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GEOGRAFIA ECONÔMICA MUNDIAL AULA 1 Prof. Alceli Ribeiro Alves 2 CONVERSA INICIAL Geografia econômica é um ramo do conhecimento que se preocupa em estudar a influência do espaço geográfico em determinadas atividades e processos econômicos, bem como se dedica à análise dos impactos e implicações causadas por tais atividades e processos no espaço geográfico. Conforme veremos, é uma disciplina multi e interdisciplinar por natureza. Esta aula tem o objetivo de fornecer a você os conhecimentos necessários para a compreensão do objeto de estudo da geografia econômica e demonstrar que esta disciplina possui diversos pontos de interseção com outras áreas do conhecimento, sobretudo com o comércio exterior, mas também com a economia, a matemática, a estatística, a administração e a ampla área de negócios. A partir desta aula, e ao longo das demais, você será capaz de compreender a importância da geografia econômica para o estudo das relações no âmbito do comércio internacional e para o exercício de qualquer atividade econômica. Você terá a oportunidade de desenvolver ainda diversas competências conceituais e técnicas que serão bastante úteis para sua formação e para o exercício de sua atividade profissional. CONTEXTUALIZANDO As relações entre os países, regiões e indústrias e suas implicações no âmbito do comércio internacional e do desenvolvimento têm se tornado cada vez mais complexas. Certos países estão preferindo adotar um posicionamento mais protecionista, fechando-se para as importações estrangeiras ou impondo taxas alfandegárias mais elevadas com o objetivo de reprimir as importações. Este é o caso dos Estados Unidos, durante o governo de Donald Trump. Já outros países buscam se fortalecer na escala das macrorregiões constituindo parte ou membro integrante de blocos econômicos, como no caso de Alemanha e França, que têm buscado manter a própria existência do bloco e sustentar as relações no âmbito da União Europeia. Outros países ou regiões, como o Reino Unido, por exemplo, reconhece as vantagens da integração regional e dos benefícios econômicos de fazer parte da União Europeia. Contudo, não quer abdicar de sua soberania e deseja adotar uma postura mais fechada, inward-looking, sobretudo quando se considera os 3 problemas relacionados às migrações internacionais, ao desemprego, ao aumento do uso do Estado para suprir as necessidades de cidadãos e residentes oriundos de outros países. Sem dúvida, todas essas questões possuem fatores geográficos e econômicos influenciando as relações em diferentes escalas geográficas, gerando resultados positivos e negativos para os países envolvidos no processo de globalização. A geografia econômica se preocupa em entender essas relações, considerando fatores econômicos e geográficos. Entretanto, antes de tentarmos entender a importância desta disciplina no contexto da grande área de comércio exterior, faz-se necessário compreender inicialmente o que é geografia e qual seu objeto de estudo. Igualmente necessária é a tarefa de se entender o caráter de especificidade da geografia econômica e como ela pode contribuir para o desenvolvimento de competências conceituais e técnicas indispensáveis aos profissionais da área de comércio exterior. Portanto, esses serão os objetivos a serem alcançados nesta aula. TEMA 1 – GEOGRAFIA – UMA PERSPECTIVA PARA SE COMPREENDER OS FENÔMENOS DA REALIDADE E NA ATUALIDADE 1.1 Percepção de acordo com determinado ponto de vista Cabe ressaltar que toda e qualquer análise científica sempre é pautada por um conhecimento prévio; um repertório teórico, conceitual e metodológico; um olhar ou perspectiva que se adota e aplica. Tal análise não ocorre sem critérios, competências ou no mínimo com algumas ferramentas essenciais para se compreender e explicar os fenômenos. Sem dúvida, é correto admitir também que a escolha de dado referencial ou perspectiva acaba influenciando no tipo de análise e percepção que se pode ter acerca de uma mesma informação factual. Afinal, determinado fenômeno ou realidade pode ser interpretado e analisado segundo diferentes pontos de vista. Uma vez construída uma compreensão ou percepção acerca de um fato, pode ser difícil também que se consiga realizar outra leitura ou análise segundo novos olhares ou perspectivas. É isso que a Figura 1 nos ajuda a demonstrar. A imagem mostra uma taça na cor branca ou dois rostos de perfil na cor negra, de acordo com a perspectiva que se queira escolher ou adotar para realizar a interpretação perceptual. 