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Aula 2 - Geografia Econômica Mundial

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GEOGRAFIA ECONÔMICA 
MUNDIAL 
AULA 2 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Alceli Ribeiro Alves 
 
 
2 
CONVERSA INICIAL 
Uma das características mais marcantes do período contemporâneo é o 
processo de globalização. Muitos indivíduos seriam capazes de, de uma ou outra 
forma, emitir opiniões ou explicações acerca do que seria e como se manifesta 
esse processo. De maneira sucinta, a globalização é um processo que envolve 
a fragmentação da produção e o estreitamento dos laços comerciais entre 
países, empresas e indústrias por meio do comércio internacional. Tal processo 
facilita o estabelecimento de relações econômicas e, por esse e outros motivos, 
é um tema que deve ser analisado não apenas no contexto de comércio 
internacional, mas também considerando as diferentes perspectivas e 
dimensões que o termo compreende. 
Nesta aula trataremos exatamente desse assunto, a globalização como 
um conceito, como um processo complexo e multidimensional e com diversas 
facetas que se revelam segundo diferentes interesses e pontos de vista. 
Falaremos da ideia de globalização como fábula e como fábrica de 
perversidades, dois pontos contrastantes. Abordaremos, ainda, a globalização 
como um processo que não gera apenas desafios e perversidades, mas também 
oportunidades. 
Por último, vamos considerar brevemente a hipótese de que, com a 
globalização, os territórios se tornaram mais permeáveis, e de que o mundo está 
se aplainando, sem deixarmos, porém, de mencionar que há contradições e 
argumentos contrários, quais sejam, a de que o mundo não é tão plano assim, 
pois o espaço geográfico apresenta rugosidades. 
CONTEXTUALIZANDO 
Definir globalização não é uma tarefa trivial, pois trata-se de um termo que 
pode ser visto por meio de uma variedade de lentes ou perspectivas. Uma das 
maneiras é entendê-la como um processo no qual as barreiras que bloqueiam 
os fluxos transfronteiriços estão sendo reduzidas ou derrubadas. 
Segundo Kaplinsky (2005, p. 8), “esses fluxos não se limitam a fluxos 
econômicos, mas também de conhecimento, informação, crenças, ideias, 
valores etc.”. 
Outra maneira importante de se pensar em termos de globalização 
consiste em pensá-la como uma expansão da geografia do comércio, das 
 
 
3 
atividades econômicas, da produção, do capital, da mão de obra, de know-how 
etc. Em outras palavras, globalização é um processo complexo e 
multidimensional. Conhecer os diferentes olhares acerca desse conceito e a 
própria ideia de conceito são, portanto, tarefas fundamentais a serem realizadas. 
TEMA 1 – GLOBALIZAÇÃO: UM PROCESSO COMPLEXO E 
MULTIDIMENSIONAL 
1.1 Conceito: uma construção social 
Os conceitos surgem para permitir a compreensão dos fenômenos. O 
fenômeno, segundo Blackburn (1997, p. 146), é “algo que se mostra, revela ou 
manifesta na experiência”. Já o conceito, segundo o mesmo autor (1997, p. 66), 
pode ser definido como: 
[…] um termo, em particular um predicado. Possuir um conceito é ter 
a capacidade de usar um termo que o exprima ao fazer juízos; essa 
capacidade está relacionada com coisas, como saber reconhecer 
quando o termo se aplica, assim como poder compreender as 
consequências de sua aplicação. O termo “ideia” foi inicialmente usado 
da mesma maneira, mas é hoje evitado devido a suas associações com 
as imagens mentais subjetivas, que podem ser irrelevantes para a 
posse de um conceito. 
Já Firkowski (2013, p. 22) afirma que: 
[…] os conceitos não podem ser compreendidos descontextualizados 
de um tempo e de um espaço específicos, na medida em que os 
mesmos são construções sociais e não formulações cuja precisão 
independe do quando ou do onde. Sendo construções sociais, seu 
conteúdo é móvel ao longo do tempo e do espaço, contudo, por vezes, 
o mesmo termo é utilizado para expressar fenômenos distintos 
daqueles para os quais foram originalmente pensados, portanto, em 
outro tempo e em outro espaço. 
