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A História do Ensino da Arte Metodologia do Ensino da Arte Diretor Executivo DAVID LIRA STEPHEN BARROS Gerente Editorial CRISTIANE SILVEIRA CESAR DE OLIVEIRA Projeto Gráfico TIAGO DA ROCHA Autoria ÉDERSON DA CRUZ AUTORIA Éderson da Cruz Olá! Sou formado em Letras pela UNISINOS e Doutor em Educação pela mesma instituição. Ainda, sou especialista em Gestão Escolar – Orientação e Supervisão pela Faculdade São Luís, e Pedagogo pela UFRGS, com mais de 10 anos de experiência técnico-profissional nas áreas de Letras, Linguagens e Educação. Passei por instituições públicas (estaduais e municipais) e privadas, de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio, Ensino Técnico e Ensino Superior, no Estado do Rio Grande do Sul, atuando como docente e como supervisor escolar. Sou apaixonado pelo que faço e adoro transmitir minha experiência de vida àqueles que estão iniciando em suas profissões. Por isso, fui convidado pela Editora Telesapiens a integrar seu elenco de autores independentes. Estou muito feliz em poder ajudar você nesta fase de muito estudo e trabalho. Neste material, estudaremos os fundamentos do ensino da Arte. Você verá que a Arte, além de ser uma forma de expressão, é um campo de saber rico e conectado com nossa realidade de diferentes formas, possibilitando o gosto estético e a possibilidade de repensar como percebemos o mundo. Vamos nessa? Conte comigo para o que precisar. Bons estudos! ICONOGRÁFICOS Olá. Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez que: OBJETIVO: para o início do desenvolvimento de uma nova compe- tência; DEFINIÇÃO: houver necessidade de se apresentar um novo conceito; NOTA: quando forem necessários obser- vações ou comple- mentações para o seu conhecimento; IMPORTANTE: as observações escritas tiveram que ser priorizadas para você; EXPLICANDO MELHOR: algo precisa ser melhor explicado ou detalhado; VOCÊ SABIA? curiosidades e indagações lúdicas sobre o tema em estudo, se forem necessárias; SAIBA MAIS: textos, referências bibliográficas e links para aprofundamen- to do seu conheci- mento; REFLITA: se houver a neces- sidade de chamar a atenção sobre algo a ser refletido ou dis- cutido sobre; ACESSE: se for preciso aces- sar um ou mais sites para fazer download, assistir vídeos, ler textos, ouvir podcast; RESUMINDO: quando for preciso se fazer um resumo acumulativo das últi- mas abordagens; ATIVIDADES: quando alguma atividade de au- toaprendizagem for aplicada; TESTANDO: quando o desen- volvimento de uma competência for concluído e questões forem explicadas; SUMÁRIO Arte na Educação Infantil ........................................................................ 10 O Papel da Arte na Educação Infantil ............................................................................... 10 Concepções de Arte e Práticas Pedagógicas ............................................................ 13 Necessidade de Mudanças na Abordagem ................................................................ 16 O Trabalho com as Crianças .................................................................................................... 17 História do Ensino da Arte no Brasil .................................................... 21 Breve Introdução .............................................................................................................................22 A Vinda da Missão Francesa ...................................................................................................24 O Ensino de Arte em uma Perspectiva Liberal......................................................... 30 História do Ensino da Arte no Brasil a Partir do Modernismo ... 35 O Modernismo ...................................................................................................................................35 O Pensamento de John Dewey ............................................................................................37 A Arte como Atividade Extracurricular para Crianças e Adolescentes ... 39 Arte como Forma de Liberação Emocional ................................................................. 41 Ensino da Arte na Segunda Metade do Século XX ........................46 1964 e a Pressão por Mudanças ......................................................................................... 46 1980 e Depois: As Tendências Pós-Modernistas .................................................... 50 Algumas Considerações sobre o Ensino de Arte Pós-1964 ............................53 7 UNIDADE 04 Metodologia do Ensino da Arte 8 INTRODUÇÃO Há um filme no qual os personagens conversam sobre uma pintura, e um deles não consegue entender, naquelas formas de abstração, o que seria a arte. O outro, apreciador de obras clássicas, diz que a arte é a forma de registrar nossa passagem pela Terra. Será? A arte está praticamente em todo lugar: nas paredes, nas construções, nos movimentos, na linguagem, no corpo humano. Mas, o que será que diferencia a arte das demais atividades humanas? De modo geral, arte é técnica, porém funções do dia a dia também exigem técnica. Podemos dizer que arte é linguagem. Mas uma notícia não é artística e também é linguagem. Podemos dizer que a arte é aquilo que nos toca. Mas tragédias da vida real também podem nos tocar! Percebe como definir arte pode ser fácil e complicado ao mesmo tempo? Se nós, pessoas com experiências de vida mais plurais, temos essa dificuldade, imagine, então, numa sala de aula! Por isso, nesta disciplina abordaremos não somente os conceitos importantes para se pensar a arte, mas também veremos possibilidades, por meio do ensino da arte em sala de aula, produzir conhecimentos e aprendizagens. Entendeu? Ao longo desta unidade letiva você vai mergulhar neste universo! Metodologia do Ensino da Arte 9 OBJETIVOS Olá. Seja muito bem-vindo à Unidade 4. Nosso objetivo é auxiliar você no desenvolvimento das seguintes competências profissionais até o término desta etapa de estudos: 1. Entender a aplicação da Arte na Educação Infantil. 2. Compreender o contexto histórico do ensino da Arte no Brasil. 3. Identificar os aspectos do Modernismo na história recente da Arte no Brasil. 4. Discernir sobre o ensino da Arte na segunda metade do século XX. Então? Preparado para uma viagem sem volta rumo ao conhecimento? Ao trabalho! Não se esqueça de que, como popularmente se costuma dizer, a persistência é o caminho para o sucesso. Estabeleça uma rotina de estudos, tenha à mão um bom dicionário (recomendo o Minidicionário Houaiss da Língua Portuguesa, qualquer edição conforme o Novo Acordo Ortográfico) e material (físico ou virtual) para anotações. Não desanime, em caso de dúvidas e dificuldades: utilize esse material e sua vontade de aprender como seus aliados. Tenha certeza de que, ao final desse estudo, você estará habilitado, com as ferramentas teóricas necessárias para desbravar o mundo das artes com confiança! Metodologia do Ensino da Arte 10 Arte na Educação Infantil OBJETIVO: Ao final desse capítulo, você terá conhecimento sobre alguns pressupostos importantes da Arte na Educação Infantil, para refletir sobre a prática docente nesse nível de ensino. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante!. Figura 1- A Arte Fonte: Pixabay O Papel da Arte na Educação Infantil Iniciaremos nossa reflexão com uma citação de Cunha (2007) sobre a Arte na Educação Infantil: Desenhar, brincar, poetar. Manchar, riscar, construir, se encantar. Transformar um fragmento de vidro em uma joia rara, rabiscos em dragão alado, pensamentos em formas. Metodologia do Ensino da Arte 11 Buscar o dizível no invisível, e o visível na criação. Modos particulares e únicos de ver, sentir, expressar, de inventar e de reinventar o mundo. Depois de desenhar uma série de formas e riscos (des)ordenados, a criança costuma dizer: Eu, mamãe,a barraca e o gato. Faz-de-conta! Picasso reúne um guidão e o selim de uma bicicleta: Cabeça de touro. Assemblage, ressignificações de objetos. Arte! A arte faz de conta. Crianças, artistas, fazem de conta que cada rabisco, cada objeto, cada fragmento, cada pensamento vire uma coisa única. Tanto as crianças, quanto os adultos que persistem em deslocar a ordem estabelecida do mundo por meio da criação artística compartilham de um pensamento similar, no sentido de que ambos propõem simulacros ou fingem que uma coisa é outra coisa (CUNHA, 2007, [n. p.]). Tanto artistas como crianças percebem o mundo e dão sentido a ele por meio de formas singulares. Utilizam seus sentidos de forma mais aguçada do que a grande parte dos adultos, que deixaram ao longo do tempo essa capacidade humana de ver, imaginar e simbolizar para trás, no passado. Por muitos motivos, e em um determinado período da infância (mais ou menos por volta de 6 a 7 anos), boa parte das pessoas abandona seus infindáveis processos de elaborar enunciados poéticos. Por outros motivos, alguns adultos insistem em suas procuras por alterar os sentidos das coisas, insistindo em transformar o ordinário em extraordinário, o vulgar em diferente. Aqueles que persistem em nos provocar com suas produções, sejam elas as mais tradicionais, como a pintura e o desenho, sejam as performances e as instalações, são conhecidos, em nossa sociedade, como artistas. Os artistas brincam com o cotidiano, com a história, com os mitos, com as crenças e com os nossos pensamentos. Reconstroem significados em torno do já visto e do supostamente sabido. De muitas formas, os artistas, por meio de suas produções anteciparam saberes das ciências (CUNHA, 2007), como o Futurismo (1909), por exemplo, que visualizou a lei da relatividade de Albert Einstein. Ou expressaram as dores e os massacres humanos como Guernica (1937) de Picasso