Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 Neurocirurgia: Tumores hipofisários Revisão anatômica do quiasma óptico Quando o tumor cresce na hipófise em sentido ascendente, comprime o quiasma óptico (parte do hipotálamo). Se as fibras da retina nasal (medial) são comprimidas, o paciente terá perda do campo de visão temporal (lateral): por isso, quando o tumor cresce dessa forma, o indivíduo apresenta hemianopsia bitemporal. Nota: a hipófise repousa dentro da sela túrcica e se comunica com o hipotálamo através da haste hipofisária. Se o tumor cresce em sentido descendente, atinge o seio esfenoidal. A parede lateral da sela túrcica é composta pelo seio cavernoso – uma estrutura complexa que possui uma prega de dura-máter e sangue venoso passando em sua região; embebida no sangue venoso, passa a carótida interna (carótida cavernosa). Junto com a carótida existe o NC III (oculomotor), 1º (V1) e 2º (V2) ramos do NC V (trigêmeo), NC IV (troclear) e NC VI (abducente) – quando o tumor cresce para as laterais, podem existir sintomas compressivos de qualquer um desses nervos cranianos, afetando principalmente a motricidade ocular extrínseca e perda do paralelismo do olhar conjugado, levando a diplopia (visão dupla). Não há alteração de campo visual/acuidade visual. Tumores hipofisários São tumores comuns, com sinais e sintomas muito específicos. Uma pequena porcentagem (20%) dos tumores de hipófise se comportam como adenomas invasivos, mas não há uma explicação clara. Nessa aula, o foco serão os adenomas hipofisários benignos. Menos de 0,1% dos tumores hipofisários são carcinomas. Classificação ● Não secretores (25%) ● Secretores (75%) Os tumores surgem das células da própria hipófise, portanto para classificá-los, devemos saber sua origem celular. Os tumores que secretam a prolactina (prolactinomas) são originados dos lactotrofos; os somatotropinomas são originados dos somatotrofos (células que produzem o GH), e assim por diante. A classificação histológica dos tumores (feita por imunohistoquímica) é muito mais complexa, de forma que é muito leviano classificá-los somente como secretores ou não secretores. Os tumores que nascem a partir de células que não são capazes de produzir hormônios (null cell) tem prognóstico pior em relação aos demais. Anatomia patológica A partir dos achados patológicos nas imagens, também podemos classificar os tumores como microadenomas (até 1 cm) e macroadenomas (maior que 1 cm). Quando o tumor invade o seio cavernoso (existe uma classificação que mede o quanto esse tumor está lateral à carótida), seu prognóstico é pior 2 dependendo de quanto mais lateral ele está em relação à carótida – afinal dificulta o acesso cirúrgico a essa região. Classificação de Hardy – mede a invasão no eixo crânio-caudal Fala o quanto o tumor cresce para cima (quanto ele vai em direção ao quiasma) e para baixo (quanto ele vai em direção ao seio esfenoidal). Classificação de Knosp – mede a invasão no eixo látero-lateral Fala o quanto o tumor cresce lateralmente à sela túrcica, isto é, o quanto ele invadiu o seio cavernoso. O grau 0 representa um tumor que não toca a linha medial das carótidas e o grau 4 representa envolve toda a carótida cavernosa. O Knosp tem um importante valor prognóstico, como dito anteriormente, pois quanto mais lateral o tumor for às carótidas, mais difícil a cirurgia. Tumores não funcionantes O paciente não pode apresentar nenhuma manifestação clínica da hipersecreção hormonal, nem bioquímica (ao dosar os hormônios, eles encontram-se normais). A maioria desses tumores não nascem a partir das null cell, apenas 20 a 40%. A maioria dos tumores não funcionantes na verdade nascem a partir dos gonadotrofos, células capazes de produzir gonadotrofinas, porém ao dosar os hormônios, esses encontram-se normais – provavelmente porque esses tumores secretam algumas subunidades ou moléculas não dosáveis. Os sintomas desse indivíduo são exclusivamente decorrentes do efeito de massa: cefaléia, alteração de