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AULA 1 ORGANIZAÇÕES E TRABALHO Profª Laira Gonçalves Adversi A luno: A N G É LIC A C A P R ILE S S A N T O S E m ail: a.capriles@ hotm ail.com 2 CONCEPÇÕES SOCIOLÓGICAS ACERCA DO TRABALHO CONVERSA INICIAL O objetivo desta aula consiste em apresentar os conceitos-chave das concepções acerca do tema trabalho de alguns teóricos clássicos da sociologia: Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber. Os três teóricos realizam suas análises tomando como marco histórico o período da Revolução Industrial, o início do capitalismo e início da sociedade moderna. Esta aula divide-se em cinco temas: 1. O trabalho como atividade vital em Karl Marx; 2. O trabalho no sistema capitalista em Karl Marx; 3. O trabalho no sistema capitalista em Émile Durkheim; 4. O trabalho no sistema capitalista em Marx Weber; 5. Comparativo entre as perspectivas dos três autores: Marx, Durkheim e Weber. O primeiro tema desta aula apresenta a perspectiva de Karl Marx, que concebe, em primeira instância, o trabalho como atividade vital do homem. O segundo tema introduz os principais conceitos relacionados ao modo de produção capitalista para fornecer base de compreensão do trabalho no capitalismo, na concepção de Marx. O terceiro tema apresenta o trabalho como fato social na perspectiva sociológica de Émile Durkheim, destacando a substituição da solidariedade mecânica pela orgânica na medida em que aumenta a divisão social do trabalho no capitalismo. O quarto tema mostra a transformação do significado do trabalho após a reforma protestante e sua relação com a racionalização na perspectiva de Max Weber. O quinto tema sintetiza as principais ideias e conceitos- chave em uma comparação entre as concepções acerca do trabalho em Marx, Durkheim e Weber. As temáticas um e dois, ao trazer as concepções de Marx sobre o trabalho, mostram que o modo de produção capitalista modifica o significado do trabalho para o ser humano. Antes, o trabalho representava a atividade vital humana que diferenciava o homem do animal e que refletia aspectos inerentes à ideação do homem. Com o início do capitalismo, o trabalho passa a configurar-se uma atividade alienada em que o homem não se reconhece mais no resultado de seu A luno: A N G É LIC A C A P R ILE S S A N T O S E m ail: a.capriles@ hotm ail.com 3 trabalho. Além disso, o trabalho passa a representar motivo de conflito entre duas classes sociais: os donos dos meios de produção e o proletariado. O Tema 3, ao trazer a perspectiva de Durkheim, mostra que a divisão social do trabalho é um meio de obtenção de harmonia e coesão social por meio do desenvolvimento da solidariedade orgânica entre os indivíduos. Para Durkheim, o conflito existe na sociedade, porém é apenas uma anomalia e não um estado de normalidade. A temática quatro discorre sobre o acontecimento que desencadeia as transformações da significação do trabalho na sociedade capitalista: a reforma protestante e sua racionalidade. A temática cinco, ao sintetizar de modo comparativo as principais ideias de Marx, Durkheim e Weber, retoma os conceitos relacionados ao trabalho já mencionados nos temas anteriores desta aula. TEMA 1 – O TRABALHO COMO ATIVIDADE VITAL EM MARX O trabalho é concebido por Max (2013) como atividade vital. O autor compartilha essa concepção com Engels (1999). Ambos defendem que o trabalho é a ação do homem sobre a natureza a fim de transformá-la em benefício da sua subsistência Max e Engels comparam os homens aos animais, indicando o trabalho como atividade que os diferencia. Os homens, diferentemente dos animais, produzem seus meios de subsistência de forma consciente e planejada a fim de satisfazer suas necessidades. À medida que o homem se distancia dos animais, sua atuação sobre a natureza assume uma característica de ação intencional planejada com o objetivo de alcançar o que foi projetado em seu pensamento (Engels, 2013). Assim, a intencionalidade da ação diferencia o homem dos animais. Esses últimos são orientados por instintos ao realizar atividades para satisfazer suas necessidades imediatas, enquanto