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Artigo PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E SEUS REFLEXOS NA POLÍTICA CRIMINAL UMA ANÁLISE DE SUA APLICAÇÃO EM TRIBUNAIS SUPERIORES NA ATUALIDADE

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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIBAGOZZI – GRAN
PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO E JURISDIÇÃO APLICADA A MAGISTRATURA
FRANCIELI GONÇALVES DOS SANTOS
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E SEUS REFLEXOS NA POLÍTICA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DE SUA APLICAÇÃO EM TRIBUNAIS SUPERIORES NA ATUALIDADE. 
ARACRUZ-ES
2024
Resumo
O presente artigo busca avaliar o desenvolvimento e aplicação do princípio da insignificância no ordenamento pátrio. Com foco em posicionamento doutrinário e do Supremo Tribunal Federal, sobretudo quanto ao caso a que se refere o recente julgado do Habeas Corpus nº 224.553/PR, no qual a 1º Turma do STF rejeitou a aplicação do princípio da insignificância a dois condenados por realizarem o furto de um macaco de carro, uma garrafa de óleo diesel e dois galões para combustíveis, totalizando o valor de R$100,00. 
O método revisão bibliográfica será utilizado para alcançar o objetivo pretendido por meio da análise de posicionamento de doutrinadores renomados e tendência jurisprudencial do posicionamento dos integrantes do Supremo Tribunal Federal, com objetivo central de verificar se a aplicação do princípio da insignificância no Brasil possui critérios claros que preconizam a isonomia entre seus destinatários. 
Com intuito de fortalecer os argumentos que analisam o caso em questão utiliza-se como base referencial os autores Guilherme Nucci, Rogério Grecco, Claus Roxin , Patrícia Vanzolini e Paulo Queiroz.
Palavras chave: Judiciário, Princípios, Liberdade, Insignificância, isonomia. 
1 Introdução
O princípio da insignificância, tal como concebido por CLAUS ROXIN em 1964, remete a premissa de que o Direito Penal não deve intervir em casos que envolvam lesões mínimas a bens juridicamente tutelados e relevantes socialmente.
Desde sua gênese, o princípio da insignificância é fruto do especial interesse de ROXIN pela finalidade da pena, que funcionou como percursora do sistema penal funcionalista1. Na perspectiva de ROXIN, uma teoria do delito a partir da perspectiva da política criminal era adequada, em outras palavras, o foco deveria estar nos fins ou funções do Direito Penal. 
Essa reflexão sobre um Direito Penal a partir da importância de uma perspectiva da política criminal, pode ser a razão pela qual o princípio da Insignificância foi aderido pela Doutrina e Jurisprudência pátria, sobretudo em um crime específico, qual seja, furto. Vejamos: 
Não tão recentemente, já é sabido por todos que o sistema carcerário brasileiro se encontra em um “estado de coisas inconstitucional”, com o reconhecimento da Suprema Corte da ineficiência de diversos representantes do Estado em conduzir o tema. Para fins de exemplificação, segundo a Secretaria Nacional de Políticas Penais – SENAPPEN, em seu Relatório de Informações Penais – RELIPEN referente ao primeiro semestre de 2023, o total de número de custodiados no Brasil trata-se de 644.794 em celas físicas, cuja capacidade total de vagas no sistema penitenciário era de 481.835 vagas. Some-se a esses dados outros 190.080 apenados em prisão domiciliar. Ainda segundo o RELIPEN, há um total de 35.077 homens e 31.055 mulheres em celas físicas cumprindo pena por furto simples, o que corresponde a aproximadamente expressivos10,25% do total de custodiados2.
Sob esse cenário, o reconhecimento do princípio da insignificância, como forma de desconsideração da tipicidade, se apresenta na jurisprudência brasileira como uma forma de, dentre outras vantagens, contribuir para redução do caos instalado no sistema carcerário. A questão que se busca analisar é se o princípio da insignificância está sendo aplicado de forma adequada ao ordenamento jurídico brasileiro, em que grau há segurança jurídica em sua aplicação da forma atual, e o que pode ser feito. 
