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1 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 3 2 MULTILINGUISMO ...................................................................................... 4 2.1 Aspectos sociais do multilinguismo ..................................................... 10 2.2 Língua e interação social ..................................................................... 11 2.3 Interação e ensino de língua ............................................................... 14 2.4 Interfaces, oralidade, escrita ................................................................ 15 2.5 Oralidade no contexto das novas mídias ............................................. 15 2.6 A escrita ............................................................................................... 16 2.7 Políticas linguísticas para o multilinguismo .......................................... 17 2.8 Multiletramentos .................................................................................. 19 3 BILINGUISMO, MULTILINGUISMO, BICULTURALISMO E MULTICULTURALISMO ............................................................................................. 21 3.1 Aprendizagem em contexto multilíngue ............................................... 22 4 INTERVENÇÃO EM MULTILINGUES ........................................................ 25 4.1 O papel de terapeutas, professores e educadores perante a diversidade multilíngue 27 4.2 A importância da formação destes profissionais no Multilinguismo ..... 28 5 A AQUISIÇÃO DE NOVAS LÍNGUAS E O GANHO CULTURAL ............... 30 6 COMUNIDADES BILÍNGUES E MULTILÍNGUES...................................... 33 6.1 A constituição de países multilíngues .................................................. 35 7 MULTILINGUISMO NA INFÂNCIA ............................................................. 36 8 REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ........................................................... 39 3 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta , para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 4 2 MULTILINGUISMO Fonte: magisterio.com A capacidade multilíngue ganhou grande destaque nos últimos anos e grande valorização impulsionada pelo processo de globalização. Esse elemento tem proporcionado a formação de cidadãos globais que atuam além das fronteiras nacionais e se inserem em diferentes contextos culturais. O multilinguismo se apresenta como uma ferramenta essencial para a abordagem de indivíduos provenientes de diferentes culturas e também para a compreensão desta vastíssima diversidade cultural presente no mundo (SANTOS et al, 2018). Segundo o autor, o conceito de cidadão global é abordado no âmbito da Organização das Nações Unidas e apresenta uma noção de cidadania que inclui a consciência de uma identidade coletiva, que vai além da identificação individual do cidadão local, e promove a responsabilidade da comunidade global. Segundo publicação da UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – sobre Educação para a Cidadania Global (2015, p. 14) essa noção de cidadania “está vinculada a uma crescente interdependência e interconectividade entre países nas áreas econômica, cultural e social, por meio de maior comércio internacional, migração, comunicação etc”. 5 A capacidade multilíngue entra neste processo como uma importante ferramenta de transposição das fronteiras nacionais e culturais, promovendo este cosmopolitanismo e este entendimento relativo às questões do bem-estar global. A cidadania global não está ligada a questões legais, este é um entendimento comum, pois refere-se mais ao sentimento de pertencimento à comunidade humana mais ampla e comum, e promove uma visão que vincula o local ao global e o nacional ao internacional (UNESCO, 2015 apud SANTOS et al, 2018). A cidadania global baseia-se em valores universais que promovem o respeito à diversidade e ao pluralismo. A diversidade cultural, no entanto, é vista por muitas pessoas com certa incompreensão. E neste ponto se iniciam os problemas gerados pela intolerância e, consequentemente, os conflitos. Debates constantes acontecem ao redor do mundo com esta temática, na expectativa de gerar mudanças, mas os conflitos ainda persistem. Entretanto, a capacidade multilíngue, com o suporte das novas tecnologias, tem impulsionado um diálogo mundial muito mais amplo, de proporções e resultados maiores. Isso tem gerado resultados positivos na luta pela consciência e reafirmação da universalidade dos direitos humanos frente à diversidade cultural (SANTOS et al, 2018). Ainda segundo o autor, o conceito de Multilinguismo pode ser definido como a habilidade de utilizar mais de duas línguas. Ele vai um pouco mais além do bilinguismo, que se limita ao uso de duas línguas. O multilinguismo engloba a pluralidade linguística e pode definir também os ambientes em que haja a coexistência de idiomas falados por populações diversas. Os falantes multilíngues podem ter mais fluência numa determinada língua do que em outra, e o uso dessas línguas, bem como o desempenho nas mesmas, pode ser determinado e fortemente influenciado pelo ambiente em que estes sujeitos estão inseridos e pelas situações do contexto de uso. Segundo Santos (2018), todos somos bilíngues, pois todos sabemos palavras e expressões de outras línguas que não seja a materna. Se, como falantes da língua portuguesa, sabemos nos comunicar com expressões simples como Bonjour ou Gracias, é sinal evidente de que possuímos comandos em língua estrangeira. Esta ideia pode, evidentemente, ser aplicada sob o conceito do multilinguismo e, assim, vê- se que esta habilidade não é algo tão incomum quanto se imagina. É claro que o que 6 chama atenção aqui é a questão dos níveis de proficiência. Mas é importante ressaltar que um multilíngue não tem a obrigatoriedade de falar todos os idiomas que conhece no mesmo nível de proficiência. Essa ideia, obviamente, não está inserida no conceito de Multilinguismo. Desse modo, é interessante apresentar um conceito de multilinguismo que o defina claramente como: habilidade que caracteriza pessoas capazes de se fazerem compreendidas em mais de uma língua. Em alguns lugares a quantidade de idiomas falados por um indivíduo pode ser bastante variada. Essa característica é bastante comum atualmente. É muito frequente encontrar comunidades onde indivíduos falam e compreendem mais de um idioma. Essa habilidade define o multilinguismo. A habilidade multilíngue se tornou bastante conhecida e valorizada com o processo de globalização. Saber se comunicar em mais de um idioma se tornou habilidade essencial no contexto atual do mundo globalizado, onde as nações e seus cidadãos convivemna aldeia global dividindo o mesmo espaço nas corporações, nas cidades globais, entre outros (SANTOS et al, 2018). O multilinguismo aparece nesse cenário como ferramenta potencialmente carregada de conhecimento cultural, e esse conhecimento é, essencialmente, baseado na diversidade cultural. Um indivíduo dotado de capacidade multilíngue possui também todo o conhecimento cultural que a língua engloba. A língua é um dos principais aspectos da cultura de uma nação. Um indivíduo multilíngue possui o conhecimento da diversidade cultural inserida no conhecimento dos idiomas que ele tem como ferramentas. Desse modo, observa-se que o multilinguismo é importante ferramenta no cenário mundial de integração internacional. Aprender uma nova língua sempre foi uma ideia interessante, para quase todo mundo. A ideia de conhecer algo novo, de uma cultura diferente, de um país diferente, é muito atrativa. Além disso, as vantagens de estudar novos idiomas são bem conhecidas no campo da medicina, devido aos benefícios que isto traz para o cérebro (SANTOS et al, 2018). No Brasil, a habilidade de falar vários idiomas ainda é um pouco escassa, principalmente se compararmos os dados do país com nações mais desenvolvidas. Segundo Santos (2018), dentre a população jovem brasileira, entre 18 e 24 anos, apenas 10,3% afirma possuir algum conhecimento em Inglês. A pesquisa também 7 afirma que essa fragilidade pode ser explicada pela baixa qualidade da educação básica no país e pela dificuldade de acesso a cursos de idiomas. O ensino de língua estrangeira é deixado de lado, pois não há uma valorização das habilidades bilíngue e multilíngue. Ainda a respeito dos dados da pesquisa, dentre os que afirmam ter conhecimento de inglês, 47% o tem apenas em nível básico, e somente 16% possuem o nível avançado de inglês. É essencial ressaltar uma grande vantagem do multilinguismo: a vantagem no mundo profissional. É importante, na atualidade, que um profissional saiba falar pelo menos um outro idioma, além da língua materna. E quanto mais línguas estrangeiras souber falar, mais vantagens terá no seu currículo e mais apto estará a sobreviver no mercado de trabalho. A capacidade de falar vários idiomas é uma das habilidades mais procuradas no mundo profissional, pois com o avanço