuntos, efetuando operações nas quais cada momento é independente do que o precede e sem efeito sobre o que o segue (GILSON, 1995, p. 428). Deus e religião nos sistemas de pensamento medievais: a teodiceia nas filosofias...6 Assim, a união entre os elementos que formam o universo só é possível pela vontade de Deus. O já citado filósofo Al-Farabi, porém, nutria uma concepção um pouco distinta. Para ele, a criação deve ser compreendida a partir da distinção entre essência e existência, o que se tornou um marco na história da filosofia metafísica, pois Al-Farabi conseguiu de uma só vez unir a filosofia grega à existência mística de Deus, tal como concebido pelos orientais. A contingência proposta por Al-Farabi consiste em que os seres naturais são contingentes, pois ao mesmo tempo em que são dotados de uma materialidade física e, portanto, existente, também são dotados de uma essência que dá vida à existência e que pode ser perdida, tornando-se assim matéria morta. Desse modo, Al-Farabi estabelece a distinção entre existência e essência, garantindo que Deus tenha sido a causa primeira. Essa teoria foi inspirada na filosofia aristotélica, especificamente na con- cepção de que o que a coisa é não comporta o que ela possa ser; a essência, portanto, não é existência, se fossem ambas a mesma coisa, não haveria necessidade de se distinguir, logo o fato de existir já significaria o fato de ser. Assim, a operação da morte, por exemplo, seria inconcebível, pois o corpo teria de portar necessariamente uma essência. Outro aspecto é que, se a essência e a existência fossem a mesma coisa, a imaginação não poderia criar uma distinção entre ambas. A título de exemplificação, Al-Farabi ainda introduz uma hipótese: podemos saber que do outro lado do mundo habitam humanos sem que tenhamos de ir até lá para verificar, logo a existência é um acidente acessório. Segundo Gilson (2001), a teoria de Al-Farabi foi responsável por introduzir a distinção metafísica com base na lógica aristotélica. Para tanto, sua hipótese passava por três momentos: � a análise das noções de essência e existência; � a constatação de que a essência não necessariamente participa da existência; � a existência se configura como um acidente da essência. Tal operação permite compreender uma união entre a teoria de Aristóteles e Platão. A teoria aristotélica se mostra presente na compreensão lógica relacionada à análise da coisa em si, ao passo que a existência enquanto resultado acidental da essência se mostra fundamentalmente platônica. Tal dignificação da existência frente à essência acontece, posteriormente, somente com a obra de Tomás de Aquino. Nesse sentido, Al-Farabi se destaca Deus e religião nos sistemas de pensamento medievais: a teodiceia nas filosofias... 7 ao associar a natureza das coisas à possibilidade epistemológica contida nelas, teoria profundamente aplicada e demonstrada na obra De intellectu. Assim, a filosofia alfarabiana entende que a finalidade do homem seja utilizar sua inteligência para compreender a inteligibilidade do mundo, realizando de uma só vez sua capacidade intelectiva e descobrindo uma superioridade inacessível a não ser pelo amor. A obra desse importante filósofo tratou também sobre outras temáticas caras ao mundo islâmico. Sobre a política, pensava que, mesmo que houvesse uma cidade quase perfeita, qualquer experiência comunitária não expressa a necessidade da cidade ser o seu próprio fim. Tal compreensão deriva da noção de que uma cidade perfeita fará parte somente de um mundo supraterrestre. Segundo Gilson (2001), um dos movimentos mais curiosos nesse período foi a influência de uma seita franco-maçônica criada originalmente em IV d. C. sobre os filósofos mulçumanos de então. Os membros dessa seita se tratavam por “irmãos da pureza” e tinham como principal objetivo não a compreensão das revelações religiosas por meio da filosofia, mas antes fazer uso da filosofia para aprimorar as leis religiosas e