e a instalação 111 (1992) de Nuno Ramos; ou ainda visualizaram os principais fundamentos de pensadores como fez Gustav Klimt (1862– Metodologia do Ensino da Arte 12 1918) ao “traduzir” a sensualidade das mulheres da teoria de Sigmund Freud (1856-1939). Para Cunha (2007): Artistas e suas obras formulam conhecimentos sobre o mundo, conhecimentos e saberes que só podem ser ditos e propagados através das linguagens visuais, plásticas e não verbais. Se todos nós estruturamos, nos anos iniciais de nossas vidas, o pensamento simbólico-poético, similar aos dos artistas, por que a maioria das pessoas desiste de transformar a obviedade cotidiana? Talvez, sejam muitos fatores: sociais, culturais e econômicos que estancam as possibilidades de ressignificar o que está no mundo e singularizar ações, pensamentos e modos de ser. Num contexto cultural mais amplo, podemos pensar o quanto as produções culturais imagéticas, que circulam nos mais variados meios, atuam sobre nossos modos de ser e de pensar. São imagens que produzem pontos de vista sobre o mundo e ao mesmo tempo anestesiam nossos sentidos em relação ao “diferente”, ao estranho, ao inusitado (CUNHA, 2007, [n. p.]). Afirma ainda a autora que as imagens que são disponibilizadas no nosso dia a dia, por intermédio dos meios de comunicação e de entretenimento a que temos acesso, tornam-se, se não as principais, importantes referências para que as crianças construam seus imaginários e vão constituindo imagens, principalmente pelo fato de que as artes visuais e plásticas não fazem parte do cotidiano da formação e da vida da maioria das crianças brasileiras. (CUNHA, 2007). A autora reforça que: Cada vez mais, a conduta infantil é marcada pelos clichês, pelas citações e imagens emprestadas. O imaginário da contemporaneidade é entregue a domicílio. Cada criança é submetida a um profundo condicionamento cultural, e é sobre estes conteúdos que a criança vai operar. A ilustração, o desenho animado, a história em quadrinhos, a propaganda, a embalagem são representações que se tornam quase realidades. O elefante do desenho animado, por exemplo, é mais verdadeiro e presente do que o verdadeiro elefante que mora no zoológico, aonde a criança raramente vai. Vivemos hoje sob o signo da ficção e da paródia. Em um contexto mais específico da educação formal, seja da Educação Infantil ao ensino universitário, na maioria das vezes, o ensino da Arte e também outras áreas do conhecimento, ao invés de promover ações Metodologia do Ensino da Arte 13 pedagógicas que levem crianças e adultos ao universo da criação e estruturação da linguagem visual, acaba tolhendo os modos singulares dos alunos entenderem e expressarem suas leituras e relações com o mundo. Desta forma, em diferentes contextos socioculturais e nas salas de aula, nossa sensibilidade e nossas formas expressivas estão se escoando, fugindo de nossas vidas, sem que tenhamos como exercitar nossos processos sensíveis e criativos (CUNHA, 2007, [n. p.]). Isso nos leva a pensar e questionar a própria forma como lidamos com a Arte e com a cultura desde a infância. É importante que os docentes tenham em mente que a formação estética e cultural também permeia a formação integral dos sujeitos. No entanto, em termos práticos, muitas vezes, a escola é o único espaço que proporciona – ainda quando pode – essa formação. As mídias em geral, às quais boa parte das famílias brasileiras possuem acesso, pouco considera a dimensão da formação artística das crianças, inclusive, nos programas ditos educativos. Isso deixa uma lacuna de formação que, infelizmente, muitas vezes, a escola não consegue suprir, já que a arte se torna meramente um conteúdo escolar, não fazendo parte diretamente da vida dos sujeitos no dia a dia. Isso pode ser prejudicial para a formação humana, pois, um sujeito que não tem contato com a arte desde pequeno, tampouco buscará uma formação estética na vida adulta. Concepções de Arte e Práticas Pedagógicas As concepções de arte dos professores direcionam seus modos de ensino, sendo que estes modos de compreender e ensinar Arte estão disseminados em várias outras instâncias, como nos museus, nas publicações especializadas (CUNHA, 2012). A autora afirma que: De diversos modos, as pedagogias da arte vão absorvendo e validando as ideias sobre arte que se fazem e refazem historicamente. Os discursos sobre arte como símbolo de distinção social, e os artistas, como seres de exceção, por exemplo, são produzidos sistematicamente por nossa cultura e aceitos nos contextos escolares - da educação Metodologia do Ensino da Arte 14 infantil ao ensino universitário - sem serem contestados ou mesmo com um esforço analítico-crítico que provoque uma mudança significativa em termos de desmistificar a noção de genialidade artística. Esta visão é vista, por exemplo, nas salas de aula, quando as educadoras elogiam determinadas produções infantis como se fossem frutos de um “dom”. Deste modo, a concepção de criação espontânea, do gênio que cria do nada, vai sendo reforçada pela educadora, que na maioria das vezes não se dá conta de quanto ela incorpora os discursos social e culturalmente produzidos (CUNHA, 2007, [n. p.]). Desse modo, nas palavras da autora (CUNHA, 2007), é perceptível para quem analisa e pesquisa o cotidiano da sala de aula e do ensino de arte que noções funcionalistas e essencialistas sobre a arte ainda falam fortemente nas práticas de sala de aula, expressas, por exemplo, em atividades de colorir desenhos prontos, na exploração de formas geométricas, personagens de histórias infantis, letras e números, em atividades para copiar linhas de constituições diferentes (como zigue- zague, ondulada e pontilhada), atividades com papel amassado, colagens com papel e com sucata, e manipulação de diferentes massas, como argila e plastilina. Ainda, além dessas atividades desenvolvidas no cotidiano escolar, está presente, segundo Cunha(2007), a intencionalidade do ensino de técnicas artísticas diversas para as crianças, como o desenho sobre a lixa, ou sopro de tinta em um canudo sobre o papel. A questão não é afirmar que isso está errado, porém, se essas técnicas ocorrem de forma descontextualizada e desvinculadas de um contexto mais amplo sobre a noção da linguagem visual, parecem fragmentadas e desarticuladas entre si. A aula de Arte não pode servir apenas para ensinar a fazer um desenho bonito, não pode ser apenas uma reprodução de modelos. Deve ir além disso! Deve-se evitar que, para as crianças – principalmente – e também para muitos docentes, o padrão de excelência do bem-feito sejam as reproduções mais próximas ao real ou ao modelo, sendo que a interpretação ou qualidade expressiva não são valorizadas e muitas vezes são “corrigidas”, pois distorciam o modelo. A concepção prática tem por objetivos desenvolver habilidades motoras Metodologia do Ensino da Arte 15 e destrezas para a escrita, bem como a utilização do desenho para fixar a grafia de letras e números, cuja meta é o desenvolvimento de habilidades e destrezas, assim como os critérios do gosto vinculado às Artes. Na maioria das vezes, as práticas pedagógicas no campo das artes visuais desenvolvidas no contexto da Educação Infantil ainda estão fundadas em concepções pedagógicas de reprodução e domínio de técnicas de criação. Aliada à formação precária nesta área do conhecimento, muitos docentes não tiveram em suas vidas a oportunidade de experienciar situações expressivas, de exploração de materiais, contato com diferentes repertórios imagéticos ou de leituras de imagens, no que se refere às Artes. Ou seja, a carência de experiências nas áreas expressivas acarreta equívocos nas práticas pedagógicas junto às crianças (CUNHA, 2007, [n. p.]). Ainda, segundo a autora, as equipes diretivas e também os gestores responsáveis pela educação não têm investido adequadamente em cursos de formação para os professores, relacionados especialmente ao ensino de arte. Isso faz com que as atividades desenvolvidas em sala de aula sejam vinculadas a noções amplas, desconectadas de um olhar profundo e sensível sobre a Arte e sobre a formação em Arte , “como a noção de que Arte é dar liberdade, de que Arte depende de habilidades, de que arte é um dom, entre outras concepções que formam o senso comum sobre o que é Arte e como ela deve ser ensinada” (CUNHA, 2007, [n. p.]). Reforçamos que nossa reflexão aqui não é demonizar as aulas de Arte que acontecem na escola, mas propor que sejam reflexivas, conectadas a um contexto, ao mesmo tempo mais amplo e também mais crítico sobre a Arte e sobre a realidade, estabelecendo conexões com o cotidiano dos alunos, mas também promovendo um ensino de Arte que possa contribuir de forma significativa para o desenvolvimento emocional e intelectual dos sujeitos. Ainda, cabe reforçar que a Arte é, sim, o lugar do ensino da técnica artística, mas deve ir além, possibilitando que a criança não somente reproduza técnicas, mas que reflita sobre ela, que crie e que transgrida tais técnicas. Isso é fundamental para que ela possa se desenvolver, crescer, refletir e interagir consigo e com o mundo ao seu redor. Metodologia do Ensino da Arte 16 Necessidade de Mudanças na Abordagem Como foi abordado anteriormente, a cultura atual, com sua pluralidade de artefatos imagéticos contribui para a formulação dos modos de imaginar e de ver o mundo. A quantidade de imagens a que estamos expostos, além de ensinar comportamentos, modos de conduta, hábitos e valores, contribui para produzir uma apatia nos olhares. Segundo Cunha (2007): As imagens estão aí, fora e dentro dos ambientes escolares, suas configurações e ensinamentos são cada vez mais persuasivos e poderosos. Os modos de ver o mundo, a nós mesmos e aos outros estão sendo moldados