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GEOGRAFIA POLÍTICA AULA 3 Profª Graziele Silotto 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula, falaremos sobre uma forma peculiar de exercício do poder por meio dos Estados, vinculada à ideia de Estados reivindicando soberania sobre territórios: o fenômeno do imperialismo, frequentemente usado como sinônimo de imperialismo econômico. Veremos como as interpretações sobre o fenômeno foram mudando ao longo do tempo. O objetivo é apresentar a você, aluno, como essas interpretações foram mudando ao longo do tempo, e quais as respostas que a ciência política e a teoria política têm a oferecer hoje sobre o imperialismo e o pós-imperialismo. TEMA 1 – O CAMPO DE ESTUDOS SOBRE O IMPERIALISMO Frequentemente, quando falamos de imperialismo, a primeira questão que nos vêm à cabeça é a divisão de grandes continentes feita por militares e governantes de países ricos. Imagens da “partilha” com esquadros, ou bolos sendo cortados, além da negociação de personagens militares sobre quem ficará com qual parte de cada país – no geral países pobres – são populares em livros escolares, e também, no imaginário da opinião pública quando se traz o termo ao debate. Além disso, associamos o termo, claro, às tenebrosas imagens dos horrores imperialistas. Na série History of Britain, da emissora de televisão britânica BBC, narrada e escrita pelo historiador Simon Schama, há quase um episódio inteiro dedicado aos horrores causados pela dominação do império britânico na Índia. Estima-se que a fome causada pelas políticas do Raj Britânico em meados de 1870 causaram a morte de mais de 10 milhões de indianos (Sen, 1999). A associação, no caso, não acontece sem justificativa. 3 Figura 1 – Vítimas da fome na Índia, 1877 Crédito: Volgi Archive/Alamy/Fotoarena. Mas o termo, que é relativamente recente, nem sempre teve conotação negativa. Primeiramente era utilizado para caracterizar políticas francesas adotadas por Luís Napoleão, entre 1852 e 1870 (Koebner; Schmidt, 1964). E, pouco tempo depois, para descrever a política externa de Benjamin Disraeli, primeiro ministro britânico, e seu ministro das relações exteriores, o Marquês de Salisbury (1874-1880), que estabeleceu governo e controle britânico sobre Cabul1, além da manutenção violenta da dominância política britânica sobre Estados da África. Nesse último caso, inclusive, o termo era empregado tanto como uma estratégia para evitar a secessão das colônias dos Estados independentes, quanto para explicar a atitude expansionista sobre os países pobres, “não civilizados”, da África, indo em direção ao Pacífico. Por promoverem a partilha da África e incentivarem o uso de recursos britânicos para a empreitada, Disraeli e Salisbury eram considerados políticos imperialistas, portanto. William E. Gladstone, principal nome da oposição ao governo de Disraeli, era, naturalmente, também o principal político anti-imperialista do Reino Unido. Mas não pelo motivo que imaginaríamos hoje. Longe de ser contrário às investidas imperialistas, Gladstone, como bom político de oposição, na verdade 1 Resultado da vitória do país na segunda guerra Anglo-Afegã (1878-1880). 4 desprezava o “desperdício de dinheiro com a dominação britânica de territórios de pouca importância” (Fieldhouse, 1961, p. 188). Ou seja, ele se opunha à forma pela qual os conservadores Disraeli e Salisbury conduziam a questão. O anti-imperialista, então, não era aquele que se opunha à dominação imperialista, mas da forma pela qual ela era conduzida: a altos custos. Esses custos elevados da manutenção desse tipo de política (tanto em termos militares quanto burocráticos), entretanto, acenderam a faísca da desconfiança sobre quais eram os verdadeiros intuitos da investida imperialista britânica. A justificativa de “manter a grandeza do império britânico” perdeu espaço para as dúvidas sobre se os recursos públicos ingleses não estavam sendo, na verdade, usados para alimentar interesses financeiros de acumulação de recursos. Ao passo que essas dúvidas cresciam na opinião pública, floresciam também em fins do século XIX e início do século XX, as interpretações teóricas e econômicas ligadas ao marxismo. A saliência do débito imperialista despertou os ânimos no Quinto Congresso da Internacional Comunista, em 1900. O debate dá origem ao livro seminal do economista inglês J.A. Hobson em 1902, do qual falaremos adiante. 