1.2 A multidimensionalidade do conceito de globalização 
Para Oliveira e Santos (2019, p. 8), a globalização é um processo que se 
estrutura a partir da Primeira Revolução Industrial, produzindo constantes 
inovações em diversos setores e dimensões da vida cotidiana. Contudo, para os 
citados autores, 
Não que esse período histórico seja o marco inicial desse processo 
como tal conhecemos, mas é a partir do acúmulo de conhecimentos e 
das novas técnicas e tecnologias que surgiram na época, é que foram 
possíveis novas revoluções industriais e dos transportes. Foram mais 
 
 
4 
de 200 anos de acúmulo de conhecimentos até o ápice das técnicas e 
da tecnologia em meados da década de 1970. 
Assim é o conceito de globalização, um conceito multidimensional capaz 
de explicar os fenômenos da atualidade e, sobretudo, as relações que conectam 
diferentes países, empresas, indivíduos etc. na economia mundial. 
Multidimensional porque, conforme argumentamos, a globalização pode ser 
entendida segundo diferentes perspectivas, ora privilegiando as questões 
econômicas, políticas e jurídicas, ora as questões sociais, culturais e ambientais. 
Na era da globalização, conhecer as potencialidades locais e regionais 
permite que os países se beneficiem de factor endowments, ou seja, dos 
recursos presentes em seus territórios para serem mais competitivos e atraentes 
tanto para capitais nacionais como para capitais estrangeiros. 
As empresas também precisam saber sua posição nas cadeias globais de 
valor para saberem como trilhar um caminho de sucessivas trajetórias de 
inovação, upgrading e crescimento em seus setores de atuação. 
Da mesma maneira, os indivíduos: quanto mais conhecimento e 
competências desenvolverem (por exemplo: falar diversas línguas, ter 
experiência internacional, compreender e respeitar a multiculturalidade presente 
em outros lugares etc.) e quanto maior a rede de relações que conseguirem 
estabelecer, ou seja, o networking, maiores serão também as chances de 
colocação e crescimento profissional em mercados de trabalho cada vez mais 
competitivos. 
TEMA 2 – A GLOBALIZAÇÃO COMO FÁBULA E COMO FÁBRICA DE 
PERVERSIDADES 
2.1 A globalização como fábula 
Discutiremos agora sobre o argumento o qual afirma que a globalização 
pode ser entendida como uma fábula. Milton Santos, geógrafo brasileiro, 
bacharel em direito, influente em diversas áreas dentro e fora da geografia, é o 
autor que traz essa perspectiva acerca do processo de globalização. 
Para Santos (2000, p. 18), “a globalização como fábula constrói como 
verdade um certo número de fantasias”. A globalização como fábula se trata de 
um mundo tal como nos fazem crer. Argumenta-se, nesse contexto, que vivemos 
numa aldeia global, em que há uma “difusão instantânea de notícias que 
 
 
5 
realmente informa as pessoas”, nós ficamos sabendo de tudo em poucos 
segundos, independentemente do lugar onde estamos. 
O autor considera que, a partir desse mito, e também do encurtamento 
das distâncias, difunde-se a noção de tempo e espaço contraídos. Para ele 
(2000, p. 19), a globalização como fábula pode ser definida como: 
[…] se o mundo se houvesse tornado, para todos, ao alcance da mão. 
Um mercado avassalador dito global é apresentado como capaz de 
homogeneizar o planeta quando, na verdade, as diferenças locais são 
aprofundadas. Há uma busca de uniformidade, ao serviço dos atores 
hegemônicos, mas o mundo se torna menos unido, tornando mais 
distante o sonho de uma cidadania verdadeiramente universal. 
Enquanto isso, o culto ao consumo é estimulado. 
Num contexto de fábula, todos os dias, e pelos mais variados motivos, 
diversas pessoas ao redor do mundo buscam novas oportunidades, viajam, 
conhecem lugares diferentes (Figura 1), estabelecem conexões com diferentes 
pessoas e localidades, gozam dos benefícios que o mundo globalizado pode 
lhes proporcionar. 