4 Figura 1 – Interpretações perceptuais alternativas da mesma informação factual Crédito: Peter Hermes Furian/Shuttesrtock. A perspectiva ou olhar escolhido para essa análise tem como objeto de estudo o espaço geográfico, o qual é resultado da interação entre sociedade e natureza (ou meio). Estamos nos referindo à geografia, à perspectiva geográfica e, em particular, conforme veremos, à geografia econômica. Graduados em geografia têm bastante familiaridade com este objeto (o espaço geográfico) e com as ferramentas utilizadas pela geografia. No entanto, percepção espacial é uma atividade que precisa ser desenvolvida por todos os indivíduos, independentemente do referencial ou perspectiva adotada. Reconhecer a importância da dimensão espacial é algo que muitas vezes pode passar despercebido no cotidiano dos cidadãos ou mesmo em pesquisas e análises realizadas na perspectiva de outras áreas do conhecimento. Admitimos que nossa perspectiva não é a única ou, ainda, a mais adequada para a análise de todos os fenômenos que ocorrem como resultado da interação entre sociedade e natureza, mas, sem dúvida, trata-se de um olhar ou perspectiva que oferece diversos insights para lançar luz na busca de repostas para as questões da atualidade. 1.2 A importância da geografia Vamos partir da seguinte lógica. A relação das sociedades com o meio em que vivem tem sempre uma dimensão espacial e uma temporal, pois tudo ocorre no tempo e no espaço, inevitavelmente. Como diria Santos (2003, p. 20), “é através do processo de produção que o homem transforma a natureza a fim de garantir sua sobrevivência ou de aumentar sua riqueza. Portanto, a economia se realiza no espaço e não pode ser entendida fora desse quadro de referência.” A localização geográfica das atividades exercidas pelos indivíduos, comunidades, empresas e sociedades possui sua própria dinâmica, suas 5 próprias leis. Pense na seguinte questão, você é um empreendedor e possui certa quantia em dinheiro para realizar um investimento em determinado país. Seu investimento consiste na implementação de uma fábrica de automóveis. Diante disso, onde você investiria esse dinheiro que se tornaria então capital? Em qual continente e país você localizaria sua fábrica de automóveis, e por quê? Sem dúvida, sua resposta teria, em grande parte, uma explicação geográfica, um fator que consideraria a dimensão espacial como parte de sua decisão, ainda que de maneira implícita. Da mesma forma, a distância, ou seja, um percurso mensurável e possível de ser percorrido no espaço, também impacta em nosso cotidiano e em nossas decisões. A distância influencia também em nossos custos de transporte, no tempo necessário para superar o espaço em determinado tempo, nas relações entre pessoas, empresas e consumidores etc. Desse modo, localização e distância não são fatores triviais. São fatores elementares em estudos de geografia, fundamentais para se conduzirem estudos iniciais realizados no âmbito dessa ciência. Em outras palavras, é importante que você considere que a dimensão espacial é importante em nossas vidas. É essa dimensão, qual seja, a do espaço geográfico, que consiste no objeto de estudo da geografia. Entretanto, quando a dimensão espacial se associa àdimensão econômica, como na escolha de uma localidade que envolve custos ou investimentos econômicos, a geografia se mistura com a economia e vice-versa, fazendo com que essas duas áreas formem um conhecimento distinto, específico, capaz de ser conceituado, teorizado e sistematizado. Da mesma forma, quando uma atividade econômica produz impactos na economia dos países ou mesmo no meio ambiente, transformando o espaço geográfico, a saúde e a qualidade de vida dos indivíduos, a geografia novamente se preocupa em buscar compreender tais impactos e implicações. Assim é a geografia econômica, sub-ramo da geografia ao