pelas mídias e pelas produções artísticas. Então, a questão das imagens e da visualidade deveriam fazer parte das discussões educacionais. Porém, as práticas pedagógicas em arte na Educação Infantil ainda carecem de uma visão mais contemporânea de educação. Embora os pressupostos teóricos e conceituais no campo da educação tenham se modificado nas últimas décadas, ainda estão alicerçados na visão de que as crianças são detentoras inatas de criatividade e inventividade, ou que as atividades em artes deveriam servir para desenvolver habilidades visando o controle visual e manual para preparar para a escrita. As formas de abordagens atuais no ensino de arte para a Educação Infantil não estão permitindo outros olhares sobre uma área do conhecimento que trabalha basicamente com a transformação, a incerteza de modelos, a investigação da matéria bem como das linguagens não verbais e a abertura ao inusitado (CUNHA, 2007, [n. p.]). Para a autora, a realidade em que se encontra o ensino de Arte na Educação Infantil e nos demais níveis de ensino, não favorece para o desenvolvimento da linguagem artística e expressiva, “compreendida aqui como uma forma de ler e representar suas relações singulares com o mundo” (CUNHA, 2007, [n. p.]). Desse modo, é necessário repensar o ensino de Arte , especialmente na Educação Infantil, de modo a conectá- lo com as práticas e tendências pedagógicas da atualidade. Uma observação que Cunha (2007) faz, que cremos não permear somente o ensino de Arte, mas também as outras áreas de conhecimento, é que há um gigantesco distanciamento entre o que está sendo realizado em sala de aula e os diversificados pensamentos pedagógicos sobre o ensino de Arte Embora as imagens façam parte do cotidiano das crianças, Metodologia do Ensino da Arte 17 dentro e fora do espaço escolar, e que sua influência sobre a formação das crianças seja cada vez mais potente, isso não significa que a formação estética e artística esteja transparecendo nesse processo, pois: Os modos de ver o mundo, nós mesmos e os outros estão sendo modulados pelas várias mídias. Então, a questão da constituição da linguagem visual e da visualidade infantil deveria ser um dos objetivos do ensino de arte na Educação Infantil, pois uma das funções da Arte na educação é provocar tensionamentos e desencadear uma outra educação do olhar, uma educação que rompa com o estabelecido, com as normas e convenções sobre o próprio mundo. Uma educação em arte deve possibilitar que as pessoas continuem buscando e dando sentido poético à vida. (CUNHA, 2007, [n. p.]). Acreditamos que a infância seja o local não da reprodução, mas da criação e da aprendizagem. Isso nos leva a refletir sobre o ensino de Arte como algo que deve procurar estar alinhado às tendências pedagógicas da atualidade e que também se torne desafiador para a criança e também para o jovem, no sentido de propor técnicas e elementos que façam sentido dentro de seu contexto de vida e de mundo. Tanto as técnicas mais simples como as mais elaboradas e a livre criação devem estar, de uma maneira ou de outra, sintonizadas com o intuito de permitir que, por meio das práticas, o sujeito vá desenvolvendo o gosto pela arte, a competência estética e que também tenha a possibilidade de criar, caso queira. O Trabalho com as Crianças De modo geral, a Educação Infantil não tem o compromisso do ensino de conteúdos como acontece, por exemplo, nos ensinos fundamental e médio. Isso não significa, entretanto, que o contexto da Educação Infantil – no que se refere ao ensino de Arte – se resuma a fazer nada, ou ainda, a apenas brincar. Pior ainda, como abordado anteriormente, seria tratar o ensino de Arte na Educação Infantil ou em qualquer outro nível de ensino como disciplina da reprodução. Primeiramente, o espaço da Educação Infantil não apresenta uma visão educacional diferenciada, se comparado aos outros segmentos de Metodologia do Ensino da Arte 18 ensino, por se tratar de um momentoda experiência, do primeiro contato que os indivíduos têm com o mundo externo ao espaço de convívio familiar. É nesse contexto que a criança se dá por conta da existência de outros, iguais e diferentes dela, que partilham de elementos comuns: a infância. Ao mesmo tempo, é na Educação Infantil que a criança aprende a experienciar valores como a convivência, a partilha e a socialização. Neste sentido, o ensino de Arte deve propiciar essas experiências de conviver, de partilhar, de socializar. Quando uma criança, por exemplo, já em idade de fala, expõe sua opinião sobre um desenho, um filme ou uma atividade artística desenvolvida, ela está se expressando e aprendendo, ao mesmo tempo, a falar e a ouvir. As atividades de criação individuais e conjuntas também auxiliam nesse processo, permitindo que as crianças desenvolvam, ora senso de autonomia, ora senso de coletividade. Outro elemento importante a ser destacado é a crença – especialmente comum nos níveis de ensino posteriores – de que a criança na Educação Infantil não faz nada, ou só brinca, já que não há conteúdos visíveis como nos demais segmentos. Essa visão é completamente equivocada e, em se tratando do ensino de Arte, mais ainda, pois, o fato de não haver a menção de conteúdos e de conceitos técnicos, não significa que a criança não aprenda a ir se desenvolvendo, de modo a conhecer seu próprio corpo e limites, e o mundo ao seu redor, por meio da criação artística. Quando, por exemplo, uma criança pinta com as mãos, ela está aprendendo sobre texturas, superfícies e limites, o que permitirá que, conforme for se desenvolvendo, consiga apreender outros conceitos mais complexos, também, importantes. Cabe lembrar, inclusive, que, na Educação Infantil, as palavras de ordem são: criar e explorar. O conhecimento se dá pelo desenvolvimento da criatividade, e o ensino de Arte potencializa esse conhecimento, uma vez que a criança aprende sobre objetos, texturas, cores, traços, limites etc. Não há um certo ou um errado no que se refere à criação na Educação Infantil, mas atividades orientadas, nas quais os professores assumem o Metodologia do Ensino da Arte 19 papel de orientadores e mediadores. O que conta nesse processo é que a criança desenvolva a expressão, que consiga agir sobre si e sobre o outro, respeitando e reconhecendo as diferenças e convivendo. Ainda, cabe destacar que há um equívoco quando se afirma que na Educação Infantil apenas se brinca. De fato, o ato de brincar pode potencializar muitas experiências e aprendizagem, mas não se brinca só por brincar. Assim como na Educação Infantil não se tem o propósito de apenas ensinar a criança a comer, falar e fazer suas necessidades fisiológicas, também, o tato de brincar não é algo dado como um elemento de “vale tudo”. Toda a atividade de criação, na Educação Infantil, envolve o lúdico, e consequentemente, o brincar. Mas o que a diferencia da brincadeira que ocorre em casa ou com os amiguinhos em uma festa de aniversário é a existência de uma intencionalidade pedagógica, intencionalidade essa que faz toda a diferença, uma vez que a criança brinca ao produzir Arte, mas depois, reflete sobre ela, interage, atua na (res)significação dos elementos de que dispõe em seu universo. Por isso, é importante que o planejamento de Arte na Educação Infantil preveja o desenvolvimento da criatividade, o (re)aproveitamento dos materiais mais diversos possíveis e a participação coletiva na criação. Só assim, a atividade de criação poderá potencializar o desenvolvimento da criança não apenas como um sujeito produtor de Arte, mas como um sujeito humano. Por fim, também é importante desmistificar a noção de que o ensino de Arte na Educação Infantil envolve reprodução de técnicas. As técnicas, de fato, são importantes, mas a criação artística prevê não uma rigidez em relação a isso, mas a possibilidade de reinventar técnicas, de acrescentar ou de tirar elementos, como na realização de uma receita. Nada é fixo e imutável no ensino de Arte; a liberdade criativa impera e se faz necessária, a fim de que a criação de cada criança possa manifestar não apenas uma técnica, mas a expressão de sua personalidade e individualidade, contribuindo para que seu desenvolvimento seja saudável e pedagogicamente amparado. Metodologia do Ensino da Arte 20 Ensinar Arte para crianças talvez seja uma das atividades mais interessantes da Educação Infantil, se levada a sério e, principalmente, se o docente estiver aberto a repensar suas práticas, a criar um ambiente favorável para o ensino e para a aprendizagem, e a permitir que o ensino de Arte contribua, acima de tudo, para formar seres mais humanizados. RESUMINDO: Neste capítulo, você aprendeu que: • O ensino de Arte na Educação Infantil ainda carece de um repensar, especialmente da parte dos professores, para não se tornar um espaço de reprodução de técnicas artísticas apenas. • Ensinar Arte na Educação Infantil pressupõe a criação, a exploração do mundo e a ampliação de conhecimentos, por meio da expressão, do respeito às diferenças e da convivência. • Por não apresentar disciplinas e conteúdos rígidos como os níveis posteriores de educação, a Educação Infantil, por vezes, é confundida como um espaço onde não se ensina nada, ou mesmo, onde apenas se brinca. No entanto, esse espaço é permeado de intencionalidades pedagógicas necessárias para o desenvolvimento integral e humano dos sujeitos, fornecendo subsídios importantíssimos para seu desenvolvimento posterior. Metodologia do Ensino da Arte 21 História do Ensino da Arte no Brasil OBJETIVO: Ao final deste capítulo, você será capaz de entender alguns pressupostos importantes sobre a história do ensino da Arte no Brasil, entre a Independência (1822) e a segunda metade do século XIX. Isso fará toda a diferença em sua atuação profissional, uma vez que a Arte faz parte do dia a dia da escola. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante! Figura 2 - Brasil e Arte Fonte: Pixabay Metodologia do Ensino da Arte 22 Breve Introdução O objetivo deste capítulo é entender como o ensino de Arte foi construído historicamente no Brasil. Barbosa e Coutinho (2011) sugerem que essa história está relacionada a um contexto mais amplo, de dependência cultural. Ainda segundo as autoras, ao longo deste capítulo, procuraremos compreender como a história do ensino da Arte no Brasil está vinculada a uma dependência cultural. Ao mesmo tempo, segundo as autoras, a primeira manifestação cultural e artística brasileira foi “importada”, mas aqui ganhou outras formas: o Barroco, que ocorreu durante os séculos XVI e XVII. Vindo da Península Ibérica, o Barroco, na criação popular, foi dotado de qualidades diferentes do contexto europeu, que podem ser traduzidas como elementos nacionais: Os artistas e artesãos brasileiros, à maneira antropofágica, desenvolveram um barroco com distinções formais em relação ao Barroco europeu. O ensino da arte barroca tinha lugar nas oficinas através da prática sob a orientação e supervisão de um mestre. Estas oficinas eram a única forma de educação artística popular na época (BARBOSA; COUTINHO, 2011, p. 4). A primeira forma de institucionalizar o ensino de Arte foi por meio da Missão Francesa (1816), que veio com a proposta de implementação do modelo artístico neoclássico, sendo talvez uma das poucas vezes que o Brasil esteve alinhado temporalmente a modelos artísticos internacionais, pois quase sempre, os modelos estrangeiros que aqui chegavam o faziam tardiamente, quando já estavam caindo na obsolescência e no desuso, ou mesmo quando já estavam bem consolidados em seus locais de origem. Porém, com todas as considerações importantes que se pode fazer à Missão Francesa, há que se considerar que: A Missão Francesa foi na realidade uma invasão cultural de forte cunho elitista. Em contraposição,no fim do século XIX, já no período republicano, os liberais introduziram o ensino de desenho na educação numa perspectiva antielitista como preparação de mão-de-obra para o trabalho industriário, com inspiração no modelo norte-americano. A apropriação deste modelo e seus desdobramentos deixou resquícios em livros didáticos e no ideário educacional até o século XX. Metodologia do Ensino da Arte 23 Entretanto, já no início do século passado, o Modernismo transpôs para o campo educacional a noção de arte como forma de expressão (BARBOSA; COUTINHO, 2011, p. 4-5). Na segunda metade do século XX, segundo as mesmas autoras, entra em voga a concepção da Arte como forma de expressão, tendo propiciado experiências bastante proveitosas com relação ao ensino de Arte para crianças e também para adolescentes, numa organização curricular sob a forma de atividades extracurriculares. Nos anos 1970, sob a égide do regime militar no Brasil, o ensino de Arte , nomeado como Educação Artística, tornou-se obrigatório em todas as escolas de ensino formal, porém trazendo uma perspectiva bastante calcada no tecnicismo e ideologicamente sujeita à preparação para o trabalho e à polivalência. Já no fim do século XX, segundo Barbosa e Coutinho (2011), o movimento de arte/educação começa, aos poucos, a ganhar forma, sintonizando-se com as teorias e com o pensamento pós-moderno, mostrando o amadurecimento desse campo do saber, ampliando-se inclusive – o número de pesquisas acadêmicas que tinha como objeto as práticas artísticas. A partir daí, podemos dizer que chegamos à contemporaneidade, que se caracteriza por múltiplas deglutições e apropriações de modelos, por trânsitos, entrosamentos entre culturas e pela pluralidade de formas. Porém, precisamos compreender que esta nossa história não é apenas uma sucessão de fatos e acontecimentos isolados que se apresentam em formato linear e que pertencem ao passado, mas uma constelação de proposições, de ideias e de experiências sobre a arte e seu ensino que se sobrepõem e co-habitam um mesmo espaço e cultura, e que continuam ativas hoje no ideário do sistema educacional (BARBOSA; COUTINHO, 2011, p. 5) Com isso, afirmamos que os próximos capítulos trarão um panorama sobre o ensino de Arte não com o objetivo apenas de informar aos futuros docentes o que aconteceu, mas, acima de tudo, apontar possibilidades de repensar o passado, o presente e o futuro do ensino de Arte, observando as lacunas deixadas por cada época e pensando numa perspectiva que esteja – de fato – mais alinhada com as tendências atuais. Metodologia do Ensino da Arte 24 A Vinda da Missão Francesa Segundo Barbosa e Coutinho (2011): A primeira institucionalização sistemática do ensino de arte foi a Missão Francesa, e um dos poucos modelos com atualidade no país de origem no momento de sua importação para o Brasil. Quase sempre os modelos estrangeiros foram tomados de empréstimo numa forma já enfraquecida e desgastada, quando já caíam em desuso em seus países originários. A Missão francesa foi, na realidade, uma forma de invasão cultural. Seus integrantes, que aqui chegaram em 1816, eram membros do Instituto de França, que havia sido aberto em 1795 para substituir as velhas academias de arte abolidas pela Revolução Francesa. Sob a supervisão e a influência de Jacques Louis David (1748-1825), considerado o mestre do Neoclássico, o Instituto de França logo alcançou reputação superior à da École des Beaux-Arts e influenciou as escolas de arte de toda a Europa por ser a instituição cuja metodologia era considerada a mais moderna de seu tempo. Portanto, o Neoclássico, através do qual se expressavam os artistas da Missão Francesa quando aqui vieram organizar a nossa primeira escola de arte, era o estilo de vanguarda naquele tempo na Europa (BARBOSA; COUTINHO, 2011, p. 6). Com todas as críticas e tensionamentos que se possa fazer à Missão Francesa, pode-se dizer que ela foi a primeira tentativa de estabelecer o ensino da Arte no Brasil. Antes disso, as tendências eram importadas ou por estrangeiros que aqui passavam, ou por brasileiros que tinham contato com elas em seus locais de origem. A Missão Francesa também pode significar um avanço em termos de constitucionalização artística no Brasil pelo fato de que, pela primeira vez em nossa história, estivemos temporalmente alinhados com uma tendência artística estrangeira. Entretanto, as questões de submissão e de dependência cultural ainda estavam presentes em nossa história, fato que torna a Missão Francesa ao mesmo tempo importante e criticada teoricamente. Todavia, os planos apresentados por Joachim Le Breton (1760-1819), chefe da Missão Francesa, para a Escola de Metodologia do Ensino da Arte 25 Ciências Artes e Ofícios, criada por decreto de D. João VI em 1816, eram de perfil bem mais popular do que a orientação seguida no Instituto de França onde ele ensinava. Seu projeto repetia os mais atuais modelos de ensino de atividades artísticas ligadas a ofícios mecânicos empregados na França por Bachelier, em sua École Royale Gratuite de Dessin, que existe até hoje com o nome de École Nationale des Arts Décoratifs. Bachelier, que era um grande mestre de decoração em porcelana da fábrica de Sèvres, combinou e concilou em sua escola (1767) métodos e objetivos de ensino de arte comuns às corporações e às academias. Ele contornou a tradicional luta entre artistas e artesãos, conseguindo apoio das academias para o seu trabalho pedagógico, exigindo, por exemplo, que os mestres de desenho de sua escola tivessem obtido prêmios acadêmicos (BARBOSA; COUTINHO, 2011, p. 6). No Brasil, a Missão Francesa chegou com um projeto de implementação um pouco diferente daquele presente na Europa: destinou-se a abrir suas portas, também, para as camadas mais populares, embora não possa, com isso, ser nomeada como democrática. Aqui, o modelo neoclássico implementado pela missão estava mais vinculado às tendências emergentes no mundo – como a Revolução Industrial, que também ocorria – do que propriamente com apenas o fruir estético e artístico. Isso marcou boa parte do período histórico da Arte brasileira para as camadas mais populares: a visão do desenvolvimento artístico como forma de desenvolver motricidades finas, com o pretexto de especializar- se para o trabalho fabril. A experiência de Bachelier, muito comentada e aplaudida na Europa, levou outros países, como a Alemanha e a Áustria, a introduzirem o desenho criativo no treinamento das escolas para trabalhadores manuais, e as escolas de belas artes a considerarem importante o ensino da geometria. Era esta a perfeita união entre as belas artes e as indústrias que Le Breton pretendia repetir no Brasil. Por seus planos, nossa escola de arte seria uma entidade que não perderia de vista o equilíbrio entre educação popular e educação burguesa. No entanto, quando aquela escola começou a funcionar em 1826 sob o nome de Escola Imperial das Belas-Artes, não só seu nome havia sido Metodologia do Ensino da Arte 26 trocado, mas, principalmente sua perspectiva de atuação educacional, tornando-se o lugar de convergência de uma elite cultural que se formava no país para movimentar a corte, dificultando, desse modo, o acesso das camadas populares à produção artística (BARBOSA; COUTINHO, 2011, p. 6-7). A dicotomia entre as formas de ensino, no Brasil, é algo com o qual nós, professores da contemporaneidade, também precisamos lidar. Diariamente, constatamos a diferenciação entre a educação tida como popular e a educação destinada às elites. Esse é um elemento bastante complicado, especialmente, do ponto de vista da democratização do ensino, pois, como democratizar, se o acesso e as oportunidades são desiguais? Como permitir que todos tenham