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GEOGRAFIA ECONÔMICA MUNDIAL AULA 3 Prof. Alceli Ribeiro Alves 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula abordaremos outra perspectiva interessante acerca da globalização: a defendida pelo jornalista americano Thomas Friedman. Friedman (2005) divide a globalização em três períodos, chamados de Globalização 1.0, 2.0 e 3.0. Veremos que cada um desses períodos apresenta mudanças importantes sob o ponto de vista do comércio internacional, seja para os países, seja para as empresas ou para os indivíduos. Em seguida, analisaremos algumas das principais inovações resultantes das revoluções industriais, desde a Primeira Revolução Industrial até as mais recentes, e trataremos das mudanças ocasionadas pela Quarta Revolução Industrial (Indústria 4.0). Nosso objetivo aqui é mostrar as novidades que surgiram a partir de determinadas fontes de energia e as tecnologias que, gradativa ou radicalmente, aprimoraram ou substituíram as mais antigas. Além disso, analisando as recentes inovações da Indústria 4.0, consideraremos os impactos dessas mudanças no mercado de trabalho e na sociedade de modo geral. Por último, analisaremos a aplicabilidade dos conceitos de fixos e fluxos (provenientes da geografia) na área de comércio exterior e discutiremos brevemente acerca da perspectiva da Supply Chain (“cadeia de suprimentos”), relacionando-a aos fixos e fluxos e com a globalização de modo geral. Boa aula! CONTEXTUALIZANDO A intensificação do processo de globalização, a Indústria 4.0 e a importância cada vez maior das cadeias de suprimentos e redes globais de produção têm colocado novos desafios e oportunidades para países, empresas e indivíduos. Essas mudanças ocorridas no primeiro quartel do século XXI nos revelam que este século irá nos proporcionar ainda muitas (e rápidas) transformações em diversas áreas. Isso envolve o surgimento de novas tecnologias, a criação de novas profissões e o desaparecimento de outras, o desemprego, a emergência de novos paradigmas ou, ainda, o retorno de velhos paradigmas com novas roupagens. Todas essas transformações, direta ou indiretamente, afetam e afetarão as relações de comércio entre países e, consequentemente, o comércio 3 internacional. Essas relações ocorrem devido à necessidade que os países e empresas têm de adquirirem ou venderem (difundirem) tecnologias, produtos, serviços etc. Tal necessidade (ou demanda) mobiliza uma ou mais cadeias de fornecimentos ou redes de produção em vários mercados regionais, dando origem a fluxos que partem de diversos tipos de fixos. É com este olhar sobre a globalização, as revoluções industriais e a cadeia de suprimentos que tentaremos entender um pouco mais sobre essas mudanças e relações na economia mundial. Utilizaremos conceitos e perspectivas que, acreditamos, podem nos ajudar nessa tarefa que será realizada ao longo da apresentação e discussão dos temas a seguir. TEMA 1 – GLOBALIZAÇÃO 1.0, 2.0 e 3.0 1.1 Globalização 1.0 Para Friedman (2005), a globalização passou por três grandes períodos. O primeiro é bastante longo e se estendeu de 1492 até cerca de 1800. Este período inicia quando o navegador italiano Cristóvão Colombo saiu da Espanha com o objetivo de chegar à Índia. Colombo tinha uma hipótese pouco provável à sua época: a de que o mundo era redondo, e que se ele navegasse para Oeste saindo da Espanha, chegaria ao destino estabelecido em seu objetivo. De fato, as viagens desse explorador e navegante italiano permitiram que um novo período de expansão, colonização e conquista de territórios ocorresse no Novo Mundo. Segundo Friedman (2005, p. 17), o mundo que parecia grande e desconhecido, “reduziu de tamanho, de grande para médio e envolveu países e músculos, é o período da Globalização 1.0”. Aqui, o autor admite que questões importantes foram levantadas no contexto da Globalização 1.0, sobretudo no âmbito do país. 1.2 Globalização 2.0 Para Friedman (2005), o período da Globalização 2.0 vai de 1800 ao ano 2000. Neste período, o mundo passa a sofrer outra redução de tamanho, de médio para pequeno. Na perspectiva do autor, houve apenas uma breve interrupção neste período, que envolveu a Primeira e a Segunda Guerra Mundial. Se na Globalização 1.0 os países foram os principais agentes de mudança, Friedman defende que foram as empresas