qual iremos nos dedicar ao longo das aulas. TEMA 2 – A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA GEOGRAFIA 2.1 As contribuições de Karl Ritter e Alexander von Humboldt A geografia nem sempre foi reconhecida como ciência, dotada de conceitos, teorias e métodos próprios. Mas, do ponto de vista do saber 6 geográfico, ou do senso comum, a geografia pode ser considerada um conhecimento ou saber bastante antigo. Desde a Antiguidade, a geografia esteve diretamente relacionada à interpretação, percepção e interesse das pessoas, e sua prática diretamente relacionada aos relatórios de viajantes, exploradores, navegadores, entre outros. Um exemplo que demonstra a importância da geografia e do geógrafo já no século XV pode ser observado no filme 1492: a conquista do paraíso, com o ator francês Gérard Depardieu interpretando Cristóvão Colombo. Em diversos momentos do filme percebe-se que o conhecimento geográfico e a atividade exercida pelos geógrafos foram fundamentais para o sucesso do empreendimento proposto por Cristóvão Colombo. A descoberta de Colombo não apenas comprovaria a tese de que o mundo é redondo, mas também mudaria a história da humanidade e do mapa geopolítico do mundo. Além disso, sob o prisma do comércio internacional, devemos recordar que a descoberta de novos territórios, ou dos territórios de além-mar, traria novas perspectivas acerca de colonização e exploração dos territórios, a consolidação de novas rotas marítimas e o estabelecimento de amplas relações de comércio entre Europa e Ásia com outras regiões do globo. Saiba mais Para conhecer um pouco mais sobre a conquista da América e as transformações econômicas, geográficas e políticas advindas das relações estabelecidas com as regiões colonizadas pelos europeus, assista ao filme 1492: a conquista do paraíso. Afastando-se da ideia de geografia apenas como conhecimento originado de explorações de viajantes ou do levantamento de dados por meio da observação das paisagens, ocorre, no final do século XIX, a sistematização do conhecimento geográfico sob a denominação de geografia. Essa sistematização é atribuída em grande parte aos geógrafos prussianos Karl Ritter e Alexander von Humboldt. Ritter (Figura 2) foi considerado o primeiro a assumir oficialmente uma cátedra de geografia em uma universidade, especificamente na Universidade de Berlim. Dedicou-se aos estudos da natureza e suas implicações na sociedade, por isso seu trabalho é geralmente associado a uma visão mais antropocêntrica 7 de mundo. Humboldt (Figura 3), por sua vez, era naturalista e explorador. Entre o final do século XVIII e início do século XIX, esteve na América do Sul realizando diversos estudos, resultando na descoberta da Corrente de Humboldt. Figura 2 – Karl Ritter Crédito: Nicku/Shutterstock. Figura 3 – Alexander von Humboldt Crédito: Georgios Kollidas/Shutterstock. A contribuição desses naturalistas e geógrafos foi fundamental para o surgimento e desenvolvimento da geografia moderna, da geografia como ciência. A obra deles reflete ainda a importância da Prússia, atualmente território alemão, na construção do pensamento geográfico e no processo de sistematização da geografia. Por isso, a unificação da Alemanha, ocorrida por volta de 1871, foi fundamental nesse processo de sistematização. Para que fosse possível a constituição do Estado Nacional alemão, tanto sob o ponto de vista político- administrativo-jurídico como também territorial, era necessário construir uma identidade e unidade territorial, bem como ampliar o conhecimento geográfico acerca dos territórios. E nessa tarefa a Alemanha foi pioneira na tentativa de se compreender e realizar um inventário envolvendo os atributos humanos e naturais contidos tanto no território alemão como fora dele. 8 Segundo Moraes (2002, p. 33-34), até o final do século XVIII, não é possível falar de conhecimento geográfico, como algo padronizado, com um mínimo que seja de unidade temática, e de continuidade nas formulações. Designam-se como Geografia: relatos de viagem, escritos em tom literário; compêndios de curiosidades, sobre lugares exóticos; áridos relatórios estatísticos de órgãos de administração; obras sintéticas, agrupando os conhecimentos