da globalização o mundo está cada vez mais conectado, com as corporações e empresas não seria diferente. Além disso, o fato de saber falar mais de um idioma pode facilitar muito a realização de viagens e experiências no exterior. A mesma pesquisa do Bristish Council (2014) relata que uma entrevista foi realizada com executivos de 77 países, e 91% dos entrevistados afirmou que o inglês é o principal idioma dos negócios. E ainda que ele não seja considerado como idioma principal por uma minoria, ainda assim ele é essencial para a compreensão de softwares manuais. Outros idiomas também se mostram necessários para o contato com representantes e fornecedores internacionais. Esses dados evidenciam a necessidade de se falar mais idiomas, além da língua materna, no cenário atual do mundo globalizado. Aprender novos idiomas é também um processo considerado como uma academia para o cérebro. O processo de aprendizado, a aquisição de novas informações são exercícios que trabalham bastante o cérebro, o que, segundo pesquisas na área da neurociência, pode melhorar sua saúde e capacidade (SANTOS et al, 2018). O Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo publicou dados que revelam os resultados do bilinguismo sobre a capacidade cognitiva humana. Dentre estes resultados, existe a evidência de que o bilinguismo ajuda na memória e na atenção. Segundo pesquisadores, falar em mais de dois idiomas apresenta mais 8 vantagens do que apenas comunicar-se (USP, 2016). Estudos publicados pelo Instituto afirmam também que indivíduos bilíngues utilizam mecanismos de atenção muito mais vezes que indivíduos monolíngues, e são capazes de trabalhar melhor em situações de tomada de decisão e em situações de distração (USP, 2016). Este é um motivo que tem levado muitas pessoas a aprender um novo idioma. Alguns adultos, em especial aqueles que estão se aproximando da velhice, veem o aprendizado de um novo idioma como uma oportunidade de exercitar a mente e de aprender algo novo, algo que nunca foi visto no decorrer da vida. Dentre os efeitos positivos do estudo de línguas, encontra-se também o retardo do aparecimento dos sintomas da demência em idosos, o aumento da neuroplasticidade, e o aumento do capacidade criativa (BECKER; ZIMMER, 2015 apud SANTOS et al, 2018). Outra situação que tem promovido o Multilinguismo ao redor do mundo é o Turismo. Com a globalização, as fronteiras geográficas se tornam cada vez mais transponíveis. Muitos blocos econômicos permitem já circulação de cidadãos de países membros do bloco dentro de seus territórios. Essa situação tem impulsionado um fluxo muito grande de informação, intercâmbio cultural e intercâmbio linguístico. Essa facilidade de locomoção, e até mesmo de realizar transações monetárias no âmbito turístico, tem promovido o turismo internacional e tem levado muitas pessoas a aprenderem outros idiomas com o objetivo específico de utilizá-los em viagens. O meio acadêmico é outro importante âmbito de promoção do multilinguismo. Com a internacionalização das instituições de ensino, muitos estudantes buscam oportunidades de intercâmbio fora do país, e aprender o inglês ou a língua do país de destino, se torna um dos objetivos principais para este estudante. É fato que para estudar numa instituição do exterior é necessário ter um bom conhecimento da língua inglesa, no mínimo. Muitas instituições exigem até mesmo um teste de proficiência. Por isso, muitos estudantes começam a ter contato com a habilidade multilíngue nesse momento de suas vidas (SANTOS et al, 2018). Queiramos ou não, nosso cotidiano se encontra permeado de termos estrangeiros. A competição no mercado de trabalho exige o domínio de mais de uma língua. Atendendo a essa demanda, os cursos de idiomas e os programas de intercâmbio têm se multiplicado. As escolas regulares também oferecem uma ou mais línguas estrangeiras em seus currículos. Há uma 9 preocupação constante com o aprendizado de novos idiomas (BECKER; ZIMMER, 2015, p. 2 apud SANTOS, 2018). No âmbito do ensino superior, o intercâmbio linguístico ocorre de forma bastante fluída, pois muitos estudantes que partem para intercâmbio no exterior voltam, depois de algum tempo, com toda sua experiência cultural e linguística compartilhando essas aquisições com o meio no qual estão inseridos. Ocorre também o intercâmbio linguístico quando as universidade brasileiras recebem estudantes do exterior para projetos de ensino de idiomas. Este é caso bastante especial, pois promove um contato dos estudantes com o multilinguismo e também com o multiculturalismo. Isso acontece porque os estudantes estrangeiros acabam por fornecer riquíssima informação cultural sobre sua origem, seu país, seu povo. Na era da tecnologia da informação, o multilinguismo flui e se estabelece inegavelmente (SANTOS et al, 2018). De acordo com o autor, na presente era, em todas as perspectivas que olharmos, veremos que a dinâmica da modernidade depende de indivíduos multilíngues ou de arranjos que envolvam o multilinguismo. Em quase tudo que é visto na televisão ou escutado na rádio, pode-se encontrar elementos de culturas e línguas estrangeiras. Tudo está muito conectado. A maioria das pessoas tem acesso ao que é assistido na televisão do país vizinho. A maioria das pessoas tem acesso ao que é ouvido na rádio do país que fica lá do outro lado do oceano. E quando isso acontece, vê-se, então, um transporte de cultura e língua que é cada vez mais real e mais constante. As gerações mais novas,que normalmente são mais conectadas às novas tecnologias, têm contato constante com idiomas que não são a língua materna. As redes sociais favorecem esse transporte fluído de informações e essa conexão com os grupos distantes, geograficamente. Desse modo, o multilinguismo deixa de ser uma habilidade linguística distante de ser alcançada, e passa a ser uma realidade na vida da maioria das pessoas que se conectam com as redes tecnológicas e informacionais que interligam o planeta. (SANTOS et al, 2018). 10 2.1 Aspectos sociais do multilinguismo A língua constitui-se de diversas maneiras de falar e de escrever, porque é determinada por aspectos econômicos, culturais, etários etc. No uso cotidiano, a língua molda-se segundo a situação, o gênero e as intenções. Os elementos que determinam o uso das diversas formas da língua, as suas variantes, são muitos: o tipo de situação – particular, coletiva, profissional etc. –; a relação entre os participantes – intimidade, hierarquia, respeito etc. –; a intenção – criticar, agradar, ordenar etc. –; a natureza do tema – sério, solene, cômico etc.; entre outros fatores. Acredita-se que, na língua escrita, predomina a formalidade e, na língua oral, a informalidade. Isso pode ser verdade, mas não absoluta, é preciso relativizar essa concepção. Por exemplo, um artigo para uma revista científica, um gênero escrito, possui um estilo absolutamente formal; já um SMS, também um gênero escrito, possui um estilo informal, com muitas marcas da oralidade (CARETTA, 2016). Segundo o autor, um bate-papo com um amigo é um gênero oral e informal, aliás, a conversação representa a oralidade pura; enquanto uma entrevista de emprego, um gênero oral, já possui um estilo mais formal, pois a situação de comunicação tornou-se profissional. Esses gêneros já anunciam como é incomensurável a variedade de usos da língua em nossa sociedade. As distintas características dos falantes também promovem diferentes formas de dizer na língua. Os elementos que determinam a língua de um falante são: a idade – sabemos que um adolescente fala de forma bem distinta de um adulto, e uma criança também –; o sexo – homem e mulher possuem linguagens distintas, particularmente na língua oral informal, assim como os homossexuais possuem um conjunto de gírias próprio –; a raça – muito além da cor da pele, os elementos culturais da raça estão bastante presentes na língua de cada comunidade –; a profissão – os ambientes profissionais possuem jargões e entonações próprios –; o grau de escolaridade – quanto mais elevado o grau de escolaridade de um indivíduo, maior a sua capacidade de transitar pelos diversos níveis de formalidade da língua, inclusive dominar a norma culta. 11 Os elementos do contexto também determinam as características da língua: o lugar – profissional, religioso, descontraído –; o ambiente – calmo, divertido, conturbado –; o tempo – encontro na correria da cidade, uma longa conversa –; a ocasião – almoço com amigos ou de negócio –; o destinatário – íntimo ou desconhecido –; a hierarquia – professor, chefe, pai –; os elementos emocionais – apaixonado, irritado, agressivo. Ensinar as variadas formas da língua nas diversas situações sociais, nos variados gêneros e nas várias mídias é um grande desafio, que se torna maior porque ainda é preciso vencer a ditadura da norma culta nos currículos pedagógicos (CARETTA, 2016). É tarefa de a escola capacitar o aluno no uso da norma culta, entretanto esse não pode ser o seu objetivo final. O ensino formal deve também formar cidadãos que respeitem seus semelhantes com todas as diferenças sociais que lhes determinam, inclusive a sua forma de usar a língua, a fim de combater o preconceito linguístico, como muito bem tratou do assunto Bagno (2011). Para isso, nas aulas de língua portuguesa, a norma culta precisa ser compreendida como uma forma de usar a língua, não a única, nem a melhor. O norte do professor de língua deve ser o multilinguismo (CARETTA, 2016). 