Figura 1 – Um turista fotografa lugares famosos esboçados no globo 
 
Crédito: Imageflow/Shutterstock 
Aindanesse contexto, as empresas exercem a livre concorrência, 
competem por mercados localizados em lugares e países distantes, e procuram 
estar presentes em diferentes localidades em busca de vantagens competitivas, 
incentivos fiscais, mercados consumidores etc. Nessa perspectiva, o mundo é 
6 
plano, não contém rugosidades, todos podem participar desse mundo 
globalizado e adquirir o que quiserem e de onde quiserem (Figura 2). 
Figura 2 – Pacotes de uma das maiores redes varejistas do mundo 
Crédito: Julie Clopper/Shutterstock 
2.2 A globalização como fábrica de perversidades 
Outra maneira de abordarmos esse tema é à luz da noção de globalização 
como fábrica de perversidades. Nessa perspectiva, é possível abordarmos a 
globalização segundo diferentes facetas e contextos. Por exemplo, nem todos 
os indivíduos na superfície terrestre podem consumir o que querem e de onde 
gostariam, nem todos podem migrar, ou seja, nem todos legalmente têm acesso, 
e de forma equitativa, para se deslocar no espaço geográfico (Figura 3). 
Figura 3 – Desembarque de barco clandestino no porto de Lampedusa, na Itália, 
em 2011 
Crédito: Photofilippo66/Shutterstock 
7 
Segundo Santos (2000, p. 19-20), “para a grande maior parte da 
humanidade a globalização está se impondo como um fábrica de perversidades”. 
Segundo o renomado geógrafo brasileiro, a globalização como fábrica de 
perversidades se revela na medida em que: 
[…] o desemprego crescente torna-se crônico. A pobreza aumenta e 
as classes médias perdem em qualidade de vida. O salário médio 
tende a baixar. A fome e o desabrigo se generalizam em todos os 
continentes. Novas enfermidades como a AIDS se instalam e velhas 
doenças, supostamente extirpadas, fazem seu retorno triunfal. A 
mortalidade infantil permanece, a despeito dos progressos médicos e 
da informação. Alastram-se e aprofundam-se males espirituais e 
morais, como os egoísmos, os cinismos, a corrupção. A perversidade 
sistêmica que está na raiz dessa evolução negativa da humanidade 
tem relação com a adesão desenfreada aos comportamentos 
competitivos que atualmente caracterizam as ações hegemônicas. 
Todas essas mazelas são direta ou indiretamente imputáveis ao 
presente processo de globalização. 
Para determinadas situações, a globalização não se revela como um 
processo benéfico para todos, ele é um processo perverso, onde as soluções 
para os mais variados problemas não podem ser encontradas no global, pois são 
problemas, desafios e oportunidades que são absorvidos de maneira distinta 
pelos lugares. E os lugares são, por natureza, socialmente, economicamente e 
geograficamente distintos. 
Saiba mais: 
Para conhecer um pouco mais sobre a obra de Milton Santos e suas 
ideias, assista ao documentário Por uma outra globalização, disponível em: 
<https://www.youtube.com/watch?v=K6EIIQNsoJU>, e ao vídeo O mundo global 
visto do lado de cá, disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=-
UUB5DW_mnM>. Acesso em: 28 ago. 2019. 
TEMA 3 – A GLOBALIZAÇÃO COMO UM PROCESSO QUE OFERECE 
OPORTUNIDADES 
3.1 As contribuições de Raphael Kaplinsky 
Trataremos agora de apresentar a globalização como um processo que 
oferece oportunidades, perspectiva essa defendida por Raphael Kaplinsky, que 
é professor e pesquisador, um dos autores mais importantes no que concerne à 
análise do processo de globalização econômica, sobretudo na perspectiva da 
Global Value Chains. As pesquisas desenvolvidas por Kaplinsky no Institute of 
https://www.youtube.com/watch?v=K6EIIQNsoJU
8 
Development Studies (IDS) influenciaram pesquisadores de diversas áreas e 
países, sobretudo no contexto anglo-americano. 
Saiba mais 
Para conhecer um pouco mais sobre a obra de Raphael Kaplinsky e seu 
campo de pesquisa na perspectiva da globalização econômica, assista a uma de 
suas entrevistas como Professor de Desenvolvimento Internacional, pela Open 
University, do Reino Unido. Disponível em: 
<https://www.youtube.com/watch?v=wtXWMCSb2TE> Acesso em: 28 ago. 
