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Episódio - O Jornalismo Impresso Europeu (séculos XVII e XIX)

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INTRODUÇÃO AO 
JORNALISMO 
Guaracy Carlos
 
O jornalismo impresso 
europeu (séculos XVII a XIX) 
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
 � Analisar o papel das gazetas na “fase primitiva do jornalismo”.
 � Correlacionar os modos de pensar/produzir jornalismo nos modelos 
inglês e francês.
 � Ilustrar o nexo entre o jornalismo de folhetim e o romance literário.
Introdução
A invenção dos tipos móveis por Gutenberg representa também o nas-
cimento do jornalismo. A partir daí o jornal impresso deixou de ser um 
produto quase artesanal, obra de uma só pessoa, para se organizar como 
empresa, criando processos e especialização no seu modo produtivo. 
Nesse processo, o jornal articulou a relação entre informação e poder, 
tornando-se um importante ator no processo de formação da opinião 
pública. Assim passou a ser compreendido, seguindo uma de duas prin-
cipais concepções. Uma, chamada de modelo inglês, pregava a liberdade 
de imprensa; a outra, o modelo francês, procurava colocar os jornais sob 
a tutela do Estado. 
Neste capítulo, vamos ver como se deu essa relação e seu 
desenvolvimento.
Jornalismo e história 
Consideramos a história como ciência que estuda o homem no tempo, atenta 
para as estruturas, leis e realidade. Neste processo de resgate e interpretação do 
passado por meio de registros, muitas vezes com fins pedagógicos, recorre-se 
a classificações de modo a permitir a melhor compreensão de determinados 
períodos. É neste contexto que as fases do jornalismo apresentadas devem 
ser entendidas. 
A gênese do jornalismo está ligada à necessidade do registro e da divulgação 
das informações entendidas como notícias. Os elementos que antecederam o 
que consideramos jornalismo são considerados pré-jornalísticos. 
O primeiro é o desenvolvimento da escrita. À medida que evoluía na 
comunicação verbal e na criação de elementos culturais, o homem passou 
a sentir a necessidade de registrar os fatos. Isso de uma forma mais perene 
que a memória verbal, o que segundo Lima (1989) culminou na criação de 
sistemas de registros gráficos. 
Enquanto a linguagem falada é uma característica importante na definição 
da espécie humana, a expressão escrita é um traço definidor da civilização 
humana. A fala surgiu naturalmente, enquanto a escrita precisou ser inven-
tada. É uma proeza de tal tamanho e dificuldade que, embora os linguistas 
classifiquem mais de 3 mil idiomas falados no mundo, apenas uma centena 
ganhou a escrita. Na história da humanidade, raros foram os momentos em 
que a escrita foi inventada de forma independente. Na maioria das vezes, ela 
foi difundida culturalmente, emprestada ou adaptada de sistemas existentes, 
em lugar de ser reinventada (MLODINOW, 2015).
Entre os formatos mais antigos de escrita temos: a pictográfica (representa-
ção por imagem); a ideográfica (formas que criam signos complexos manifestos 
como ideogramas); a cuneiforme (que mistura caracteres e símbolos); e a 
hieroglífica (sinais pictográficos). 
A estruturação da escrita em uma forma narrativa surgiu com os gregos, 
assim como o conceito de literatura, ao começarem a escrever seus poemas. 
A sistematização e a distribuição das informações de interesse da população 
aparecem com os romanos nas Actas. 
No período da Idade Média, as crônicas medievais – um misto de jornalismo 
com literatura que registrava os acontecimentos protagonizados por nobres 
e monarcas, de forma bem factual ou de modo mais floreado e elaborado – 
cumpriam esta função. Modalidades de pré-jornalismo dignas de nota são 
os relatos de viagem, as cartas informativas e as folhas noticiosas – também 
chamadas de folhas volantes. Em grande parte da Idade Média, a escrita ficou 
restrita aos mosteiros e a um pequeno grupo das elites letradas. Seu uso como 
meio de comunicação para o público surgiu na Idade Moderna. 