1.1 O imperialismo de Hobson Influenciado pelos ânimos aflorados sobre o assunto, o Imperialismo – Um estudo (1902), escrito por Hobson, talvez seja o principal responsável pela conotação que o termo imperialismo tem para nós até hoje: uma política de expansão de mercados territoriais com vistas a obtenção de lucros. O imperialismo seria, na perspectiva do autor, um misto de orgulho nacional (sobre “a grandeza do Império”) para a opinião pública, que remontava o período colonialista, e o reflexo das necessidades de expansão de mercados do sistema capitalista. Para Hobson o ímpeto das empreitadas imperialistas era baseado nas pressões que capitalistas exerciam sobre governos para dar vazão ao suposto excesso da produção. Esse excedente era resultante dos avanços e desenvolvimentos da indústria (Hobson, 1902, p. 91). Com mais e melhor tecnologia, produzir se tornava mais barato e mais eficiente. Essa rapidez gerava um excedente que o mercado não dava conta de absorver – sobretudo considerando os baixos salários pagos aos trabalhadores frente aos lucros não vindos do trabalho. 5 Essa era a teoria de subconsumo de Hobson. A resposta podia vir de duas maneiras: aumentar o poder de compra dos trabalhadores (e diminuir desigualdades), ou sair em busca de novos mercados. A escolha do império britânico nós sabemos qual foi. Para Hobson, ela foi uma resposta a uma necessidade de mercado, sendo a política por trás dela um mero epifenômeno da esfera econômica. A teoria proposta por Hobson, por mais convincente que pareça à princípio, tem muitos pontos fracos. Tão convencido de sua própria explicação, o autor se permitiu ser pouco rigoroso em relação às evidências. Se, por um lado, afirmava que o imperialismo era a ação de capitalistas que tinham como intuito dar vazão ao excedente da produção e maximizar seus lucros, por outro tinha que lidar com o fato de que os “agentes” do imperialismo eram, eles mesmos, pessoas comuns: engenheiros, exploradores, missionários. Não os grandes empresários do restrito mundo industrial da época. A saída de Hobson foi apelar para a corrupção moral de todos os comuns: eram nada mais que fantoches, manipulados pelo sistema econômico (Hobson, 1902, p. 159), afirmava o autor. Além disso, os dados utilizados para evidenciar seu ponto, sabemos, têm muitos problemas. O autor mobiliza dados agregados e pouco informativos para fazer seus argumentos. Na crítica de Fieldhouse (1961, p. 190): “convencido da verdade sobre a sua teoria econômica [do subconsumo], ele ‘enganou seus olhos com um jogo de mãos2’, criando a ilusão de que dos dois conjuntos de dados que exibia, um era a causa do outro”. A solução proposta pelo autor era de que se o excedente não existisse, fosse ele distribuído na forma de maiores salários, de forma que trabalhadores tivessem renda para consumir a produção, o imperialismo cessaria quase que de forma automática. Hobson apostava, assim, numa proposta reformista para resolver o imbróglio: sindicatos socialistas deveriam se fortalecer e, junto a políticas estatais antitrustes e de livre mercado, a ordem econômica seria reordenada. Minando as bases econômicas do sistema, o imperialismo desapareceria porque, para o autor, não havia nenhuma possibilidade de coexistência entre um sistema imperialista e uma democracia socialista redistributiva (Nowell, 1999, 2 A metáfora é a de um mágico, cujo trabalho é, justamente,enganar os olhos dos expectadores fazendo um truque com suas próprias mãos. 6 p. 91). E, como os custos de manter o império além-mar eram grandes, Hobson apostava que a balança de custo-benefício tornaria evidente que se tratava de um mau negócio. Ora, se era um mau negócio, por que grandes impérios resistiram por tanto tempo? “A única resposta possível era que os interesses econômicos da nação como um todo eram completamente subordinados aos interesses de um determinado setor. A forma mais comum de uma doença em um governo”, apontava Hobson (1902, p. 46), reforçando como o problema econômico se entrelaçava com o político. Longe de ser uma voz uníssona, Hobson inaugura uma agenda sobre o imperialismo. Seu trabalho é o chute inicial de uma série de propostas e argumentos que, como veremos adiante, é tanto tomada por vieses políticos, quanto por problemas frente às evidências empíricas e constatações perante a história. 