campo visual (hemianopsia bitemporal) e pan-hipopituitarismo – o tumor cresce tanto que esmaga a glândula, que deixa de produzir os hormônios. Também pode acontecer a apoplexia tumoral (necrose e hemorragia intra-tumoral decorrente do desbalanço entre aporte sanguíneo e o metabolismo das células). Por vezes o paciente não sabe que tem um tumor não funcionante devido a ausência de sintomas, e quando ocorre a apoplexia tumoral, o tumor se expande subitamente, fazendo com que o paciente apresente uma perda súbita do campo visual – um exemplo de manifestação súbita de uma lesão tumoral. Além disso, o paciente pode ter déficits de nervos cranianos, caso o tumor cresça no eixo látero-lateral, entrando no seio cavernoso. Existe uma situação que não é incomum: um adenoma não secretor apresenta hiperprolactinemia. Essa condição define o tratamento, afinal o tratamento de um prolactinoma é muito diferente de um adenoma não secretor. 3 Por que um adenoma não secretor pode levar a hiperprolactinemia? [pode cair na prova] Quando a dopamina (que é produzida no hipotálamo) chega até a hipófise, ocorre um mecanismo de feedback negativo, impedindo a produção de prolactina. Se a dopamina não chega na hipófise, o feedback negativo é inibido e a prolactina é produzida. Conforme o tumor cresce no eixo crânio-caudal, a haste hipofisária é comprimida, impedindo que a dopamina chegue a hipófise; trata-se de uma disfunção da haste chamada de efeito haste. Com essa disfunção, a hipófise entende que precisa produzir mais prolactina: ocorre hiperprolactinemia em um tumor não secretor devido ao efeito de massa. O efeito haste raramente atinge grandes valores. Em um macroadenoma produtor de prolactina normalmente os valores são acima de 200 ng/ml de prolactina; no efeito haste, raramente a prolactina supera valores de 100 ng/ml (VR: 20 ng/ml). Quando tratar os tumores não funcionantes? Quando existem sintomas compressivos – compressão do quiasma óptico e déficit de campo visual: cirurgia transfenoidal indicada [parte mais importante deste tópico]. Após 3 meses de cirurgia, são feitos exames de controle para ver se existe lesão residual ou não. Na ausência de lesão residual, devemos fazer apenas o acompanhamento; caso exista, podemos apenas acompanhar, reoperar ou fazer radioterapia. Em pacientes sem déficits visuais, recomenda-se o acompanhamento com ressonâncias magnéticas seriadas com intervalo de 6 meses a 1 ano e meio. Tumores hipofisários secretores – obrigatoriamente haverá excesso de algum tipo de hormônio 1. Prolactinoma O mais comum dos tumores secretores é o prolactinoma, originados dos lactotrofos, células capazes de produzir prolactina. São muito mais comuns em mulheres que homens. ● Principais queixas nos homens: perda da libido e impotência sexual. ● Principais queixas nas mulheres: alteração do ciclo menstrual (de irregularidade à amenorréia), infertilidade e hirsutismo. Sempre a hiperprolactinemia é uma causa secundária de hipogonadismo, podendo levar a outras alterações como osteoporose. A galactorréia é mais comum nas mulheres, mas também pode ocorrer nos homens. Diagnóstico ● Macroadenomas: prolactina geralmente acima de 200 ng/ml ● Microadenomas: valores geralmente menores que 100 ng/ml ○ Pensar no efeito haste (tumor não secretor com prolactina alta) 4 Efeito gancho Tumor secretor de prolactina (prolactinoma), porém a prolactina encontra-se falsamente baixa. Quando a paciente apresenta macroadenoma, galactorréia, irregularidade menstrual e prolactina baixa: suspeitar do efeito gancho. O efeito gancho é semelhante a um erro laboratorial: para dosar a prolactina, o sangue da paciente recebe anticorpo antiprolactina (se liga à molécula de prolactina fisiológica) e o laboratório mede essa ligação antígeno-anticorpo. Se a prolactina ou o anticorpo antiprolactina estiverem sozinhos, essa ligação não pode ser medida. Por vezes, essa prolactina está tão alta (2 mil), que o anticorpo não consegue se ligar: ele se “perde” entre tantas moléculas