existentes a respeito dos fenômenos naturais; catálogos sistemáticos, sobre os continentes e os países do Globo etc. Na verdade, trata-se de todo um período de dispersão do conhecimento geográfico, onde é impossível falar dessa disciplina como um todo sistematizado e particularizado. Após sua sistematização, diversos estudos geográficos se dedicaram ora aos elementos naturais, ora aos elementos humanos contidos na paisagem. A interação e interdependência entre esses dois elementos também eram consideradas, mas a natureza geralmente era o elemento mais contemplado nas análises geográficas deste período inicial de desenvolvimento da geografia. E é exatamente nesse contexto, o de atribuir maior ou menor importância à natureza, que surgem as vertentes deterministas e possibilistas nos estudos de geografia. TEMA 3 – DETERMINISMO VERSUS POSSIBILISMO EM GEOGRAFIA No chamado determinismo geográfico, a natureza era considerada o fator ou elemento que determinava o sucesso ou o nível de desenvolvimento que um país poderia atingir. Um exemplo bastante interessante para demonstrar a influência que a natureza poderia exercer no desenvolvimento de um país é a Corrente de Humboldt, no Chile (Figura 4). Graças a ela, uma quantidade significativa de plânctons é transportada pela corrente fria de Humboldt desde a Antártida até a faixa litorânea de Chile e Peru, favorecendo a concentração de peixes na costa. Ou seja, fica evidente que a natureza, neste caso, foi generosa com esses países. 9 Figura 4 – Corrente de Humboldt (Chile) Crédito: Abriendomundo/Shutterstock. No entanto, na perspectiva do possibilismo, a natureza não determina o futuro das nações. Apesar de sua enorme influência para o desenvolvimento dos países e regiões, a natureza gera oportunidades, ou seja, possibilita que as sociedades, segundo seus conhecimentos, competências e técnicas etc. possa se desenvolver fazendo uso da natureza. Tenha novamente o exemplo da Corrente de Humboldt. A Corrente de Humboldt leva os alimentos e nutrientes para a costa do Peru, permitindo que esse país tenha uma quantidade bastante grande de peixes e moluscos disponível em seu território. Mas de nada isso iria adiantar se os peruanos não tivessem desenvolvidos técnicas, tecnologias, conhecimento, rede de relações necessárias etc. para o desenvolvimento da atividade pesqueira no país. Em outras palavras, a natureza gera possibilidades, cria oportunidades, mas, sem o fator humano, o Peru dificilmente se tornaria um dos maiores mercados produtores e exportadores de moluscos da América Latina e do mundo. Pucusana, por exemplo, é um dos distritos mais importantes no fornecimento de peixes e frutos do mar para a cidade de Lima e para outras regiões do globo (Figura 5). 10 Figura 5 – Porto de Pucusana (Peru) Crédito Milton Rodriguez/Shutterstock. TEMA 4 – GEOGRAFIA: A CIÊNCIA QUE ESTUDA O ESPAÇO GEOGRÁFICO A geografia é, portanto, a ciência que tem como objeto de estudoo espaço geográfico, constituído pela natureza e pela sociedade e suas inter-relações. Ela estuda, entre outras coisas, a relação das sociedades com o meio em que vivem; as transformações produzidas nas paisagens pela ação de indivíduos, empresas, governos, instituições etc., com o objetivo de satisfazerem suas necessidades (ex.: de moradia, de mobilidade urbana), produzirem riqueza ou planejarem estratégias para estimular o desenvolvimento. É o que a Figura 6 implicitamente demonstra. A imagem mostra a Ponte Octávio Frias de Oliveira, localizada sobre o rio Pinheiros e que permite a travessia entre os bairros Morumbi e Brooklin, entre outros. Trata-se da transformação da natureza e da paisagem em prol dos interesses e necessidades da sociedade. Meio (espaço) e sociedade interagem numa relação interdependente à luz da perspectiva geográfica. Figura 6 – O espaço geográfico em transformação Crédito: F11PHOTO/Shutterstock. 