condições de acesso, se as realidades econômicas do Brasilinterferem diretamente no contexto educacional? São perguntas que, praticamente duzentos anos após a vinda da Missão Francesa para o país, ainda não têm resposta. Além da Missão Francesa, outra importante instituição foi criada: a Escola Imperial de Belas Artes: A Escola Imperial das Belas-Artes inaugurou a dicotomia na qual até hoje se debate a educação brasileira, isto é, o dilema entre educação de elite e educação popular. Na área específica de educação artística, a Escola incorporou o dilema já instaurado na Europa entre arte como criação e como técnica. Em 1855, Manuel José de Araújo Porto Alegre (1806-1879), inspirado no ideário romântico, pretendeu revigorar a educação elitista que vinha tendo lugar na então denominada Academia Imperial das Belas-Artes através do contato com o povo. Sua reforma buscava conjugar no mesmo estabelecimento escolar duas classes de alunos, o artesão e o artista, frequentando juntos as mesmas disciplinas básicas. A formação artística era alargada com outras disciplinas de caráter teórico, especializando-se o artífice nas aplicações do desenho e na prática mecânica. No entanto, a permanência dos velhos métodos e de uma linguagem sofisticada fez com que a busca popular por esses cursos fosse quase nula, assim como foi quase nula também a matrícula nos cursos noturnos para a formação de artesão criados em 1860 na Metodologia do Ensino da Arte 27 Academia. Nestes últimos, a simplificação do currículo era quase pejorativa. Em ambos os casos, a inclusão da formação do artífice naquela instituição era uma forma de concessão da elite à classe trabalhadora e por isso destinada ao fracasso (BARBOSA; COUTINHO, 2011, p. 7). A desigualdade brasileira começa pela educação. E isso ocorre pela forma de compreender, até mesmo, as formas que cada camada social deve pensar, privilegiando-se o exercício intelectual de algumas e a atividade técnica de outras. A Escola Imperial de Belas Artes foi uma instituição que, embora buscasse atender a todas as camadas populares, ainda assim se diferenciava nas suas entrelinhas, ou melhor, no currículo e nos objetivos curriculares destinados a cada segmento social. Por isso, se transpormos esses fatos históricos para o contexto atual, é importante que a legislação educacional vigente, assim como as orientações para a educação sejam constantemente revisitadas e respeitadas, pois elas se constituem numa tentativa – ainda que com grandes dificuldades de implementação – de tornar o acesso à educação e ao conhecimento mais igualitário para todos. Além das duas formas de institucionalização do ensino de Arte anteriormente abordada, outra instituição que se destacou foi o Liceu de Artes e Ofícios: Já o Liceu de Artes e Ofícios de Bethencourt da Silva (1831- 1911), criado em 1856 no Rio de Janeiro, porém, mereceu desde o seu início muita confiança das classes menos favorecidas, como atestou o grande número de matrículas já no primeiro ano de funcionamento. Coube aos liceus de artes e ofícios, criados na maioria dos Estados, com pequenas variações do modelo do Liceu de Bethencourt da Silva, a tarefa de formar não só o artífice, mas os artistas que provinham das classes operárias. Até o ano de 1870, muito pouco se contestou o modelo de ensino da arte da Academia Imperial das Belas Artes, que em parte foi utilizado pela escola secundária (BARBOSA; COUTINHO, 2011, p. 7). Outro elemento a ser analisado em relação ao ensino de Arte se refere a questões de gênero. A Arte , em geral, era vista como um Metodologia do Ensino da Arte 28 elemento feminino, pelo menos, na maioria dos países da América. Isso pode evidenciar que o ensino de Arte talvez fosse compreendido como algo secundário, dedicado a passar o tempo, e não, necessariamente, com alguma função direta na formação dos sujeitos. Tivemos, lado a lado ao longo da história do ensino da Arte no Brasil, concepções de Arte submetidas a outras culturas e a diferenciação do ensino não apenas por nível social, conforme abordado anteriormente, mas também por questões de gênero, como se pode observar no relato de Barbosa e Coutinho (2007): Nas escolas secundárias particulares para meninos e meninas, as práticas mais comuns eram a cópia de retratos de pessoas importantes, de santos e a cópia de estampas, em geral europeias, representando paisagens desconhecidas aos nossos olhos acostumados ao meio ambiente tropical. Estas paisagens levavam os alunos a valorar esteticamente a natureza da Europa e depreciar a nossa pela rudeza contrastante. É importante notar que no século XIX poucos países do chamado Novo Mundo instituíram o ensino da arte para meninos nas escolas de elite. O mais comum é que a arte tivesse lugar apenas nas escolas de meninas de alta classe. No Brasil, isto aconteceu porque a elite brasileira esteve no período colonial mais ligada aos modelos aristocráticos do que aos modelos burgueses como nos outros países da América. Conforme o modelo aristocrático, arte era indispensável na formação dos príncipes. D. João VI deu o exemplo quando contratou Arnaud Pallière (1823-1887) para ensinar desenho aos príncipes. Seguindo este padrão, a arte foi incluída no currículo do Colégio do Padre Felisberto Antônio Figueiredo de Moura, uma escola para rapazes localizada no Rio de Janeiro que determinou o modelo de educação de meninos de alta classe na época, em 1811. O conteúdo e a função da arte nestas escolas foram sugeridos por Raul Pompeia no seu livro O Ateneu. A apresentação da exposição anual era o objetivo das aulas de arte e era numa espécie de símbolo de distinção para a escola (BARBOSA; COUTINHO, 2011, p. 8). Em relação às concepções de Arte e de ensino vigentes, nem todos partilhavam de uma mesma opinião sobre a divisão da Arte. Exemplo foram os liberais, preocupados com a educação das camadas populares para o trabalho. Metodologia do Ensino da Arte 29 Essa, talvez, seja a grande dicotomia existente no ensino até a atualidade: ensinar para a vida ou para o trabalho? Isso reflete a liquidez da contemporaneidade, assim como a insegurança em relação ao próprio futuro e à educação. As disputas pelos modos de ensinar ricos e pobres, na escola, também trazem à tona um elemento importante a se discutir: a educação é o campo das políticas. Isso, em parte, justifica o porquê de tantas mudanças no cenário educacional, sendo que essas ocorrem com a mesma regularidade que a alteração de partidos políticos nos governos. E, pelo “andar da carruagem histórica”, perceberemos que essa disputa é antiga: Contrários ao uso da arte na escola como uma espécie de adorno cultural, alguns liberais a partir dos anos 1870, e principalmente na década de 1880, defenderam uma educação popular para o trabalho, que deveria ser o principal objetivo da arte na escola, iniciando uma campanha para tornar o desenho obrigatório nos ensinos primário e secundário. Devemos principalmente aos liberais o início do ensino do desenho industrial na escola, isto é, do que hoje conhecemos como design. Eles se propuseram a dar um conhecimento técnico de desenho a todos os indivíduos de maneira que, libertados da ignorância, fossem capazes de produzir suas invenções. Educar o ‘instituto da execução’ para evitar que ele se tornasse um impedimento à objetivação da invenção era seu princípio mais importante, isto é, primeiro aprender como trabalhar, depois aplicar as habilidades técnicas solucionando os problemas e dando forma concreta às criações individuais (BARBOSA; COUTINHO, 2011, p. 11). A educação e a educação em Arte, desde os tempos do Império, assumiu diferentes formas e concepções, sempre vinculada aos ideais de uma classe social específica. Em termos gerais, a educação brasileira é marcada pelas disputas de classe, assim como pela ação de pensar o que é melhor de ser ensinado aos mais pobres.Metodologia do Ensino da Arte 30 O Ensino de Arte em uma Perspectiva Liberal No final do século XIX, mais precisamente na década de 1870, o surto de desenvolvimento econômico ocorrido no Brasil permitiu que a organização da sociedade tivesse mais liberdade, expandindo, inclusive, ideias de contestação. Nesse período, foi criado o Partido Republicano, originando uma série de críticas e de protestos contra o Império, inclusive contra a política educacional do período. Os discursos abolicionistas, cada vez mais intensificados, buscavam igualdade na educação do povo e dos escravos, apontando também a preocupação com o que aconteceria com os ex-escravos após o fim da escravidão. Segundo Barbosa e Coutinho (2011): Os principais temas discutidos naquele momento eram a alfabetização e a preparação para o trabalho. A necessidade de um ensino do desenho apropriado era tida como um dos principais aspectos da preparação para o trabalho industrial. Buscando um modelo que estabelecesse a união entre criação e técnica, isto é, entre arte e sua aplicação, a indústria, intelectuais e políticos (especialmente os liberais) brasileiros se comprometeram profundamente com os modelos de Walter Smith para o ensino da arte nos Estados Unidos que passaram a divulgar também no Brasil. Os principais divulgadores de Walter Smith no Brasil foram o jornal O Novo Mundo; Rui Barbosa, em seus Pareceres sobre a reforma do ensino primário e secundário; e Abílio César Pereira Borges, por meio de seu livro Geometria Popular. A popularização do ensino da arte, entendido como ensino do desenho, isto é, ensino preparatório para o design, era o objetivo da orientação que o inglês Walter Smith apresentava por meio dos seus escritos e suas atividades como organizador do ensino da arte em Massachusetts (EUA). Influenciado pelos estudos de Redgrave e Dyce, de quem foi aluno na South Kensington School