Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
GEOGRAFIA ECONÔMICA MUNDIAL AULA 2 Prof. Alceli Ribeiro Alves 2 CONVERSA INICIAL Uma das características mais marcantes do período contemporâneo é o processo de globalização. Muitos indivíduos seriam capazes de, de uma ou outra forma, emitir opiniões ou explicações acerca do que seria e como se manifesta esse processo. De maneira sucinta, a globalização é um processo que envolve a fragmentação da produção e o estreitamento dos laços comerciais entre países, empresas e indústrias por meio do comércio internacional. Tal processo facilita o estabelecimento de relações econômicas e, por esse e outros motivos, é um tema que deve ser analisado não apenas no contexto de comércio internacional, mas também considerando as diferentes perspectivas e dimensões que o termo compreende. Nesta aula trataremos exatamente desse assunto, a globalização como um conceito, como um processo complexo e multidimensional e com diversas facetas que se revelam segundo diferentes interesses e pontos de vista. Falaremos da ideia de globalização como fábula e como fábrica de perversidades, dois pontos contrastantes. Abordaremos, ainda, a globalização como um processo que não gera apenas desafios e perversidades, mas também oportunidades. Por último, vamos considerar brevemente a hipótese de que, com a globalização, os territórios se tornaram mais permeáveis, e de que o mundo está se aplainando, sem deixarmos, porém, de mencionar que há contradições e argumentos contrários, quais sejam, a de que o mundo não é tão plano assim, pois o espaço geográfico apresenta rugosidades. CONTEXTUALIZANDO Definir globalização não é uma tarefa trivial, pois trata-se de um termo que pode ser visto por meio de uma variedade de lentes ou perspectivas. Uma das maneiras é entendê-la como um processo no qual as barreiras que bloqueiam os fluxos transfronteiriços estão sendo reduzidas ou derrubadas. Segundo Kaplinsky (2005, p. 8), “esses fluxos não se limitam a fluxos econômicos, mas também de conhecimento, informação, crenças, ideias, valores etc.”. Outra maneira importante de se pensar em termos de globalização consiste em pensá-la como uma expansão da geografia do comércio, das 3 atividades econômicas, da produção, do capital, da mão de obra, de know-how etc. Em outras palavras, globalização é um processo complexo e multidimensional. Conhecer os diferentes olhares acerca desse conceito e a própria ideia de conceito são, portanto, tarefas fundamentais a serem realizadas. TEMA 1 – GLOBALIZAÇÃO: UM PROCESSO COMPLEXO E MULTIDIMENSIONAL 1.1 Conceito: uma construção social Os conceitos surgem para permitir a compreensão dos fenômenos. O fenômeno, segundo Blackburn (1997, p. 146), é “algo que se mostra, revela ou manifesta na experiência”. Já o conceito, segundo o mesmo autor (1997, p. 66), pode ser definido como: […] um termo, em particular um predicado. Possuir um conceito é ter a capacidade de usar um termo que o exprima ao fazer juízos; essa capacidade está relacionada com coisas, como saber reconhecer quando o termo se aplica, assim como poder compreender as consequências de sua aplicação. O termo “ideia” foi inicialmente usado da mesma maneira, mas é hoje evitado devido a suas associações com as imagens mentais subjetivas, que podem ser irrelevantes para a posse de um conceito. Já Firkowski (2013, p. 22) afirma que: […] os conceitos não podem ser compreendidos descontextualizados de um tempo e de um espaço específicos, na medida em que os mesmos são construções sociais e não formulações cuja precisão independe do quando ou do onde. Sendo construções sociais, seu conteúdo é móvel ao longo do tempo e do espaço, contudo, por vezes, o mesmo termo é utilizado para expressar fenômenos distintos daqueles para os quais foram originalmente pensados, portanto, em outro tempo e em outro espaço. 