11 Sem dúvida, esse é um exemplo que revela transformações no espaço geográfico, ou ainda na paisagem, decorrentes da necessidade que indivíduos, empresas e governos têm de interferirem no meio para produzirem riqueza, gerarem oportunidades de trabalho, emprego e renda. A geografia passou por diversas transformações, apropriando-se de conceitos, teorias e métodos que foram gradativamente compondo o repertório da ciência geográfica, auxiliando-a na compreensão de seu objeto de estudo. Desde sua institucionalização e sistematização como ciência, a geografia foi influenciada por diversos paradigmas. Numa fase mais incipiente de institucionalização, ela era uma ciência predominantemente descritiva, que enfatizava as particularidades dos lugares, os costumes de seus habitantes, o tipo de vegetação característico da região etc. Em outro momento, a geografia deparou-se com um novo paradigma, que rompeu com a simples descrição dos lugares, para dar espaço ao raciocínio dedutivo, lógico-matemático, baseado na construção de leis gerais. Já em outro paradigma, emergiram temas mais relacionados aos problemas sociais, às desigualdades sociais e às contradições do capitalismo. Saiba mais Assista ao vídeo “O que é geografia” para entender um pouco mais sobre o olhar geográfico acerca dos fenômenos que envolvem a interação da sociedade e natureza: <https://www.youtube.com/watch?v=wKx8GVWqFi8>. TEMA 5 – GEOGRAFIA ECONÔMICA – RAMO ESPECÍFICO DA GEOGRAFIA 5.1 A especificidade da geografia econômica A geografia econômica conseguiu se estabelecer como um ramo distinto dentro do enorme arcabouço de disciplinas que compõem a geografia. É difícil saber exatamente quando essa disciplina se tornou um ramo específico da geografia humana, mas alguns caminhos podem ser trilhados no tempo e na obra de autores para se ter uma noção acerca de como ela foi se organizando e transformando. Segundo Alves (2015, p. 27), as origens e o desenvolvimento da geografia econômica “estão associados à influência recebida não apenas da geografia e dos geógrafos, mas também da economia, da matemática e da estatística entre 12 outras disciplinas”. Nesse sentido, “a geografia econômica pode ser entendida como um ramo do conhecimento científico que é, por natureza, multi e interdisciplinar” (ibid). Friedrich Ratzel (Figura 7) e Paul Vidal de La Blache (Figura 8) contribuíram para abrir caminho para o que posteriormente se organizaria como a disciplina de geografia econômica. Ratzel publicou em 1882 a obra Antropogeografia, considerada por Moraes (1983) como a obra que funda a geografia humana. Ratzel também trouxe debates políticos e econômicos e é bastante conhecido e citado nos estudos de geopolítica. Figura 7 – Friedrich Ratzel (1844-1904) Crédito: © CC-20/Joseph Albert. La Blache, por sua vez, é o criador da escola possibilista em geografia. Em 1918, publicou Principles of human geography, obra que fundamenta os estudos regionais em geografia e abre caminho, dentro dessa ciência, para os estudos envolvendo o setor agrário, industrial, urbano etc. Aqui, por exemplo, seria possível defender a hipótese de que a geografia econômica se desenvolveu proveniente de estudos especializados sobre a indústria, os cultivos agrícolas e, obviamente, sobre a localização e importância de tais atividades na produção do espaço geográfico. Com o desdobramento de sua obra, surgem ainda as chamadas monografias regionais, estudos especializados na descrição das características de múltiplas regiões do globo. 13 Figura 8 – Paul Vidal de La Blache (1845-1918) Crédito: © CC-20. É por volta da década de 1950, no entanto, que ela se organiza como um corpo distinto dentro da geografia, muito relacionada ao paradigma da geografia quantitativa, ou, também chamada de geografia pragmática. Na perspectiva de Alves (2015, p. 83), a geografia econômica se preocupa em analisar, compreender e explicar a organização espacial das atividades econômicas em determinados sistemas econômicos à luz da Geografia e de seus conceitos e técnicas. O Geógrafo economista se preocupa com a localização dos vários elementos dos sistemas econômicos, como eles estão conectados no espaço, como eles o produzem e o transformam, e quais são os impactos sócio-espaciais dos processos econômicos. Para saber mais A geografia econômica tem suas origens na obra de geógrafos e economistas, mas sofreu forte influência de acadêmicos e profissionais de várias outras áreas. Os teóricos de localização das atividades econômicas, tais como Johann Heinrich von Thünen, Alfred Weber e Walter Christaller, são exemplos importantes nesse contexto. Para que você amplie seus conhecimentos sobre esse assunto, sugerimos a leitura do seguinte livro: ALVES, A. R. Geografia econômica e geografia política. Curitiba: InterSaberes, 2015. 