que os homens imaginam em sua mente o objeto antes de transformá-lo em matéria (Engels, 1999). Os animais modificam a natureza pelo simples fato de estarem presentes nela. Em contrapartida, o homem, por meio do trabalho, modifica a natureza e a domina de forma intencional e consciente (Engels, 1999). Marx exemplifica: A luno: A N G É LIC A C A P R ILE S S A N T O S E m ail: a.capriles@ hotm ail.com 4 Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha envergonha mais de um arquiteto com a construção dos favos de suas colmeias. Mas o que distingue de antemão o pior arquiteto da melhor abelha é que ele constituiu o favo em sua cabeça, antes de construí-lo em cera. No fim do processo de trabalho obtém-se um resultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador e, portanto, idealmente. (Marx, 2013, p. 327) “O trabalho, segundo Marx, é um processo teleológico, ou seja, que parte de uma prévia ideação e de uma escolha entre alternativas postas pela objetividade” (Pinho, 2012, p. 1). Assim, o homem se reconhece no produto de seu trabalho, pois este é previamente imaginado em sua mente antes de ser transformado. O homem imagina o objetivo e age sobre a matéria natural visando um fim preestabelecido. Ao desejar construir uma cadeira, por exemplo, antes mesmo de o movimento concreto ter início, o homem sabe o que deseja encontrar no final do processo, ou seja, o objeto, a cadeira. Sabe escolher o material mais adequado e ainda qual é a melhor maneira para produzir. Ele escolhe todos os passos, todos os momentos do processo produtivo (Ferreira, 2011). O trabalho é a ação transformadora do homem, em que o homem transforma a natureza, transforma a si próprio e modifica também as relações sociais. O homem transforma a natureza, pois cria objetos que não são dados por ela. Transforma a si próprio, pois descobre e desenvolve o seu potencial humano ao realizar as atividades de trabalho e, além disso, cria novas formas de sociabilidade (Marx, 2013). O trabalho é uma categoria social, ou seja, que se desenvolve por meio da ação conjugada dos seres humanos. Por meio da atividade de trabalho, o ser humano cria produtos úteis à humanidade despendendo sua energia física e mental ao produzir bens e serviços para a reprodução da vida humana e social (Marx, 2013). TEMA 2 – O TRABALHO NO SISTEMA CAPITALISTA EM MARX Antes da explanação acerca do trabalho no modo de produção capitalista em Marx, faz-se necessário a compreensão de alguns termos concebidos pelo autor, essenciais para o entendimento da temática, entre eles: meios de produção, forças produtivas, relações de produção e modos de produção. A luno: A N G É LIC A C A P R ILE S S A N T O S E m ail: a.capriles@ hotm ail.com 5 O modo de produção refere-se à forma de organização socioeconômica relacionada a uma determinada etapa de desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção de uma sociedade. É formado por suas forças produtivas e pelas relações de produção existentes nessa sociedade (modo de produção = forças produtivas + relações de produção). Marx descreve seis dos modos de produção dominantes em cada época: antigo ou primitivo, asiático, escravista, feudal, socialista e capitalista. A explanação do trabalho nos demais modos de produção será exposta em breve. Esta aula trata apenas do trabalho no modo de produção capitalista Os meios de produção são os objetos materiais de toda ordem que estão envolvidos, direta ou indiretamente, no processo de produção dos bens de consumo. As forças produtivas são a combinação da força de trabalhohumana (corpo, energia, inteligência, conhecimento) com os meios de produção (objetos de trabalho, materiais, máquinas, recursos naturais, tecnologia, infraestrutura, ferramentas, conhecimento técnico, dentre outros). São todas as forças usadas para controlar ou transformar a natureza, com vistas à produção de bens materiais. As relações de produção referem-se ao modo com que os homens produzem, trabalham e distribuem (ou trocam) os bens de consumo. É o centro organizador de todos os aspectos da sociedade. Ao tratar do trabalho no modo de produção capitalista, Marx