1.2 A multidimensionalidade do conceito de globalização Para Oliveira e Santos (2019, p. 8), a globalização é um processo que se estrutura a partir da Primeira Revolução Industrial, produzindo constantes inovações em diversos setores e dimensões da vida cotidiana. Contudo, para os citados autores, Não que esse período histórico seja o marco inicial desse processo como tal conhecemos, mas é a partir do acúmulo de conhecimentos e das novas técnicas e tecnologias que surgiram na época, é que foram possíveis novas revoluções industriais e dos transportes. Foram mais 4 de 200 anos de acúmulo de conhecimentos até o ápice das técnicas e da tecnologia em meados da década de 1970. Assim é o conceito de globalização, um conceito multidimensional capaz de explicar os fenômenos da atualidade e, sobretudo, as relações que conectam diferentes países, empresas, indivíduos etc. na economia mundial. Multidimensional porque, conforme argumentamos, a globalização pode ser entendida segundo diferentes perspectivas, ora privilegiando as questões econômicas, políticas e jurídicas, ora as questões sociais, culturais e ambientais. Na era da globalização, conhecer as potencialidades locais e regionais permite que os países se beneficiem de factor endowments, ou seja, dos recursos presentes em seus territórios para serem mais competitivos e atraentes tanto para capitais nacionais como para capitais estrangeiros. As empresas também precisam saber sua posição nas cadeias globais de valor para saberem como trilhar um caminho de sucessivas trajetórias de inovação, upgrading e crescimento em seus setores de atuação. Da mesma maneira, os indivíduos: quanto mais conhecimento e competências desenvolverem (por exemplo: falar diversas línguas, ter experiência internacional, compreender e respeitar a multiculturalidade presente em outros lugares etc.) e quanto maior a rede de relações que conseguirem estabelecer, ou seja, o networking, maiores serão também as chances de colocação e crescimento profissional em mercados de trabalho cada vez mais competitivos. TEMA 2 – A GLOBALIZAÇÃO COMO FÁBULA E COMO FÁBRICA DE PERVERSIDADES 2.1 A globalização como fábula Discutiremos agora sobre o argumento o qual afirma que a globalização pode ser entendida como uma fábula. Milton Santos, geógrafo brasileiro, bacharel em direito, influente em diversas áreas dentro e fora da geografia, é o autor que traz essa perspectiva acerca do processo de globalização. Para Santos (2000, p. 18), “a globalização como fábula constrói como verdade um certo número de fantasias”. A globalização como fábula se trata de um mundo tal como nos fazem crer. Argumenta-se, nesse contexto, que vivemos numa aldeia global, em que há uma “difusão instantânea de notícias que 5 realmente informa as pessoas”, nós ficamos sabendo de tudo em poucos segundos, independentemente do lugar onde estamos. O autor considera que, a partir desse mito, e também do encurtamento das distâncias, difunde-se a noção de tempo e espaço contraídos. Para ele (2000, p. 19), a globalização como fábula pode ser definida como: […] se o mundo se houvesse tornado, para todos, ao alcance da mão. Um mercado avassalador dito global é apresentado como capaz de homogeneizar o planeta quando, na verdade, as diferenças locais são aprofundadas. Há uma busca de uniformidade, ao serviço dos atores hegemônicos, mas o mundo se torna menos unido, tornando mais distante o sonho de uma cidadania verdadeiramente universal. Enquanto isso, o culto ao consumo é estimulado. Num contexto de fábula, todos os dias, e pelos mais variados motivos, diversas pessoas ao redor do mundo buscam novas oportunidades, viajam, conhecem lugares diferentes (Figura 1), estabelecem conexões com diferentes pessoas e localidades, gozam dos benefícios que o mundo globalizado pode lhes proporcionar. Figura 1 – Um turista fotografa lugares famosos esboçados no globo Crédito: Imageflow/Shutterstock Aindanesse contexto, as empresas exercem a livre concorrência, competem por mercados localizados em lugares e países distantes, e procuram estar presentes em diferentes localidades em busca de vantagens competitivas, incentivos fiscais, mercados consumidores etc. Nessa perspectiva, o mundo é 6 plano, não contém rugosidades, todos podem participar desse mundo globalizado e adquirir o que quiserem e de onde quiserem (Figura 2). Figura 2 – Pacotes de uma das maiores redes varejistas do mundo Crédito: Julie Clopper/Shutterstock 2.2 A globalização como fábrica de perversidades Outra maneira de abordarmos esse tema é à luz da noção de globalização como fábrica de perversidades. Nessa perspectiva, é possível abordarmos a globalização segundo diferentes facetas e contextos. Por exemplo, nem todos os indivíduos na superfície terrestre podem consumir o que querem e de onde gostariam, nem todos podem migrar, ou seja, nem todos legalmente têm acesso, e de forma equitativa, para se deslocar no espaço geográfico (Figura 3). Figura 3 – Desembarque de barco clandestino no porto de Lampedusa, na Itália, em 2011 Crédito: Photofilippo66/Shutterstock 7 Segundo Santos (2000, p. 19-20), “para a grande maior parte da humanidade a globalização está se impondo como um fábrica de perversidades”. Segundo o renomado geógrafo brasileiro, a globalização como fábrica de perversidades se revela na medida em que: […] o desemprego crescente torna-se crônico. A pobreza aumenta e as classes médias perdem em qualidade de vida. O salário médio tende a baixar. A fome e o desabrigo se generalizam em todos os continentes. Novas enfermidades como a AIDS se instalam e velhas doenças, supostamente extirpadas, fazem seu retorno triunfal. A mortalidade infantil permanece, a despeito dos progressos médicos e da informação. Alastram-se e aprofundam-se males espirituais e morais, como os egoísmos, os cinismos, a corrupção. A perversidade sistêmica que está na raiz dessa evolução negativa da humanidade tem relação com a adesão desenfreada aos comportamentos competitivos que atualmente caracterizam as ações hegemônicas. Todas essas mazelas são direta ou indiretamente imputáveis ao presente processo de globalização. Para determinadas situações, a globalização não se revela como um processo benéfico para todos, ele é um processo perverso, onde as soluções para os mais variados problemas não podem ser encontradas no global, pois são problemas, desafios e oportunidades que são absorvidos de maneira distinta pelos lugares. E os lugares são, por natureza, socialmente, economicamente e geograficamente distintos. Saiba mais: Para conhecer um pouco mais sobre a obra de Milton Santos e suas ideias, assista ao documentário Por uma outra globalização, disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=K6EIIQNsoJU>, e ao vídeo O mundo global visto do lado de cá, disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=- UUB5DW_mnM>. Acesso em: 28 ago. 2019. TEMA 3 – A GLOBALIZAÇÃO COMO UM PROCESSO QUE OFERECE OPORTUNIDADES 3.1 As contribuições de Raphael Kaplinsky Trataremos agora de apresentar a globalização como um processo que oferece oportunidades, perspectiva essa defendida por Raphael Kaplinsky, que é professor e pesquisador, um dos autores mais importantes no que concerne à análise do processo de globalização econômica, sobretudo na perspectiva da Global Value Chains. As pesquisas desenvolvidas por Kaplinsky no Institute of https://www.youtube.com/watch?v=K6EIIQNsoJU 8 Development Studies (IDS) influenciaram pesquisadores de diversas áreas e países, sobretudo no contexto anglo-americano. Saiba mais Para conhecer um pouco mais sobre a obra de Raphael Kaplinsky e seu campo de pesquisa na perspectiva da globalização econômica, assista a uma de suas entrevistas como Professor de Desenvolvimento Internacional, pela Open University, do Reino Unido. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=wtXWMCSb2TE> Acesso em: 28 ago. 2019. Outra possibilidade para pensarmos em termos de oportunidades em tempos de globalização se refere aos trabalhadores nos mercados de trabalho. Pochmann (2012, p. 41), por exemplo, ao se referir às mudanças ocorridas entre o final do século XX e início do século XXI, menciona que “o mundo do trabalho tenderia a refletir as mutações técnico-produtivas, marcadas pela maior insegurança no emprego e por elevada concorrência no interior da população ativa”. Mas o que poderia parecer assustador e perigoso para os trabalhadores pode ser entendido também como uma maneira de se pensar em “como” se preparar para o mercado de trabalho diante dessas mutações. Que estratégias seguir, quais escolhas, quais capacitações, habilitações, formações investir, que competências e habilidades desenvolver etc. As respostas a essas perguntas não são fáceis de serem encontradas, mas, conforme mostra o quadro 1 a seguir, o autor nos fornece alguns elementos acerca de perfis de trabalhadores e tarefas que precisam ser considerados para que as oportunidades não sejam perdidas por empresas e trabalhadores, sobretudo num mundo globalizado e extremamente competitivo. 