1.2 Rosa Luxemburgo Uma noção ainda persistente (por exemplo, em Harvey, 2003) sobre o imperialismo é a caracterização do capitalista como aquele que domina um “outro” não capitalista. Essa noção é central no trabalho de Rosa Luxemburgo (Luxemburg, 2003), para quem essa seria a base do processo de acumulação do capital: faz parte do processo de acumulação de capital a dominância de um sobre o outro. Nesse contexto, o imperialismo é – como em Hobson – uma consequência necessária do desenvolvimento capitalista, uma força empregada como arma de expansão do sistema econômico. O imperialismo, nesse contexto, é a expressão clara da política de acumulação da forma competitiva de capitalismo. A acumulação, para Luxemburgo, só era possível num sistema não plenamente capitalista, porque se baseia na venda e exploração de estratos não capitalistas. Essa exploração acontecia de forma violenta, em que um capitalista domina “o outro”, não capitalista. Como Hobson, Luxemburgo via na ação humana o possível fim dos horrores imperialistas. Mas, mais radical que seu antecessor, acreditava apenas que a revolução socialista era capaz de se apresentar como saída. A escolha, segundo ela, era entre “o triunfo do imperialismo e a destruição de toda cultura e, como na Roma antiga, o despovoamento, desolação, a degeneração e um 7 vasto cemitério; ou a vitória do socialismo, isto é, a luta consciente do proletariado internacional contra o imperialismo, contra seus métodos e contra a guerra” (Luxemburgo, 1916, p. 269). Veremos adiante como esse pensamento se devolveu na principal tríade marxista sobre o imperialismo. TEMA 2 – TEORIAS MARXISTAS CLÁSSICAS SOBRE O IMPERIALISMO Para a principal abordagem marxista sobre o imperialismo, Hilferding, Lenin e Bukharin dão o tom. Esses três autores são os responsáveis pelas contribuições mais clássicas que temos em relação ao imperialismo nesta chave teórica. Veremos, brevemente, as principais proposições teóricas deles sobre o imperialismo. 2.1 Hilferding, Bukharin e Lenin Hilferding acreditava que era preciso dar continuidade à obra teórica de K. Marx e incluir em sua teoria o surgimento e a presença de monopólios no argumento. A principal contribuição do autor, assim, foi a de caracterizar o imperialismo como a fase final do estágio do desenvolvimento capitalista (Hilferding, 1910), distanciando-o do seu predecessor, o colonialismo. A essa fase é comum a presença de monopólios, segundo Hilferding, e seriam eles que viabilizariam a empreitada imperialista. Esses monopólios seriam o resultado da junção do capital bancário e industrial, e seu objetivo não é o livre-mercado, mas dominar mercados. O Estado, nessa explicação, deveria ser forte para garantir o sucesso da expansão de mercados e o processo de acumulação de capital. O capital financeiro teria a ânsia de conquistar novos mercados internacionais para o interesse dos monopólios garantindo apoio militar, econômico, e/ou ainda político, lançando mão de tarifas protecionistas e estratégias imperialistas. Portanto, o capital financeiro, interessado na expansão de mercados, usaria o Estado para tal. Para Bukharin, por outro lado, essa relação, na verdade, era invertida. Em sua explicação seria a concentração econômica do capital financeiro a fonte dos fenômenos. O imperialismo, nesse argumento, é a política que reproduz, em escala mundial, a competição capitalista pela expansão monopolista. E caberia ao Estado-nação, como implementador de tarifas protecionistas, possibilitar a 8 formação de carteis nacionais. Nesse movimento, Bukharin afirma que se formam dois blocos. De um lado, sob a tutela dos grandes capitalistas, grandes conglomerados que monopolizam os mercados nacionais; e, de outro, há a periferia dos países não desenvolvidos, cujos sistemas econômicos são agrários ou semi-agrários (Bukharin, 1915, p. 73). O trabalho de Bukharin é de grande valor para os marxistas, mas o de Lenin é o mais conhecido no campo. Diferentemente dos demais autores, Lenin editou um panfleto sobre o imperialismo, cujo intuito era de ter grande alcance, para o público em geral. O trabalho revelaria pouco a mais que as contribuições de Bukharin (Brewer, 2002), que fora assassinado por Stalin em 1938. Para Lenin, o capitalismo monopolista era a resposta que o sistema econômico teria encontrado para sair da grande depressão do final do século XIX (McDonough, 1995). É nela que o imperialismo surge no início do século XX, sendo caracterizado por cinco passos: a concentração da produção e do capital cria monopólios, surge o capital financeiro, a exportação do capital adquire importância pronunciada de forma que se formam