Outra unidade pré-jornalística surgiu no século XVI: os livros noticiosos – ante-
passados dos jornais atuais. Eles eram diferentes das folhas volantes por terem mais 
páginas e informações. Ou seja, continham mais notícias, tinham periodicidade 
relativamente definida – anual ou semestral – e um título que denominava todas 
O jornalismo impresso europeu (séculos XVII a XIX)2
as sucessivas edições. E assim eram mais diversificados em conteúdo e estilo do 
que as folhas volantes e outras publicações noticiosas ocasionais. 
Em uma época em que a divisão entre historiografia e jornalismo não era 
bem definida, esses livros funcionavam como uma espécie de anuário. Alguns 
eram escritos em latim, o que lhes dava um caráter universal, pois o latim 
era a língua franca da época. Com o passar do tempo, a frequência com que 
tais livros eram publicados aumentou e sua extensão diminuiu, ficando mais 
próximos do formato do jornal que conhecemos. 
O Almanaque
Segundo alguns pesquisadores, o termo almanaque vem do árabe al-manakh – que 
significa “o calendário”. Era publicado anualmente e incluía um calendário com datas 
astronômicas, como as fases da lua e os solstícios. Segundo o historiador Jacques Le 
Goff (1996), o primeiro almanaque (Figura 1) surgiu na Europa, no ano de 1455. O mais 
importante almanaque francês, o Le Grand Calendrier et Compost des bergers, data de 
1471. O primeiro almanaque português é de 1496: Almanach Perpetuum, de Abraão 
Zacuto. Fornecia informações sobre o curso solar para cada ano. Estes dados eram 
utilizados com instrumentos de medição astronômicos. 
Figura 1. Ilustração de um exemplar do 
primeiro almanaque francês.
Fonte: Le Grand [1993].
3O jornalismo impresso europeu (séculos XVII a XIX)
A partir do século XVI, os almanaques passaram a circular de forma mais ampla na 
Europa. Foram adicionados ao seu conteúdo, além do calendário e das informações 
astrológicas, utilidades e entretenimento. Desde o século XVIII, ele adquiriu uma nova 
roupagem, mais elaborada, com mais páginas e conteúdo diverso, além de cunho 
propagandístico e instrucional. 
Conheça um pouco mais sobre a história deste parente do jornal (LEITE, 2016), 
acessando:
https://goo.gl/U1gqG5
O surgimento da impressão com tinta deve muito à xilogravura – técnica 
de reproduzir figuras e letras compondo frases e pequenos textos em uma 
prancha de madeira –, desenvolvida no final da Idade Média. Esta técnica 
precisava ser aperfeiçoada, pois a impossibilidade de corrigir a impressão era 
um grande problema. Daí a necessidade de soltar as letras. Assim surgiram os 
tipos de madeira para imprimir. A fragilidade do material, porém, exigiu novas 
adaptações. “O mérito de ter encontrado o material adequado para fabricar 
os tipos necessários ao processo de impressão à tinta é atribuído a Johannes 
Gutenberg” (LIMA, 1989, p. 22). 
O primeiro trabalho com caracteres de chumbo de que se tem notícia foi 
produzido em 1445, por Gutenberg. O inventor da prensa teve duas impor-
tantes publicações impressas por meio dos seus tipos móveis: o Juízo Final, 
publicação de 74 páginas, e uma Bíblia com 600 páginas.
Umberto Eco (1932-2016), escritor, filósofo, semiólogo e linguista italiano, deu grande 
contribuição ao campo dos estudos da comunicação. Alguns destaques de suas 
obras são: Apocalípticos e integrados, Como se faz uma tese e Obra aberta. Munido 
de imenso repertório cultural, suas incursões no universo da literatura renderam 
obras que, além de encantarem pela narrativa, possuem grande densidade his-
tórica. Seu livro O Nome da Rosa permite dimensionar, na Idade Média, a relação 
entre cultura e seu registro histórico na forma do livro. E também a articulação 
entre conhecimento e poder – manifesto, por exemplo, na censura. Tal interação 
vai ajudá-lo a compreender a temática deste capítulo. E assim recomendamos 
também o filme (Figura 2).
O jornalismo impresso europeu (séculos XVII a XIX)4
https://goo.gl/U1gqG5
Figura 2. Capa do DVD no Brasil. 
Fonte: Warner (1986).
A obra retrata as investigações de uma série de crimes cometidos em uma abadia 
medieval. O investigador,o frade franciscano William de Baskerville (Sean Connery), 
auxiliado pelo noviço Adso de Melk (Christian Slater), busca descobrir a causa dos crimes. 