2.2 Língua e interação social Compreender a língua como interativa não é apenas observar que, por meio dela, os indivíduos se comunicam, mas que também expressam suas ideias e, principalmente, atuam sobre o outro produzindo, interacionalmente, os conhecimentos por meio de enunciados (CARETTA, 2016). Ainda segundo o autor, a língua se realiza por meio de enunciados submetidos às condições sócio-históricas da sua produção e recepção. Por isso, ela precisa ser estudada em seu uso. A língua materna – sua composição vocabular e sua estrutura gramatical – não chega a nosso conhecimento a partir de dicionários e gramáticas, mas de enunciações concretas que nós ouvimos e nós mesmos reproduzimos na comunicação discursiva viva com as pessoas que nos rodeiam. Nós assimilamos as 12 formas da língua somente nas formas de enunciações e justamente com essas formas. As formas da língua e as formas típicas do enunciado, isto é, os gêneros do discurso, chegam à nossa experiência e à nossa consciência em conjunto e estreitamente vinculadas. Atualmente, adota-se, para o estudo da língua, a concepção sociointeracionista, que parte do pressuposto de que a língua é uma prática social exercida em uma sociedade ou comunidade com uma cultura que deve ser valorizada, a fim de se preservar o exercício da cidadania por meio da própria língua. O ensino de língua portuguesa nas escolas não pode ser compreendido apenas como transmissão de conteúdos, mas como a construção de conhecimentos por parte dos alunos. Nesse processo, o professor deixa de ser a única fonte autorizada de informações, motivações e sanções. A variedade linguística advinda dos alunos é valorizada, participando conjuntamente com a linguagem do professor, “conhecedor da norma culta”, no processo de ensino-aprendizagem da língua. A escola deve-se questionar sobre o papel que a gramática desempenha no desenvolvimento linguístico oral e escrito do aluno. É verdade que a boa elaboração dos textos passa pelo conhecimento da gramática, entretanto, ela deve ser trabalhada de forma funcional no contexto comunicativo, levando-se em conta os elementos discursivos, como a situação e os objetivos de comunicação. A partir do paradigma sociointeracionista, a ênfase na apreensão de saberes metalinguísticos sobre a norma padrão e sobre as categorias formais da gramática cede espaço para as práticas de uso da linguagem — leitura/escuta de textos e produção textual — como eixos centrais do processo pedagógico, sendo a reflexão metalinguística uma ferramenta de ampliação das competências linguísticas almejadas para a formação plena do usuário-sujeito da sua linguagem e dos seus saberes. O texto surge então como unidade de ensino e os gêneros textuais, representações das respostas às múltiplas necessidades humanas de interação linguística, emergem como objeto de ensino (CARETTA, 2016). Outro aspecto, segundo o autor, até mais importante, é o reconhecimento do valor não só da gramática de língua escrita, mas também da falada. O professor não deve apenas enfatizar as diferenças entre as duas, mas mostrar que ambas são 13 importantes para se comunicar em diversas situações, na modalidade oral ou escrita. O eficiente desempenho linguístico do aluno é medido pela capacidade de adequação à finalidade da comunicação e, também, a padrões linguísticos valorizados na sociedade, no caso, a norma culta. Esses dois objetivos são tarefas da escola. A gramática normativa é bastante eficaz para o segundo objetivo, enquanto o ensino dialógico é fundamental para o primeiro, que visa à expansão das possibilidades do uso da língua. O ensino dialógico da língua trabalha fundamentalmente com os gêneros discursivos, porque, dessa forma, pode-se analisar mais do que a gramática da língua, pode-sechegar ao funcionamento da própria sociedade mediado pelas atividades linguísticas. Sabe-se que a comunicação verbal só se processa por meio de um gênero discursivo. Os gêneros são instrumentos da ação social, por isso o professor deve propiciar ao aluno um contato mais próximo com a ação linguística em sociedade. Os gêneros discursivos exercem uma função muito importante na produção e circulação linguística e, consequentemente, são um instrumento valioso para o professor no ensino da língua, pois são produções da atividade humana no uso social da língua. São modelos de produção materializados nos diversos enunciados que realizamos no dia a dia em nossas interações verbais e multimodais. Todo gênero possui uma função social. Ele foi criado por uma determinada comunidade para um determinado fim (CARETTA, 2016). Cada gênero possui a sua própria forma composicional, que é a sua identidade. Os gêneros também possuem estilos diferentes e próprios. As formas e entonações dos gêneros, para o falante, são instrumentos de produção de enunciado e, para os ouvintes, são índices de compreensão, ou seja, por seu lado o emissor, ao falar ou escrever, escolhe um gênero adequado às suas intenções e condições de produção; o ouvinte, a partir das primeiras impressões sobre a fala do outro, posiciona-se para receber determinado gênero em determinada forma, entonação e assunto. Assim, para observarmos um gênero devemos atentar para a sua finalidade, para sua forma e estilo, compreendendo as suas condições de produção. Na concepção dialógica da linguagem, a língua manifesta-se por meio de enunciados, ou seja, não é apenas um código, mas uma produção propostas e estratégias para a valorização do 14 multilinguismo na formação escolar Esse enunciado é sempre uma resposta a outro, formando uma corrente comunicativa na sociedade, pois essa resposta irá exigir um outro enunciado como resposta. Os gêneros são formas estáveis de enunciados responsáveis pela produção e circulação linguística na sociedade. Compreendemos, então, que a língua não pode ser estudada apenas como uma estrutura à parte de suas condições comunicativas. Para compreendê-la em seu processo social, é necessário observar os seus usos, na prática social, por meio dos gêneros. Assim, a língua e os gêneros passam a ser concebidos como práticas sociais (CARETTA, 2016). 2.3 Interação e ensino de língua A competência para ler e produzir enunciados dos mais variados gêneros é o verdadeiro indicador de um bom desempenho linguístico. O aluno precisa aprender a decidir qual o melhor gênero a produzir, considerando a situação comunicativa, o público alvo, o suporte e a mídia. Por isso, é uma estratégia bastante produtiva propor situações de comunicação que considerem um público ouvinte ou um leitor a quem se destina o enunciado; uma situação de produção em que se encontram os interlocutores; quais as suas intenções ao produzir o enunciado, seja na língua oral ou escrita. Além disso, deve-se atentar para o trabalho com os gêneros multimodais, que envolvem o uso de linguagens não verbais dialogando com a verbal, como a canção popular, os quadrinhos, o cinema, o teatro, a televisão, entre outros (CARETTA, 2016). Segundo o autor, o trabalho com gêneros discursivos é uma oportunidade que o aluno tem de trabalhar com a língua em seus diversos usos no dia a dia, logo de estar apto a usar a língua nas mais diversas situações sociais. O ensino de Língua Portuguesa por meio dos gêneros é uma importante ferramenta para a promoção do multilinguismo. Para vencer a ditadura do monolinguismo, além de se trabalhar com as variantes linguísticas, é importante também abordar a língua por meio dos gêneros discursivos, que relacionam os usos linguísticos com a complexa e multifacetada dinâmica social. 15 2.4 Interfaces, oralidade, escrita Sabemos que as modalidades oral e escrita são constituídas por um conjunto de práticas sociais realizadas por meio de enunciados que pertencem a determinados gêneros discursivos orais, escritos ou multimodais (CARETTA, 2016). Ainda segundo o autor a fala e a escrita possuem as suas próprias estratégias de apresentação do enunciado, mas não podem ser vistas como atividades opostas, pois muitas vezes falamos usando elementos da escrita. A recíproca também é verdadeira, pois escrevemos em determinados contextos usando elementos da fala. A língua oral e a escrita devem ser concebidas de forma relativa, segundo as características dos gêneros discursivos utilizados na interação social. Há gêneros próprios da oralidade, como a conversação, e da escrita, como um texto acadêmico, como já apresentado. Entretanto, muitos gêneros mesclam elementos das duas modalidades, como as entrevistas e as postagens nas redes sociais. 