Para auxiliar nas buscas por respostas, serão analisadas doutrinas e o emblemático Habeas Corpus nº 224.553/SC, em que restou demonstrado divergências quando a aplicação dentro da própria Suprema Corte3.
2 Desenvolvimento
Os argumentos apresentados neste trabalho referentes a critérios e aplicação do princípio da insignificância, estão centrifugados nos trabalhos dos seguintes autores: Guilherme Nucci, Rogério Grecco, Claus Roxin e Patrícia Vanzolini, e Paulo Queiroz.
Na visão de GUILHERME NUCCI o princípio da insignificância não possui previsão legal, mas trata-se de uma construção jurisprudencial, que incide sobre a desconsideração típica em razão de não-materialização do dano ou reduzida importância 4.
Diferente disto PAULO QUEIROZ, aplica uma visão dogmática do princípio da insignificância afirmando que está dentro da tipicidade e não no campo da individualização da pena, razão pela qual deve ser reconhecido independentemente da existência de maus antecedentes, reincidência ou continuidade delitiva, ou até mesmo em crimes violentos ou que envolvam grave ameaça5. Diverge desse raciocínio ROGERIO GRECCO, o qual entende que o princípio da insignificância não pode ocorrer em qualquer infração penal, mas apenas naquelas que poderiam gerar punições absurdas pelo ramo mais violento do ordenamento6.
Ante as diversas construções doutrinárias possíveis, segue a definição do princípio da insignificância e sua natureza amplamente defendida pelo Supremo Tribunal Federal, apresentada pelo Ministro Gilmar Mendes, em manifestação no RHC 210.198/DF7, na qual usou as seguintes palavras:
O princípio da insignificância (das Geringfügigkeitsprinzip ) , ora em debate, nada mais é do que um critério dogmático a ser empregado no âmbito de análise da tipicidade material (ROXIN, Claus. AT, I, Rn. 38,40, 2006). Em uma leitura conjunta do princípio da ofensividade com o princípio da insignificância, estaremos diante de uma conduta atípica quando a conduta não representar, pela irrisória ofensa ao bem jurídico tutelado, um dano (nos crimes de dano), uma certeza de risco de dano (nos crimes de perigo concreto) ou, ao menos, uma possibilidade de risco de dano (nos crimes de perigo abstrato), conquanto haja, de fato, uma subsunção formal do comportamento ao tipo penal. Em verdade, não haverá crime quando o comportamento não for suficiente para causar um dano, ou um perigo efetivo de dano, ao bem jurídico – quando um dano, ou um risco de dano, ao bem jurídico não for possível diante da mínima ofensividade da conduta.
Certamente a interpretação do Ministro Gilmar Mendes não é a única adotada pelo Superior Tribunal Federal, razão pela qual no decorrer dos anos, visando uma aplicação mais sistemática do princípio em análise, o próprio Supremo adotou vetores a serem observados na sua aplicação. O grande nome por trás da tentativa de padronização do reconhecimento da insignificância, trata-se do aposentado Ministro Celso de Mello.
Em 2004, ao julgar um leading case, sob HC 84412, em 19.10.20048, o relator, então Ministro Celso de Mello, fixou os principais pontos de entendimento do STF sobre o princípio da insignificância, que perdura até os dias atuais. O, então Ministro, partindo da premissa de que o princípio da insignificância deve ser analisado à luz dos postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado, indica três vetores que devem ser indicados para seu reconhecimento, quais sejam: Mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação e inexpressividade da lesão jurídica provocada. Segue um trecho do mencionado posicionamento: 
Princípio da insignificância – que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal – tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade pena, examinada na perspectiva de seu caráter material (...) Tal postulado – que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como a mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada – apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiáriodo sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público”. [HC n. 84.412-0/SP, STF, Rel. Ministro Celso de Mello, DJU 19/11/2004]
Já na apreciação do HC 100.935/RS9, novamente o Ministro Celso de Mello cita o desenvolvimento de sua tese para aplicação do princípio, acrescentando um quarto vetor, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento. Se pautando ainda nas ideias centrais dos princípios gerais do Direito Penal, que guardam a restrição de direitos e prisão para quando houver real e potencial ofensa a valores penalmente tutelados e relevantes para sociedade. 