5.2 A interseção entre a geografia e demais áreas do conhecimento A geografia econômica, conforme argumentamos, é um ramo do conhecimento científico multi e interdisciplinar. Essa característica não tem suas origens na atualidade, tendo em vista a contribuição dos teóricos de localização (Thünen, Weber, Christaller etc.) mesmo antes da década de 1950, ou seja, antes do surgimento da chamada geografia econômica. Em artigo publicado em 2018 por James et al., intitulado “Sustaining Economic Geography? Business and Management Schools and the UK’s Great 14 Economic Geography Diaspora”, os autores discutem a preocupação dos geógrafos com a saúde da geografia econômica no Reino Unido. Segundo eles, os últimos anos testemunharam uma notável migração de geógrafos economistas no país, de departamentos de geografia para posições acadêmicas em escolas de administração e negócios e centros de pesquisa relacionados. Entre 2015 e 2017, examinou-se a escala e importância dessa tendência, conforme documentado em novos dados e entrevistas geradas por meio do Grupo de Pesquisa em Geografia Econômica da Sociedade Geográfica Real, juntamente com o Instituto de Geógrafos Britânicos. Para James et al. (2018), isso levou, de um lado, a uma diminuição dos geógrafos economistas e do tamanho da geografia econômica em departamentos de geografia. Por outro lado, aproximou esses profissionais e a geografia econômica de áreas que passaram a dialogar de maneira mais intensa e profícua com a geografia econômica, em particular, as áreas de administração e negócios. Em outra publicação dos autores, o artigo traz o seguinte título: “Yes, we are in business! Sustaining Economic Geography?”, ou seja, a geografia econômica e os geógrafos economistas estão cada vez mais presentes e atuantes em áreas, cursos ou disciplinas como logística internacional, supply chain, comércio exterior, comércio internacional, transportes e logística etc. 5.3 Geografia econômica e comércio exterior Há várias interseções analíticas entre a geografia econômicae o comércio exterior. Sem dúvida, o estudo das relações entre países, lugares, mercados e pessoas por meio das transações comerciais estabelecidas no âmbito do comércio internacional talvez seja a mais evidente de todas essas interseções que conectam o objeto de estudo da geografia econômica com os interesses e atividades dos profissionais da área de comércio exterior. No entanto, há muitos outros temas, questões e problemas que permeiam as discussões e debates entre essas duas grandes áreas. Por exemplo, a globalização, a integração regional e a formação de blocos econômicos, os negócios internacionais, as questões geopolíticas, o sistema financeiro global, a fragmentação da produção e a inserção de indústrias na economia mundial, a relação local-global e vice-versa etc. De maneira sucinta, a geografia econômica é um ramo do conhecimento fundamental para profissionais que atuam com operações envolvendo comércio 15 exterior. Exportações e importações não ocorrem em um mundo onde o espaço geográfico não existe. Transações comerciais possuem localização determinada no espaço e no tempo e conectam diferentes lugares, países, economias regionais, empresas e indivíduos. As demais etapas realizadas dentro do sistema são igualmente importantes para o comércio internacional, haja vista que design, produção, consumo, descarte final de resíduos etc. também possuem localização determinada no espaço. Ou seja, não vivemos em um mundo spaceless. Por se tratar de uma disciplina que estabelece a interseção entre a geografia e os conhecimentos tratados no âmbito do comércio internacional, a geografia econômica permite que os profissionais possam desenvolver competências conceituais e técnicas importantes para o exercício da atividade profissional. O profissional da área de comércio exterior precisa ter noções básicas de como identificar mercados consumidores, bem como conhecer os