9 Quadro 1 – Novas organizações de tarefas Ampliação da quantidade de tarefas exercida pelo mesmo trabalhador, rompendo, em parte, com a monotonia da repetição dos movimentos e reduzindo os tempos mortos (novo perfil do trabalhador). Rotação das funções, a partir da adoção de tecnologias de uso flexíveis, que exige maior polivalência do trabalhador para o exercício de múltiplas tarefas (trabalho polivalente). Combinação das atividades de execução com as de controle, o que torna mais complexo e integrado o exercício do trabalho com a decisão sobre metas de produção e¢ resultados (ampliação da autonomia relativa). Constituição de grupos de trabalho (semiautônomos ou autônomos) com alguma capacidade de decisão sobre problemas e solução imediata no desenvolvimento das operações no plano da produção de bens e serviços (trabalho em grupo). Fonte: Pochmann (2012, p. 45). 3.2 The theory of rent, de David Ricardo A perspectiva de Kaplinsky está diretamente relacionada a análises que tem como foco o papel das firmas e multinacionais na economia mundial. Kaplinsky reconhece que países e regiões se inserem num contexto de transformações e de inserção à economia mundial no processo de globalização. Mas nem todos se inserem da mesma maneira e com o mesmo nível de tecnologia, know-how e capacidade para concorrer em mercados internacionais extremamente competitivos. Para ele (2005, p. 53-54) “os benefícios da globalização podem ser obtidos segundo a lei do aluguel ou da teoria da renda da terra, mais conhecida no original como Theory of Rent”, do economista político David Ricardo. Segundo essa teoria, a escassez oferece as bases para rendas elevadas e sustentáveis, pois: 10 […] dada a capacidade dos produtores de fornecer bens e serviços que os clientes desejam, os rendimentos podem ser elevados e sustentáveis se os produtores forem capazes de se proteger da concorrência, construindo e/ou tirando proveito das barreiras à entrada de competidores. Por outro lado, os produtores incapazes de se esconder dessas barreiras estão sujeitos à intensa competição e redução dos rendimentos. Embora essas barreiras incluam maior eficiência em processos e desenvolvimento de produtos, há um terreno mais amplo de barreiras para a entrada de competidores. De maneira sucinta, rent surge da escassez. Isso significa ter algo, “um recurso, uma capacidade, um conhecimento que os outros não possuem. Para ser duradouro, os aluguéis precisam ser protegidos por barreiras para à entrada de competidores” (Kaplinsky, 2005, p. 62). Ao defender esse argumento, o autor oferece também uma estrutura analítica para guiar o posicionamento efetivo das empresas na economia global. Trata-se de uma estrutura analítica combases schumpeterianas, em que a inovação gera o superávit empreendedor (Figura 4). Quem inova primeiro e transforma uma nova ideia em vantagem comercial, obtém rendimentos elevados e muito acima dos demais competidores. Figura 4 – Geração e dissipação do superávit empreendedor segundo a teoria de Kaplinsky Fonte: Kaplinsky (1998, p. 11). Na perspectiva de Kaplinsky, há diversas oportunidades e ganhos a serem obtidos pelas firmas quando optam pela inserção e pelo aprofundamento no processo de globalização, “mas isso dependerá da maneira pela qual os produtores se posicionam nos mercados globais” (Kaplinsky, 2005, p. 53). 