legitimá-las racionalmente. Essa seita produziu 51 tratados sobre física, matemática, religião, teologia e doutrina da alma. A relevância dessa seita consiste na disseminação da filosofia entre os mulçumanos, principalmente a partir do século X. Foi nesse meio que se destacou a figura de Avicena (980–1037 d.C.), que se tornou um dos nomes mais importantes da filosofia árabe, inclusive no Ocidente. A obra que mais intrigou Avicena desde a juventude foi a aristotélica. Ao entrar em contato com a filosofia de Al-Farabi, mais precisamente com a leitura alfarabiana de Aristóteles, Avicena decidiu se dedicar aos problemas contidos na metafísica do filósofo grego. A obra de Avicena que mais se destacou foi a Al Schifá (A cura), que, mais do que tecer comentários elucidativos sobre a obra aristotélica, apresenta uma interpretação própria. Nela, a doutrina aristotélica é combinada ao neoplatonismo, juntamente com a religião islâmica e a judaica. Outro aspecto da obra é argumento lógico. Para Avicena (GILSON, 2001), a categoria universal só pode ser aplicada a uma definição específica de realidade mental, que é entendida como essência. No mais, cada realidade é composta de propriedades distintas. Assim, universal, por exemplo, é a alma, que é essencial, já o corpo não afeta as propriedades da alma, proporcionando-lhe ou não sensações internas ou externas. Avicena concebe, então, o universo como que composto por essências que são o objeto da especulação filosófica metafísica. A es- sência é compreendida como aquilo que define a si mesmo, o que acaba por criar uma cisão entre a metafísica e a ciência, antecipando um problema que Deus e religião nos sistemas de pensamento medievais: a teodiceia nas filosofias...8 veio a se aprofundar na Idade Moderna. Nesse sentido,se a essência não se importa com as categorias de universalidade ou de singularidade, é porque ela é em si independente das propriedades adquiridas. Como ressalta Gilson (2001), a essência do cavalo é a cavalidade, não sendo necessário que todos os cavalos sejam iguais em suas propriedades. A ciência e a lógica, portanto, partem de pressupostos universais para compreender ao máximo os seres em suas propriedades, sem que isso lhes afete a singularidade essencial. Conclui-se que, mesmo partindo dos pressupostos filosóficos gregos, em especial os aristotélicos, a filosofia árabe se construiu não com os gregos, mas a partir deles. Avicena, que se tratou de um personagem caro à tradição medieval, contribuiu para a filosofia ocidental com reflexões que ainda não haviam sido desenvolvidas, como a unidade da inteligência agente como possibilitadora da compreensão da inteligibilidade. Nesse horizonte, encon- tramos o diálogo entre Al-Farabi e Avicena. Este último admitiu diversas vezes que sem a filosofia alfarabiana não teria sido possível o desenvolvimento de sua lógica e metafísica. A teoria dos atributos divinos de Maimônides e os argumentos filosóficos de Aristóteles A obra do pensador judaico Maimônides (1138–1204) (Figura 2) se faz incontor- nável ao se tratar dos desdobramentos da obra aristotélica na cultura judaica. Nascido em uma região em que a cultura hebraica se mesclava com a cultura islâmica, na cidade de Córdoba, atual Espanha, o filósofo judeu pode desenvol- ver suas teorias à luz das obras de Al-Farabi, Avicena e Averróis. Era tido como um grande conhecedor e admirador da teologia racionalista dos mulçumanos, como se pode se verificar em sua obra central, Guia dos perplexos. Seu mestre foi Avempace, um filósofo original de Saragoça, Espanha, conhecido por ser estudioso da obra aristotélica, principalmente no que compete aos tratados sobre a alma, o intelecto e o pensamento ético. Por sua vez, Avempace teve também como referência a obra do filósofo Al-Farabi, que era composta de fortes argumentos neoplatônicos. Isso leva, então, a identificar na obra de Maimônides alguns aspectos neoplatônicos (PEREIRA, 2015). Deus e religião nos sistemas de pensamento medievais: a teodiceia nas filosofias... 