refere-se ao trabalho assalariado. O trabalho no capitalismo, para Marx (2013), baseia-se na alienação do trabalhador, que ocorre, basicamente, de três formas durante o processo de trabalho: a do trabalhador em relação ao processo de produção e ao produto de seu trabalho, em relação a si mesmo e em relação aos demais trabalhadores. A alienação do trabalhador em relação ao processo de produção acontece quando o trabalhador participa apenas da etapa de fabricação dos produtos ou serviços. Ele não participa do planejamento, ou seja, não define o que fazer e como fazer. Não determina quais os produtos e serviços serão fabricados e os seus destinos finais. A alienação do trabalhador em relação a si mesmo ocorre quando o trabalho, devido aos movimentos repetitivos e à rotina, não possibilita a A luno: A N G É LIC A C A P R ILE S S A N T O S E m ail: a.capriles@ hotm ail.com 6 autoexpressão e o uso da criatividade do trabalhador. Torna-se algo penoso e não possibilita a realização pessoal. O homem sente-se animal, pois apenas executa as atividades. A alienação do trabalhador em relação aos demais trabalhadores ocorre quando os vínculos de cooperação e solidariedade são substituídos pela competitividade (Ferreira, 2012). Essas três formas de alienação fazem com que o trabalho seja estranho ao trabalhador, constituindo-se assim o que Marx chama de estranhamento do trabalhador em relação ao seu trabalho. Além disso, a divisão social do trabalho relaciona-se diretamente à alienação do trabalhador, pois impossibilita que este participe de todas as etapas do processo de trabalho, ou seja, impede a integração entre o trabalho intelectual e o manual. Além do termo alienação, Marx designa o termo mais-valia como inerente ao trabalho assalariado no sistema capitalista. A mais-valia refere-se à diferença entre o valor final da mercadoria produzida e o valor total dos meios de produção e do valor do trabalho. É a diferença entre o valor de uso e o valor de mercado (ou valor de troca) do trabalhador. O valor de uso refere-se ao quanto o trabalhador produz. O valor de mercado é o salário estipulado para esse trabalhador de acordo com o valor médio pago pelo mercado. O valor de mercado é a base do salário do trabalhador. Ou seja, o trabalhador produz muito mais do que ele recebe. Por exemplo, o trabalhador produz oito mil reais, mas recebe novecentos reais. Conforme o exemplo, uma parte do valor produzido pelo trabalhador (oito mil reais) é destinada ao custeio dos meios de produção (e pagamento do trabalho do burguês – pró- labore), outra parte destina-se ao pagamento do salário do trabalhador e outra parte é o excedente apropriado pelos donos dos meios de produção. O excedente, ou mais-valia, é a base do lucro do sistema capitalista. De acordo com Marx, a luta de classes é intrínseca ao sistema capitalista, em que há o conflito entre a burguesia, detentora dos meios de produção, e o proletariado, os que vendem sua mão de obra. Os donos dos meios de produção constituem a classe dominante, ou opressora, enquanto que o proletariado, os trabalhadores que vendem sua força de trabalho em troca de salário, constitui a classe dominada ou oprimida. Nesse contexto, cabe ao trabalhador desenvolver a consciência de classe, ou seja, reconhecer-se na condição de dominado. Para A luno: A N G É LIC A C A P R ILE S S A N T O S E m ail: a.capriles@ hotm ail.com 7 isso, o trabalhador necessita conhecer o sistema de produção em que se encontra inserido para engajar-se em um movimento de luta por seus direitos por meio de associações e sindicatos. Figura 1 – Karl Marx Crédito: Everett Historical/Shutterstock. TEMA 3 – O TRABALHO NO SISTEMA CAPITALISTA EM ÉMILE DURKHEIM Para compreender as contribuições teóricas do sociólogo Émile Durkheim acerca do trabalho, faz-se necessário a explanação de alguns conceitos estabelecidos por ele, entre eles: fato social, coesão social, solidariedade mecânica, solidariedade orgânica, divisão social do trabalho e anomia. O fato social refere-se às formas de agir, de pensar e de sentir que são coletivos, externos e coercitivos aos indivíduos, fazendo