multinacionais que tiveram esse 4 papel na Globalização 2.0. “As multinacionais se expandiram em busca de mercados e mão de obra, movimento encabeçado pelas sociedades por ações inglesas e holandesas e a Revolução Industrial” (Friedman, 2005, p. 18). Nesse mesmo contexto e período, o autor trata da ideia de inovação nos sistemas de transporte e comunicação, tema amplamente debatido na geografia econômica e industrial, e que também se faz presente nas seções seguintes deste texto. Nas palavras de Friedman (2005, p 18): Na primeira metade dessa era, a integração global foi alimentada pela queda dos custos de transporte (graças ao motor a vapor e às ferrovias) e, na segunda, pela queda dos custos de comunicação (em decorrência da difusão do telégrafo, da telefonia, dos PCs, dos satélites, dos cabos de fibra óptica e da World Wide Web em sua versão inicial). Foi nesse período que assistimos de fato ao nascimento e maturação de uma economia global propriamente dita, no sentido de que havia uma movimentação de bens e informações entre os continentes em volume suficiente para a constituição de um mercado de fato global, com a venda e revenda de produtos e mão de obra em escala mundial. Apesar da redução no tamanho do mundo e das transformações produzidas pelas globalizações 1.0 e 2.0, Friedman acredita que muitas barreiras ainda existiam no final da Globalização 2.0. Ainda no âmbito dessa segunda fase, o autor admite que questões importantes foram levantadas no contexto da globalização, sobretudo na esfera das empresas. 1.3 Globalização 3.0 Na terceira e última fase da globalização (atual), Friedman (2005) afirma que o mundo passou por um novo processo de encolhimento, de pequeno para minúsculo. O autor denomina essa fase ou era como Globalização 3.0. A grande diferença dessa fase em relação às anteriores é a de que nesta, diferentemente daquelas, o tamanho do mundo “não apenas está reduzindo, como também, ao mesmo tempo, está aplainando” (Friedman, 2005, p. 19). Além das questões levantadas até agora, outro ponto importante precisa ser destacado na obra de Friedman no que concerne à terceira fase da globalização. Para o autor, enquanto a força dinâmica na Globalização 1.0 foram os países e na Globalização 2.0 foram as empresas, “na 3.0 a força dinâmica vigente (aquilo que lhe confere seu caráter único) é a recém descoberta capacidade de os indivíduos colaborarem e concorrerem no âmbito global” (Friedman, 2005, p. 19). 5 Atualmente, segundo o autor, a força utilizada não é mais o músculo (da primeira globalização), ou o cavalo-vapor e o hardware (da segunda), a força agora são os softwares, os aplicativos, “conjugados à criação de uma rede de fibras ópticas em escala planetária que nos converteu, a todos, em vizinhos de porta” (Friedman, 2005, p. 19). É interessante notar que esse terceiro período nos permite admitir que os indivíduos, e por que não dizer também a coletividade, os grupos e as comunidades, podem assumir papel de maior relevância no processo de globalização atual, considerando as potencialidades e possibilidades que a tecnologia, a internet e as redes sociais envolvem e oferecem. TEMA 2 – REVOLUÇÕES INDUSTRIAIS Ainda no século passado, no período que Friedman (2005) classifica como Globalização 2.0, Schumpeter (1942, p. 134) já dizia que “a energia humana se afastaria dos negócios”. Essa é uma realidade que se observa em diversos setores da atividade econômica e está se intensificando cada vez maisna atualidade, sobretudo com o surgimento da Indústria 4.0 e o aumento da competição entre países com o processo de globalização. Esse processo, impõe aos países e às indústrias a necessidade de inovar, melhorar as técnicas e as tecnologias, conquistar mercados etc. Analisaremos essas questões envolvendo a inovação um pouco mais adiante, quando tratarmos do conceito de inovação e das contribuições deixadas por Joseph Schumpeter. Por ora, vamos apenas utilizar essa citação de Schumpeter para tratarmos das revoluções industriais e das transformações mais recentes na indústria e nas tecnologias. Posteriormente, você irá perceber que tanto a globalização como as revoluções industriais ou tecnológicas têm forte relação com as perspectivas das Supply Chains, Global Value Chains, Global Production Networks etc. Existem diversas classificações ou periodizações envolvendo as revoluções industriais. O trabalho de Carlota Perez (2002), por exemplo, aborda essa questão apresentando cinco revoluções tecnológicas. Para a autora, a energia hidráulica utilizada para a fabricação de algodão em Derbyshire, na Inglaterra, marca a Primeira Revolução. 