Estas estão ligadas à manutenção de uma biblioteca secreta com obras apócrifas, em 
especial uma que versa sobre o riso, considerado um pecado pela igreja. 
Direção: Jean-Jacques Annaud. 
Elenco: Sean Connery, Christian Slater, Elya Baskin, Ron Perlman. 
Gênero: Drama, Mistério, Suspense. 
Nacionalidade: França, Itália, Alemanha.
Lançamento: 1986. 
O jornalismo primitivo 
Grandes transformações surgiram na Europa com a invenção da imprensa. 
Segundo Lima (1989, p. 25), “a imprensa, por sua condição de propagadora de 
ideias, foi colocada sob rigorosa observação. A instalação de oficinas tipográ-
ficas exigia autorização oficial, e as publicações submetiam-se à aprovação do 
Estado e da igreja, o que lhes cerceava a liberdade de expressão”.
5O jornalismo impresso europeu (séculos XVII a XIX)
A Europa do século XVII vivia em efervescência, convulsionada por 
mudanças e forças antagônicas, dividida entre dois modelos de governo: mo-
narquias absolutas de direito divino (simbolizadas pelo rei francês Luís XIV) e 
o parlamentarismo (instaurado na Inglaterra após a guerra civil e a Revolução 
Gloriosa). O continente estava dividido entre o credo católico e o protestante. 
Além disso, o processo colonial avançava e o comércio intensificava-se, ele-
mentos que contribuíam em parte para o aumento da alfabetização. O cenário 
de mudanças pedia por mais informações. A notícia não só era bem-vinda 
como tinha valor. Essa demanda apoiou o surgimento dos primeiros veículos 
eminentemente jornalísticos, as chamadas gazetas. 
As gazetas foram uma evolução dos livros noticiosos, por serem mais 
frequentes e menos volumosas, com menor custo e notícias mais atuais. Des-
consideradas algumas publicações noticiosas mensais que surgiram no século 
XVI, podemos afirmar que a aparição das gazetas aconteceu na França com 
o lançamento de La Gazette Français, em 1604, novidade que se espalhou 
rapidamente pela Europa.
As principais características das gazetas eram: 1) periodicidade definida e 
frequente, texto simples, correto, geralmente datado e geograficamente loca-
lizado, narrativa cronológica, com uma atitude eminentemente informativa. 2) 
primeira página titulada, e, às vezes, ilustrada, mencionando a data e o local 
de impressão e o nome do editor. 3) inclusão de várias notícias sobre assuntos 
diversos – política, guerra, comércio, sociedade – e diferentes proveniências, 
paginadas por coluna. 4) periodicidade, geralmente semanal, depois bi e 
trissemanal, até se tornarem diárias. 5) existência de profissionais dedicados 
à redação, paginação e impressão e 6) inclusão de anúncios pagos – a partir 
de meados do século XVII.
Por que muitos jornais se chamam gazeta? 
A gazzetta era uma unidade monetária na Veneza do século XVI e, geralmente, era 
o preço cobrado pelas folhas volantes disponíveis na época. Em 1508, um periódico 
que circulava em Veneza adotou como nome o próprio preço: o Veneziano Gazzetta. 
A partir daí muitos outros jornais adotaram o termo gazeta em homenagem ao que 
teria sido o primeiro dos jornais. 
O jornalismo impresso europeu (séculos XVII a XIX)6
Algumas gazetas não se limitavam a conteúdos unicamente noticiosos neu-
tros, e tinham notícias “selecionadas” ou “orientadas”. Serviam a determinadas 
causas, com textos argumentativos, opinativos e persuasivos. Algumas vezes 
eram propagandísticas. Tal imprensa político-partidária animou os séculos 
XVIII e XIX. As gazetas da Restauração Portuguesa, engajadas na luta contra 
a dominação espanhola, são exemplos disso. 
Nos séculos XVII e XVIII, as prensas gráficas espalharam-se por terras 
americanas, em cidades e missões, unindo evangelização e educação. Em 
1700, as missões jesuítas já faziam uso da tipografia às margens do rio 
Paraná, no Brasil. Nesse período havia falta da liberdade de pensamento 
e de expressão, com censura a todo o material inconveniente ao domínio 
colonial. 