2.5 Oralidade no contexto das novas mídias Com o avanço da tecnologia no século XX, foi necessário desenvolver outras formas de observação da oralidade e da escrita. As novas mídias, os novos contextos de produção e recepção de enunciados, os novos gêneros orais e multimodais fizeram a oralidade ganhar mais espaço na vida social. Uma das características mais marcantes da fala era sua instabilidade, ou seja, não era possível guardá-la, ela se perdia após o enunciado ser proferido. Já a escrita foi criada com o propósito de produzir a estabilidade, pois ela seria gravada em um suporte material. Entretanto, com os avanços tecnológicos, a fala pôde ser registrada e reproduzida, superando sua instabilidade. A gravação de voz e de imagens permitiu o registro de enunciados orais que podem ser registrados, catalogados, recuperados e analisados, o que promoveu um grande desenvolvimento dos estudos da língua oral. Outra limitação superada pela língua oral foi a independência do contexto (CARETTA, 2016). 16 Para falar com outra pessoa era necessário estar no mesmo lugar que ela. Hoje não. Com o advento do telefone, principalmente do celular, e da internet, já são possíveis videoconferências. Esses avanços possibilitaram uma nova visão a respeito da oralidade. Cada vez mais presente na sociedade, atualmente já se reconhece o seu imenso valor na constituição da língua. Por tudo isso, a oralidade precisa ser valorizada também no ensino. Torna-se, então, imprescindível relativizar as relações entre a oralidade e a escrita por meio dos gêneros discursivos, a fim de ampliar as capacidades de produção e compreensão de textos orais e escritos. A escola não pode privilegiar a escrita em detrimento da fala, pois estaria prejudicando a formação linguística do aluno, visto que a produção de enunciados orais é fundamental na inserção do indivíduo em diversos setores sociais (CARETTA, 2016). 2.6 A escrita Enfocamos agora a importância da escrita no ensino de língua portuguesa, tendo em vista que o seu aprendizado tem como complemento a leitura. Assim, lançamos a seguinte questão: o que é ler? Muitas pessoas acreditam que ler seja decodificar os significados presentes em um texto. Pensando dessa forma, escrever seria construir signos para serem decodificados. Entretanto, essa ideia é falaciosa, pois o leitor não decodifica o que está escrito, mas interpreta, infere. Sabemos que os sentidos, em um enunciado, são construídos na relação entre o autor, o texto e o leitor. Dependendo das condições de leitura, as interpretações podem ser as mais distintas. A língua não é apenas um código, mas um instrumento de interação social que se manifestará por meio de seus usos nas mais diversas condições e situações sociais (CARETTA, 2016). De acordo com o autor, ao ler um texto, um aluno não o decodifica, pois não lemos como agulhas de uma vitrola, como bem assinalou Bunzen (2016), e também não produzimos textos totalmente transparentes, pois a leitura e a produção de textos constituem-se no processode interação com o outro. Dessa forma, pode ser levantada outra questão: Como deve ser o processo de aquisição da escrita? Para que o aluno desenvolva a escrita de forma competente é preciso que haja uma consciência do 17 contexto de produção e recepção para a produção do enunciado. O professor não pode simplesmente dizer para o aluno escrever um texto sobre determinado tema. Ele precisa indicar a situação em que o texto será veiculado, qual o seu gênero, qual a sua finalidade e intenção, além de estabelecer um destinatário plausível e coerente com a situação de comunicação. Dessa forma, o aluno vê a sua produção escrita com um objetivo efetivo, mais além do que o de ser lida e avaliada apenas pelo professor. A produção escrita pensada dessa forma promove o protagonismo do aluno, que precisa assumir-se como sujeito de seu texto. Nessa condição, ele tem o que dizer, razões para dizer, para quem dizer e estratégias para dizer. É preciso que haja uma valorização da autoria, da recepção e da interatividade no ensino-aprendizagem da produção escrita que desenvolva as capacidades linguístico-discursivas no uso da língua em diversos contextos. Sabemos que a comunicação linguística se dá por meio dos gêneros que são inventados, invocados e reinventados como uma resposta à necessidade de comunicação nas diversas situações sociais. Se aprender a escrever e a falar é resultado da interatividade com o outro utilizando os gêneros discursivos, é preciso que se criem situações para que os alunos respondam a elas por meio dos gêneros, somente assim ocorrerá uma valorização das atividades de leitura e produção de texto tendo em vista a vida social. A escrita de textos na escola deve contemplar os diversos gêneros dos usos extraescolares. O professor precisa colocar seus alunos em contato com a maior variedade possível de textos e situações de produção e circulação dos enunciados. É o que se chama “pedagogia da diversidade”. Esse processo de ensino-aprendizagem da produção textual tem como objetivo desenvolver o protagonismo linguístico e social do aluno (CARETTA, 2016). 2.7 Políticas linguísticas para o multilinguismo É imperativo lembrar, constantemente, a imensa tarefa que compete ao professor de língua. Não só imensa na extensão, pois trabalhar com as variadas formas da língua nos diversos gêneros, mídias e situações sociais já é um desafio, mas imensa também porque, para realizarmos essa tarefa, temos que superar currículos 18 pedagógicos que frequentemente resumem o ensino da língua ao conhecimento da norma culta. Para adotar uma política linguística que valorize o multilinguismo e o multiculturalismo, o professor de língua materna precisa tomar a norma culta como uma das formas de uso da língua. Além disso, a escola também deve ter como objetivo formar cidadãos que respeitem seus semelhantes com todas as suas diferenças sociais, inclusive a sua forma de utilizar a língua. Sabemos que, para o aluno aprender a escrever, somente escrever não é suficiente, ele tem que participar de atividades diversas de leitura e escrita, com finalidades, interlocutores e modos de interação os mais diferentes. Somente por meio dessa interação social, a escola formará indivíduos competentes, capazes de intervir em sua comunidade de acordo com a sua visão de mundo. Os projetos de multiletramento oferecem ao professor um instrumental bastante eficiente e produtivo para promover o aprendizado da língua portuguesa por meio das práticas sociais de compreensão e produção de textos em gêneros orais, escritos e multimodais, a fim de promover a sua formação social (CARETTA, 2016). Segundo o autor ao adotar a prática social como princípio orientador de sua política linguística para o ensino de língua, o professor tem a tarefa de, primeiramente, determinar quais são as práticas sociais significativas para a sua comunidade e, a seguir, quais são os gêneros e textos significativos para a realização dessas práticas. Quando o professor opta por determinado projeto, ele passa a decidir sobre a seleção dos saberes e práticas que se situam entre aqueles que são importantes para a vida na comunidade imediata dos alunos e os que são relevantes para a participação na vida social de outras comunidades e que, um dia, poderão ser utilizadas para a mudança e a melhoria do futuro do próprio aluno e de seu grupo. O professor deve ter autonomia para decidir sobre a inclusão do que pode fazer parte do cotidiano da escola, porque considera necessário para a inserção do aluno nas práticas sociais. Além disso, deve decidir também sobre aquilo que pode não interessar momentaneamente ou servir imediatamente ao aluno, mas que precisa ser ensinado pela sua real relevância em sua futura participação social. As escolhas didáticas do professor devem compreender o ensino de língua como uma organização dinâmica de conteúdos que valem a pena ensinar, que levam em conta a realidade da 19 comunidade e que se constituem como uma prática linguística que favoreça a atuação do indivíduo em sua sociedade (CARETTA, 2016). 