com que se adaptem às regras da sociedade em que vivem. O trabalho é um fato social presente em todos os tipos de sociedade. Porém cada uma delas apresenta formas distintas de organizá-lo. Assim, a forma de pensar, agir e sentir sobre o trabalho é imposta aos indivíduos de acordo com o tempo histórico e sociedade em que vivem. A divisão social do trabalho é um fato social da sociedade capitalista. Consiste na separação entre os que organizam a produção, ou seja, os empregadores, e aqueles que desenvolvem uma atividade produtiva, os empregados ou trabalhadores. Pode-se dizer que é a separação entre os que A luno: A N G É LIC A C A P R ILE S S A N T O S E m ail: a.capriles@ hotm ail.com 8 pensam e os que executam. Essa divisão do trabalho, de acordo com Durkheim, promove a coesão social por meio da solidariedade orgânica entre os indivíduos. A existência de uma sociedade é baseada em grau do consenso entre os indivíduos para que haja uma ordem social, ou coesão social. Para isso, é necessário que haja solidariedade entre os indivíduos. Assim, Durkheim conceitua dois tipos de solidariedade: mecânica e orgânica. A solidariedade mecânica era encontrada na época das sociedades tradicionais, pré-capitalistas, marcadas por uma homogeneidade social muito grande, em que o grau de divisão do trabalho era baixo. Lá os indivíduos se reconheciam como semelhantes e eram reconhecidos de acordo com o grupo a que pertenciam. A harmonia prevalecia porque essas culturas, também identificadas como primitivas, arcaicas ou tribais, partilhavam as mesmas crenças religiosas e valores sociais em relação aos interesses materiais necessários para a sobrevivência dos grupos. O aumento da população, a industrialização e a urbanização trouxeram o colapso da solidariedade mecânica e o estabelecimento da solidariedade orgânica. A solidariedade orgânica predomina na sociedade moderna, industrial, capitalista. Na sociedade moderna, as crenças, valores e interesses dos indivíduos são distintos, revelando maior complexidade social. Esse tipo de solidariedade está diretamente relacionado ao alto grau de divisão social do trabalho presente nas diferentes profissões e variadas atividades de trabalho da sociedade moderna. A solidariedade orgânica refere-se ao papel que é atribuído a cada indivíduo na divisão social do trabalho, ou seja, “funda-se na interação de cada indivíduo na divisão do trabalho social” (Sanson, 2017, p. 1). Aqui, as pessoas são reconhecidas pelo que elas fazem, ou seja, por suas atividades de trabalho e não mais pelas tribos ou clãs a que pertencem, como acontecia na época primitiva em que predominava a solidariedade mecânica. No sistema capitalista, a função da divisão social do trabalho é produzir solidariedade orgânica e criar um sistema de direitos e deveres. Assim, a divisão do trabalho em Durkheim parte do pressuposto de que o trabalho pode gerar consensos e ser portador de um pacto de convivência. Os indivíduos aceitam o A luno: A N G É LIC A C A P R ILE S S A N T O S E m ail: a.capriles@hotm ail.com 9 lugar social que lhes é dado desde que impere uma ordem social que leve justiça a todos os seus membros (Sanson, 2017). A crescente divisão do trabalho aumenta o grau de interdependência entre os indivíduos. Por exemplo, um padeiro depende do agricultor, que depende de um ferreiro, e assim por diante. Assim, a divisão do trabalho, para Durkheim, leva a maior coesão social, ou seja, mantém os homens juntos em sociedade de forma harmônica com consenso e ordem social por meio da solidariedade orgânica (Stumpf, 2017). A divisão social do trabalho, porém, pode não produzir solidariedade e harmonia sociais. Nesses casos, ocorrem as anomias, que surgem quando a divisão do trabalho não produz contatos suficientemente eficazes entre os indivíduos nem as regulações adequadas das relações sociais (Sanson, 2017). Assim, os conflitos e as desordens que se apresentam no coletivo não constituem o estado normal da sociedade marcada pela divisão social do trabalho. Os conflitos e desordens são exceções. Figura 2 – Anomias Crédito: Vectormine/Shutterstock. TEMA 4 – O TRABALHO NO SISTEMA CAPITALISTA EM MAX WEBER Os estudos de Max Weber sobre o trabalho na sociedade capitalista constatam a influência da reforma protestante para o enaltecimento do trabalho. Ao buscar compreender a origem da racionalidade ocidental impressa no capitalismo, Weber verifica que a noção de trabalho fornecido pela religião é contígua ao surgimento dessa racionalização. Weber (2001) observa que a ética religiosa protestante é comum aos empresários capitalistas na época da industrialização. Além disso, esse autor verifica que os países mais desenvolvidos (no aspecto capitalista), na época, são A luno: A N G É LIC A C A P R ILE S S A N T O S E m ail: a.capriles@ hotm ail.com 10 aqueles em que predomina a religião protestante calvinista. Assim, ele traça um paralelo entre a racionalidade emergente, a ética religiosa (ou protestante) e o que chamou de espírito do capitalismo (Weber, 2001). A racionalidade inerente ao capitalismo, a racionalidade instrumental, refere-se à aplicação de métodos rápidos e eficientes de produção, mão de obra qualificada, corte de gastos, entre outras práticas. A ética protestante baseia-se em repúdio à preguiça e à aposentadoria e a tudo que seja contrário ao trabalho. O espírito do capitalismo representa a racionalização da produção e do trabalho a fim da maior obtenção de lucro, objetivo do capitalismo. A união entre racionalidade instrumental emergente, a ética protestante e o desenvolvimento do capitalismo contribuem para a transformação do significado do trabalho. O trabalho, antes da reforma protestante, desde a Idade Média, era tido como algo negativo. Representava algo necessário à sobrevivência, indispensável para a reprodução biológica e social da humanidade, porém sobre ele pesava a condição de castigo. O trabalho era desvalorizado nos aspectos pessoal, coletivo e espiritual, pois indicava a anulação da individualidade das pessoas. Essa visão era compartilhada tanto por aqueles que trabalhavam quanto por aqueles que não trabalhavam. O trabalho simbolizava a purgação do pecado original de toda a humanidade (Sanson, 2009). A significação do trabalho começa a mudar com o advento da reforma protestante. A relação do trabalho com a condenação e o pecado original dá lugar ao trabalho como sinal de graça de Deus, possibilidade de exaltação à obra criadora de Deus. Além disso, o trabalho passa a ser visto como um fim em si mesmo, um dever. É motivo de reconhecimento, virtude e torna-se uma exigência social. “A concepção de trabalho trazida pela reforma protestante liberou moral e eticamente os homens – os capitalistas – à aquisição de bens, à obtenção do lucro, à cobrança de juros e à acumulação de capital” (Sanson, 2009, p. 32). Daí emerge a tríade: trabalhar, acumular e reinvestir. Ou seja, a acumulação do capital deve ser reinvestida em novos negócios para geração de empregos. O trabalho passa a relacionar-se principalmente com o acúmulo de capital. Assim, o trabalho instituído como graça de Deus, fonte de reconhecimento e riqueza, justifica a ascensão econômica da burguesia emergente da época. Igualmente, a evolução A luno: A N G É LIC A C A P R ILE S S A N T O S E m ail: a.capriles@ hotm ail.com 11 de seu significado torna-se importante para o fortalecimento do capitalismo e crescimento das indústrias. Figura 3 – Max Weber Crédito: Natata/Shutterstock. TEMA 5 – COMPARAÇÃO ENTRE AS CONCEPÇÕES SOCIOLÓGICAS A primeira concepção de trabalho estudada nesta aula foi apresentada sob a perspectiva de Marx, que introduz o trabalho como uma atividade vital do ser humano que o diferencia dos animais por meio do processo teleológico em que o homem imagina o objeto em sua mente e realiza uma ação planejada orientada para um objetivo. Assim, o homem se reconhece no resultado de seu trabalho, pois pensa e executa a ação que dá origem ao objeto. Nessa concepção, o trabalho é uma ação transformadora, pois modifica a natureza, transforma o próprio homem e também as relações sociais. A segunda concepção de trabalho, ainda na perspectiva de Marx, retrata-o no sistema capitalista como uma atividade alienante. O