A imprensa instalou-se em 1638 na Nova Inglaterra, em Massachusetts, 
desvinculada de qualquer papel civilizador e do controle europeu. Não demorou 
muito a se criarem jornais. O primeiro foi em Boston, o Publick Occurrences, 
de 1690, de prelo manual e tiragem única. Em 1704, Boston teria seu segundo 
jornal, o The Boston News-Letter. Após a Guerra de Independência (1775), 
o número de jornais cresceu rapidamente de 37 para 200, em 1789 (LIMA, 
1989, p. 29).
O jornalismo panfletário: modelos inglês e 
francês
Dois modelos de pensar e produzir jornalismo surgiram na Europa: o modelo 
inglês, de respeito à liberdade de imprensa, que se tornou o paradigma do 
jornalismo ocidental contemporâneo; e o modelo francês, de controle e cen-
sura sobre a imprensa. Em ambas as acepções, o jornalismo se alimentava 
de notícias, embora no formato inglês o material de cunho opinativo fosse 
mais importante. 
Segundo Souza (2008), as gazetas tinham uma circulação restrita, em 
parte por causa dos baixos índices de alfabetização, em parte por conta do 
preço. Seus leitores incluíam burgueses endinheirados, a aristocracia e o clero 
instruído, e os leitores indiretos, que escutavam as notícias lidas publicamente 
em troca do pagamento de quem escutava. 
7O jornalismo impresso europeu (séculos XVII a XIX)
O aparecimento das gazetas permite afirmar que o jornalismo noticioso é uma in-
venção europeia dos séculos XVI e XVII, com raízes remotas na Antiguidade Clássica 
e antecedentes imediatos na Idade Média e no Renascimento. 
O modelo francês
O modelo francês de concepção, normatização e regimento do jornalismo no 
século XVII colocou as gazetas a serviço do absolutismo dos reis. Assim, eram 
intolerantes às críticas, aos protestos e às rebeliões. Os governos impunham 
censura prévia e proibiam a publicação de determinados conteúdos, valendo-se 
de um sistema compulsório de licenças de impressão. 
O Estado financiava o jornalismo, empregando “jornalistas” convertidos 
em funcionários reais, que recebiam instruções do que e de como redigir. 
Um excelente exemplo é o semanário La Gazette, publicado sob a égide do 
Cardeal de Richelieu. 
Foi também na França que surgiu o primeiro jornal cultural: o Journal 
des Savants, de publicação semanal. Ele difundia resenhas e comentários 
de livros, bem como artigos sobre temas científicos, históricos e artísticos, 
incorporando o espírito iluminista. 
O sistema jornalístico do século XVII era complementado pelo livro noti-
cioso. Publicado mensalmente, com cerca de 200 páginas, o Mercure Galant 
(1672) incluía notícias, curiosidades, fatos insólitos, maravilhas da natureza, 
pessoas e lugares. O modelo francês ganhou grande parte da Europa. A des-
peito do controle régio e da censura, as gazetas fizeram enorme sucesso, em 
especial entre as minorias cultas. 
O jornalismo impresso europeu (séculos XVII a XIX)8
O modelo inglês 
A forma inglesa de conceber, normatizar e reger o funcionamento dos 
jornais no século XVII rompeu com o modelo francês e com a instituição 
do parlamentarismo. Após os sangrentos confrontos civis (1643-1648), a 
implantação da República em 1649, e a instauração da Monarquia Parla-
mentar em 1660, o poder da nação passou a ser repartido entre o rei e o 
parlamento. Movimento consolidado com a Revolução Gloriosa (1688) 
e a criação da Declaração de Direitos (1689), que instituiu a tolerância 
religiosa e política, e definiu o parlamento como sede do governo. Este 
desenho político propiciou uma atmosfera de maior liberdade de pensa-
mento e expressão. 
O Corrant ou Weekly News (1622) pode ser considerado o primeiro jornal 
publicado e difundido na Inglaterra. Tinha cunho noticioso e foi rapida-
mente imitado por outros jornais. No ano de 1642, começo dos confrontos 
civis, surgiram jornais orientados a ambos os lados, pró-absolutistas e pró-
-parlamentaristas. Em 1644, John Milton fez no parlamento aquele que é 
considerado o primeiro discursomoderno pela liberdade de imprensa, chamado 
de Areopagítica. A discussão acerca das liberdades individuais – e, conse-
quentemente, de expressão – figurara nas obras Leviatã, de Thomas Hobbes, 
e Ensaio sobre o governo civil, de John Locke. O The Daily Courant (1702) 
é o primeiro jornal diário britânico. 