2.8 Multiletramentos Como vivemos em uma sociedade bastante complexa e diversificada nas formas de expressão linguística, o professor deve procurar abordá- -las em suas aulas. Quando falamos em multiletramentos, estamos nos referindo aos múltiplos letramentos que abrangem atividades de leitura crítica, análise e produção de textos multimodais, observados sob um enfoque multicultural. Tendo em vista a necessidade de incluir, nos currículos escolares, as questões que envolvem as variedades culturais, em sua pedagogia dos multiletramentos, ROJO (2012) apresenta propostas bastante interessantes para o ensino de língua por meio dos multiletramentos (CARETTA, 2016). A autora ainda discorre sobre a diversidade cultural e de linguagens na escola, destacando que o trabalho do professor deve partir do universo de referência dos alunos e alcançar outros universos sempre com um enfoque pluralista, ético e democrático. Mas podemos nos perguntar por que propor uma política dos multiletramentos? A escola deve assumir a responsabilidade de aproximar seus alunos dos novos letramentos emergentes na sociedade contemporânea, incluindo nos currículos a grande variedade de culturas já presente nas salas de aula e no mundo globalizado, incentivando a tolerância na convivência com a diversidade cultural e com o outro. Vivemos, pelo menos desde o início do século XX, em sociedades em que as fronteiras estão sendo extintas e a miscigenação cultural se acentua. As simples oposições como cultura erudita x popular, central x marginal, canônica x de massa já estão ultrapassadas (CARETTA, 2016). De acordo com autor, as misturas são cada vez mais comuns. A produção cultural atual caracteriza-se por um processo de hibridação, principalmente, tendo como ferramenta de comunicação a tecnologia que permite estar em constante interação com novos universos utilizando as mais diversas linguagens. Nesse contexto, 20 o professor deve atentar para a introdução de novos gêneros de discurso, novas mídias, novas tecnologias, inundando o universo de nossos alunos com uma variedade de linguagens. O conceito de multiletramentos guarda basicamente dois pressupostos: a diversidade cultural de produção/circulação dos textos e a diversidade de linguagens que constituem os enunciados. Outra característica importante dos multiletramentos é que eles são interativos e colaborativos dependendo de nossas ações como usuários e não apenas receptores ou espectadores. Nesse contexto, o professor precisa pensar em como as novas tecnologias de informação podem transformar nossos hábitos institucionais de ensinar e aprender (CARETTA, 2016). Os Multiletramentos são fundamentais para que ensino de línguaesteja em acordo com a evolução da nossa sociedade não apenas no aspecto tecnológico, mas principalmente tendo em vista o multilinguismo e a multiculturalidade das sociedades contemporâneas. Dessa forma, o professor estará praticando o multiletramento crítico. Em uma perspectiva dialógica interacionista e socioconstrutivista de ensino de língua, o conhecimento é instrumento não só de compreensão, mas também de intervenção na realidade (CARETTA, 2016). 21 3 BILINGUISMO, MULTILINGUISMO, BICULTURALISMO E MULTICULTURALISMO Fonte: ariana432.blogspot. Para os termos multilinguismo e bilinguismo, existem várias e vastas definições. Algumas delas foram definidas por alguns autores, referenciados a baixo. O conceito de bilingue englobando pessoas com conhecimento e uso regular e quotidiano de duas línguas, em contextos diferentes, dominadas ou não com o mesmo nível de mestria (SOARES, 2014). Segundo o autor, mais de metade da população é bilingue e autores dizem que mesmo que 50% da população mundial fale mais que uma língua, dentro do bilinguismo existem aqueles que têm uma língua dominante. Seguindo esta conceptualização, que o bilinguismo é a capacidade de usar duas línguas, e multilinguismo é a capacidade de usar mais do que duas línguas. Os bilingues e multilingues podem usar uma língua mais fluentemente que outra ou desempenharem funções diferentes no contexto comunicativo ou outras razões. Mas Angelis (2007, p.8) refere que o termos bilingues/bilinguismo, multilingues/multilinguismo são usados como sinónimos. Outros dizem que os bilingues e os multilingues relacionam-se, nas línguas que usam, com 22 graus de aptidão diferentes, ou seja, uns têm mais capacidade de falar uma língua que outros. O mesmo se refere na LSA (Linguistic Society of America) por Guadalupe Valdés (2012), que afirma que existem bilingues com uma competência mais elevada para duas línguas na escrita e na fala e outros com maior competência na compreensão ou expressão oral. O multilinguismo é definido pelo como “a capacidade de uma pessoa utilizar diversas línguas e a coexistência de comunidades linguísticas diferentes numa dada área geográfica”. Afirma, também que o multilinguismo contém uma consideração importante para o continente europeu, que faz com que se torne única, contribuindo para a cultura da (SOARES, 2014). De acordo com o autor, vivemos, cada vez mais, numa sociedade com várias culturas e falantes de várias línguas, o que nos traz maior diversidade populacional. Para autores como Mclaren, 2000; Souza Santos, 2003; Gonçalves e Silva, 2006; Hall, 2006 o multiculturalismo é um termo que abraça diferentes definições e vertentes contraditórias, uma vez que se pode ter em conta as línguas faladas, costumes, política. Grosjean (2014, p.1) afirma que: Embora os termos “bicultural” e “bilingues” sejam muitas vezes vistos no mesmo texto, há muito pouco trabalho que tenta englobá-los numa realidade, bilingues biculturais. Isto vem em parte pelo facto de que duas componentes do conceito pertencem a dois campos académicos bastante diferentes. Bilinguismo é estudado primariamente por linguistas, psicolinguistas, psicólogos cognitivos e sociólogos enquanto que biculturalismo é estudado por psicólogos sociais e interculturais, bem como pesquisadores de personalidades. Infelizmente há uma escassez de estudiosos competentes em vários, ou todos, estes domínios de uma vez ou, pelo menos que colaboram com os outros domínios, a fim de estudarem este tema interdisciplinar (SOARES, 2014). 3.1 Aprendizagem em contexto multilíngue O multilinguismo, na perspectiva de Soares (2014), é visto como um sinal de inteligência e grande cultura. Contudo, na sociedade que utiliza duas ou três línguas no dia-a-dia, pode ser vista como um problema social no avanço económico e de estabilidade, pois trazem outras raízes e histórias, modificando as nossas. Alguns 23 informa que se pode fazer a distinção entre "a aquisição da linguagem", sendo um processo subconsciente, e "a aprendizagem de línguas", que ao contrário da primeira é totalmente consciente. Assim sendo, as crianças adquirem a sua primeira língua e os adultos normalmente aprendem a segunda língua ou adquirem-na. No que toca à aprendizagem de outras línguas, para se poderem considerar multilingues, é apologista de que não devemos nos preocupar com a aprendizagem nem com o método com que as crianças aprendem línguas, mas sim que devemos “deixar o filho crescer naturalmente nas língua sem que nós gostaríamos que eles alcançassem um domínio razoável”. São as crianças que têm de dominar a língua estrangeira e utilizá-la, já com os adultos acontece o contrário, pois têm de aprendê-la a qualquer custo. Para Castro (2008, p.14), quando se fala em aprendizagem de novas línguas, ao longo desse percurso torna-se necessário ter exemplos que incluam a aprendizagem de forma a criarem condições para que o aprendiz possa tornar a sua comunicação mais consistente. Numa sala de aula, quando existem crianças multilingues, muitas vezes a escola proíbe o uso da língua minoritária e com isso está a ignorar o processo de alfabetização e socialização da criança que usa uma língua diferente, como refere Finger (2008, p. 74)ao relatar sobre a comunidade brasileira. Também declara que não se deve esquecer que a língua minoritária “deve-se manter viva e atual, para responder ao diálogo existente entre as fronteiras culturais e sociais instaurados pelas novas gerações, além de preservar a identidade linguística de seus falantes” (SOARES, 2014). A escola, ou outro local de aprendizagem, acaba por ser o ponto de inclusão, que na nossa sociedade, portuguesa, ainda é relativamente recente, como afirma Correia, ela pretende dar a todos os alunos igualdade de oportunidades educativas, para que todos possam usar um serviço educacional de qualidade. Isto irá permitir que se integrem e que tenham um futuro mais produtivo dentro da nossa sociedade. O autor Guralnick diz que “pode também ser definido como a representação do esforço para maximizar a participação das crianças e famílias nas atividades rotineiras de casa e contextos relevantes”. Há quem comente, como é o caso de Ferronatto e Gomes (2008, p.23) que existem diferenças no processo inicial de aquisição de linguagem entre 24 crianças que se desenvolvam com duas ou mais línguas. Diz que haverá um melhor desenvolvimento na iscriminação fonêmica, devido ao ambiente linguístico mais rico. Vão assim desenvolver competências perceptivas qua facilitarão a distinção entre as línguas. Por isso, o autor transmite a ideia de que quanto mais cedo se expuser a criança às línguas distintas, maiores serão as suas aptidões na mestria linguística e consequentemente as dificuldades para equilibrar o sistema fonológico dessas línguas serão minoritárias. Assim, tornar-se apto numa língua é adquirir um conjunto de conhecimentos que revelam a cultura de cada um, mas também é ser capaz de utilizar estratégias capazes de se fazerem entender em situações de comunicação e pensar no funcionamento da língua para que se desenvolvam estratégias, garantindo um processo de aprendizagem continuo(SOARES, 2014). Para o autor a aprendizagem não depende apenas do aprendiz mas sim de como se adequam os objetos, a postura e capacidade do aluno, o ritmo com que este aprende e o