Sob a égide dos vetores mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada, o STF tem proferido a grande maioria de suas decisões sobre o tema. Entretanto, entre os próprios ministros ainda há divergência quanto aos limites de aplicação. Razão pela qual, passa-se a analisar o Habeas Corpus nº 224.553/SC 3, apreciado pela 1º Turma do STF. 
O caso trata-se de um pedido da Defesa para que fosse reconhecido o princípio da insignificância em fato envolvendo dois indivíduos que foram condenados por subtrair durante o repouso noturno 1 macaco (peça automotiva), 2 galões para combustível e 1 garrafa contendo óleo diesel, avaliados em R$ 100,00, e recuperados pela vítima. Um dos autores era reincidente, com uma condenação transitada em julgado pelo crime de roubo. 
Os ministros se debruçaram em seus votos para defender se deveria ou não ser reconhecido o princípio em análise ao réu reincidente e em fatos envolvendo causas de aumento de pena. 
Os ministros Cristiano Zanin e Alexandre de Moraes sustentaram que a orientação firmada pelo Plenário do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL é que a insignificância da conduta envolve um juízo amplo, que deve ser pautada em uma análise conglobante para aferição do resultado material da conduta, abrangendo também a reincidência e o caráter de reprovabilidade por ter ocorrido durante o repouso noturno. O posicionamento encontra respaldo em manifestação proferida pelo Ministro Luís Roberto Barroso10 sobre o reconhecimento da insignificância, a seguir: 
“[...] aplicação do princípio da insignificância envolve um juízo amplo (conglobante), que vai além da simples aferição do resultado material da conduta, abrangendo também a reincidência ou contumácia do agente, elementos que, embora não determinantes, devem ser considerados”. (HC 123.108/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 1º/2/2016).
Ainda no decorrer de seu voto, o Ministro Alexandre de Moraes discorreu sobre a importância da atuação do juiz da causa para evitar que ações típicas de pequeno impacto sejam consideradas lícitas e imunes a repressão estatal. Defendeu o Ministro que caberá ao juiz estabelecer a justa medida na dosagem da pena considerando
Busca-se, desse modo, evitar que ações típicas de pequena significação passem a ser consideradas penalmente lícitas e imunes a qualquer espécie de repressão estatal, perdendo-se de vista as relevantes consequências jurídicas e sociais desse fato decorrente. Daí a importância da atuação do juiz da causa que, segundo as peculiaridades de cada caso concreto, deverá estabelecer a justa medida na dosagem da pena, tendo em conta, inclusive, heterogeneidades sociais, econômicas e culturais.
Diferente dos dois ministros anteriores, a Ministra Carmem Lucia, em seu voto afirmou que deveria ser reconhecido o princípio da insignificância porque apesar de presentes as condutas dos agravantes à tipicidade formal subjetiva, não estava demonstrada a tipicidade material, qual seja, representada pela relevância penal da conduta e do resultado típico. Sendo ainda, insuficiente o fato do furto ter ocorrido durante o repouso noturno para o afastamento do reconhecimento da tipicidade material.
A ministra também citou o emblemático HC 123.108/MG10, para afirmar que a reincidência não afasta o reconhecimento da insignificância. Vejamos:
A reincidência não impede, por si só, que o juiz da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto; II - Na hipótese de o juiz da causa considerar penal ou socialmente indesejável a aplicação do princípio da insignificância por furto, em situações em que tal enquadramento seja cogitável, eventual sanção privativa de liberdade deverá ser fixada, como regra geral, em regime inicial aberto, paralisando-se a incidência do art. 33, § 2º, c, do CP no caso concreto, com base no princípio da proporcionalidade.” (HC 123.108/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 1º/2/2016).