9 Figura 2. Iluminura de Maimônides ensinando alunos sobre a medida do homem. Fonte: Wikipédia Commons (2013) A doutrina principal de Maimônides consiste, primeiramente, em esti- pular as condições necessárias à profecia e, portanto, ao que é necessário ao profeta. Assim, segundo o filósofo (MAIMÔNIDES, 1997), o profeta deve ser aquele dotado de intelecto, imaginação, bons hábitos, coragem, capaci- dade imaginativa e liderança sobre os demais. Contudo, de acordo com Leo Strauss (1988), a profecia de Maimônides em seu tempo caracterizava uma grande liberdade para se filosofar. Nesse sentido, o autor não atribui isso à sociedade islâmica, e sim à postura do filósofo profeta. Vale ressaltar que a postura de Maimônides estava de acordo com a tradição filosófica de origem platônica, segundo a qual o filósofo é aquele que acessa verdades dado o grande exercício intelectual e, portanto, deve guiar a sociedade para o conhe- cimento e não simplesmente fornece-lhe os caminhos necessários. Strauss (1988) relaciona um caráter mais iluminista, ainda que medieval, na obra de Maimônides, na apreensão do modo de vida grego contemplativo. De acordo com Pereira (2015, p. 112), “[...] na busca de sua perfeição, o homem deve viver uma vida dedicada à teoria, à contemplação de seu objeto supremo, a saber, Deus”. Com isso, tocamos no essencial da profecia para o filósofo judaico: a revelação divina enquanto educadora do conhecimento sobre as verdades. Para a teoria de Maimônides, são essenciais as faculdades imaginativas e intelectuais para o ofício do profeta e filósofo, com base na revelação divina que deve ser trabalhada pelas faculdades humanas. Trata-se de um pensamento que advém da obra aristotélica Metafísica. Em seu Guia dos perplexos, Maimônides (1987) apresenta a primeira distinção entre a ima- Deus e religião nos sistemas de pensamento medievais: a teodiceia nas filosofias...10 ginação e o intelecto. Primeiramente, são diferentes porque se distinguem como operações mentais: enquanto o intelecto busca a compreensão de um objeto, a imaginação o produz de diversas formas. Assim, o intelecto é colocado como compreensivo e significativo e a imaginação como criadora de definições e designações sobre o objeto. De acordo com o eidos aristotélico, a essência da coisa já se apresenta em sua forma e, portanto, a essência de algo está em sua forma, que determina sua função e sua finalidade. Já na filosofia maimônidiana, advinda dessa premissa, a forma (temuná, em hebraico) carrega em si três sentidos: � a forma consiste naquilo que percebemos pelos sentidos do objeto em sua configuração e estrutura; � a imaginação capta a configuração e a estrutura dos objetos; � a essência do objeto só pode ser captada pelo conhecimento sobre ele desenvolvido pelo intelecto. Dessa forma, o filósofo afirma que a representação intelectual não pode ser confundida com a representação imaginativa, chamando a atenção para os perigos que a produção imaginativa pode nos levar a cometer, tal qual Adão ao imaginar poderes divinos. Preocupado com esses desvios, Maimônides (1987) dedica o seu Guia dos perplexos à explicação da Torá para aqueles que renunciaram à razão ou ficam confusos com as escrituras sagradas. Para tanto, o filósofo apresenta sua teoria dos atributos, em um tratado dividido em oito capítulos que, por sua vez, apresentam as cinco partes que compõem a alma: a nutritiva, a sensitiva, a imaginativa, a volitiva e a intelectual. Sua obra também apresenta um grande esforço em associar a tradição da Torá à racionalidade filosófica, com vistas a uma racionalidade universal. Segundo o filósofo, as cinco partes da alma constituem os cinco atributos que fazem do profeta aquele que consegue separar a realidade das coisas sensíveis da imaginação: “[...] ele as descreve por meio dos atributos ma- teriais tal como a perceberam” (MAIMÔNIDES, 1987, p. 74, tradução