O modelo inglês de imprensa possui como características: 1) liberdades 
formais baseadas na proposta do racionalismo, com autonomia de pensamento 
e expressão. 2) sistema jornalístico baseado em jornais de vários tipos que se 
estendem dos noticiosos aos generalistas e especializados, e incluem periódicos 
culturais, científicos e políticos. 
Portanto, entende-se que os jornais não são apenas um veículo de no-
tícias – ou propaganda –, mas sim instrumentos da arena pública e da luta 
política pelo poder, um quadro de discussões racionais e livres, uma espécie 
de sucessores da ágora grega e do fórum romano. O modelo de jornalismo 
ocidental que existe na maioria dos estudos democráticos de direito baseia-se 
estruturalmente na acepção inglesa do século XVII. 
Este modelo foi replicado na Holanda, Suécia – primeiro país a consagrar 
legalmente a liberdade de imprensa em 1766 – e nos Estados Unidos (1791). 
Embora a Revolução Francesa tenha promulgado a Declaração dos Direitos 
do Homem e do Cidadão (1789), na prática, os governos revolucionários e 
napoleônicos que se seguiram tolheram a liberdade de imprensa. 
9O jornalismo impresso europeu (séculos XVII a XIX)
O Areopagítica (Figura 3) foi publicado em 23 de novembro de 1644 pelo poeta e 
parlamentar John Milton, na escalada da guerra civil inglesa. Seu título refere-se ao grego 
Areopagitikos, discurso escrito pelo ateniense Isócrates no século V a.C. Areópago era 
a colina em Atenas onde se instauravam os tribunais e também o nome do conselho 
que Isócrates tentava restaurar. Milton não tinha a intenção de apresentar o discurso 
oralmente. Assim, usou panfletos, desafiando a censura. 
O texto é considerado um clássico dos clássicos, fundador da liberdade de imprensa. 
Reúne argumentos contra a censura prévia e a favor da razão – direito de escrever ou 
opinar. Para o autor, um livro só pode ser proibido após ter sido publicado e, assim 
examinado, refutado e eventualmente condenado. 
Figura 3. Primeira página do Areopagítica.
Fonte: Milton (1644).
O século XVIII, também conhecido como o século das luzes, testemunhou 
a consolidação e o crescimento do jornalismo. Entre os motivos para tanto 
estão o desenvolvimento e o aumento da riqueza dos cidadãos – decorrente de 
uma produção em maior escala –, o colonialismo, o crescimento do comércio 
internacional, a consolidação dos estados-nação, a proclamação dos direitos 
individuais, as espetaculares descobertas científicas, a Reforma Protestante, 
O jornalismo impresso europeu (séculos XVII a XIX)10
o aumento da alfabetização, a urbanização, o invento de tecnologias que 
seriam pilares da Revolução Industrial e a ampliação do domínio político da 
burguesia. O ritmo de mudanças que se imprimiu fez com que os cidadãos 
tivessem mais necessidades de informação.
A Europa converteu-se, de fato, no centro do mundo no século XVIII. A 
França irradiava cultura, e a Inglaterra avançava nas liberdades políticas. Dois 
acontecimentos espetaculares marcaram o fim do século: a Independência 
Americana (1776) e a Revolução Francesa (1789). Uma das inovações do período 
foram os cafés e os clubes de cavalheiros, espaços de discussão racional dos 
assuntos políticos e econômicos, temas literários, científicos e novas ideias. 
Segundo Habermas (1984), o conceito de espaço público é geralmente 
aplicado às democracias ateniense e romana, em que os cidadãos participavam 
da discussão política das informações e de opiniões que levavam à tomada de 
decisões. Isso acontecia nos espaços da ágora e do fórum, respectivamente. Sua 
versão moderna surgiu no século XVIII, junto com os conceitos de público e 
privado. O espaço público é o local em que se formam as opiniões e decisões 
políticas. Também é onde se legitima o exercício do poder. Trata-se do espaço 
de debate, do uso da razão argumentativa, materializado em torno da vida 
social, nos debates sobre política, economia, assuntos militares, literatura e 
artes, que ocorriam justamente nos cafés, salões e clubes. 