ambiente presente, a relação entre o professor e aluno e os meios que usam. Se o aprendiz e os meios utilizados na aprendizagem se encontrarem adequados, melhorará a forma como irá aprender. No multiculturalismo também existem algumas implicações sobre a linguagem, que é um assunto pouco referido até ao momento, mas essas questões conjugam-se, uma vez que ao misturarmos a cultura e a identidade dos alunos constrói-se umalinguagem utilizada por uma comunidade. A linguagem aprendida relaciona-se com a cultura, através dos vários meios de comunicação, revelando uma população. Bakhtin apresenta-nos“como a linguagem pode-se tornar um instrumento de transmissão e valorização de certos conteúdos ideológicos”. Para Battiste (2000, p.192) existe uma discriminação por parte de professores e outras de crianças para com as que utilizam línguas diferentes das do meio onde se inserem. Não são aceites ou são tratadas de forma diferente, o que provoca um reforço nessas desigualdades, provocando nessas crianças graves consequências, tais como o baixo auto-estimas desses alunos, abandono escolar e baixas visões de futuro profissional (SOARES, 2014). Por tudo isto, a aprendizagem num contexto multilíngue é importante para a diversidade populacional e ainda mais importante para os falantes de mais do que uma 25 língua, tanto para a sua capacidade de aprender como para manter as suas raízes e ainda vantagens como no atraso do início da demência (SOARES, 2014). 4 INTERVENÇÃO EM MULTILINGUES Fonte: schooleducationgateway.eu O autor Perrenoud caracteriza o ato de avaliar dando destaque à diversidade, valorizando cada um individualmente. Tem que se ter em conta a identidade linguística do aluno, assim como a diversidade linguística, cultural e social presente. Para crianças com perturbação na comunicação é fundamental que falem as línguas faladas pelos familiares e pela comunidade, em todos os locais de aprendizagem que frequentam. Muitas vezes o idioma falado pelo profissional e utentes ou alunos são incompatíveis, para isso é importante o trabalho de equipa entre o TF, professor, educador, família, interpretes para a organização e elaboração de uma intervenção eficaz (SOARES, 2014). De acordo com o autor, Winter (1999, p. 89) no seu questionário dirigido a terapeutas ingleses, relativamente à sua confiança em relação a crianças bilingues concluiu que são encontradas dificuldades na avaliação de uma criança, na 26 “diferenciação entre uma dificuldade que afeta toda a aprendizagem de línguas e uma dificuldade em aprender apenas Inglês”. Se o familiar ou o cuidador que traz a criança à terapia não falar a língua do TF, torna-se mais uma dificuldade na avaliação, pois é necessário recolher o historial clínico da criança. Para Winter (1999), os materiais de avaliação devem ser escolhidos com cuidado para que se avaliem, adequadamente, todas as línguas da criança. Na intervenção, afirma que uma abordagem bilingue tem uma razão lógica, pois interage- se nas línguas faladas pelo indivíduo melhorando as competências em ambas, ou para facilitar mais uma que outra. As crianças aprendem uma primeira língua ou uma segunda, isto permitem-lhes compreender as mensagens. Se não entender uma língua, terá uma outra que pode facilitar, tanto a quem recebe como a quem transmite, a mensagem (SOARES, 2014). A intervenção do terapeuta da fala suporta as necessidades linguísticas tanto das crianças como das dos seus familiares, pois se o tratamento for realizado numa língua estrangeira em que os pais são mais limitados, o desenvolvimento da linguagem dos seus filhos deverá ser alterada para a língua falada pelos pais. Wong Fillmore aponta que a aprendizagem de uma segunda língua pode ser facilitada quando as crianças têm acesso a um sistema de apoio, linguístico, social e cognitivo. Para Kohnert et al.(2005)e Cummins a intervenção numa língua pode facilitar o desenvolvimento da outra e a intervenção em ambas podem facilitar a os mecanismos de aprendizagem da língua geral, a atenção e a percepção. Seguindo uma abordagem bilingue, a intervenção permitirá a participação da família, para a língua de origem, mesmo que esta esteja a limitar as capacidades na outra língua, sendo também benéfico, para o TF, se a língua materna da criança não se encontrar num nível elevado de mestria. Há uma falta de conhecimentos relativamente à informação disponível para os TF’s e familiares para serem tomadas as decisões de qual a língua mais apropriada para ser utilizada na intervenção. Existe também uma falta de recursos culturalmente apropriados e pouca informação sobre a língua a utilizar para uma melhor intervenção. Há uma notória melhoria quando a língua que se usa na intervenção de um multilíngue é a mesma que se utiliza em casa. Mas o que se verifica é que a língua utilizada pelos 27 TF’s na intervenção é a sua própria língua em vez da da criança multilíngue. Autores afirmam que, para indivíduos bilingues/multilingues, a intervenção do professor tem de ter em conta a experiência noutras línguas, pois os temas e as abordagens devem ser escolhidos conforme o público a quem se vai aplicar. Uns podem estar mais ou menos limitados para algumas línguas, enquanto que outros podem encontrar-se no processo de aquisição no que concerne ao conhecimento de uma ou mais línguas estrangeiras. Torna-se assim importante, para o bilinguismo/multilinguismo, a comparação entre as variações regionais e sociais de cada língua (SOARES, 2014). 4.1 O papel de terapeutas, professores e educadores perante a diversidade multilíngue Os terapeutas, professores e educadores são os profissionais que trabalham em equipa, ou seja, são um “(...) grupo de pessoas com habilidades complementares, comprometidas umas com as outras pela missão comum, objectivos comuns (...) e umplano de trabalho bem definido. Os TFs podem encontrar uma grande diversidade de utentes com origens culturais e linguísticas diferentes. Estes devem ser capazes desuperaros seus preconceitos e de adaptar o seu comportamento e método de ensino. Falhas na proficiência linguística e cultural podem prejudicar os utentes, levando apercepções e atitudes negativas, diminuindo a eficácia da prestação dos serviços prestados. Para Perry (2012, p.4) os TFs têm um papel importante nos serviços que concedem a indivíduos com culturas e línguas diferentes, quer na saúde quer na educação. O professor assume um papel fundamental na forma como são desempenhadas e praticadas as crenças dos alunos, decidindo o processo de socialização e compreensão da língua, pois deve ter consciência das atitudes que toma de forma a lidar o melhor possível com a diferença, motivando os alunos e acabando com o preconceito (SOARES, 2014). Salinas e Antunes (cit. inFinger 2008, p.72) afirmam que: (...) cabe (...) ao professor descobrir o grau significativo da aprendizagem realizada por este e por aquele aluno, aplicando tarefas que possam ser 28 resolvidas em diferentes graus e acreditar que alunos que alcançam níveis diferentes na realização dessa tarefa podem ser iguais ao construírem o melhor possível de cada um (apud SOARES, 2014). O professor deve, segundo Gonçalves e Andrade (2007, pp. 66e 70), não ensinar em apenas uma língua mas dar a hipótese de os alunos construírem a sua própria identidade e desenvolverem a aprendizagem ao relacionarem-se com os outros, de forma a fortalecerem a competência multilinguística, e para isso é necessário incutir outras línguas no seu currículo escolar. Enquanto que pesquisadores estudam áreas formais linguísticas, como reportório fonológico e processamento de linguagem, a terapia da fala tem como papel avaliar a competência e ouso linguístico da criança bilingue, verificar que fatores sociais e psicológicos influenciam o processamento de aquisição da linguagem e delinear uma intervenção adequada. São os terapeutas, cada vez mais procurados para colaborarem com professores e outros profissionais, para planificarem os programas curriculares das crianças bi/multilingues (SOARES, 2014). 4.2 A importância da formação destes profissionais no Multilinguismo A educação multicultural, segundo Moreira “deve estar presente no currículodesenvolvido nas universidades públicas e faculdades particulares”. O autor diz que a formação destes profissionais é importante, o que faz com se depare com algumas questões acerca da formação de professores, desde como estão a ser formados, até como desenvolvem a prática pedagógica e afirma que a universidade, na formação multicultural, tem um caráter importante, pois é nesse espaço que começam a pensar e a construir o currículo e a prática profissional. Quanto à formação no âmbito do ensino superior, alude que a universidade deve desempenhar um papel relevante para dar, ao currículo dos futuros profissionais, relevo às questões multiculturais. Contudo, é diminuto o número de profissionais que dizem sentirem-se capazes e confiantes nas suas competências para prestarem serviços a utentes de outras culturas e línguas (SANTOS et al, 2018). 