2019. 
Outra possibilidade para pensarmos em termos de oportunidades em 
tempos de globalização se refere aos trabalhadores nos mercados de trabalho. 
Pochmann (2012, p. 41), por exemplo, ao se referir às mudanças ocorridas entre 
o final do século XX e início do século XXI, menciona que “o mundo do trabalho
tenderia a refletir as mutações técnico-produtivas, marcadas pela maior 
insegurança no emprego e por elevada concorrência no interior da população 
ativa”. 
Mas o que poderia parecer assustador e perigoso para os trabalhadores 
pode ser entendido também como uma maneira de se pensar em “como” se 
preparar para o mercado de trabalho diante dessas mutações. Que estratégias 
seguir, quais escolhas, quais capacitações, habilitações, formações investir, que 
competências e habilidades desenvolver etc. 
As respostas a essas perguntas não são fáceis de serem encontradas, 
mas, conforme mostra o quadro 1 a seguir, o autor nos fornece alguns elementos 
acerca de perfis de trabalhadores e tarefas que precisam ser considerados para 
que as oportunidades não sejam perdidas por empresas e trabalhadores, 
sobretudo num mundo globalizado e extremamente competitivo. 
9 
Quadro 1 – Novas organizações de tarefas 
Ampliação da quantidade de tarefas exercida pelo mesmo trabalhador, 
rompendo, em parte, com a monotonia da repetição dos movimentos e 
reduzindo os tempos mortos (novo perfil do trabalhador). 
Rotação das funções, a partir da adoção de tecnologias de uso 
flexíveis, que exige maior polivalência do trabalhador para o exercício 
de múltiplas tarefas (trabalho polivalente). 
Combinação das atividades de execução com as de controle, o que torna 
mais complexo e integrado o exercício do trabalho com a decisão sobre 
metas de produção e¢ resultados (ampliação da autonomia relativa). 
Constituição de grupos de trabalho (semiautônomos ou autônomos) com 
alguma capacidade de decisão sobre problemas e solução imediata no 
desenvolvimento das operações no plano da produção de bens e 
serviços (trabalho em grupo). 
Fonte: Pochmann (2012, p. 45). 
3.2 The theory of rent, de David Ricardo 
A perspectiva de Kaplinsky está diretamente relacionada a análises que 
tem como foco o papel das firmas e multinacionais na economia mundial. 
Kaplinsky reconhece que países e regiões se inserem num contexto de 
transformações e de inserção à economia mundial no processo de globalização. 
Mas nem todos se inserem da mesma maneira e com o mesmo nível de 
tecnologia, know-how e capacidade para concorrer em mercados internacionais 
extremamente competitivos. 
Para ele (2005, p. 53-54) “os benefícios da globalização podem ser 
obtidos segundo a lei do aluguel ou da teoria da renda da terra, mais conhecida 
no original como Theory of Rent”, do economista político David Ricardo. Segundo 
essa teoria, a escassez oferece as bases para rendas elevadas e sustentáveis, 
pois: 
10 
[…] dada a capacidade dos produtores de fornecer bens e serviços que 
os clientes desejam, os rendimentos podem ser elevados e 
sustentáveis se os produtores forem capazes de se proteger da 
concorrência, construindo e/ou tirando proveito das barreiras à entrada 
de competidores. Por outro lado, os produtores incapazes de se 
esconder dessas barreiras estão sujeitos à intensa competição e 
redução dos rendimentos. Embora essas barreiras incluam maior 
eficiência em processos e desenvolvimento de produtos, há um terreno 
mais amplo de barreiras para a entrada de competidores. 
De maneira sucinta, rent surge da escassez. Isso significa ter algo, “um 
recurso, uma capacidade, um conhecimento que os outros não possuem. Para 
ser duradouro, os aluguéis precisam ser protegidos por barreiras para à entrada 
de competidores” (Kaplinsky, 2005, p. 62). 
Ao defender esse argumento, o autor oferece também uma estrutura 
analítica para guiar o posicionamento efetivo das empresas na economia global. 
Trata-se de uma estrutura analítica combases schumpeterianas, em que a 
inovação gera o superávit empreendedor (Figura 4). Quem inova primeiro e 
transforma uma nova ideia em vantagem comercial, obtém rendimentos 
elevados e muito acima dos demais competidores. 