6 Uma das periodizações mais conhecidas é aquela que considera quatro grandes transformações ou inovações, principalmente nas áreas de manufatura, tecnologia e engenharia, conforme demonstra o Quadro 1. Quadro 1 – Principais características e inovações das revoluções industriais Revolução Características Inovações Primeira Revolução Industrial (1760-1850) • Energia a vapor; • aço. • Energia a vapor utilizada para uso industrial e comercial (James Watt, 1776), substituindo a energia humana e hidráulica; • máquinas na industrial têxtil; • desenvolvimento dos transportes, inicialmente com os trens movidos a vapor. Segunda Revolução Industrial (1850-1945) • Energia elétrica; • produção em massa. • Petróleo; • nova fase de desenvolvimento dos transportes e das comunicações; • transportes: motores de combustão interna, produção em larga escala de automóveis; • aviões; • comunicações: rádio e telefone; • fordismo e taylorismo. Terceira Revolução Industrial (1945-1970) • Indústria petroquímica; • óleos, lubrificantes; • produção flexível; • compressão espaço- tempo. • Produção de mísseis; • toyotismo; • desenvolvimento acelerado nos sistemas de transporte e comunicação; • trem-bala, computadores, internet. Quarta Revolução Industrial (1971-Hoje) • Revolução Técnico- Científico Informacional; • alta tecnologia; • robôs cada vez mais substituindo humanos em tarefas repetitivas. • Robótica; • microprocessadores; • plataformas virtuais; • inteligência artificial. Fonte: Alves, 2015; Alves; Antunes, 2019. Segundo essa classificação, a energia a vapor faria parte de um primeiro momento entre as revoluções industriais ou tecnológicas, sendo introduzida principalmente na indústria têxtil. Esta foi uma das primeiras a experimentar inovações relacionadas à energia a vapor, empregando grandes quantidades de mão de obra e capital. A indústria têxtil geralmente é uma das primeiras indústrias a se instalar em um país quando este decide industrializar-se. A noção de barriers to entry, analisada no contexto das cadeias globais de valor, nos ajuda a compreender o porquê de essa indústria ser considerada pioneira no processo de industrialização em diversos países. Um dos motivos para isso é a facilidade com que competidores conseguem ingressar nesse tipo de atividade. As locomotivas 7 a vapor também são produtos que resultaram dessa primeira fase de transformações (Figura 1). A produção de automóveis em larga escala e o surgimento do avião estão situados na Segunda Revolução Industrial. O modelo de produção em larga escala ou de produção em massa seria mais tarde substituído pelo modelo de produção enxuta ou flexível, característicos do modelo toyotista de produção. TEMA 3 – A INDÚSTRIA 4.0 A Indústria 4.0 pode ser considerada um desdobramento da Indústria 3.0 ou da Terceira Revolução Industrial, e definida como uma revolução que produz constantes inovações principalmente nas áreas da robótica, da tecnologia e da inteligência artificial (Figura 1). Figura 1 – Classificação indicando quatro grandes revoluções industriais Crédito: ChickenDoodleDesigns/Shutterstock. Conforme pudemos constatar no Quadro 1 e na Figura 1, a Quarta Revolução Industrial não se trata de uma transformação muito recente. Mas o que gostaríamos de chamar a atenção é para o fato de ela ter produzido diversas inovações no campo da tecnologia, dos produtos e serviços, e rápidas mudanças nos mercados de trabalho e na sociedade de modo geral. 