29 Para aumentar a consciência da variedade cultural e linguística, a ASHA (American Speech-Language-Hearing Association) (2011) salientou a importância dos terapeutas da fala, modificando a prestação de serviços, adaptando-a às necessidades das pessoas multiculturais e tem vindo, ao longo de vários aos, a desempenhar um papel importante na implementação de terapeutas mais competentes culturalmente. Esta mesma associação, incentivou a colocação de questões multiculturais no currículo dos seus educadores, de forma voluntária. Com o passar dos anos, foi sendo mais rígida, exigindo programas multiculturais de forma a preencherem os currículos senão arriscavam a ficarem sem acreditação, como nos informaram Stockman, Boult, e Robinson. Para lidar com questões multilinguísticas, tem que se ter por base o uso de várias línguas, com algum nível de mestria, de forma a conseguirmos lidar com alunos/utentes/pessoas multilingues (SANTOS et al, 2018). De facto, todos os adultos devem ser incentivados a prosseguir a aprendizagem de línguas estrangeiras e, para este efeito, devem ser criadas e disponibilizadas estruturas de acesso fácil, e também aos trabalhadores deve ser dada a oportunidade de melhorarem as competências linguísticas de interesse para a sua vida profissional. (Castro 2008, pp.12/13 apud SANTOS et al, 2018) Contudo, para lidar com multilingues não é, necessariamente, obrigatório que os profissionais sejam proficientes noutras línguas para puderem intervir com crianças falantes de várias línguas. A afirmação de Perrenoud (cit. inFinger 2008, p.74 apud SANTOS et al, 2018) torna-se pertinente para este ponto, uma vez que diz que: Não é possível formar professores sem fazer escolhas ideológicas e contextuais; conforme o modelo de sociedade e de ser humano que defendemos, não atribuiremos as mesmas finalidades à escola e, portanto, não definiremos da mesma maneira o papel dos professores como formadores. Concluindo, cada vez mais é importante adquirir formações específicas, muito mais quando se trata de aprender outras línguas, o que facilitará o trabalho a todos os profissionais e motivará os utentes a não perderem a língua materna. No século 20, nos E.U.A alargaram-se os contextos culturais na prática profissional dos TFs e fora do país. Com o forte crescimento da população, todas as profissões, principalmente as 30 relacionadas com os seres humanos, como a saúde e educação, foram obrigadas a darem mais importância às questões multiculturais/multilingues. As práticas profissionais foram modificadas, para que se refletisse o avanço da diversificação da população. O Conselho Nacional de Acreditação da Formação de Professores alterou as normas no campo da educação, incluindo as questões multiculturais/multilingues. Em Portugal, não se verifica que o tema seja referido, em currículo escolar, de forma a elucidar devidamente os alunos, sobre multiculturalismo e multilinguismo, deveriam ser inseridos nos currículos acadêmicos, como foi adotado em vários países (SANTOS et al, 2018). 5 A AQUISIÇÃO DE NOVAS LÍNGUAS E O GANHO CULTURAL Fonte: fce.edu.br O aprendizado de um novo idioma traz consigo o ganho cultural. Isso porque a própria língua já se caracteriza como elemento cultural de determinado povo. Para entendermos essa relação, é necessário primeiro revisitarmos o conceito de cultura, sempre tão debatido e com diversas definições. Partindo dos estudos desenvolvidos por Hall (1997, p. 2): 31 Cultura’ é um dos conceitos mais difíceis das Ciências Humanas e Sociais, e existem muitas maneiras de defini-la. Nas definições mais tradicionais do termo, cultura é tida como o ‘melhor daquilo que pensado e dito’ numa sociedade. É a soma das grandes ideias, representadas nos trabalhos clássicos da literatura, pintura, música, e filosofia – a ‘alta cultura’ de uma era (tradução nossa) (apud SANTOS et al, 2018). Este conceito, entretanto, apresenta uma definição mais tradicional e um tanto antiquada. Para demonstrar uma definição mais moderna sobre cultura e fazer uma paralelo entre as duas, (HALL, 1997) afirma que o termo cultura também é utilizado para definir todas as formar de publicações amplamente divulgadas, músicas populares, artes, literatura, entretenimento, entre outras atividades que constituem o dia a dia da maioria das pessoas. Ainda segundo o autor, a língua é o meio pelo qual os elementos que constituem uma cultura são representados (HALL, 1997). As representações culturais, a criação de significados, a manifestação de ideias, sentimentos e identidade dentro de uma cultura passam pela língua, que, de fato, pode ser considerada primordial. Vendo então a conexão profunda e homogênea entre língua e cultura, percebe-se que é impossível adquirir um novo idioma sem absorver os elementos da cultura no qual ele está inserido. Ao iniciar o processo de aquisição de uma nova língua, primeiramente analisam-se os meios para alcançar esses objetivos. As estratégias utilizadas pelos professores de idiomas envolvem elementos culturais e signos que são transmitidos no processo e exigem o acompanhamento das questões de cunho cultural para que a compreensão dos significados seja realmente efetiva. As novas tecnologias facilitam muito a aproximação dos estudantes de línguas estrangeiras com os falantes do idioma que se pretende aprender, e uma inserção mais profunda naquela nova realidade. Esse processo pode levar o estudante a um primeiro contato com o multiculturalismo (SANTOS et al, 2018). Ainda segundo o autor, o multiculturalismo pode ser definido como a coexistência de diversas culturas numa mesma sociedade. Entretanto, ao analisarmos o contexto do mundo globalizado e compreendermos a ideia de sociedade global interconectada, em que os grupos sociais estão cada vez mais próximos uns dos outros, percebemos que as mais diversas culturas se relacionam entre si. Então, vê- se que o multiculturalismo se redefine em um conceito mais apropriado, que nos 32 oferece a visão de várias culturas se relacionando, e não apenas a coexistência de múltiplas culturas. Percebe-se então que a diversidade cultural com a qual um estudante de língua estrangeira se depara ao ir ao encontro de uma nova cultura é caracterizada por um multiculturalismo pleno e potencialmente capaz de inovar-se. O processo de aquisição de nova língua se dá por meio de elementos culturais de determinado povo ou nação. Os estudantes sempre buscam livros naquela língua, filmes, músicas, entre outras produções culturais. Nesse processo, o estudante adquire não só conhecimento linguístico, não ocorre apenas um acúmulo de vocabulário de determinada língua. As questões identitárias e as ideias inseridas nos meios utilizados pelo estudante para ter acesso à língua foram absorvidas por ele. O estudante passa a ter contato com os sentimentos das questões sociais da cultura na qual a língua estudada está inserida. SegundoBecker e Zimmer (2015, p. 11), “O ato de transitar entre sistemas político-culturais diversos pode aumentar a flexibilidade a ampliar a compreensão das ambiguidades encontradas em diferentes sistemas” (SANTOS et al, 2018). Atualmente, muitos estudantes que desejam aprender um novo idioma optam por fazer um curso no exterior ou, ainda que façam um curso no país em que vivem, buscam fazer um intercâmbio linguístico para aperfeiçoar o idioma que aprenderam. Essa experiência traz um vasto enriquecimento pessoal, oferecendo diferentes perspectivas de vida e maior conhecimento cultural. Estando em outro país, o estudante se insere na cultura local e realiza uma imersão linguística essencial para o seu aprendizado (SANTOS et al, 2018). 33 6 COMUNIDADES BILÍNGUES E MULTILÍNGUES Fonte: reporterparintins.com Para entender comunidade, é necessário estudar o que a forma e a fundação é a cultura. Boas (1968) foi pioneiro ao pensar no termo culturas, no plural, mostrando que não é um aspecto universal e igual para todos, mas que diferentes sociedades têm diferentes culturas, que são complexas e diferentes. Na visão do autor, não há uma cultura superior, pois diversas e distintas. Gordon (2002) afirma que compreender cultura como o modo de vida de um povo, nos dias de hoje, é problemático, pois há tanta diversidade de inter-relação dentro de cada sociedade diferente que já não se pode facilmente falar de “cultura japonesa”, ou “cultura americana”, ou “cultura chinesa”, concebendo cada grupo como unificado. Entretanto, é necessário entender que cultura engloba diversos fatores variantes, sua mudança não resulta em uma nova cultura. Com as diferentes visões de cultura, o profissional torna-se mais preparado, habilitado a lidar com aspectos relacionados à diversidade cultural (ARAÚJO, 2019). Uma comunidade pode ser definida por suas características sociais, étnicas, nacionais, religiosas, etc. Uma forma mais simples para começarmos a pensar em comunidade é a medida oficial: um país é formado de uma comunidade de falantes, e muitas dessas comunidades, senão todas, são bilíngues ou multilíngues. Isto porque 34 há uma estimativa de que existam 6.700 línguas no mundo, para 200 estados-nações oficializados (BASSANI, 2015). Bilinguismo ou multilinguismo está presente em praticamente todos os países do mundo, seja ele oficialmente reconhecido ou não (ROMAINE, 2006, p. 388, apud BASSANI, 2015) A seguir, é apresentada uma pirâmide com exemplos de comunidades verdadeiramente multilíngues. Bassini (2015) apresenta as regiões, e é possível ver a predominância de países africanos e asiáticos (7 de 10), concordando com a ideia posta por Grosjean, vista no capítulo anterior. É possível perceber então que o número de línguas faladas em um país não está relacionado com sua oficialidade. Ainda na imagem, o Brasil aparece em nono lugar, com 210 línguas. Entretanto, o país só considera o português como língua oficial (ARAÚJO, 2019). Fonte: BASSANI, 2015. 