Figura 4 – Geração e dissipação do superávit empreendedor segundo a teoria 
de Kaplinsky 
Fonte: Kaplinsky (1998, p. 11). 
Na perspectiva de Kaplinsky, há diversas oportunidades e ganhos a 
serem obtidos pelas firmas quando optam pela inserção e pelo aprofundamento 
no processo de globalização, “mas isso dependerá da maneira pela qual os 
produtores se posicionam nos mercados globais” (Kaplinsky, 2005, p. 53). 
11 
TEMA 4 – A FLUIDEZ DO ESPAÇO GEOGRÁFICO NO PROCESSO DE 
GLOBALIZAÇÃO 
4.1 A permeabilidade dos territórios 
Considerando a dimensão econômica, um dos argumentos mais comuns 
presentes nessas discussões consiste em defender a ideia de que o Estado 
Nacional, quando inserido no processo de globalização, deve flexibilizar suas 
estruturas regulatórias e deixar que sua economia funcione segundo o princípio 
da mão invisível. 
Nesse tipo de argumento ou tese, defende-se que a globalização é um 
fenômeno que torna as fronteiras dos territórios nacionais mais permeáveis, e, 
consequentemente, favorece a fluidez das interações entre pessoas, empresas, 
mercados consumidores, tecnologias, instituições etc., gerando oportunidades 
para todos os participantes. 
Com a globalização, as empresas tornam-se inovadoras, competitivas, e 
podem abrir filiais em qualquer lugar do mundo. A tecnologia auxilia os indivíduos 
a conectarem-se com facilidade, aproxima-os, ainda que estejam separados por 
distâncias consideráveis. As instituições nacionais também se desenvolvem e 
aprendem no diálogo e na interação com outras instituições estrangeiras. 
4.2 A tese de que o mundo é plano 
Nessas interações, o Estado Nacional pode sair fortalecido. A economia 
nacional cresce; seus mercados tornam-se atraentes para investidores 
estrangeiros. Há também a transferência e a difusão de tecnologia; plantas 
industriais são instaladas em seus territórios, e as exportações podem contribuir 
significativamente para o upgrading industrial, crescimento econômico e 
desenvolvimento regional. 
Trata-se de um mundo em que a permeabilidade dos territórios, associada 
ao interesse e à atuação de grandes capitais e empresas multinacionais, deixa 
o mundo ou o espaço geográfico cada vez mais dinâmico, propenso à inovação,
fluido (Figura 5). Argumenta-se, nesse contexto, que “o mundo é plano” 
(Friedman, 2005). 
Segundo essa tese, as interações no espaço geográfico não encontram 
barreiras, limites ou fronteiras, e as relações entre lugares, pessoas, empresas, 
12 
etc. ocorrem de maneira fluida no espaço geográfico. Os lugares supostamente 
tornam-se cada vez mais homogêneos, com características, elementos e 
estruturas semelhantes. Alguns diriam até que os costumes, os hábitos e, até 
mesmo, as culturas constroem identidades que podem ser encontradas em 
qualquer outro lugar do mundo. 
Figura 5 – A fluidez das relações em um mundo globalizado e plano 
Crédito: Oldensikorka/Shutterstock 
TEMA 5 – AS RUGOSIDADES DO ESPAÇO GEOGRÁFICO NO PROCESSO DE 
GLOBALIZAÇÃO 
5.1. O mundo não é tão plano assim 
Paradoxalmente, outras teses defendem a hipótese de que essa fluidez 
das relações não perpassa os territórios da mesma maneira. Alguns territórios 
absorvem bem as mudanças ocasionadas pelo processo de globalização e as 
incorporam em suas estruturas regulatórias. 
Outros territórios, porém, podem resistir às mudanças causadas pelo 
processo de globalização e manifestar posições contrárias envolvendo 
determinadas questões de interesse nacional, local ou regional. Em suma, 
pessoas, empresas, tecnologias, instituições de todo o mundo se deparam com 
particularidades e diferenças que são encontradas nas leis, nas normas e nos 
costumes de outros países, lugares e culturas. 