A explosão da imprensa transferiu para os jornais e revistas os debates 
que anteriormente aconteciam nesses lugares. A imprensa tornou-se, assim, 
a primeira grande instância mediadora na configuração do espaço público 
moderno, espaço mais imaterial, simbólico por assim dizer. 
Apesar de seu caráter noticioso, a maior novidade do jornalismo europeu 
foi a lenta expansão de um modelo político-noticioso de imprensa de partido, 
oriundo do Reino Unido. A imprensa política europeia passa a seguir o para-
digma estabelecido pelos britânicos no século seguinte. Dessa forma, os mais 
relevantes desenvolvimentos da imprensa vieram da Inglaterra. 
Entre os jornais britânicos de cunho político e noticioso do século XVIII, 
destacam-se o The Weekly Review (1704-1713), fundado por Daniel Defoe – o 
mesmo que publicou em 1719, no The Daily Post, em formato de folhetim, o 
romance Robinson Crusoé. Vale destacar ainda o seu suplemento literário, o 
Petit Review, o Mercator (1713) e o The Spectator (1714), jornais de grande 
projeção na Europa. Todos procuravam – sem ataques pessoais ou partida-
rismo militante – discorrer de forma clara e com profundidade sobre ideias e 
valores, dando início à chamada “imprensa moral”. Esses jornais misturavam 
em diferentes proporções, notícias com artigos de opinião e análise, textos 
11O jornalismo impresso europeu (séculos XVII a XIX)
filosóficos, ideológicos e doutrinários, e até mesmo escritos literários na 
forma de folhetins. 
Considerado o jornal mais antigo do mundo ainda publicado, o Wieneris-
ches Diarium, que em 1780 mudou seu nome para Wiener Zeitung, nasceu 
como diário oficioso e se transformou no jornal oficial do governo austrí-
aco. O jornalismo europeu no século XVIII já era suficientemente aberto e 
policromático para permitir a coexistência de jornais com distintas linhas 
editoriais e público-alvo. A principal diferença é que a Europa continuou 
presa a um modelo de jornalismo que – embora tenha aberto caminho para 
as revoluções no fim do século – não proporcionava tanta liberdade como 
o formato inglês, sendo essencialmente propagandista do absolutismo. A 
imprensa europeia era, muitas vezes, sujeita a mecanismos de controle como 
licenças, taxas e censura. 
Os tempos que antecederam a Revolução Francesa (1789) foram, porém, 
jornalisticamente efervescentes. A crise do absolutismo monárquico na França, 
sobretudo a partir de 1787, levou ao florescimento da imprensa política “de 
partido” no país. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 
agosto de 1789, já integrava as ideias que precediam ao modelo liberal – e 
anglófilo – de jornalismo, oferecendo liberdades formais às publicações im-
pressas – autonomias essas que seriam restringidas pelas leis. Porém, em 1792, 
os jornais monárquicos foram proibidos na França e, em 1793, os jacobinos – 
revolucionários radicais – silenciaram os jornais dos girondinos – moderados 
–, apesar de a constituição republicana reconhecer a liberdade de imprensa. 
Os jacobinos criaram, também, jornais propagandísticos, como Le Journal 
de la République e o Journal des Hommes Libres. 
Em 1795, a nova constituição francesa voltou a reconhecer o direito à 
liberdade de imprensa. Porém, a legislação reguladora seguidamente deter-
minava o aniquilamento de vários jornais. Em 1799, Napoleão assumiu o 
poder, instituindo um modelo autoritário de imprensa. Napoleão, aliás, voltou 
a introduzir na França a licença prévia e a censura prévia. Não satisfeito, 
acabou por reduzir o número de jornais franceses a quatro em 1810. Todos 
com um perfil editorial informativo-propagandístico: La Gazette de France, 
Le Moniteur Universel – o menos alinhado dos quatro–, Le Journal de Paris 
e o Journal de l’Empire. O imperador fundou ainda um jornal propagandístico 
exclusivamente voltado para responder aos ataques ingleses, o Bulletin de 
Paris, e um jornal especializado em temas militares, o Bulletin de la Grande 
Armée, no qual ele próprio colaborou. 