associações capitalistas (trustes) que dividem o mundo entre si e há a divisão de todos os territórios do globo entre as maiores forças capitalistas estão completadas (Lenin, 1917, p. 232). O grande salto aqui é que, para Lenin, cartéis seriam fenômenos transitórios, até o início do século XX, a partir do qual passam a ser a fundação de toda a vida econômica. E seria nesse estágio, precisamente, que o capitalismo teria se tornado imperialista (Lenin, 1917, p. 181). Para ambos, Lenin e Bukharin, mais do que apenas uma forma de expansão do Estado-Nação, o imperialismo seria a expansão do capitalismo em seu maior estágio (a fase monopolista)3. Como Luxemburgo, ambos viam a revolução socialista como a única saída para o capitalismo e, portanto, para o imperialismo. 3 Ainda que, é preciso ressaltar, a teoria seja ambígua sobre se “último estágio” significa estágio mais elevado ou estágio final. 9 TEMA 3 – O IMPERIALISMO ACABOU, O CAPITALISMO NÃO À exceção de Hobson, todos os autores prescreviam como única solução para os horrores do imperialismo a saída revolucionária socialista. Mas por quê? Como ressaltou Callinicos (2009), essa literatura ocupou, sobretudo, autores ativistas. A literatura sobre imperialismo é essencialmente não acadêmica. Isso era visto como um problema para alguns, como Hilferding, que se indagava sobre a exclusão destes autores das universidades, restando a eles o tempo de lazer para a produção teórica sobre o fenômeno. Há que se indagar, assim, se as conclusões, desenvolvidas por ativistas em suas horas vagas, não tinham também a finalidade de servir à sua causa política. Os autores não escondem que suas conclusões incitavam, todas, a ação política: seus resultados eram quase que planos do que deveria ser feito para combater os problemas que indicavam. Além disso, cabe notar como o argumento é essencialmente tautológico. O imperialismo seria fruto do avanço do capital financeiro monopolista, e caracterizaria uma fase do capitalismo: o imperialismo seria o capitalismo avançado. E, nesse sentido, o contrário também é verdadeiro: capitalismo avançado é sinônimo de imperialismo. Não há qualquer forma de fugir disso, senão a completa substituiçãodo sistema econômico, o que mais uma vez conta no argumento da militância política. Mais uma vez, somos conduzidos a confirmar esses argumentos – e por vezes até acreditar em suas propostas de solução – porque nos baseamos (ou somos levados a fazê-lo) no caráter violento das investidas imperialistas. A prescrição da teoria marxista sobre o fim do capitalismo (e, portanto, do imperialismo) esvazia toda e qualquer agência política ao redor do fenômeno, como se um sistema fosse responsável pelos horrores, e não os políticos. Da mesma forma, esvazia-se a agência do outro, a quem só cabe o papel de dominado. Países figuram nessas teorias como campos de batalha passivos, sob nenhum aspecto como participantes ativos (Brewer, 2002). Só há a dominância dos fortes, do capital financeiro monopolista do estágio mais alto, ou final, do capitalismo. Essas teorias apontam ainda para a suposição de que o imperialismo seria uma fase do capitalismo. Mas qual? A mais alta, ou a final? A história nos mostra como essas interpretações continham equívocos. O capitalismo floresceu 10 após o fim do imperialismo, como também já apontara Schumpeter (1919), para quem o imperialismo não era uma fase necessária – dado que a história não é um motor de eventos lineares – do desenvolvimento econômico capitalista, mas uma escolha política. Mas quais as outras explicações? TEMA 4 – ALTERNATIVAS E PÓS-IMPERIALISMO A interpretação sobre as proposições de Schumpeter era que o imperialismo funcionou como um período de transição do capitalismo, uma resposta temporária da fusão entre Estados em expansão e o livre mercado. O imperialismo era uma empreitada de altos custos, e fora substituído por uma alternativa mais barata, pacífica e eficaz: o capitalismo de livre mercado (Michaelides; Milios, 2015). Como sabemos, levou muito tempo para que esse “período de transição” se tornasse, de uma vez, livre mercado. As últimas colônias inglesas datam de 1960, apesar da teoria de Schumpeter datar de 40 anos antes disso. Davis e Huttenback (1982) apontam para a ineficiência do imperialismo para a Grã- Bretanha desde fins do século XIX. Mas, se havia uma alternativa melhor, mais barata, porque a demora em abandonar o negócio? Snyder (1991) argumenta que à medida que um novo