11 TEMA 4 – A FLUIDEZ DO ESPAÇO GEOGRÁFICO NO PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO 4.1 A permeabilidade dos territórios Considerando a dimensão econômica, um dos argumentos mais comuns presentes nessas discussões consiste em defender a ideia de que o Estado Nacional, quando inserido no processo de globalização, deve flexibilizar suas estruturas regulatórias e deixar que sua economia funcione segundo o princípio da mão invisível. Nesse tipo de argumento ou tese, defende-se que a globalização é um fenômeno que torna as fronteiras dos territórios nacionais mais permeáveis, e, consequentemente, favorece a fluidez das interações entre pessoas, empresas, mercados consumidores, tecnologias, instituições etc., gerando oportunidades para todos os participantes. Com a globalização, as empresas tornam-se inovadoras, competitivas, e podem abrir filiais em qualquer lugar do mundo. A tecnologia auxilia os indivíduos a conectarem-se com facilidade, aproxima-os, ainda que estejam separados por distâncias consideráveis. As instituições nacionais também se desenvolvem e aprendem no diálogo e na interação com outras instituições estrangeiras. 4.2 A tese de que o mundo é plano Nessas interações, o Estado Nacional pode sair fortalecido. A economia nacional cresce; seus mercados tornam-se atraentes para investidores estrangeiros. Há também a transferência e a difusão de tecnologia; plantas industriais são instaladas em seus territórios, e as exportações podem contribuir significativamente para o upgrading industrial, crescimento econômico e desenvolvimento regional. Trata-se de um mundo em que a permeabilidade dos territórios, associada ao interesse e à atuação de grandes capitais e empresas multinacionais, deixa o mundo ou o espaço geográfico cada vez mais dinâmico, propenso à inovação, fluido (Figura 5). Argumenta-se, nesse contexto, que “o mundo é plano” (Friedman, 2005). Segundo essa tese, as interações no espaço geográfico não encontram barreiras, limites ou fronteiras, e as relações entre lugares, pessoas, empresas, 12 etc. ocorrem de maneira fluida no espaço geográfico. Os lugares supostamente tornam-se cada vez mais homogêneos, com características, elementos e estruturas semelhantes. Alguns diriam até que os costumes, os hábitos e, até mesmo, as culturas constroem identidades que podem ser encontradas em qualquer outro lugar do mundo. Figura 5 – A fluidez das relações em um mundo globalizado e plano Crédito: Oldensikorka/Shutterstock TEMA 5 – AS RUGOSIDADES DO ESPAÇO GEOGRÁFICO NO PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO 5.1. O mundo não é tão plano assim Paradoxalmente, outras teses defendem a hipótese de que essa fluidez das relações não perpassa os territórios da mesma maneira. Alguns territórios absorvem bem as mudanças ocasionadas pelo processo de globalização e as incorporam em suas estruturas regulatórias. Outros territórios, porém, podem resistir às mudanças causadas pelo processo de globalização e manifestar posições contrárias envolvendo determinadas questões de interesse nacional, local ou regional. Em suma, pessoas, empresas, tecnologias, instituições de todo o mundo se deparam com particularidades e diferenças que são encontradas nas leis, nas normas e nos costumes de outros países, lugares e culturas. Sem dúvida, esses lugares, regiões e territórios possuem identidade, memória, história e territorialidades distintas. Ou seja, o mundo não é tão plano 13 quanto se acreditava ser, pois a fluidez torna-se relativa na medida em que encontra obstáculos ou “rugosidades” no espaço geográfico (Santos, 1986). 5.2 A tese de que o espaço apresenta rugosidades As rugosidades indicam que os lugares têm formas, estruturas, particularidades que são herdadas do passado e exercem influência no processo de transformação das paisagens contemporâneas. Como diria Santos (1986, p. 137), […] o espaço é matéria trabalhada por excelência. Nenhum dos objetos sociais tem tanto domínio sobre o homem, nem está presente de tal forma no cotidiano dos indivíduos. A casa, o lugar de trabalho, os pontos de encontro, os caminhos que unem entre si estes pontos, são elementos passivos que condicionam a atividade dos homens e comandam sua prática social. O espaço é, portanto, um testemunho, “ele testemunha um momento de um modo de produção pela memória do espaço construído, das coisas fixadas na paisagem criada” (Santos, 1986, p. 138). Ou seja, o espaço revela a história das