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1 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS LINGUÍSTICOS MEL010 - Variação, Mudança Linguística e Ensino Docente: Franciane Rocha Discente: Matheus de Araujo Azevedo BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Educação em língua materna: a sociolinguística na sala de aula. São Paulo: Parábola, 2004. p. 13-50. No livro “Educação em língua materna”, a sociolinguista Stella Maris Bortoni-Ricardo, uma das pioneiras do movimento que visa divulgar o resultado de descrições do português brasileiro, interferindo, assim, em práticas de educação linguística, procede a analisar os instrumentos adequados para lidar, em sala de aula, com as regras características de variedades linguísticas estigmatizadas. No primeiro capítulo, A sociedade brasileira: características sociolinguísticas, o texto aponta as principais singularidades sociolinguísticas dos falantes do Brasil e os desafios para a consideração dessas particularidades no contexto educacional. A fim de ilustrar o fenômeno da variação linguística, a autora apresenta um trecho do livro “Rememórias Dois”, de Carmo Bernardes, composto por diversas palavras que caíram em desuso no português brasileiro de modo geral, bem como palavras que pertencem a um léxico regional específico de uma região do país. Além de destacar os significados dessas palavras, a autora conduz uma reflexão espaço- temporal sobre a região rural do Brasil na década de 1920, trazendo à tona a seguinte questão: como era o Brasil naquele tempo? Após analisar estatisticamente os índices de alfabetização da sociedade brasileira no século XX e no início do século XXI, propõe-se uma reflexão acerca de um dos mais graves problemas sociais que persistem, mesmo apesar dos esforços empreendidos pelo governo e pela sociedade: o analfabetismo funcional, a inabilidade de satisfazer as demandas comunicativas do dia a dia para o autodesenvolvimento pessoal e profissional. Um baixo rendimento em língua materna é um indicador preocupante, pois resulta em analfabetismo funcional, o que dificulta (ou impossibilita) a continuidade da formação do estudante, causando repetências e evasões. Os desempenhos considerados inadequados estão diretamente e proporcionalmente ligados ao IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) das regiões, sobretudo das regiões Norte e Nordeste do país, evidenciando o caráter social dos desafios linguísticos que o Brasil enfrenta. O segundo capítulo, Diversidade linguística e pluralidade cultural no Brasil, discorre a respeito da linguagem como um reflexo dos papeis sociais que os sujeitos exercem. Uma das 2 nuances desse reflexo demonstra-se na transição do domínio de casa, de uma cultura oral mais espontânea, para o domínio escolar, que valoriza a cultura escrita ou com regras mais rigorosas sobre o comportamento verbal. Um professor, por exemplo, apresenta uma linguagem muito mais monitorada quando está no exercício de trabalho, mas relaxa a fala quando faz uma intervenção na turma ou participa de uma conversa mais espontânea, mesmo que ainda esteja no âmbito escolar. Os próprios alunos, da mesma forma, monitoram sua própria linguagem à medida em que aprendem a alternar o estilo não monitorado de uma conversa com estilo monitorado de uma leitura. Numa escala maior, a variação se manifesta de modo regional entre falantes das mais diversas áreas do país, seja na pronúncia de fonemas ou até mesmo no léxico, o acervo geolinguístico do português. Apesar da riqueza plural dessas variedades da língua portuguesa falada no Brasil, existe a ideia de que a variedade de algumas regiões é melhor, mais bonita e mais recomendável que outras. Essa crença, segundo a autora, é um mito que só serve para perpetuar preconceito linguístico e social, uma vez que os falares de menor prestígio geralmente são aqueles usados nas regiões menos favorecidas socioeconomicamente, culminando em juízos de valor ideologicamente motivados. O terceiro capítulo, A variação linguística em sala de aula, apresenta meios de combater e superar o preconceito linguístico mencionado, refletindo sobre a variação linguística presente no repertório de professores e alunos da educação básica. O primeiro passo é saber lidar com os “erros de português”, que são apenas desvios naturais que a língua faz em relação à sua norma gramatical, não representando uma deficiência digna de ser corrigida (ou punida). Em meio a exemplos de desvios cometidos pelos próprios professores, o texto sugere a adoção de dois componentes para um ensino de línguas culturalmente sensível aos saberes dos alunos. O primeiro componente é a identificação da diferença linguística a partir de um monitoramento, à princípio, da própria fala, objetivando descrever as regras que regem a fala em momentos mais informais. O segundo componente é a conscientização das diferenças para que o aluno possa exercer um monitoramento sobre a própria fala. Esse monitoramento deve dar-se sem interrupções vexatórias ou que, de alguma maneira, silenciem o aluno. Essa sensibilidade por parte do professor permitirá uma abertura para o ensino explícito das formas monitoradas da língua materna. Finalmente, no quarto capítulo, A comunidade de fala brasileira, traz-se à tona a situação do personagem Chico Bento, das histórias em quadrinho de Maurício de Sousa, que foi vítima de um preconceito linguístico contundente por parte do Conselho Nacional de 3 Cultura, na década de 1980, que sugeria que o modo de falar de Chico Bento poderia ser uma má influência para as crianças brasileiras, incentivando-as a falar “errado”. O infeliz episódio desconsiderou o multiculturalismo expresso nas histórias em quadrinho do personagem, bem como as possibilidades de ensino de diversidade linguística e cultural que são postas a partir da observação de hábitos linguísticos de falantes de comunidades com pouco acesso à cultura de letramento escolar e como esses hábitos se manifestam nessa comunidade de fala. É importante observar que toda comunidade de fala, independentemente de qual seja e de seu tamanho, apresenta variação linguística. Para além dos fatores internos que regem essa variação, os fatores sociais relevantes para o aprofundamento da descrição linguística são: i. grupos etários, ii. gênero, iii. status socioeconômico, iv. grau de escolarização, v. mercado de trabalho, e vi. rede social. Todos esses fatores representam os atributos de cada falante e onde cada um desses atributos se insere na macroesfera social da comunidade. A observação desses fatores permite maior precisão na análise sociolinguística, entrecruzando língua e aspectos socioculturais da ação humana. Assim, os quatro primeiros capítulos do livro demonstram possibilidades epistemológicas para abordar sistematicamente a língua como ela é, em vez de idealizações abstratas, no ensino de língua materna. Para firmar essas possibilidades, o texto atribui à escola a função de levar os alunos a se apoderarem das normas de prestígio a fim de acessar uma maior gama de recursos comunicativos, sem que isso desvalorize as capacidades básicas de comunicação de estratos sociais menos prestigiados, evitando preconceito linguístico, entre outras formas de silenciamento de grupos sociais.
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