eleitorado, prejudicado pelos custos do imperialismo, era incorporado pela expansão do sufrágio, a tendência foi de mudança de política, mas não de forma automática. A incorporação de grandes massas de eleitores pobres muda o equilíbrio de forças no jogo eleitoral e, consequentemente, na formulação de políticas. Mas isso, por si, não bastou. O autor faz o caso de que elites políticas, por meio de narrativas míticas, sustentavam as políticas por meio de um discurso retórico que conferia grandeza às investidas imperialistas. Apresentado como uma alternativa lucrativa, o imperialismo persistiu, inibindo o aprendizado sobre quando manter uma política vantajosa, ou descartar as custosas. Analisando casos típicos, como a Alemanha do século XX e o Reino Unido da era vitoriana, Snyder mostra que não foi um aprendizado histórico que mudou os rumos da expansão imperialista, mas crenças sobre essas estratégias foram construídas como forma de racionalizar interesses domésticos. A ambição internacional foi perdendo apoio (por falta de endosso legislativo), mas só foi 11 anulada por completo na medida em que a retórica política se tornou consciente e sensível à ameaça que políticas expansionistas representavam aos interesses domésticos (economia, política, entre outros, por exemplo, por conta do alto custo das guerras imperialistas). A questão do fim das guerras imperialistas como uma resposta à ameaça a interesses domésticos, sobretudo os econômicos, foi alvo de um extenso campo de estudo que vincula a paz à presença de outros dois fenômenos: democracia e capitalismo. A democracia e métodos democráticos de negociação transformaram a forma pela qual países passaram a trocar e enriquecer. Gartzke e Rohner (2011), testando uma série de hipóteses, apontam que o ímpeto imperialista cessa na medida países percebem ser mais vantajoso adotar o livre mercado ao invés da guerra. TEMA 5 – DEMOCRACIA, CAPITALISMO E PAZ A ideia de que o liberalismo traz paz às nações não é nova. O argumento é que a estrutura democrática restringiria países de endossarem guerras custosas, sobretudo contra outras democracias, e incentivaria os políticos a optarem por saídas diplomáticas e pacíficas (De Mesquita et al., 1999; Lake, 1992). Haveria, além disso, um elemento normativo: nações perceberiam que (supostamente) têm valores parecidos, e também teriam a percepção que julgam como preferidas algumas formas de resolver conflitos e, ao adotar um governo liberal, se oporiam às guerras contra os Estados (Owen, 1994). Sabemos, hoje, que a relação entre democracia e paz é espúria. Mas, segundo Garztke e Rohner o mesmo não vale para capitalismo e paz. O capitalismo, segundo o autor, ao tirar a ênfase econômica sobre a terra e recursos minerais, é quem reduz o uso da força entre os Estados. Seu poder viria da condição de avanços na produtividade, e não da posse de matérias primas (Gartzke; Rohner, 2011). Além, é claro, de diminuir o peso da ação do Estado na economia (McDonald, 2010). Gartzke (2007) aponta que não seria necessariamente o arranjo democrático, nem mesmo sua filosofia liberal por si só, mas o livre mercado e o desenvolvimento econômico possibilitado por ele que trazem paz. Assim, se por um lado Schumpeter pareceu errar ao acreditar no breve fim do imperialismo (na década de 1920), por outro, pareceu correto ao apontar 12 que talvez o imperialismo pudesse ser lido como um momento de transição. Transição para um sistema econômico que possibilita e permite que o livre comércio entre os países, e que este viria a substituir o caro business do imperialismo. NA PRÁTICA Sugestão de série de TV: History of Britain A série History of Britain (“História da Grã-Bretanha”), da emissora de televisão britânica BBC, escrita e apresentada pelo historiador britânico Simon Schama, reconstrói os principais eventos da história do Reino Unido, até culminar em episódios dedicados a explicar e explorar contrapartidas políticas e econômicas das políticas imperialistas britânicas em relação à Índia. Especificamente sobre esse período, no episódio “O império das boas intenções” (The empire of good intentions, episódio 14), Schama fala da grande fome na Índia (1876-1878), trazendo imagens e dados chocantes sobre o desenvolvido das políticas inglesas que levaram a um desfecho sombrio, com mais de dez milhões de indianos mortos de fome por escolhas políticas inglesas. Sugestão de livro: Cadernos de memórias coloniais, de Isabela Figueiredo Em Cadernos