8 Contrariando os pressupostos de Jean Baptiste Say (1767-1832), que assume que a oferta cria a sua própria demanda, e de que a inovação tecnológica estimula o crescimento econômico e a geração de empregos de maneira constante, Rifkin (1996) argumenta que a situação dos trabalhadores e dos mercados de trabalho ao redor do mundo pode piorar significativamente nas próximas décadas, o que implicará num engajamento cada vez maior dos governos, das empresas e, sobretudo, do terceiro setor. No final do século XX e início do século XXI, parcela significativa do desemprego gerado em diversos setores da economia bem como o surgimento de novos empregos e profissões podem ser atribuídos aos impactos causados pela Quarta Revolução Industrial ou Indústria 4.0. Em diversos mercados de trabalho e setores da atividade econômica humanos e máquinas podem exercer determinadas tarefas ou atividades. Para algumas atividades, a máquina auxilia no trabalho a ser realizado por seres humanos e, muitas vezes, evita que acidentes de trabalho possam afetar a saúde e a vida dos trabalhadores. Por outro lado, para outras atividades a máquina substitui parcial, ou mesmo completamente, a energia humana, de modo que as máquinas realizam as tarefas que anteriormente eram realizadas por seres humanos. A imagem apresentada na Figura 2 nos permite pensar nessa relação entre máquinas e seres humanos quando tratamos de questões relacionadas, por exemplo, ao mercado de trabalho. Figura 2 – Humano versus robô: disputando postos no mercado de trabalho Crédito: pathdoc/Shutterstock. 9 O exemplo da indústria automobilística é um clássico entre os setores que fazem uso de robôs em suas linhas de produção. O trabalho que seria realizado por diversos trabalhadores ao longo de determinado tempo, já vem sendo realizado por braços mecânicos, como na soldagem e pintura de automóveis e na movimentação de peças e acessórios entre as linhas de produção. Indivíduos e máquinas compartilham o mesmo espaço na linha de produção e na fábrica, e certamente essa é uma relação que vem se naturalizando de maneira acelerada no início do século XXI. Mas, obviamente, outros setores e elos na cadeia de suprimentos, como a logística, também experimentam a introdução e a difusão dos robôs em suas operações há algum tempo. Tenha como exemplo os robôs que atuam na gestão de fluxos de materiais ou produtos em uma organização. Saiba mais Para saber mais sobre a atuação dos robôs no setor de logística ou mesmo na fabricação de automóveis, assista aos vídeos a seguir: FÁBRICA da Audi - Produção do Q5 2017. Motor1 Brasil, 10 out. 2016. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=eKwiFZIqsgk>. Acesso em: 3 ago. 2019. ROBÔS autônomos na logística. Edson Miranda, 31 mar. 2019. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=KPXze2zcfto>. Acesso em: 3 ago. 2019. Alternativamente, é possível analisar outros setores da atividade econômica. Setores que até então pareciam inatingíveis pelo avanço das técnicas e tecnologias vêm observando a gradual inserção da robótica em suas atividades. É o caso, por exemplo, dos escritórios de advocacia.Agora, robôs fazem o trabalho que diversos advogados teriam de fazer para dar conta do volume de trabalho e de processos que teriam de ser encaminhados e acompanhados fisicamente e tecnicamente pelos advogados. Para Vasconcellos e Cardoso (2016), robôs têm realizado tarefas no lugar de humanos e o advogado só entra para tomar decisões estritamente jurídicas, e não mais para atuar na rotina burocrática. Segundo esses autores: para que 420 advogados deem conta de 360 mil processos, é preciso, matematicamente, que cada profissional cuide de 857 ações ao mesmo tempo. A conta dessa equação só fecha graças a um único fator: tecnologia. Foi com ela que o JBM Advogados, em um ano, cortou pela metade o número de profissionais da banca e, ainda assim, 10 aumentou a quantidade de processos do escritório [...] Imagine um caso clássico de pedido de indenização, a espera em fila de banco. Ao identificar o cadastro [...], o programa já monta uma defesa, preenchendo espaços [...] Substituindo o "copia e cola" das petições, cabe ao advogado simplesmente clicar nos trechos que serão aproveitados na peça em questão e dar o "ok", gerando uma assinatura e enviando a peça ao sistema. Atividades consideradas burocráticas, como localizar processos, acompanhar datas de julgamentos, fazer download de documentos e materiais, calcular os custos de um processo, cadastrar novos processos etc. são tarefas que cada vez mais passam a ser desempenhadas por máquinas. É claro que este exemplo da presença dos robôs na advocacia é apenas mais um daqueles que poderíamos utilizar para demonstrar o impacto das novas tecnologias na relação trabalho versus capital. Obviamente, alguns clicks ou comandos ainda são realizados por meio da atividade ou energia humana, mas não há como negar a influência cada vez maior das tecnologias e robôs nas