O jornalismo impresso europeu (séculos XVII a XIX)12
O jornalismo literário
Os jornais na Europa do século XVII passaram a ser vistos com desconfiança 
pelos governantes pelo seu potencial de incitar o povo a motins e revoltas. 
Nesse mesmo período, um gênero literário até então desprezado, o romance, 
começou a ganhar destaque, até se consolidar no século XIX. A relação entre 
os jornais e o romance aconteceu quando estes passaram a ser publicados nos 
jornais, na forma de folhetins. Aliás, muitos dos romances hoje considerados 
clássicos, de autores como Alexandre Dumas, Honoré de Balzac e Machado 
de Assis, tornaram-se conhecidos do público neste formato. 
Segundo Alvim (2008), a palavra folhetim vem do francês feuilleton, que 
deriva de feuillet, que significa pequena folha. Originário da França, o termo 
originalmente designava a parte inferior das primeiras páginas dos jornais, 
destinadas aos textos de entretenimento. A partir de 1836, o termo passou 
a designar o “romance-folhetim”, ou seja, romances publicados de forma 
fragmentada em jornais e marcados por uma estratégia de interrupção da 
narrativa. O objetivo era aguçar a curiosidade do leitor, que aguardava pelo 
próximo capítulo – o que é feito até hoje pelas novelas televisivas, herdeiras do 
folhetim. O primeiro romance folhetim foi La Vieille Fille (A Velha Moça), de 
Honoré de Balzac, publicado em 12 episódios no jornal La Presse, de Émile 
de Girardin (MEYES, 1996). 
Os folhetins tentaram ilustrar com realismo a emoção e a miséria da con-
dição humana. Tinham várias opções de enredo, que iam das frivolidades a 
assuntos sérios, de temas particulares a acontecimentos políticos. Quando 
tratavam de amenidades e da vida da classe média, aproximavam-se do rea-
lismo literário. Também faziam um registro da vida cotidiana, algo típico do 
jornalismo, mas sem a pretensão de perpetuar a verdade, apenas sendo-lhe 
verossímil. Como tal, despertaram o interesse das camadas mais pobres para 
a leitura, e colaboraram para a construção de uma nova identidade nacional 
e urbana. Serviram, ainda, como modo de disseminação do modelo de com-
portamento europeu. O formato alcançou seu apogeu no fim do século XIX. 
Os folhetins articulavam-se de acordo com o público. Assim, havia roman-
ces para mulheres, homens – aventuras, policiais –, crianças e jovens. Tudo 
com uma ampla gama de narrativas, tais como: sentimental, alcova – baseada 
na traição conjugal –, histórica, de modos e costumes, de capa e espada, 
narrativas de viagens, policiais e até faroestes. 
O formato garantia não só o lucro do dono do jornal, mas também dos 
romancistas. Estes deixaram de depender da compra ocasional de seus livros 
em volumes e passaram a ter um ganho mensal. 
13O jornalismo impresso europeu (séculos XVII a XIX)
Hohlfeldt (2003) propõe a seguinte tipologia cronológica para classificação do folhetim:
 � Idade Romântica do Folhetim (1836-1866). Mudança da imprensa que era es-
sencialmente política, para meio de entretenimento do público burguês. Embora 
o primeiro texto do gênero seja atribuído a Balzac, este já era famoso por suas 
publicações e terá dificuldade de se adaptar a este novo modelo. Quem aceita e 
escreve, de fato, é Alexandre Dumas com publicações como Os Três Mosqueteiros 
e O Conde de Monte Cristo. Ao articular-se com o jornal, o romance de folhetim 
compreende que deve possuir atualidade em seus temas, exigindo rapidez de 
sua escrita, e estar sujeito ao desejo popular que acaba por interferir de maneira 
direta no desenvolvimento do enredo – exigindo o retorno de algum personagem, 
por exemplo. Dada à censura política francesa do período, a imprensa acaba por 
favorecer o divertimento. Em 1857, Gustave Flaubert publica Madame Bovary. 