de memórias coloniais, Isabela Figueiredo narra o drama de sua história pessoal como filha de portugueses no final da dominação portuguesa em Moçambique. A autora conta como que para um diário, mesclando história, impressões e estranhamentos de sua infância e adolescência, sobre a vida com a mãe e o pai em Maputo entre os anos 1960 e meados de 1970, com foco na relação que tinha com seu pai, um eletricista português residente de Maputo. Por um lado, na narrativa fica claro como a vida dos “colonizadores” não era luxuosa ou glamorosa, desconstruindo o mito do grande capitalista dominador de Hilferding. Mas, por outro, a violência é um elemento constante evidente, subjugando populações africanas a mandos e desmandos sem cabimento e com pitadas de sadismo e alguma perversão. Na história, a paixão infantil, característica da relação entre pai e filha, se desnuda aos poucos até que cai por terra completamente. Isabela se dá conta de que seu pai é tanto o homem que a levava tomar sorvete aos sábados à tarde, 13 de quem ela se orgulhavade segurar na mão, como também é quem empunhava o chicote que fazia sangrar as costas dos pais das crianças com quem ela brincava nos tempos de menina. À medida que a violência do império se torna mais clara aos olhos de Isabela, sua relação com seu pai se rompe completamente. FINALIZANDO Ao longo desta aula vimos as principais interpretações sobre a expansão do Estado-nação sob o fenômeno do imperialismo. Como vimos, seus custos eram elevados, mas então por quê? O controle de um território conferia aos governantes a possibilidade de controle e extração de recursos desse local – mão de obra, taxação e matérias-primas –, o que compensaria os custos da guerra e da manutenção dos governos em territórios internacionais, e ainda permitiria que Estados e exploradores lucrassem com aquilo que extraíam desses territórios alhures. Essas motivações orientaram grande parte da literatura de história, geografia e ciência política ao tratar o imperialismo. Para a questão, são oferecidas pelo menos três interpretações sobre o imperialismo. A primeira delas uma explicação marxista, segundo a qual o imperialismo era uma fase do capitalismo. Desenvolvida por figuras da militância política, vimos como essa interpretação é inconsistente do ponto de vista dos dados e da história. Relativizamos sobre como essas interpretações eram uma jogada retórica em prol de um objetivo político: a revolução comunista/socialista. Uma segunda interpretação, encabeçada por Schumpeter e outros autores, segundo a qual o imperialismo era uma etapa do capitalismo. Essa etapa, consequência do passado violento, logo cessaria, dando lugar à uma nova forma de expansão de poder. Essa nova via não se daria por expansão territorial, mas pela expansão financeira baseada na troca. Como uma extensão dessa interpretação, vimos uma terceira, que aponta para o caráter econômico do business imperialista. A adoção e a suspensão do imperialismo teriam acontecido em função de elementos políticos (como a formação de maiorias legislativas para a aprovação de política a favor ou contra o imperialismo) e econômicos, como a diminuição do lucro extraído e o aumento dos custos. 14 À medida que foi se tornando obsoleto, o imperialismo cessa. Países desenvolvidos, hoje, têm baixo interesse em ocupar e administrar outros países. Mas o que possibilitou a paz, em substituição às guerras imperialistas? O argumento é que o fim das guerras imperialistas estaria relacionado à expansão do livre mercado, democracia e o desenvolvimento econômico. Juntos, estes seriam os responsáveis pela troca de uma política agressiva, violenta, custosa e cada vez menos lucrativa, para outra a partir da qual países puderam prosperar e estabelecer a paz frente ao seu ímpeto pelo lucro. A “alternativa comercial” depende de um equilíbrio fino, no qual Estados ficariam distantes da economia e o mercado se autorregularia, seguindo o argumento. É possível que esse equilíbrio nem sempre se mantenha. Mas, ao menos por ora, vimos que essa parece ser uma explicação plausível ao fim de uma era de subjugação, violência e atrocidades de alguns países sobre outros em nome do lucro e do poder. 15 REFERÊNCIAS BREWER, T. Marxist theories of imperialism: a critical survey. Routledge, 2002. BUKHARIN, N. Imperialism and world economy. Alpha, 1915. CALLINICOS, A. Imperialism and global political economy. Polity, 2009. 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