atividades econômicas em particular, e em nossas vidas de modo geral. TEMA 4 – FIXOS E FLUXOS NA ECONOMIA MUNDIAL 4.1 Os fixos e fluxos em comércio exterior A geografia faz uso de uma variedade de conceitos para tratar dos temas, questões e problemas da atualidade. Conforme já destacamos, os conceitos são ferramentas indispensáveis para o exercício da atividade intelectual e para a compreensão dos fenômenos. O conceito é uma construção social que surge no processo de compreensão da realidade. A Geografia Econômica não faz uso apenas de conceitos dessa mesma área. Eles são conceitos da geografia, mas também da economia, da sociologia, da administração, da biologia etc. Na medida em que o conceito é considerado útil na compreensão das relações que envolvem a interação entre o espaço e a sociedade, a geografia faz uso do conceito para analisar os fenômenos, as relações existentes e as transformações que possam surgir no espaço geográfico a partir dessas relações. É com essa preocupação em definir e estabelecer os conceitos que Santos (1999, p. 8) já nos alertava para a necessidade de esclarecermos, logo de início, “os termos do debate” que desejamos discutir. Para Santos (1978), por exemplo, o espaço geográfico pode ser concebido como um conjunto de fixos e 11 fluxos. Segundo o autor, pode ser também a configuração territorial (sistemas naturais + produção histórica dos sistemas naturais) somada às relações sociais (Santos, 1988) ou, ainda, um conjunto indissociável de “sistemas de objetos e sistemas de ações” (Santos, 1996, p. 51). Nossa perspectiva aqui faz uso da noção de fixos e fluxos, porque nas relações de comércio exterior, os fluxos (ex.: importações e exportações) sempre terão uma origem, e essa origem tem como fundamento e localização diversos tipos de fixos. Os fixos e fluxos também estão intimamente ligados a outra perspectiva importante em comércio exterior: a cadeia de suprimentos. Vamos entender inicialmente os conceitos de fixos e fluxos, para depois avançarmos com os estudos envolvendo a cadeia de suprimentos. 4.2 Os fixos e sua relação com o comércio exterior Os fixos podem ser considerados como “coisas fixas” (Santos, 1997, p. 77) ou estruturas fixas presentes nos lugares e que “permitem ações que modificam os próprios lugares” (Santos, 1996, p. 50). É partir dos fixos que partem os fluxos, tanto materiais como imateriais. Os portos marítimos são exemplos de fixos, mas seria possível considerar também a importância das hidroelétricas, das fábricas, dos aeroportos, das residências, das sedes de organizações etc. Outro exemplo de fixo é um barracão destinado para estocagem de soja (Figura 3), que será posteriormente destinada para exportação, ou seja, os fixos dão origem a diversos tipos de fluxos. Figura 3 – Armazém de grãos Crédito: Hennadii H/Shutterstock. 12 4.3 Os fluxos e sua relação com o comércio exterior Já os fluxos indicam movimento e interação. Neste caso, podemos citar como exemplo a difusão do conhecimento e das técnicas, que ocorre por meio da concentração e/ou dispersão do fluxo de informações e de ideias. Uma alternativa interessante para que possamos compreender a importância dos fluxos está na ideia de distribuição e circulação de produtos ou mercadorias entre os países através das relações de importação e exportação, ou ainda, na movimentação de mercadorias de um lugar para o outro. Os sistemas de logística e de transportes produzem e controlam diversos tipos de fluxos (Figura 4). Figura 4 – Sistemas de logística e transporte Crédito: Travel mania/Shutterstock. TEMA 5 – NOTAS SOBRE SUPPLY CHAIN/CADEIA DE SUPRIMENTOS Conforme discutimos, os fixos e fluxos estão intimamente ligados à cadeia de suprimentos. Ocorre que a cadeia de suprimentos é apenas uma entre as mais diversas perspectivas utilizadas para se compreender as relações funcionais e econômicas estabelecidas entre empresas e indústrias no espaço geográfico. Global Commodity Chains, Global Value Chains e Global Production Networks são igualmente importantes nesse contexto. Nesta aula vamos nos limitar aos estudos envolvendo apenas a perspectiva da cadeia de suprimentos, ou Supply Chain. 