de prolactinae não consegue se ligar a nenhuma, gerando um resultado de exame baixo, mesmo sendo um prolactinoma com valores reais muito altos de prolactina. Importante: saber diferenciar efeito haste de efeito gancho. Em suspeitas de efeito gancho, pedir a prolactina diluída, recebendo os valores corretos. É importante que essa prolactina real seja identificada, pois pacientes com prolactinoma devem ser tratados com cabergolina, isto é, o tratamento clínico é a primeira opção (diferente do tratamento de um tumor não secretor sintomático, que a primeira opção é a cirurgia transfenoidal). Cabergolina É um agonista dopaminérgico, isto é, imita a ação da dopamina, que faz um feedback negativo, levando a contraregulação e bloqueio da produção de prolactina. O resultado é a diminuição dos valores séricos de prolactina e redução do volume tumoral. Cerca de 15% dos pacientes não respondem bem à cabergolina, sendo a cirurgia indicada apenas nesses casos. 2. GHoma Tumor secretor de GH, sendo o diagnóstico feito pela dosagem do GH e IGF-1. Quando o GH passa pelo fígado, é metabolizado e convertido na molécula ativa, o IGF-1. O aumento desses hormônios na infância e adolescência leva ao gigantismo; na fase adulta, à acromegalia. A acromegalia leva a uma série de alterações não somente da face, mas também do crescimento do nariz, região frontal do crânio, mãos e pés. Sempre perguntar para esses pacientes se sua numeração de calçados aumentou, se houve necessidade de trocar alianças, etc. O mais importante nesses pacientes não são as alterações estéticas, mas alterações cardíacas de hipertrofia e consequente insuficiência cardíaca grave. Além disso, os pacientes desenvolvem alterações respiratórias e deformidades musculoesqueléticas. Outro problema é que o GH é contraregulador da insulina, portanto é frequente que esses pacientes se tornem diabéticos. 5 De todos os tumores da hipófise, o único que tem tratamento clínico como primeira opção é o prolactinoma. Todos os outros tumores, inclusive GHoma, tem como primeira opção o tratamento cirúrgico. O tratamento clínico é feito com análogos da somatostatina, mas seu resultado não é tão bom quanto o tratamento cirúrgico. 3. ACTHoma O tumor de pior prognóstico e também a principal causa de doença de Cushing. Suas manifestações incluem: ● Fácies em lua cheia e bochechas avermelhadas ● Obesidade A hipersecreção de ACTH leva a alteração do metabolismo muscular e dos lipídeos, levando a obesidade centrípeta: a cintura abdominal fica bastante elevada e os membros apendiculares ficam bastante finos, com pouca musculatura. ● Estrias largas e avermelhadas/violáceas ● HAS (excesso de cortisol) ● DM ● Necrose da cabeça do fêmur ● Alterações psiquiátricas, como depressão grave O tratamento é preferencialmente cirúrgico, uma vez que os análogos da somatostatina não levam a resultados tão bons. Lembre-se: a principal causa da síndrome de Cushing é o uso de corticóides e a principal causa da doença de Cushing é o tumor de hipófise secretor de ACTH. 4. TSHoma – o tratamento de primeira escolha é cirúrgico Simula um quadro de hipertireoidismo – na verdade é o hipertireoidismo central. O paciente apresenta: ● Taquicardia ● Intolerância ao calor ● Perda de peso ● Diarréia ● Alterações de humor Técnica cirúrgica para os tumores hipofisários ● Acesso transfenoidal (acesso padrão ouro) ○ Se o crescimento do tumor for muito latero-lateral, o acesso deve ser transcraniano ■ Outras indicações: sinusite e carótidas que se beijam Adendos [pode cair na prova] Na prática, muitas vezes existem dúvidas se o paciente apresenta efeito haste ou gancho. Nesses casos, o médico pode fazer o tratamento empírico com cabergolina: se o paciente melhorar, era efeito gancho. Se não melhorar com cabergolina, provavelmente é um efeito haste. Em qualquer lesão hipofisária, sempre dosar todos os hormônios. ● Efeito haste: tumor não secretor com prolactina alta ● Efeito gancho: prolactinoma com prolactina falsamente baixa
Compartilhar