principais produtos contidos nas pautas de importação e exportação de países e empresas que atuam em determinados segmentos do comércio internacional. Ele precisa analisar e entender como o espaço geográfico influencia as atividades e processos econômicos, bem como compreender que os impactos causados por atividades e processos econômicos também transformam o espaço geográfico. A geografia econômica é uma dessas disciplinas que contribui exatamente nesse processo de aprendizagem e desenvolvimento de competências e habilidades. TROCANDO IDEIAS Pensemos no caso da queda da barragem ocorrida na Mina Córrego do Feijão, no município de Brumadinho, em Minas Gerais. Tendo analisado os conteúdos desta aula e levando em consideração sua percepção e conhecimento acerca do fato, procure explicar: como a queda da barragem pode ser analisada segundo a perspectiva da geografia econômica? Reflita sobre o assunto e compartilhe seus conhecimentos, questionamentos e dúvidas com os colegas. 16 NA PRÁTICA Não bastasse a tragédia ocorrida no município de Mariana em novembro de 2015, a queda da barragem em Brumadinho chocou novamente o Brasil e o mundo em 25 de janeiro de 2019. Esses eventos, apesar de suas tristes consequências, nos trazem muitas lições à luz da geografia econômica e de sua particular maneira em compreender o mundo e a realidade que nos circunda. Para que você possa responder às questões propostas nesta atividade prática, assista inicialmente ao vídeo a seguir: <https://www.youtube.com/watch?v=440Fh3mQ0LU>. Agora, reflita sobre o evento ocorrido em Brumadinho e aplique os conhecimentos adquiridos nesta aula para responder às questões: 1) A atividade econômica exercida pela VALE em Brumadinho transformou e transforma o espaço geográfico deste município e de outras localidades vizinhas? Explique. 2) Para que tal atividade econômica fosse exercida em Brumadinho, houve algum fator geográfico que determinou a instalação da VALE naquela localização? FINALIZANDO Nesta aula, além de apresentarmos algumas interseções analíticas entre a geografia econômica e o comércio exterior, consideramos uma breve análise acerca do objeto de estudo da geografia e do caráter de especificidade desta disciplina. Por último, propusemos uma atividade que procurou estimular você a tentar compreender a importância da geografia econômica na explicação dos fatos, eventos e transformações que impactam na economia e no ambiente onde residem e trabalham os cidadãos. Fazendo uso do exemplo do rompimento da barragem de Brumadinho, em Minas Gerais, consideramos nesta aula os impactos causados por processos e atividades econômicas no espaço geográfico. Contudo, conforme temos argumentado, as transformações no espaço geográfico também exercem influência em processos e atividades econômicas. Com essas considerações em mente, gostaríamos de chamar sua atenção para o fato de que a produção de minério de ferro nos permite refletir ainda sobre a relação entre produção e exportação, exportação e importação e identificação de principais mercados fornecedores e consumidores de minérios de ferro e outras commodities minerais. 17 Com esse olhar acerca dos eventos, poderemos ampliar nossos conhecimentos fazendo uso de uma perspectiva sistêmica de espaço e economia, analisando as interações não apenas na escala local, mas também nas escalas nacional e global e suas implicações para o comércio exterior. Voltaremos a revisitar esse tema mais adiante, quando o abordaremos de maneira mais ampla. 18 REFERÊNCIAS ALVES, A. R. Geografia econômica e geografia política. Curitiba: InterSaberes, 2015. JAMES, A. et al. Sustaining economic geography? Business and Management Schools and the UK’s Great Economic Geography Diaspora. Sage Journals, 2018. Disponível em: <https://doi.org/10.1177/0308518X18764120>. Acesso em: 29 ago. 2019. MORAES, A. C. R. Geografia: pequena história crítica. São Paulo: Hucitec, 1983. ______. Geografia: pequena história crítica. São Paulo: Hucitec, 2002. SANTOS, M. Economia espacial: críticas e alternativas. São Paulo: EdUSP, 2003. Conversa inicial Contextualizando Trocando ideias Na prática FINALIZANDO REFERÊNCIAS
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