of Industrial Drawing and Crafts em Londres, da qual só resta hoje o Victoria and Albert Museum, Smith se demitiu do cargo de professor da Leeds School of Art quando a instituição (1868) começou a alterar os objetivos para os quais havia sido criada, ou seja, vincular a arte à educação popular, para enveredar pelo caminho do ensino Metodologia do Ensino da Arte 31 da arte como verniz cultural obedecendo aos caprichosos desejos da classe média. O Novo Mundo apresentou, em várias notícias e artigos, o aspecto de democratização da arte que caracterizava a ação de Walter Smith em Massachusetts, para onde ele fora contratado com carta branca para organizar o ensino da arte como desenho industrial (BARBOSA; COUTINHO, 2011, p. 11-12). É importante que não sejamos ingênuos em relação às críticas feitas à educação imperial, como se de um lado estivessem os vilões e de outra, os mocinhos. Em ambos os lados, havia interesses explícitos e implícitos, geralmente vinculados a questões econômicas e a manutenção de classes sociais. O Jornal Novo Mundo tinha grande circulação no país e extrema importância cultural naquele período histórico (BARBOSA; COUTINHO, 2011). E, nesse sentido, a educação era a instituição americana que arrancava maiores elogios. Na época, dava-se bastante ênfase à educação feminina, bem como à arte/educação. A Arte , permeada pela moralidade protestante, era ligada ao trabalho, sendo valorizada a educação para o exercício do trabalho e para as ditas artes industriais. Segundo as autoras, André Rebouças escreveu para O Novo Mundo longos artigos defendendo a necessidade de se tornar compulsório, como Smith havia conseguido em Massachusetts, o ensino do desenho geométrico com aplicações à indústria. Um número especial de O Novo Mundo foi publicado acerca da Centennial Exhibition de 1876 na Filadélfia, onde se destacavam os trabalhos apresentados pela Escola Normal de Artes, criada e dirigida por Smith, assim como os trabalhos de 24 cidades de Massachusetts, todas elas orientadas em seu ensino de arte por Smith. O Novo Mundo destacava a importância que Smith atribuía aos exercícios geométricos progressivos no ensino do desenho, à sua ideia de que todo mundo tinha capacidade para desenhar e de sua crença no ensino do desenho como veículo de popularização da arte por meio da adaptação a fins industriais, colaborando para a qualidade e prosperidade da produção industrial (BARBOSA; COUTINHO, 2011, p. 12-13). Metodologia do Ensino da Arte 32 As ideias de Smith tiveram grande repercussão no país, tanto que Rui Barbosa subscreveu essas ideias nos Pareceres sobre a reforma da educação primária e secundária. Também foi no pensamento de Walter Smith que Rui Barbosa conseguiu traçar algumas recomendações em relação à metodologia do ensino do desenho. Outro educador, dessa vez inspirado nas ideias de Rui Barbosa, foi Abílio César Pereira Borges, que publicou uma espécie de sumário comentado do Teacher’s manual for free hand drawing, de Walter Smith, em 1873, defendendo uma geometria popular. Seu estudo tinha como norte o desenho a ser iniciado por linhas verticais, horizontais, oblíquas, paralelas, ou seja, por aquilo Smith, segundo Borges, denominava como alfabeto do desenho. Junto a esse estudo, seguia-se a aprendizagem por meio de ângulos, triângulos e retângulos de forma gradativa. Os exercícios de memória presentes em sua obra também eram idênticos aos propostos por Smith. Na descrição de Barbosa e Coutinho (2011): Depois de estudar quadrados e polígonos, ele introduzia ornamentos e análises de folhas em superfície plana. Os exemplos botânicos eram organizados em forma de diagramas exatamente como o livro de Smith. Ele ainda propunha o traçado de gregas, rosáceas, repetições verticais, repetições horizontais, formas entrelaçadas. Alguns objetos simples (vasos de água, bacias etc.), desde que tivessem as formas geométricas como Smith prescrevia, eram propostos para desenhar. Por fim, eram apresentados ornamentos e elementos arquitetônicos em diagrama (portais, arcos, colunas) de diferentes períodos, principalmente barrocos e neoclássicos. Os ornamentos como motivos para o trabalho em ferro eram também utilizados por Smith. O livro de Abílio César Pereira Borges teve, no mínimo, 41 edições e foi usado nas instituições pelo menos até 1959. O objetivo do livro, explicitado por ele próprio, era propagar o ensino do desenho geométrico e educar a nação para o trabalho industrial. Já os positivistas, atrelados ao evolucionismo, defendiam que a capacidade imaginativa deveria ser desenvolvida na escola por meio do estudo e cópia dos ornatos, pois estes representavam a força imaginativa do homem em sua evolução a partir das idades primitivas. No ensino do desenho, portanto, era dominante o traçado de observação de modelos de ornatos em gesso (BARBOSA; COUTINHO, 2011, p. 14). Metodologia do Ensino da Arte 33 Segundo Barbosa e Coutinho (2011), a recomendação de Borges, em seu livro, era que se começasse pelos trabalhos com baixos relevos formados por linhas retas, pois esta forma de composição, de todas, era a mais básica e primitiva, encontrada nos povos primitivos da Oceania e da África para, progressivamente, passar aos modelos mais complexos, encontrados na decoração dos povos que o autor chamava de mais evoluídos, como os índios peruanos e mexicanos e, posteriormente, utilizar o alto-relevo para representar elementos da fauna e da flora, consideramos mais complexos, e presentes na cultura grega. Tendo os liberais ganhado a corrente positivista nas lutas pela Reforma Republicana na Escola Nacional de Belas-Artes (1890), foi possível que eles impusessem sua diretriz ao ensino do desenho, por meio de uma reforma educacional ocorrida em 1901, descrita no Código Epitácio Pessoa. Conforme Barbosa e Coutinho (2011): Esta Lei transcrevia sucintamente as propostas de Rui Barbosa para o ensinodo desenho, usando muitas vezes as mesmas palavras dos Pareceres. É, portanto, o modelo de Walter Smith, cujos conteúdos já haviam entrado no circuito da educação brasileira através de Abílio César Pereira Borges, que a partir de então teríamos imperado nos ginásios brasileiros. São conteúdos que estariam quase imexíveis até 1958, atravessando várias reformas educacionais e ainda há resquícios deles nas aulas de arte. Os exercícios foram preservados através dos livros didáticos de educação artística. Em quase todos os livros de educação artística para o ensino fundamental, editados (décadas de 1970, 1980 e 1990), ainda vemos gregas, rosáceas, frisas decorativas etc., um remanescente das propostas de Walter Smith consagradas pelo Código Epitácio Pessoa. É curioso imaginar que a aprendizagem destes elementos decorativos tinha sentido no início do século, já que se pretendia através do desenho preparar para o trabalho, e a arquitetura era generosa na utilização de elementos sobrepostos para cuja criação e execução as rosáceas seriam exercício preparatório. Por outro lado, as paredes internas das casas ostentavam complicadas faixas decorativas em suas pinturas. Ainda mais, estes motivos eram também fartamente usados nas artes gráficas. Atualmente, pouco se justifica sua permanência como exercício escolar. Alguns voltariam a ter sentido no contexto da pós-modernidade se os autores dos livros Metodologia do Ensino da Arte 34 didáticos tivessem consciência da recuperação atual de alguns modelos visuais do início do século XX (BARBOSA; COUTINHO, 2011, p. 14-15). Como se pode perceber, muitos foram os desafios e alterações na educação em Arte, especialmente no que se refere à forma como essa era tratada. Cabe ainda lembrar que foi por meio das reformas liberais que o ensino se democratizou, entretanto, essa democratização contribuiu para que o distanciamento entre as educações de elite e popular se ampliasse ainda mais. RESUMINDO: Neste capítulo, você aprendeu que: • O ensino de Arte, no Brasil, iniciou-se ainda no período do Império, com a vinda da Missão Francesa, trazendo para o país os ideais neoclássicos de Arte e a primeira escola artística no país. • Nossa história da Arte perpassa muitos episódios de reprodução de ideais artísticos defasados de outras culturas. Talvez, somente no período Barroco (séculos XVI e XVII), nossas manifestações artísticas começaram a subverter essa ordem. • Na metade final do século XIX, o ensino de Arte no Brasil seguiu a influência americana, fortemente ligada à divisão social e à preparação para o trabalho, tendo perdurado essa noção até meados da década de 1950. Metodologia do Ensino da Arte 35 História do Ensino da Arte no Brasil a Partir do Modernismo OBJETIVO: Ao final deste capítulo, você será capaz de entender alguns pressupostos importantes sobre a história do ensino da Arte no Brasil, entre a Independência (1822) e o século XX. Isso fará toda a diferença em sua atuação profissional, uma vez que a Arte faz parte do dia a dia da escola. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante! O Modernismo O final do século XIX e início do século XX foi marcado por intensas transformações econômicas e sociais, dentro e fora do país: do outro lado do oceano, vimos a Belle Epòque francesa, a Revolução Russa, a Primeira Guerra Mundial; aqui, vimos as tensões originadas entre o povo e o governo republicano, o surgimento de São Paulo como centro financeiro do país e um agitamento cultural, provocado por um grupo de artistas que, em 1922, buscaram promover uma Arte que rompia com os padrões oitocentistas, sobre os quais Barbosa e Coutinho (2011) descrevem da seguinte forma: A Semana de Arte Moderna de 22, que introduziu o Brasil estrondosamente no Modernismo, não repercutiu imediatamente no ensino da arte. Quando, a partir de 1927, o ensino da arte volta a ser objeto de discussões, isto se deveu principalmente à modernização educacional. Com a crise político-social contestatória da oligarquia e com a tentativa de instauração de um regime mais democrático, uma reflexão sobre o papel social da educação aflora novamente. Desta vez, é a educação primária e a escola que se tornam centrais nas reformas educacionais através do movimento da Escola Nova. Defendia-se, então, o mesmo princípio liberal de arte integrada no currículo, ou melhor, de arte na escola para todos (BARBOSA; COUTINHO, 2011, p. 15). Metodologia do Ensino da Arte 36 De um lado havia os liberais, com a defesa da educação em Arte como o ensino das técnicas de desenho, a fim de preparar os sujeitos para o trabalho; de outro, o movimento da Escola Nova, apregoando a concepção da Arte como forma de mobilização da capacidade de criação, juntando imaginação e inteligência (BARBOSA; COUTINHO, 2011). Além disso, nessa época estava em voga o pensamento teórico de John Dewey, defendido por importantes figuras da educação brasileira, como Anísio Teixeira, que incorporou o pensamento do teórico às Reformas Educacionais do Distrito Federal realizadas por Fernando Azevedo e também pelas Reformas de Atílio Vivacqua no Espírito Santo, assim como de Carneiro Leão em Pernambuco e de Francisco Campos em Minas Gerais. Sobre a transposição das ideias de Dewey para a educação brasileira, Barbosa e Coutinho (2011) afirmam o seguinte: As diferentes interpretações acerca das ideias de John Dewey conduziram a caminhos distintos o ensino da arte no Brasil: à observação naturalista; à arte como expressão de aula; como introjeção da apreciação dos elementos do desenho (deturpada na prática do desenho pedagógico). Algumas experiências pedagógicas como as de Mário de Andrade, criando ateliês para crianças nos Parques Infantis e na Biblioteca Infantil, quando exerceu a função equivalente à de Secretário de Cultura de São Paulo em 1936, ou as classes de arte de Anita Malfatti na Escola Americana, hoje Mackenzie ou ainda a criação de Escolas de Arte para crianças bem dotadas em arte pelo Jornal A Tarde em São Paulo foram mudanças bastante significativas, cuja disseminação foi interrompida pelo golpe de Estado que instituiu a ditadura do Estado Novo. Com a Ditadura, vários educadores foram perseguidos e uns poucos ex-reformadores se aliaram ao regime para defender outros interesses, não os da criança (BARBOSA; COUTINHO, 2011 p. 15-16). A diferenciação nas interpretações e nos movimentos que trouxeram as ideias de John Dewey para o Brasil não deve ser considerada problemática, mas importante para revolucionar, naquele tempo, a educação do Brasil. Atualmente, muitos sistemas educacionais ainda se inspiram nas ideias do educador, e muitas de suas contribuições teóricas para o campo da educação ainda permanecem. Metodologia do Ensino da Arte 37 O Pensamento de John Dewey Segundo Barbosa e Coutinho (2011), o pensamento de John Dewey em relação à educação, especialmente em sua primeira fase, trata a Arte sob a perspectiva do naturalismo, e foi esse pensamento que mais influenciou a educação no Brasil. Seu divulgador principal foi Nereo Sampaio, professor de desenho da Escola Normal do Rio de Janeiro. Segundo as autoras, Nereo Sampaio defendeu o chamado método espontâneo-reflexivo para o ensino da arte, apontando como pressuposto teórico o pensamento de Dewey, recomendando a estimulação dos impulsos naturais da criança para o desenho através dos processos mentais de reconhecimento e reflexão. Nereo Sampaio declarava que seu método consistia em deixar a criança se expressar livremente, desenhando de memória e depois fazer com que ela analisasse visualmente o objeto desenhado para, em seguida, executar um segundo desenho integrando, neste último, elementos observados do objeto real. O autor tentou resumir as ideias de Dewey para embasar seu método (BARBOSA;COUTINHO, 2011, p. 16-17). Figura 3 - Pensamento Fonte: Pixabay Metodologia do Ensino da Arte 38 Nesse sentido, segundo as mesmas autoras, pode-se dizer que John Dewey foi o pensador que melhor compreendeu e defendeu o valor educacional do ensino de linguagem gráfica para crianças. Para Dewey, as crianças se sentiam muito à vontade para se expressarem por meio do desenho e da cor, atividades que não deveria ser limitada, para que a criança pudesse criar. Nereo Sampaio buscou validar essa metodologia com crianças de escolas primárias no Rio de Janeiro, produzindo resultados convincentes em relação a essa forma metodológica. Por isso, a Reforma Educacional proposta por Fernando de Azevedo, no Distrito Federal (1929), foi principalmente influenciada pelo trabalho e pensamento de Nereo Sampaio, defendendo a prática espontânea do desenho, seguido pela apreciação naturalista, o que tem sido muito utilizado nas escolas até hoje. Conforme Barbosa e Coutinho (2011): A Reforma Fernando de Azevedo teve larga influência em todo o Brasil através do trabalho divulgador da ABE (Associação Brasileira de Educação) e do livro escrito pelo próprio Fernando de Azevedo, intitulado “A cultura no Brasil”. Outra iniciativa que muito influenciou a arte- educação brasileira foi a Reforma Francisco Campos (1927- 1929), realizada no estado de Minas Gerais. Esta reforma divulgou outra linha de interpretação do pensamento de Dewey sobre ensino da arte, marcando especialmente a ideia de apreciação como processo de integração da experiência (BARBOSA; COUTINHO, 2011, p. 17). Além disso, Dewey também contribuiu para a educação em Arte com a formulação da concepção de Arte como uma forma de experiência consumatória. Esse conceito foi relacionado à noção de experiência final, tanto no Brasil, como nas Progressive Schools dos Estados Unidos, escolas supostamente com inspiração deweyana. Esse pensamento, no Brasil, teve grande repercussão a partir da Reforma Carneiro Leão, ocorrida em Pernambuco, sendo, aos poucos, difundida no restante do Brasil. Afirmam Barbosa e Coutinho (2011) que: A ideia mais importante era dar, por exemplo, uma aula sobre peixes explorando o assunto em vários aspectos e terminando pelo convite aos alunos para desenharem peixes e fazerem trabalhos manuais com escamas, ou Metodologia do Ensino da Arte 39 ainda dar uma aula sobre horticultura e jardinagem e levar as crianças a desenharem um jardim ou uma horta. A prática de colocar arte (desenho, colagem, modelagem, dramatização etc.) no final de uma experiência, ligando- se a ela através do conteúdo, tem sido usada ainda hoje na educação infantil e ensino fundamental no Brasil, e está baseada na concepção de que a arte pode ajudar a compreensão dos conceitos porque há elementos afetivos na cognição que são por ela mobilizados (BARBOSA; COUTINHO, 2011, p. 17). Sem dúvidas, John Dewey foi um dos mais influentes pensadores da educação do século XX, e seu pensamento muito contribuiu para o ensino de Arte no Brasil. Ainda que utilizado de diferentes formas, seu pensamento educacional defendia uma educação mais autônoma, relacionada à integralidade formativa dos sujeitos. A Arte como Atividade Extracurricular para Crianças e Adolescentes A parte final da década de XX, na educação em Arte, é marcada pelas influências de Dewey e, ao mesmo tempo, pelo surgimento das atividades extracurriculares voltadas para o ensino de Arte, conforme abordam Barbosa e Coutinho (2011): No final da década de 1920 e início da década de 1930 encontramos as primeiras tentativas de escolas especializadas em arte para crianças e adolescentes, inaugurando o fenômeno da arte como atividade extracurricular. Em São Paulo, foi criada a Escola Brasileira de Arte conhecida através de Theodoro Braga, seu mais proeminente professor. Mas a ideia partiu da professora da rede pública, Sebastiana Teixeira de Carvalho, sendo patrocinada por Isabel Von Ihering, presidente de uma sociedade beneficente, intitulada “A Tarde da Criança” (BARBOSA; COUTINHO, 2011, p. 20). Essa escola funcionava de forma anexa ao grupo Escolar João Kopke e lá, crianças e adolescentes de escolas públicas da região estudavam gratuitamente música, desenho e também pintura.Todas as atividades eram vinculadas ao contexto brasileiro, outro elemento importante da Escola Brasileira de Arte. “Theodoro Braga desenvolvia o que se pode Metodologia do Ensino da Arte 40 chamar de método art nouveau. Braga trouxe para o campo do ensino de artes de sua época preocupações com um ideário estético fundamentado na cultura brasileira” (BARBOSA; COUTINHO, 2011, p. 20). O trabalho de Theófilo Braga foi bastante apreciado por artistas conceituados, como Tarsila do Amaral e Anita Malfatti, sendo que essa última também desenvolvia projetos para crianças com o objetivo de ensinar Arte, em seu ateliê localizado na Escola Mackenzie. Entre 1936 e 1938, quando o Departamento de Cultura de São Paulo estava sob a direção de Mário de Andrade, foi criado, na Biblioteca Municipal Infantil, o curso de Arte para crianças. A contribuição que Mário de Andrade prestou para o ensino de Arte foi importantíssima, especialmente para que se começasse a encarar a produção pictórica infantil com critérios advindos da filosofia da Arte. De acordo com Barbosa e Coutinho (2011): O estudo comparado do espontaneísmo e da normatividade do desenho infantil e da arte primitiva era o ponto de partida de seu curso de filosofia e de história da arte, na Universidade do Distrito Federal. Por outro lado, o escritor dirigiu uma pesquisa preliminar sobre a influência dos livros e do cinema na expressão gráfica livre de crianças de 4 a 16 anos de classe operária e de classe média, alunos dos Parques Infantis e da Biblioteca Infantil de São Paulo. Seus artigos de jornal muito contribuíram para a valorização da atividade artística