Sem dúvida, esses lugares, regiões e territórios possuem identidade, 
memória, história e territorialidades distintas. Ou seja, o mundo não é tão plano 
13 
quanto se acreditava ser, pois a fluidez torna-se relativa na medida em que 
encontra obstáculos ou “rugosidades” no espaço geográfico (Santos, 1986). 
5.2 A tese de que o espaço apresenta rugosidades 
As rugosidades indicam que os lugares têm formas, estruturas, 
particularidades que são herdadas do passado e exercem influência no processo 
de transformação das paisagens contemporâneas. Como diria Santos (1986, p. 
137), 
[…] o espaço é matéria trabalhada por excelência. Nenhum dos objetos 
sociais tem tanto domínio sobre o homem, nem está presente de tal 
forma no cotidiano dos indivíduos. A casa, o lugar de trabalho, os 
pontos de encontro, os caminhos que unem entre si estes pontos, são 
elementos passivos que condicionam a atividade dos homens e 
comandam sua prática social. 
O espaço é, portanto, um testemunho, “ele testemunha um momento de 
um modo de produção pela memória do espaço construído, das coisas fixadas 
na paisagem criada” (Santos, 1986, p. 138). Ou seja, o espaço revela a história 
das localidades, registra em determinado momento as formas e estruturas das 
cidades, marca a passagem ou permanência de determinado modo de produção 
em um lugar. 
O espaço é a prova cabal daquilo que foi e daquilo poderá ser a partir 
daquele momento em diante, considerando a estrutura preexistente. A inovação, 
os processos inovadores, as mudanças etc. não são simplesmente 
implementadas no espaço sem que se considerem as formas ou estruturas 
presentes no espaço. 
Conforme afirma Santos (1986, p. 138), “o espaço é uma forma, uma 
forma durável, que não se desfaz paralelamente à mudança de processos; ao 
contrário, alguns processos se adaptam às formas preexistentes enquanto que 
outros criam novas formas para se inserir dentro delas”. 
Os modos de produção, segundo o autor, definem essas formas e 
estruturas no espaço, de acordo com os meios de produção empregados. A 
longevidade desses meios de produção é variável e só pode ser conhecida 
posteriormente. Alguns meios de produção permanecem por muitos anos 
compondo as estruturas e as formas, e podem permanecer compondo a 
paisagem passando por diferentes modos de produção ao longo dos séculos. 
14 
Nesse contexto, o autor cita como exemplos as construções europeias 
volumosas ou não, da época da Idade Média, tais como castelos catedrais, 
estradas etc. Na figura 6, apresentamos o exemplo da Ponte de Londres (London 
Bridge), que, acredita-se, foi construída em madeira durante o período de 
conquista e domínio dos romanos, foi destruída e reconstruída em pedra na 
Idade Média, destruída e reconstruída posteriormente com arcos de ferro, e 
depois destruída e reconstruída com aço e concreto estrutural e inaugurada pela 
Rainha Elizabete II, em 1973. 
Figura 6 – Ponte de Londres no Rio Tâmisa, com a torre de Londres e o Gherkin 
Crédito: Dmitry Aumov/Shutterstock 
No Brasil há diversos exemplos de construções que marcam o processo 
de produção do espaço ao longo de um ou mais modos de produção. Tais 
construções estão presentes, por exemplo, na Bahia, no Rio de Janeiro e 
também em outras cidades que também fizeram parte do período colonial e 
passaram por diversos ciclos econômicos. Curitiba é uma dessas cidades 
(Figura 7). 
Desde o ouro em Paranaguá, passando pelo tropeirismo, pela erva-mate, 
pela madeira, pelo café, pela soja, e, mais recentemente, pelo processo de 
industrialização, com a entrada de multinacionais no território paranaense, 
Curitiba foi dotada de diversos meios de produção. Por diversas regiões de da 
cidade, sobretudo no Centro e no bairro Rebouças, ainda é possível observar 
resquícios de estruturas e formas do passado ainda presentes na paisagem da 
cidade. 
15 
Figura 7 – Centro histórico de Curitiba 
Crédito: Tupungato/Shutterstock 
Saiba mais 
Para iniciar suas pesquisassobre os ciclos econômicos no Brasil, assista 
a um breve vídeo que mostra os diversos processos pelos quais o Paraná, em 
particular, Curitiba, passou até chegar ao processo de industrialização recente. 