13 Segundo Ballou (2006, p. 29), “cadeia de suprimentos é um conjunto de atividades funcionais (transportes, controle de estoque etc.) que se repetem inúmeras vezes ao longo do canal pelo qual matérias-primas vão sendo convertidas em produtos acabados, aos quais se agrega valor ao consumidor”. Essa é uma percepção de cadeia de suprimentos que relaciona produção, logística e transportes. Nesse contexto, em que momento a cadeia de suprimentos se relaciona com o comércio exterior? De maneira sucinta, o comércio exterior põe em movimento toda uma rede de designers, produtores, fornecedores, consumidores etc. por isso a cadeia de suprimentos está diretamente relacionada às transações em comércio exterior (Figura 5). Figura 5 – Exemplo esquemático de cadeia de suprimentos Fonte: Brasil, 2018, p. 23. Tenha como exemplo a relação entre a cadeia de suprimentos e o sistema portuário, bastante utilizado em comércio internacional. Novaes e Vieira (1996, p. 290) discutem acerca dessa relação mencionando inicialmente o modelo tradicional de transportes e logística portuária. Para eles: o transporte de carga tradicional trata de deslocar produtos e insumos entre pontos diversos (escala espacial), considerando a escala do tempo de forma secundária. Até alguns anos atrás o salto conceitual a partir do transporte tradicional para o serviço logístico se apoiava fundamentalmente no seguinte aspecto: para se ter um bom serviço 14 logístico é preciso atender plenamente os compromissos pré- estabelecidos de prazos de entrega, considerando não somente os prazos médios, como também sua variabilidade (confiabilidade dos prazos). Contudo, argumentam os autores, produção e distribuição precisam ser pensados de maneira integrada, articulando os setores de marketing elogística. Nesse sentido, Novaes e Vieira (1996, p. 291) afirmam que Nos últimos anos o conceito de Logística tornou-se mais exigente e mais complexo. Hoje fica difícil, em alguns casos, separar o processo de manufatura do processo logístico. Por exemplo, automóveis japoneses são embarcados nos navios, com destino à América do Norte, ainda não completamente montados. Operários realizam esse trabalho de montagem embarcados, aproveitando o tempo – antes desperdiçado – da viagem entre o Japão e os Estados Unidos. Nesse sentido, podemos afirmar que não apenas as relações espaciais são importantes, mas também aquelas que envolvem a dimensão temporal. Para Friedman (2005, p. 152), cadeia de suprimentos pode ser definida como “um método de colaboração horizontal (entre fornecedores, varejistas e clientes) com vistas à geração de valor”. De acordo com o autor, a cadeia de suprimentos ou de fornecimento pode ser considerada uma força niveladora ou, ainda, uma força que nos deixa a sensação de que o mundo é muito menor do que podemos imaginar. E, além de ser menor, deixa o mundo cada vez mais plano, conforme visto anteriormente na perspectiva da Globalização 3.0. A ideia de força niveladora surge, na obra do autor, como uma leitura ou uma percepção do processo de globalização. Percepção essa que, de certa forma, compara as mudanças atuais às inovações que ocorreram com o surgimento da imprensa, com Gutenberg, e a própria Revolução Industrial. A diferença, porém, segundo Friedman (2005, p. 59), é de que a introdução da imprensa levou décadas para se consolidar, e durante muito tempo sua influência restringiu-se a uma pequena parte do planeta. O mesmo pode ser dito da Revolução Industrial. O processo de achatamento está acontecendo à velocidade da luz e toca, direta ou indiretamente, muito mais gente em todo o globo. Quanto mais rápida e ampla for essa transição para uma nova era, mais dolorosas as rupturas, em oposição a uma transferência organizada de poder dos antigos vencedores para os novos. A grande questão que Friedman coloca é justamente a que impõe aos países, às empresas, às instituições, aos indivíduos etc. a necessidade de inovar e se preparar para as mudanças que ocorrerão no futuro. Certamente, todos esses agentes terão de direcionar seus objetivos e interesses considerando, direta ou indiretamente, o desenvolvimento de competências e habilidades que 15 serão fundamentais em um mundo cada vez mais globalizado, conectado e repleto de mudanças rápidas, principalmente no que concerne à tecnologia. TROCANDO IDEIAS Após ter analisado as discussões em torno das mudanças e inovações causadas pelo surgimento e difusão da Indústria 4.0, discuta com seus colegas sobre sua posição acerca do assunto. Você acredita que a