da criança como linguagem complementar, como arte desinteressada e como exemplo de espontaneísmo expressionista a ser cultivado pelo artista. As atividades das escolas ao ar livre do México parecem ter exercido grande influência em sua interpretação do desenho infantil e sua atuação cultural. Em sua biblioteca, hoje no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, podemos encontrar revistas mexicanas da época, como a “30:30” e até o catálogo da exposição das Escuelas al Aire Libre do México que viajou pela Europa. O Estado Novo interrompeu o desenvolvimento da Escola Nova, perseguiu educadores e criou o primeiro entrave ao desenvolvimento da arte/ educação. Solidificou alguns procedimentos antilibertários já ensaiados na educação brasileira anteriormente. Foi o início da pedagogização da Arte no espaço escolar. Não veremos, a partir daí, por alguns anos, uma reflexão Metodologia do Ensino da Arte 41 acerca da arte/educação vinculada à especificidade da arte, como fizera Mário de Andrade, e que só o pós- modernismo voltaria a fazer, mas uma utilização de cunho mais instrumental da arte na escola para treinar o olho e a visão ou seu uso para liberação emocional e para o desenvolvimento da originalidade vanguardista e da criatividade, esta considerada como beleza ou novidade (BARBOSA; COUTINHO, 2011, p. 21-22). O ensino de Arte próximo da forma que hoje conhecemos somente começou a ser institucionalizado a partir da década de 1960 em todas as escolas. É importante que tenhamos esse panorama histórico de seu desenvolvimento, para que possamos compreender que o ensino de Arte , assim como das demais disciplinas escolares, não surgiu ao acaso, mas foi o resultado de intensas discussões, lutas e disputas ideológicas em torno dos processos de formação da infância e da adolescência. Arte como Forma de Liberação Emocional A valorização do ensino da Arte para criança, no período do Estado Novo(especialmente, a partir de 1947), deu-se por meio da valorização da Arte como forma de libertação emocional. A partir do ano de 1947, apareceram ateliês para crianças em várias cidades do Brasil, em geral orientados por artistas que tinham como objetivo liberar a expressão da criança, fazendo com que ela se manifestasse livremente sem interferência do adulto. Trata-se de uma espécie de neoexpressionismo que dominou o continente europeu e os EUA do pós-guerra, revelando-se com muita pujança no Brasil que acabava de sair do sufoco ditatorial (BARBOSA; COUTINHO, 2011, p. 22). Os ateliês por Guido Viaro (Curitiba), por Lula Cardoso Ayres (Recife) e por Suzana Rodrigues (Museu de Arte de São Paulo) foram muito bem- sucedidos e significativos durante essa proposta. A escola de Lula Cardoso Ayres, criada em 1947, teve curta existência e sua proposta básica era dar lápis, papel e tinta à criança e deixá-la se expressar livremente. Seguindo o mesmo princípio, Augusto Rodrigues, criou em 1948 a Escolinha de Arte do Brasil, que começou a funcionar no prédio de uma biblioteca infantil no Rio de Janeiro (BARBOSA; COUTINHO, 2011, p. 22). Metodologia do Ensino da Arte 42 Outra iniciativa, de Augusto Rodrigues, Alcides da Rocha Miranda e Clóvis Graciano, também recebeu bastante prestígio e incentivo daqueles que buscavam a redemocratização da educação, como Helena Antipoff e Anísio Teixeira que, naquele momento, estava se refugiando na Amazônia em virtude da perseguição política do Estado Novo. Barbosa e Coutinho (2011) apresentam um panorama bastante importante desse período, o qual reproduziremos a seguir, a fim de não deixarmos escapar nenhum detalhe importante sobre esse período: Depois que iniciou seus cursos de formação de docentes, a Escolinha de Arte do Brasil teve uma enorme influência multiplicadora. Professores, ex-alunos da Escolinha, criaram Escolinhas de Arte por todo o Brasil, chegando a haver vinte e três Escolinhas somente no Rio Grande do Sul, constituindo-se no Movimento Escolinhas de Arte (MEA). Usando especialmente argumentos psicológicos, o MEA tentou convencer a escola comum da necessidade de deixar a criança se expressar livremente usando lápis, pincel, tinta, argila etc. Naquele momento, dava a impressão de ser um discurso de convencimento no vazio, uma vez que os programas editados pelas Secretarias de Educação e Ministério de Educação deveriam ser seguidos pelas escolas e acabavam tolhendo a autonomia do professor tanto quanto os Parâmetros Curriculares Nacionais em Ação de hoje. Ocorreu, na época, uma enorme preocupação com a renovação destes programas. Lúcio Costa (autor do plano urbanístico de Brasília) foi chamado para elaborar o programa de desenho da escola secundária (1948). Seu programa revelava certa influência da Bauhaus, principalmente na preocupação de articular o desenvolvimento da criação e da técnica e desarticular a identificação de arte e natureza, direcionando a experiência para o artefato. Este programa nunca foi oficializado pelo Ministério de Educação e só pôde exercer influência sobre o ensino da arte a partir de 1958. Naquele ano, uma lei federal permitiu e regulamentou a criação de classes experimentais. As experiências escolares surgidas nesta época objetivavam, sobretudo, investigar alternativas experimentando variáveis para os currículos e programas determinados como norma geral pelo Ministério de Educação. A presença da arte nos currículos experimentais foi a tônica geral. Houve escolas que continuaram a aplicar alguns métodos renovadores de ensino introduzidos Metodologia do Ensino da Arte 43 na década de 1930, como o método naturalista de observação e o método de arte como expressão de aula, agora sob a designação de arte integrada no currículo, isto é, relacionada com outros projetos que incluíam diversas disciplinas. Algumas experiências foram feitas, aproveitando ideias lançadas por Lúcio Costa em seu programa de desenho para a escola secundária de 1948. Porém, a prática que dominou o ensino da arte nas classes experimentais foi a exploração de uma variedade de técnicas, de pintura, desenho, impressão etc. O essencial é que no fim do ano letivo o aluno tivesse tido contato com uma larga série de materiais e empregado uma sequência de técnicas estabelecidas pelo professor. Para determinar esta sequencialidade, os professores se referiam à necessidade de se respeitar as etapas de evolução gráfica das crianças. Três mulheres fizeram das Escolinhas a grande escola modernista do ensino da arte no Brasil: Margaret Spencer, que criou a primeira Escolinha com o artista plástico Augusto Rodrigues, era uma escultora americana que conhecia as Progressive Schools e o movimento de arte/educação já bastante desenvolvido nos Estados Unidos. A segunda destas mulheres que fizeram a Escolinha foi Lúcia Valentim, que assumiu a direção da Escolinha de Arte do Brasil durante uma prolongada viagem de Augusto Rodrigues ao exterior. Influenciada por Guignard, de quem foi aluna, imprimiu uma orientação mais sistematizada à Escolinha e se desentendeu com Augusto quando este retornou ao comando. Entrou em cena, então, Noêmia Varela convidada por Augusto para assumir a direção da Escolinha, passou a ser a orientadora teórica e prática com total responsabilidade pela programação, na qual se incluía o já citado Curso Intensivo em Arte Educação que ajudou a formar toda uma geração de arte/educadores no Brasil e muitos na América Latina Hispânica. A visibilidade de Augusto Rodrigues foi muito maior que a destas três mulheres, assim como foi maior do que a de sua própria ex-mulher Suzana Rodrigues, que criou o Clube Infantil de Arte do Museu de Arte de São Paulo no mesmo ano (1948), mas meses antes de Augusto ter criado a Escolinha de Arte do Brasil. Quanto a Margaret Spencer, nada mais se soube dela; ela foi apagada da história da arte/educação no Brasil. Até aqui, pode-se dizer que o desenvolvimento do ensino de arte nas escolas brasileiras, especialmente no século XX, seguiu tendências plurais, que procuraram valorizar tanto a técnica, quanto formar intelectualmente e para o Metodologia do Ensino da Arte 44 mercado de trabalho. A arte, ao longo do século XX, foi vista como um elemento importante para compor os currículos escolares e, independentemente da forma e do enfoque teórico com o qual era abordada, foi se constituindo de forma cada vez mais presente nos currículos das escolas, tanto para meninos quanto para meninas. As tendências escolares da primeira metade do século XX no Brasil, no que diz respeito ao ensino da Arte, também procuraram seguir enfoques estrangeiros, como os americanos e europeus. Pouco se criou de forma inovadora em nosso país. Contudo, muito se falou sobre o ensino da arte. Por fim, as últimas tendências do ensino de arte viam em sua prática uma forma de expressar sentimentos e emoções, de pensamento criativo e de formação, seja ela intelectual ou técnica (BARBOSA; COUTINHO, 2011, p. 22-24). De modo geral, pode-se dizer que, apesar das críticas que se pode realizar à política de educação do Estado Novo, um movimento bastante significativo por ele realizado foi a permissão de que se espalhasse o número de escolas de Arte, contribuindo não somente para a constituição do ensino de arte no país, mas para sua implementação. Com o apoio do estado, muitos educadores passaram a pensar nesse ensino que, mesmo adquirindo características técnicas, foi importante naquele momento histórico para que hoje chegássemos às reflexões que realizamos sobre o passado. Isso nos permite retomar ao presente e refletir sobre o ensino de Arte nas escolas atualmente, em especial, na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. É necessário que as crianças e adolescentes conheçam técnicas
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