 � Período de Transição (1866-1875). Marcado por uma diminuição do preço dos 
jornais e aumento de sua tiragem. A imprensa adquire cunho sensacionalista, com 
manchetes que chamam a atenção do leitor. Décadas antes, em 1828, causara 
sensação entre os leitores a publicação de Memórias de Vidocq, que tratava de um 
ex-criminoso que passa a trabalhar para a polícia parisiense. Os autores de folhetim 
desse período irão se valer desta ideia, baseando suas histórias em fatos reais, criando 
uma espécie de antecedente do romance policial. Também se tornam comuns as 
“sequências” de romances consagrados, surgindo histórias como A Condessa de 
Monte Cristo, e a continuação das aventuras dos mosqueteiros em 20 Anos Depois 
e O Visconde de Bragelonne.
 � Consolidação (1875-1914). Período em que a imprensa incorpora o pensar capitalista, 
sendo os romances de folhetim produzidos de forma massiva. Os romances do 
período fazem apelo à lágrima e à emoção. Em geral tratam da mulher seduzida, 
enganada ou violada que deverá lutar até comprovar sua inocência ou se redimir 
dos seus erros. O romance de folhetim aproxima-se do melodrama. 
1. Considerados como um antepassado 
dos jornais atuais, estas publicações 
tinham grande número de páginas 
e periodicidade relativamente 
definida (anual ou semestral). O 
título denominaria as sucessivas 
edições, uma espécie de “anuário 
de notícias”. Eles eram muitas vezes 
impressos em latim – a língua franca 
da época. Estamos falando de:
a) folhas volantes.
b) almanaques.
c) gazetas.
d) folhetim.
e) livros noticiosos.
2. Consideradas como a evolução 
O jornalismo impresso europeu (séculos XVII a XIX)14
dos livros noticiosos, tinham 
periodicidade definida e frequente, 
primeira página titulada com local 
e data de publicação, notícias sobre 
diferentes assuntos e profissionais 
dedicados à sua redação, paginação 
e impressão. Estamos falando de:
a) folhas volantes.
b) almanaques.
c) gazetas.
d) folhetim.
e) livros noticiosos.
3. O chamado modelo francês de 
concepção e produção jornalística 
pode ser caracterizado como sendo:
a) aberto à iniciativa privada.
b) favorável à liberdade 
de expressão.
c) possuidor de censura prévia.
d) isento de influência do Estado.
e) livre em seu conteúdo.
4. Das alternativas apresentadas, qual 
a que melhor caracteriza o modo 
de pensar e produzir jornal inglês?
a) Controle do Estado e 
censura prévia.
b) Liberdades formais e 
sistema baseado em 
jornais de vários tipos.
c) Busca de notícias e sua 
comercialização.
d) Ausência de relacionamento com 
o espaço e a opinião pública.
e) Organização artesanal e 
sem fins lucrativos.
5. A relação entre os jornais 
e o romance de folhetim é 
melhor expressa em qual 
das afirmações abaixo:
a) O folhetim estimulava à discussão 
política e à crítica social.
b) O folhetim era destinado às 
elites intelectuais da época.
c) O folhetim era autoral 
e não aceitava nenhum 
tipo de influência por 
parte do público leitor.
d) O folhetim objetivava 
vender jornal, e como tal, 
seu texto buscava prender 
a atenção do leitor.
e) Os folhetins buscavam resgatar 
o passado, e falavam sobre 
temas da História Antiga.
ALVIM, L. Os Jornais, o romance e o folhetim. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSO-
CIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES DE HISTÓRIA DA MÍDIA. 6., Niterói, 2008. 
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o%20romance%20e%20o%20folhetim.pdf>. Acesso em: 04 dez. 2017.
HABERMAS, J. Mudança Estrutural da Esfera Pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 
1984.
HOHLFELDT, A. Deus escreve direito por linhas tortas: o romance-folhetim dos jornais 
de Porto Alegre entre 1850 e 1900. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003. 
15O jornalismo impresso europeu (séculos XVII a XIX)
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de Ciências da Comunicação, 2008. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt/pag/
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em: <https://www.saraiva.com.br/o-nome-da-rosa-blu-ray-3652793.html>. Acesso 
em: 18 dez. 2017.
Leitura recomendada
SEELAENDER, A. C. L. Surgimento da ideia de liberdades essenciais relativas à infor-
mação: a Aeropagitica de Milton. Revista da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, 
v. 86, 1991. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/67163>. 
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