A ministra conclui seu voto, defendendo a necessidade de repensar o direito para adoção de medidas voltadas para contenção e resposta judicial de condutas reprováveis no aspecto jurídico e social, com o olhar voltado para garantia de integridade dos direitos de todos. Isso porque o direito penal é fragmentário, devendo ser observada a lesividade e ofensividade, independente da reincidência. 
Da análise dos votos dos ministros, está clara a divergência quando aos limites do princípio da insignificância, como deve ser aplicado e inclusive como devem ser interpretados os vetores desenvolvidos pelo ex-Ministro Celso de Mello. 
3 Discussão crítica
O direito penal deve funcionar como ultima ratio no sistema punitivo, por isso sua característica de ser subsidiário. Ele não deve se preocupar com bens que não mereçam a tutela do sistema jurídico, e dentro do sistema tripartiti de crime, qual seja, crime é fato típico, ilícito e culpável, tem-se que o princípio da insignificância está inserido da análise da tipicidade. 
Tipicidade é a adequação do fato ao tipo penal, e admite excludentes que se dividem em legais ou supralegais. As excludentes de tipicidade legalmente previstas, encontram-se dispersas no Código Penal e não apenas agrupada em um artigo; já as excludentes de tipicidade supralegais, que em regra estão implicitamente previstas em lei, temos como exemplos a adequação social e a insignificância. 
Para o criador do princípio da insignificância, CLAUS ROXIN, o referido princípio tecnicamente tem natureza de critério hermenêutico na interpretação dos tipos penais. E em sua visão deve funcionar como limitador do poder do Estado, ao lado de princípios como intervenção mínima e fragmentariedade na tutela dos bens jurídicos, sendo inclusive evidente para ele que o intérprete do direito “não pode impor sua própria política criminal àquela que subjaz ao direito vigente11.
 A insignificância, de construção jurisprudencial, encontra alicerce então nesses outros dois princípios, estes sim previstos implicitamente no ordenamento jurídico pátrio, tratando-se dos princípios da intervenção mínima e o da lesividade. 
O princípio da intervenção mínima é o responsável pelo apontamento de bens de relevante valor para o Direito Penal e também pela descriminalização de condutas irrelevantes, ou seja, quais são as condutas que não serão atingidas pelos rigores da norma penal. Já o princípio da lesividade ainda carrega uma terceira função que é a de impedir o agente de ser punido pelo que é. Ou seja, no ordenamento jurídico pátrio, prioriza-se o direito penal do fato em detrimento do direito penal do autor 12.
Em regra geral, o princípio da insignificância deve ser observado durante a análise da tipicidade, que subsumi o fato a norma penal. Também é causa excludente de tipicidade do tipo supralegal, que mesmo sendo uma criação doutrinaria, encontra alicerce no ordenamento jurídico pátrio por se alicerçado em dois princípios, quais sejam o princípio da lesividade e o da intervenção mínima13.
O Supremo Tribunal Federal tem acolhido com frequência a tese de aplicação do princípio em analise nos casos de crimes sem violência, como é o caso do furto. Para tentar conter as diversas interpretações e incongruências na aplicação do instituto, seus ministros vêm contribuindo ao longo dos anos na busca de parâmetros de aplicação.