localidades, registra em determinado momento as formas e estruturas das cidades, marca a passagem ou permanência de determinado modo de produção em um lugar. O espaço é a prova cabal daquilo que foi e daquilo poderá ser a partir daquele momento em diante, considerando a estrutura preexistente. A inovação, os processos inovadores, as mudanças etc. não são simplesmente implementadas no espaço sem que se considerem as formas ou estruturas presentes no espaço. Conforme afirma Santos (1986, p. 138), “o espaço é uma forma, uma forma durável, que não se desfaz paralelamente à mudança de processos; ao contrário, alguns processos se adaptam às formas preexistentes enquanto que outros criam novas formas para se inserir dentro delas”. Os modos de produção, segundo o autor, definem essas formas e estruturas no espaço, de acordo com os meios de produção empregados. A longevidade desses meios de produção é variável e só pode ser conhecida posteriormente. Alguns meios de produção permanecem por muitos anos compondo as estruturas e as formas, e podem permanecer compondo a paisagem passando por diferentes modos de produção ao longo dos séculos. 14 Nesse contexto, o autor cita como exemplos as construções europeias volumosas ou não, da época da Idade Média, tais como castelos catedrais, estradas etc. Na figura 6, apresentamos o exemplo da Ponte de Londres (London Bridge), que, acredita-se, foi construída em madeira durante o período de conquista e domínio dos romanos, foi destruída e reconstruída em pedra na Idade Média, destruída e reconstruída posteriormente com arcos de ferro, e depois destruída e reconstruída com aço e concreto estrutural e inaugurada pela Rainha Elizabete II, em 1973. Figura 6 – Ponte de Londres no Rio Tâmisa, com a torre de Londres e o Gherkin Crédito: Dmitry Aumov/Shutterstock No Brasil há diversos exemplos de construções que marcam o processo de produção do espaço ao longo de um ou mais modos de produção. Tais construções estão presentes, por exemplo, na Bahia, no Rio de Janeiro e também em outras cidades que também fizeram parte do período colonial e passaram por diversos ciclos econômicos. Curitiba é uma dessas cidades (Figura 7). Desde o ouro em Paranaguá, passando pelo tropeirismo, pela erva-mate, pela madeira, pelo café, pela soja, e, mais recentemente, pelo processo de industrialização, com a entrada de multinacionais no território paranaense, Curitiba foi dotada de diversos meios de produção. Por diversas regiões de da cidade, sobretudo no Centro e no bairro Rebouças, ainda é possível observar resquícios de estruturas e formas do passado ainda presentes na paisagem da cidade. 15 Figura 7 – Centro histórico de Curitiba Crédito: Tupungato/Shutterstock Saiba mais Para iniciar suas pesquisassobre os ciclos econômicos no Brasil, assista a um breve vídeo que mostra os diversos processos pelos quais o Paraná, em particular, Curitiba, passou até chegar ao processo de industrialização recente. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Ae43NGcwU1U>. Acesso em: 28 ago. 2019. A rugosidade é constituída pela organização (determinação) espacial que herdamos de tempos passados. Para Santos (1986, p. 139), […] quando um novo momento, momento do modo de produção, chega para substituir o que termina, ele encontra no mesmo lugar de sua determinação formas preexistentes às quais ele deve adaptar-se para poder determinar-se. […] Os objetos geográficos aparecem em localizações, correspondendo aos objetivos da produção em um dado momento e, em seguida, por sua presença, eles influenciam os momentos subsequentes da produção. Essa organização do espaço é uma herança que nos é transmitida, herança essa que nos é revelada não apenas pela base geográfica sobre a qual as relações econômicas ocorreram, e pelos vestígios que acabaram deixando na paisagem, mas também pelas formas e pelas estruturas que no presente e no futuro fornecerão as bases para se pensar e construir uma nova organização do espaço geográfico. 