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Ae43NGcwU1U>. Acesso 
em: 28 ago. 2019. 
A rugosidade é constituída pela organização (determinação) espacial que 
herdamos de tempos passados. Para Santos (1986, p. 139), 
[…] quando um novo momento, momento do modo de produção, chega 
para substituir o que termina, ele encontra no mesmo lugar de sua 
determinação formas preexistentes às quais ele deve adaptar-se para 
poder determinar-se. […] Os objetos geográficos aparecem em 
localizações, correspondendo aos objetivos da produção em um dado 
momento e, em seguida, por sua presença, eles influenciam os 
momentos subsequentes da produção. 
Essa organização do espaço é uma herança que nos é transmitida, 
herança essa que nos é revelada não apenas pela base geográfica sobre a qual 
as relações econômicas ocorreram, e pelos vestígios que acabaram deixando 
na paisagem, mas também pelas formas e pelas estruturas que no presente e 
no futuro fornecerão as bases para se pensar e construir uma nova organização 
do espaço geográfico. 
16 
TROCANDO IDEIAS 
Para alguns a globalização é um processo capaz de homogeneizar os 
lugares, tornando-os semelhantes em todo o planeta, onde tudo está ao alcance 
de todos em qualquer lugar onde você possa estar. Outros, contraditoriamente, 
argumentam que com o processo de globalização as diferenças se destacam, 
sobressaem-se, tornando as desigualdades entre os lugares ainda mais 
evidentes. E você, qual sua opinião acerca dessa discussão? Você acredita que 
a globalização é um processo capaz de homogeneizar os lugares ou é um 
processo que acentua as desigualdades e revela a diferença entre os lugares? 
NA PRÁTICA 
Imagine que em sua organização ou empresa você é convidado a tratar 
do tema globalização com outros colaboradores, aplicando-se a técnica do 
Metaplan. Nessa atividade, todas as pessoas do grupo escreveriam suas 
próprias ideias ou opiniões sobre o tema em um post-it ou cartão. No processo 
de discussão de ideias ou brainstorming não é necessário julgar se as opiniões 
estão certas ou erradas, pois a atividade requer na verdade a organização, 
classificação ou sistematização das ideias e argumentos contidos no cartão ou 
post-it, que poderão ser fixados num quadro, painel ou flip-chart. 
Ao organizar as ideias em grupos ou agrupamento de ideias e argumentos 
(clusters) você vai perceber que as percepções podem ser bastante distintas e 
revelar conexões das quais as pessoas não estavam sequer cientes. Você 
poderá perceber também que, ao realizar essa atividade as respostas que 
receberá dependerão, obviamente, do conhecimento que os indivíduos têm 
acerca do termo, mas também das experiências que vivenciaram, dos seus 
lugares de origem e dos interesses e conexões que possuem em relação à 
atividade que desempenham. 
FINALIZANDO 
Conforme pudemos constatar, não há uma simples definição acerca do 
que é globalização. Apesar de ser um termo que vem sendo debatido há mais 
de 30 anos e sob diferentes pontos de vista, sua definição não é trivial e unânime. 
Em outras palavras, trata-se, de fato, de um termo e um processo complexo e 
multidimensional. 
17 
Contudo, o que tem se percebido ao longo desses últimos é o fato de que 
um país, uma empresa ou até mesmo os indivíduos não possuem mais o desafio 
de terem que responder se devem ou não se inserir no processo de globalização. 
O desafio agora é buscar entender “como se inserir” fazendo uso dos benefícios 
ou vantagens que esse processo pode proporcionar. 
Nós vamos explorar um pouco mais sobre esse processo de inserção na 
economia mundial, e no processo de globalização em particular, quando 
tratarmos das perspectivas da Global Value Chains e do upgrading industrial, 
perspectivas essas que oferecem insights acerca de como países e empresas 
podem se inserir nesse processo capturando os ganhos provenientes do 
processo de globalização. 
REFERÊNCIAS
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InterSaberes, 2015. 
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FRIEDMAN, T. L. O mundo é plano: uma breve história do século XXI. Rio de 
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KAPLINSKY, R. Globalisation, industrialisation and sustainable growth: The 
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_____. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência 
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18

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