homem torna-se alienado por meio do trabalho, pois participa apenas da etapa de fabricação dos produtos, mas não atua no planejamento. Devido à divisão social do trabalho, o homem não pensa, apenas executa as atividades. Além disso, devido aos movimentos repetitivos, o trabalho não possibilita a autoexpressão e a realização pessoal. Ademais, esse trabalhador encontra-se imerso em um ambiente de competição com os demais trabalhadores. Na primeira concepção o homem diferencia-se do animal, pois pensa e executa a atividade de trabalho e assim transforma a natureza, a si próprio e as A luno: A N G É LIC A C A P R ILE S S A N T O S E m ail: a.capriles@ hotm ail.com 12 relações sociais. Na segunda concepção, ao contrário, o homem sente-se animal, pois apenas executa as atividades pensadas por outrem e não se reconhece no resultado de seu trabalho. Ainda, na segunda concepção de trabalho, o trabalhador produz mais do que recebe por causa da mais-valia, pois o excedente produzido pelo trabalhador, o lucro, é apropriado pelos donos dos meios de produção. Além disso, o trabalhador não vale pelo que produz, mas sim pelo seu valor de troca no mercado. Ou seja, recebe salário de acordo com a média salarial do mercado de trabalho e não pelo que produz. A terceira concepção de trabalho, fornecida por Durkheim, aponta-o como fato social em que a forma de organização do trabalho de uma sociedade é imposta aos indivíduos de acordo com o tempo histórico em que vivem. De acordo com o autor (Durkheim, 1999), a divisão social do trabalho é um fator de integração, pois promove a coesão social por meio da solidariedade orgânica. A solidariedade orgânica promove uma identificação entre os indivíduos em prol da ordem social. Ou seja, cada indivíduo é especialista em uma área ou atividade que depende de especialistas em áreas distintas. Assim, há a interdependências entre as pessoas, pois cada um domina apenas uma atividade específica e precisa dos outros para que haja a completude. Igualmente, os indivíduos aceitam o papel que lhes é atribuído na divisão do trabalho e agem de forma solidária. Quando a divisão do trabalho não produz solidariedade, ocorrem as anomias, ou seja, conflitos, crimes, violência, entre outros. Diferentemente de Marx, Durkheim trata o conflito como uma anomalia, ou seja, não é o estado normal da sociedade envolvida pela divisão do trabalho. Marx, por sua vez, defende que o conflito é inerente ao trabalho no modo de produção capitalista e ocorre por meio da luta de classes. A quarta concepçãode trabalho baseia-se nas constatações de Weber acerca da influência da reforma protestante para a transformação do significado do trabalho no modo de produção capitalista. O trabalho que antes representava algo negativo, purgação dos pecados da humanidade, adquire significação positiva e passa a significar graça divina. O trabalho torna-se virtude, bênção, dever e exigência social. Posto isso, a racionalidade, inerente à ética dos protestantes, e a transformação do significado do trabalho alavancam o espírito do capitalismo. A luno: A N G É LIC A C A P R ILE S S A N T O S E m ail: a.capriles@ hotm ail.com 13 Em síntese, ao comparar as concepções de Marx, Durkheim e Max Weber, verifica-se que Marx e Weber abordam a transformação do significado do trabalho por meio desenvolvimento do capitalismo, porém o ponto focal de Marx recai sobre os conceitos de alienação e mais-valia, enquanto que o ponto focal de Weber é o advento da reforma protestante. Para Durkheim o trabalho é um fato social, portanto o significado do trabalho relaciona-se às imposições sociais sobre o indivíduo, submetido ao tempo histórico em que se encontra. Quanto à divisão do trabalho, Marx entende como algo maléfico por impossibilitar a expressão intelectual do trabalhador e consequentemente sua falta de consciência acerca da sua situação de explorado. Em contrapartida, Durkheim vê como algo benéfico por promover a coesão social por meio da solidariedade orgânica. Weber descreve a divisão social de forma neutra, enfatizando a influência da ética protestante para o fortalecimento do capitalismo. O