16 TROCANDO IDEIAS Para alguns a globalização é um processo capaz de homogeneizar os lugares, tornando-os semelhantes em todo o planeta, onde tudo está ao alcance de todos em qualquer lugar onde você possa estar. Outros, contraditoriamente, argumentam que com o processo de globalização as diferenças se destacam, sobressaem-se, tornando as desigualdades entre os lugares ainda mais evidentes. E você, qual sua opinião acerca dessa discussão? Você acredita que a globalização é um processo capaz de homogeneizar os lugares ou é um processo que acentua as desigualdades e revela a diferença entre os lugares? NA PRÁTICA Imagine que em sua organização ou empresa você é convidado a tratar do tema globalização com outros colaboradores, aplicando-se a técnica do Metaplan. Nessa atividade, todas as pessoas do grupo escreveriam suas próprias ideias ou opiniões sobre o tema em um post-it ou cartão. No processo de discussão de ideias ou brainstorming não é necessário julgar se as opiniões estão certas ou erradas, pois a atividade requer na verdade a organização, classificação ou sistematização das ideias e argumentos contidos no cartão ou post-it, que poderão ser fixados num quadro, painel ou flip-chart. Ao organizar as ideias em grupos ou agrupamento de ideias e argumentos (clusters) você vai perceber que as percepções podem ser bastante distintas e revelar conexões das quais as pessoas não estavam sequer cientes. Você poderá perceber também que, ao realizar essa atividade as respostas que receberá dependerão, obviamente, do conhecimento que os indivíduos têm acerca do termo, mas também das experiências que vivenciaram, dos seus lugares de origem e dos interesses e conexões que possuem em relação à atividade que desempenham. FINALIZANDO Conforme pudemos constatar, não há uma simples definição acerca do que é globalização. Apesar de ser um termo que vem sendo debatido há mais de 30 anos e sob diferentes pontos de vista, sua definição não é trivial e unânime. Em outras palavras, trata-se, de fato, de um termo e um processo complexo e multidimensional. 17 Contudo, o que tem se percebido ao longo desses últimos é o fato de que um país, uma empresa ou até mesmo os indivíduos não possuem mais o desafio de terem que responder se devem ou não se inserir no processo de globalização. O desafio agora é buscar entender “como se inserir” fazendo uso dos benefícios ou vantagens que esse processo pode proporcionar. Nós vamos explorar um pouco mais sobre esse processo de inserção na economia mundial, e no processo de globalização em particular, quando tratarmos das perspectivas da Global Value Chains e do upgrading industrial, perspectivas essas que oferecem insights acerca de como países e empresas podem se inserir nesse processo capturando os ganhos provenientes do processo de globalização. REFERÊNCIAS ALVES, A. R. Geografia econômica e geografia política. Curitiba: InterSaberes, 2015. BLACKBURN, S. Dicionário Oxford de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997. FIRKOWSKI, O. L.C.F. Estudo das metrópoles e regiões metropolitanas do Brasil: conciliação ou divórcio? In: FURTADO, B. A.; KRAUSE, C.; FRANÇA, K. C. B. de. (Org.). Território metropolitano, políticas municipais: por soluções conjuntas de problemas urbanos no âmbito metropolitano. Brasília: Ipea, 2013. FRIEDMAN, T. L. O mundo é plano: uma breve história do século XXI. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005. KAPLINSKY, R. Globalisation, industrialisation and sustainable growth: The pursuit of the nth rent, IDS. Discussion paper 365, Brighton: Institute of Development Studies, University of Sussex, 1998. _____. Globalization, poverty and inequality: between a rock and a hard place. Cambridge: Polity Press, 2005. OLIVEIRA, P. M. de; SANTOS, F. R. dos. As redes geográficas na era da globalização: algumas reflexões sobre a rede urbana em sua historicidade e na prática teórico-metodológica. Revista Formação, v. 26, n. 47, jan-abr, p. 3-22, 2019. POCHMANN, M. O emprego na globalização: a nova divisão internacional do trabalho e os caminhos que o Brasil escolheu. São Paulo: Boitempo, 2012. SANTOS, M. Por uma geografia nova. 3. ed. São Paulo: Hucitec, 1986. _____. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 3. ed. Rio de Janeiro: Record, 2000. 18
Compartilhar