Indústria 4.0 tende a gerar desempregos em diversos setores da atividade econômica? Ou possui uma opinião diversa dessa, compreendendo que o avanço e a introdução das máquinas e tecnologias são positivos e agregam na execução das tarefas mais complexas? Além disso, reflita sobre como essas mudanças em máquinas e tecnologias podem afetar as relações no âmbito do comércio internacional, ou seja, o que os países e as empresas devem fazer para estar preparados para as mudanças que ocorrerão nos próximos anos e décadas? NA PRÁTICA Para que você possa refletir mais sobre os conteúdos discutidos nesta aula e ampliar seus conhecimentos sobre o conceito de Supply Chain, propomos aqui uma atividade que lhe possibilite realizar diversas conexões envolvendo produção, distribuição e consumo. Considerando o conceito de cadeia de suprimentos defendido por Ballou (2006, p. 29) ou por Friedman (2005, p. 152) e tendo como auxílio o exemplo esquemático de cadeia de suprimentos apresentado neste texto-base, escolha um produto ou commodity comercializado no âmbito do comércio internacional e procure traçar os diversos caminhos pelos quais esse produto ou commodity percorre até chegar ao seu consumidor final. Trata-se de uma atividade prática relativamente simples, mas para auxiliar você nessa tarefa apresentaremos um exemplo que lhe permitirá compreender melhor a proposta desta atividade. Considere o produto “automóvel” da montadora Volkswagen (VW). Esses automóveis podem ser projetados (design) na Alemanha, produzidos no Brasil (produção) e transportados (distribuídos ou fornecidos) para a Argentina, que contará com uma quantidade significativa de clientes ou consumidores que aguardam a chegada desse produto (consumo). 16 FINALIZANDO Conforme analisamos, a globalização é um fenômeno que impõe desafios, mas também gera oportunidades para países, empresas e indivíduos. Constatamos que a Indústria 4.0 causou (e ainda irá trazer) inúmeras transformações na economia dos países, empresas, mercados de trabalho e, obviamente, nas relações de comércio exterior. Por isso, conhecer o fenômeno da globalização, identificar os agentes transformadores que mobilizam múltiplos tipos de fixos e fluxos na economia mundial e reconhecer o papel das tecnologias e das diversas redes de produção e cadeia de suprimentos que atuam nos mercados regionais são requisitos fundamentais a serem considerados pelos profissionais de hoje e do futuro, sobretudo no estabelecimento de estratégias e na tomada de decisão. 17 REFERÊNCIAS ALVES, A. R. Geografia econômica e geografia política. Curitiba: InterSaberes, 2015. ALVES, A. R.; ANTUNES, E. M. Geografia industrial. Curitiba: InterSaberes, 2019. BALLOU, R. H. Gerenciamento da cadeia de suprimentos: logística empresarial. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2006. BRASIL, C. Logística dos canais de distribuição. Curitiba: InterSaberes, 2018. FRIEDMAN, T. L. O mundo é plano: uma breve história do século XXI. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005. NOVAES, A. G. N.; VIEIRA, H. F. O nível de serviço logístico-portuário sob a ótica dos exportadores. Gestão & Produção, v. 3, n. 3, p. 290-306, 1996. PEREZ, C. Technological Revolutions and Financial Capital: The Dynamics of Bubbles and Golden Ages. Cheltenham: Elgar, 2002. RIFKIN, J. O fim dos empregos: o declínio inevitável dos níveis de emprego e a redução da força global de trabalho. São Paulo: Makron Books, 1996. SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo-razão e emoção. 3. ed. São Paulo: Hucitec, 1996. _____. Metamorfoses do espaço habitado. São Paulo: Hucitec, 1988. _____. _____. 5. ed. São Paulo: Hucitec, 1997. _____. Por uma geografia nova. São Paulo: Hucitec, 1978. VASCONCELLOS, de M.; CARDOSO, M. Com robôs, escritório atua em mais de 360 mil processos com 420 advogados. Consultor Jurídico, 5 mar. 2016. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-mar-05/robos-escritorio-atua- 360-mil-processos-420-advogados?>. Acesso em: 3 ago. 2019. http://lattes.cnpq.br/9220842816771782 Conversa inicial Contextualizando Crédito: Hennadii H/Shutterstock. Trocando ideias Na prática FINALIZANDO REFERÊNCIAS _____. Metamorfoses do espaço habitado. São Paulo: Hucitec, 1988. _____. Por uma geografia nova. São Paulo: Hucitec, 1978.
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