nossa). Assim, o erro antecessor decorreu da interpretação errada sobre algumas passagens da Torá referentes às profecias, que, por sua vez, contribuíram para uma compreensão equivocada do que seriam de fato os atributos divinos. Portanto, segundo Maimônides (1987), um atributo divino traz em si alguma propriedade que não corresponde à universalidade do objeto. Trata-se de um acidente, mas, apesar de acidental, a propriedade expressa pelo objeto demonstra a pluralidade divina, inclusive de intervenção e com vistas à compreensão intelectual. Deus e religião nos sistemas de pensamento medievais: a teodiceia nas filosofias... 11 Sendo assim, devem ser compreendidos como divinos os atributos que apresentam todas as propriedades essenciais de determinado objeto, o que não significa tentar definir Deus, na medida em que Deus não pode ser definido a partir de um objeto. Por sua vez, são considerados dotados de atributos divinos aquilo que apresenta ao menos partes das propriedades consideradas essenciais, aquilo que é dotado de qualidade, aquilo que se relaciona com outro objeto e aquele que pode descrever as ações do objeto. Desse modo, para Maimônides (1987, p. 76, tradução nossa), “[...] quando a razão considera a essência divina, ela a compara à luz porque esta constitui o mais nobre dos objetos sensíveis e o mais rarefeito, o que envolve, mais que todos os outros, as diversas partes do universo”. Trata-se, de modo mais direto, da aplicação das causas aristotélicas na compreensão divina judaica. Maimônides concebe o universo a partir da noção de causa e efeito. Os corpos celestes são ordenados por uma essência inteligente, que hierarquicamente encontra-se abaixo da causa primeira, que é a responsável por ordenar todas as coisas segundo essa inteligência. Assim, abaixo dessagrande inteligência, outras vão se desdobrando inferiormente, sendo que a Lua simboliza a décima inteligência, a inteligência agente. Os humanos, nesse contexto, recebem por uma espécie de fluxo o intelecto agente que é atualizado constantemente. Podemos dizer, a partir de tais explanações, que Maimônides buscou compreender a Bíblia partindo do pressuposto de que ela se comunica com os humanos. As profecias, nesse contexto, demonstram a necessidade de se fazer uso de uma linguagem mais esotérica para que os mistérios das escrituras guiem os fiéis. O discurso exotérico mais especulativo caberia apenas a uma elite intelectual e espiritual. Maimônides fundamenta sua teoria profética sem utilizar a faculdade imaginativa como operadora no processo profético, apesar de atribuir a ela a produção humana imagética. Aristóteles é lido pelo filósofo judeu à luz das formas e da matéria, de modo que os humanos são admitidos como seres que epistemologicamente só podem conhecer o mundo que lhes é acessível. As verdades, ou os conhecimentos, só podem ser revelados àqueles que singularmente se mostram à altura de tamanha decifração, ou seja, profetas ou filósofos. Maimônides reconhece Moisés como um desses iluminados, aquele cuja a capacidade intelectiva se fazia um farol, ao passo que os filósofos seriam aqueles que por um profundo estudo e exercício conseguem enxergar lampejos de verdade. Por fim, há aqueles que vivem para sempre na escuridão, compondo a massa ignorante. Conclui-se que a filosofia profética de Maimônides se expressa como uma teoria do conhecimento epistemológica da profecia. Sua teoria foi com- preendia por filósofos de sua própria época, e também pelos que vieram a Deus e religião nos sistemas de pensamento medievais: a teodiceia nas filosofias...12 conhecê-lo posteriormente, como a base epistemológica da profecia a partir das quatro causas. O homem, portanto, é aquele que, sendo iluminado, se mostra capaz de compreender a revelação divina. Referências AL-FARABI KAZAKH NATIONAL UNIVERSITY. Photo Gallery. [2020]. Disponível em: https:// www.kaznu.kz/en/19401/page/. Acesso em: 06 out. 2020. ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. 3. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília , 2001. ARISTÓTELES. Metafísica. 2. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2005. GILSON, E. A filosofia na Idade Média. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995. GILSON, E. A filosofia na Idade Média. 1. ed. 3. tir. São Paulo: Martins Fontes, 2001. MAIMÔNIDES, M. Guía de Perplejos. 2. ed. Madrid: Trotta, 1987. MEASURE OF MEN. Wikipédia Commons, 21 maio 2013. Disponível em: https://commons. wikimedia.org/wiki/File:Measure_of_men.jpg. Acesso em: 06 out. 2020. PEREIRA, R. A herança greco-árabe na filosofia de Maimônides: profecia e Imaginação. Kriterion, Belo Horizonte, v. 56, n. 131, p. 107-128, 2015. Disponível em: https://www. scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-512X2015000100107. Acesso em: 06 out. 2020. STRAUSS, L. La Loi fondée sur la philosophie. La doctrine de la prophétie chez Maïmonide et ses sources. In: STRAUSS, L. Maimônide. Paris: PUF, 1988. p. 101-142. Leitura recomendada MACEDO, C. C. Filosofia Judaica em árabe. Poliética, São Paulo, v. 3, n. 2, p. 113-144, 2015. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/PoliEtica/article/download/26442/18959. Acesso em: 06 out. 2020. Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu funcionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. Deus e religião nos sistemas de pensamento medievais: a teodiceia nas filosofias... 13 Dica do professor As religiões monoteístas mais expressivas ao longo da história são as que descendem do profeta Abraão. O profeta buscou solidificar uma religião de caráter unitário, tanto em relação à divindade quanto às escrituras. Assim nasceu o judaísmo que, posteriormente, possibilitou o surgimento do cristianismo. Ambas as religiões vieram contribuir com a formação da religião islâmica. Apesar de todos esses pontos em comum, recorrentemente os fiéis dessas religiões entram em conflito. Isso se dá, em grande parte, por meio de um fundamentalismo religioso em busca de uma verdade absoluta. Nesta Dica do Professor, você compreenderá os pontos em comum entre as três religiões abraâmicas e as possibilidades de estabelecer um diálogo inter-religioso entre elas. Assim, você aprofundará seu conhecimento acerca das distinções entre os pensamentos e as crenças religiosas dos judeus e dos árabes. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://fast.player.liquidplatform.com/pApiv2/embed/cee29914fad5b594d8f5918df1e801fd/605f2bf30cee462d6c234c437d31426c Saiba + Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor: Podcast – Maimônides Maimônides foi um dos filósofos judeus de maior destaque. Para além do eurocentrismo medievo, moderno e contemporâneo, esse autor ultrapassou os séculos e continua sendo uma referência do pensamento religioso e filosófico judaico. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. Helenismo e cristianismo primitivo: encontros e confrontos A compreensão do divino e suas revelações foi um tema central nas mais diversas produções filosóficas da Idade Média. A partir do momento em que as religiões insurgentes veem a necessidade de respaldo racional e argumentativo para as verdades sagradas, a possibilidade de se compreender a existência divina se faz presente. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. A filosofia do judaísmo A Idade Média foi um período de restabelecimento da filosofia na sociedade, visto que nesse período o pensamento filosófico fundamentava, por meio da razão, a epistemologia religiosa. Desse período temos uma rica produção filosófica tanto ocidental quanto oriental. https://estadodaarte.estadao.com.br/podcast-maimonides/ http://periodicos.uefs.br/index.php/revistaideacao/article/download/4936/4089 Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. http://periodicos.pucminas.br/index.php/horizonte/article/download/P.2175-5841.2019v17n52p530/14629/
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