35 6.1 A constituição de países multilíngues A constituição de países multilíngues apesar de quase todos os países incorporarem um grande número de grupos falantes de diversas línguas, como é o caso do Brasil, em muitos casos, apenas uma ou duas línguas são reconhecidas como oficiais. O fato de serem reconhecidas como oficiais implica em que serão línguas ensinadas na escola, nas instituições oficiais e nas instituições legitimadoras, como a mídia. Isso porque, no geral, os grupos politicamente mais poderosos de qualquer sociedade conseguem impor suas línguas aos grupos menos poderosos. Convenciona- se chamar de minorias linguísticas os grupos menos poderosos. No que diz respeito ao uso do termo minorias linguísticas como comunidades linguísticas em um estado- nação, os estudiosos classificam dois tipos de configuração populacional: as que são indígenas, também chamadas de autóctones, e as não-indígenas, que são aquelas formadas por imigrantes ou migrantes. O termo minoria, no entanto, não significa necessariamente que a comunidade de falantes é pequena, mas se refere, sobretudo, ao seu papel político na sociedade em que se insere (BASSANI, 2015). Segundo o autor, muitas comunidades de falantes que compartilham uma mesma língua ou línguas de uma mesma família ultrapassam os limites geográficos de fronteiras oficiais dos países. Esse é o caso de comunidades indígenas que compartilham a mesma língua na América do Sul. Vejamos o que Rodrigues (1986, p. 32) comenta da enorme extensão territorial de uso de línguas da família Tupi-Guarani: A família Tupi-Guarani se destaca entre outras famílias linguísticas da América do Sul pela notável extensão territorial sobre a qual estão distribuídas suas línguas. No século XVI encontraram-se línguas dessa família sendo faladas em praticamente toda a extensão do litoral oriental do Brasil e na bacia do rio Paraná. Hoje falam-se línguas dela no Maranhão, no Pará, no Amapá, no Amazonas, em Mato Grosso, em Mato Grosso do Sul, em Goiás, em São Paulo, no Paraná, em Santa Catarina, no Rio Grande do Sul, no Rio de Janeiro e no Espírito Santo, assim como, fora do Brasil, na Guiana Francesa, na Venezuela, na Colômbia, no Peru, na Bolívia, no Paraguai e na Argentina (apud BASSANI, 2015). 36 O interessante é que mesmo tendo esta enorme extensão geográfica, as línguas preservam identidade (s), apresentando pouca diferenciação, segundo Rodrigues. Veja novamente abaixo o quadro comparativo apresentado primeiramente na aula 5 da disciplina A sociodiversidade indígena no Brasil, que mostra a semelhança entre palavras de variedades do guarani localizadas em partes diversas do Brasil (BASSANI, 2018). Fonte: BASSANI, 2018. 7 MULTILINGUISMO NA INFÂNCIA Expor uma criança a línguas estrangeiras permite que seu cérebro seja otimizado e aumenta o seu potencial de aprendizado, permitindo inclusive que que o cérebro se torne mais flexível. Quanto mais cedo a criança for exposta à diferentes idiomas, melhor, pois o aprendizado é facilitado pelo estímulo da língua materna (GHASEMI e HASHEMI, 2011, p. 875 apud ARAÚJO, 2019). É importante compreender que a língua materna influencia as demais línguas. Até mesmo em ambientes onde realmente não exista apenas uma língua materna e que a criança esteja sendo exposta a diversos idiomas ao mesmo tempo, uma língua vai se sobressair. Muitas vezes, quando o termo “multilíngue” é utilizado, gera, erroneamente, a ideia de um indivíduo com proficiência perfeita em vários idiomas. 37 Como mencionado no primeiro capítulo desse estudo, pesquisas mais antigas apoiavam essa ideia, que vêm perdendo força com novos estudos. A partir do momento em que um novo idioma está sendo aprendido, ele vai influenciar outro, e quanto mais idiomas forem falados, eles influenciarão uns aos outros (ARAÚJO, 2019). Segundo o autor, a comparação entre multilíngues e monolíngues- especialmente se a comparação for feita com crianças, como falha e sem sentido. Não cabe comparar o desenvolvimento e o investimento de uma criança que cresceu com um idioma, com uma que sempre viveu cercada por vários. Além da questão linguística, a influência de diferentes culturas faz diferença no crescimento infantil. Seria mais apropriado comparar crianças multilíngues que falam diferentes idiomas, do que com uma criança que fale apenas um. As habilidades que um indivíduo falante de diversos idiomas tem variam durante a vida, por diferentes motivos. Sua língua materna pode até deixar de ser sua língua predominante. Competências linguísticas não são estáticas e estão sempre mudando, principalmente, com o ambiente onde o multilíngue se encontra. A comunidade em que essa pessoa se encontra vai influenciar suas capacidades com determinadoidioma. Quando explica sobre a criação de seus três filhos utilizando três idiomas, Wang (2008) aponta as diferentes análises que as crianças faziam e que eram diferentes das dela própria, pois a mesma cresceu num ambiente onde o chinês era predominante, mas seus filhos só tinham contato com esse idioma quando estavam conversando com ela. Seus filhos, nas oportunidades que tinham de se relacionarem com outros falantes de chinês, muitas vezes se viam confusos. Porém, ao serem postos nessa esfera social, logo se adaptaram. A autora ainda traz o fator que multilíngues, em um meio multilíngue, podem usar de suas habilidades para expressar diferentes pensamentos e sentimentos. Ela aponta que “the linguistic environment of a language is not static and thus, a person’s linguistic competence and performance can change accordingly. Anyone who knows more than one language will know that depending on the experience, one feels more comfortable using one language than the other”7(WANG, 2008, p. 24 apud ARAÚJO, 2019). Segundo o autor, para entender como as diversas línguas aprendidas atuam no cérebro e no desenvolvimento de um indivíduo, pesquisadores se especializam em 38 neurolinguística, que é a ciência que estuda a relação entre línguas e comunicação, em diferentes aspectos do funcionamento do cérebro. Esses estudos tentam explorar as formas com que o cérebro entende e produz linguagem e comunicação. Durante a infância, o cérebro humano está mais disposto a absorver informações, tornando-o mais propenso ao aprendizado, isso inclui diferentes tipos de idiomas. Bialystok (2005) defende que o cérebro imerso em mais de um idioma apresenta facilidade para aprender outras linguagens, como música e matemática, e na aquisição e desenvolvimento de habilidades socioculturais. Multilíngues tendem a ser mais criativos, conseguem ver a realidade de uma forma flexível e não estão atados a um único modo de linguagem e cultura. Tendo a noção das diferenças entre línguas, crianças multilíngues podem refletir sobre como idiomas e culturas são diferentes e como funcionam. São melhores comunicadores, por saberem se expressar e comunicar em diferentes línguas tendem a não possuir barreiras no momento de externar algo. A confiança no uso do code switching, ou até mesmo ter outra forma de mostrar o que querem, faz com que não apresentem receio ou frustrações na hora de se comunicarem. Dominar diversas línguas é uma competência necessária em várias as partes do mundo. Não só no contexto acadêmico, ou professional, o multilinguismo auxilia as capacidades cognitivas, na consciência metalinguística, como também na cultural. Uma educação multilíngue (seja por parte de uma escola, ou dentro do convívio familiar) proporciona a chance de desenvolver uma fluência em diferentes idiomas, e de melhor capacidade para resolução de problemas, correção de frases e textos, diferenciação entre fonética e semântica. Não apenas fatores de desenvolvimento cerebral, mas a aprendizagem de novas línguas também aumenta o entendimento que uma criança tem sobre respeito, diferenças e humanidade, faz com que ela seja menos etnocêntrica, considerando e mostrando diferentes contextos sociais, permitindo novas visões e formas de pensar (ARAÚJO, 2019). 39 8 REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ADELE W. MICCIO, A. W., HAMMER, C. S. E TORIBIO, A. J. 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