quadro 1 apresenta uma comparação acerca da divisão social do trabalho nas perspectivas de Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber. Quanto ao conflito, Marx apresenta-o como algo inerente ao capitalismo, pois é composto pela luta de classes (classe trabalhadora versus burguesia, ou donos dos meios de produção), enquanto Durkheim mostra o conflito como uma anomalia a ser superada. Quadro 1 – Comparação entre as concepções de divisão social do trabalho para Marx, Durkheim e Weber Divisão social do trabalho no capitalismo KARL MARX ÉMILE DURKHEIM MAX WEBER Fragmentação do ser genérico do homem. A divisão social do trabalho é um aspecto objetivo da realidade moderna e capitalista e coloca o homem em conflito com os outros homens e consigo mesmo, em razão da fragmentação do trabalho (praxis humana). O homem tem a capacidade de idealizar o que quer produzir, propriedade que o diferencia dos animais, mas esta é colocada em xeque na modernidade Especialização e interdependência entre os Indivíduos. A divisão do trabalho social é fator de integração social. Nas sociedades em que predomina uma acentuada divisão do trabalho, o relacionamento entre especialidades estabelece dependência de uns indivíduos para com os outros, basicamente fundada na especialização de atividades sociais, no âmbito da sociedade, e de tarefas no âmbito da produção. Fator de racionalização na esfera econômica porque torna o trabalho uma atividade sistemática, ou seja, deve ser realizada metodicamente. O protestantismo oferece uma base ética a divisão do trabalho ao considerar o trabalho como vocação porque seria o meio para o ser humano realizar a "vontade de Deus". A divisão social do trabalho não é uma imposição social, mas sim os indivíduos que buscam realizar suas vocações. Fonte: Mocelin; Azambuja, 2011. A luno: A N G É LIC A C A P R ILE S S A N T O S E m ail: a.capriles@ hotm ail.com 14 REFERÊNCIAS DURKHEIM, E. Da divisão do trabalho social. São Paulo: Martins Fontes, 1999. ENGELS, F. Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem. Edição eletrônica: Ridendo Castigat de Mores. Fonte digital: Rocket Edition, 1999. ENGELS, F. Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem. In: ANTUNES, R. (Org). A dialética do trabalho – escritos de Marx e Engels. São Paulo: Expressa Popular, 2013. FERREIRA, J. W. Sociologia do trabalho. Ijuí: UniIjuí, 2012. (Coleção Educação a Distância. Série Livro-texto). FERREIRA, A. L. S. Trabalho, estranhamento e comunismo em Marx. Revista Eletrônica de Pesquisa na Graduação em Filosofia, v. 4, n. 1, 2011. Sexto encontro de pesquisa na graduação em filosofia na UNESP. Disponível em: <https://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/FILOGENESE/andrefer reira.pdf>. Acesso em: 9 maio 2019. MARX, K. O capital: crítica da economia política. Tradução de Rubens Enderle. 16. ed. São Paulo: Boitempo, 2013. MOCELIN, D. G.; AZAMBUJA, L. R. Marx, Weber e Durkheim: quadro comparativo sobre o pensamento dos autores clássicos da sociologia. In: ALMEIDA, L. M; PICCININI, V. C, Sociologia e administração: relações sociais nas organizações, Rio de Janeiro: Elsevier, 2011, p. 21-39. PINHO, M. T. B. Trabalho, política e formação humana em Marx e Engels. IV FIPED FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA PARNAÍBA. Anais..., Campina Grande, 2012 QUINTANEIRO, T. Um toque de clássicos: Durkheim, Marx e Weber. Belo Horizonte: Ed. da Universidade Federal de Minas Gerais, 1995. SANSON, C. Trabalho e subjetividade: da sociedade industrial à sociedade pós-industrial. 2009. 163f. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009. A luno: A N G É LIC A C A P R ILE S S A N T O S E m ail: a.capriles@ hotm ail.com 15 STUMPF, P. O trabalho em Durkheim, Weber e Marx. Prezi, 2017. Disponível em: <https://prezi.com/zzssn4_uw6s9/o-trabalho-em-durkheim-weber-e-marx-pg- 135/>. Acesso em: 9 maio 2019. WEBER, M. A ética protestante e o espirito do capitalismo. São Paulo: Martin Claret, 2001. A luno: A N G É LIC A C A P R ILE S S A N T O S E m ail: a.capriles@ hotm ail.com
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