Nessesentido a contribuição do aposentado Ministro Celso de Mello, então membro do Supremo Tribunal Federal, ao desenvolver os vetores para reconhecimento da insignificância, quais sejam, mínima ofensividade, nenhuma periculosidade social da ação, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade de lesão jurídica provocada; não é possível negar que contribuiu significativamente para uma assimilação do da insignificância em nosso ordenamento. Em 2020, o próprio STJ também aderiu claramente os vetores, conforme segue em decisão no HC HC 593.652/MG 14, de relatoria do Ministro Nefi Cordeiro. Vejamos:
Sedimentou-se a orientação jurisprudencial no sentido de que a incidência do princípio da insignificância pressupõe a concomitância de quatro vetores: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. Ressalvada compreensão diversa, ainda que seja inexpressivo o valor da res furtiva, avaliado em R$ 75,00, correspondente a aproximadamente 8% do salário mínimo vigente à época, a habitualidade delitiva do paciente é suficiente para afastar a aplicação do princípio da insignificância. Precedentes. 3. Habeas corpus denegado. “(HC 593.652/MG, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 01/09/2020, DJe 16/09/2020)
O reconhecimento dos vetores nas mais altas cortes do país é uma unanimidade construída ao longo de anos de debate, entretanto os vetores muitas vezes quando aplicados parecem sinônimos, pois se considerar que a ofensa é mínima, por vez não será perigosa em regra, o que obviamente leva a conclusão de que a reprovação será mínima ou nenhuma. Esta crítica, amplamente defendida por PAULO QUEIROZ 15, se mostra plausível quando se observa que esse elevada abstração nos termos que compreendem aos vetores, se refletem nas divergências de interpretação de como devem ser aplicados pela mais alta Corte do país, a exemplo da análise dos votos dos ministros no julgado do Habeas Corpus nº 224.553/SC3, dentre outros. 
Para corroborar a afirmação mencionada acima, da análise do Habeas Corpus número 123.108, com manifestação semelhante a presente no Habeas Corpus número 123.533 e 123.734, infere-se que o Relator o Ministro Roberto Barroso, afirmou que o plenário do Supremo Tribunal Federal firmou entendimento “a aplicação do princípio da insignificância envolve um juízo amplo (‘conglobante’), que vai além da simples aferição do resultado material da conduta, abrangendo também a reincidência ou contumácia do agente, elementos que, embora não determinantes, devem ser considerados”, porém, o entendimento dos Ministros Zanin e Alexandre de Moraes, parecem indicar que a reincidência por si só se mostra como um elevado grau de reprovabilidade, que remete um perigo a própria segurança pública e a ordem social.
4 Considerações finais
Conclui-se da análise dos estudos da doutrina e jurisprudência que o princípio da insignificância está sedimentado no ordenamento jurídico pátrio alicerçado sobre os princípios da fragmentariedade e lesividade como causa supralegal de exclusão da tipicidade. Sob esse cenário, o reconhecimento do princípio da insignificância, como forma de desconsideração da tipicidade, se apresenta na jurisprudência brasileira como uma forma de diminuir problemas sociais, como o estado inconstitucional de coisas, instalado no sistema carcerário. Devido a isso, o princípio da insignificância recebeu uma amplitude que por vezes abarca condutas típicas que possuem expressividade sobre o aspecto social. 
Porém, parte da doutrina entende que além da possibilidade de causar a falsa impressão a sociedade de que condutas foram descriminalizadas gerando repercussão social negativa, o princípio da insignificância não está positivado. O que torna relevante a reflexão de PAULO QUEIROZ, que defende que o princípio em análise deve ser aplicado independente de valores, ou reincidência do agente, uma vez que está sob análise supralegal da tipicidade15.
O princípio da insignificância encontra mais lógica em ser aplicado a partir de critérios objetivos quanto a conduta do agente e não em relação a atributos do próprio agente. É preciso recordar que a insignificância é avaliada quando do elemento tipicidade, em que não é considerada análise subjetiva, sob risco de se estar aplicando o direito penal do autor, essa teoria tão criticada modernamente, em detrimento do direito penal do fato. 
Falta clareza na aplicação de requisitos, refletido nas diferentes posições e interpretação dos vetores aplicados atualmente pelos próprios Ministros do Supremo Tribunal Federal, o que pode ser corrigido pelo Poder Legislativo. 
Nesse sentido, dispõe o Projeto de Lei nº 6667/06, que busca incluir o artigo 22-A no Código Penal. A proposta é que, caso seja aprovado, o juiz terá que observar os quatro vetores propostos na jurisprudência do STF, para excluir a tipicidade da ação. O projeto já foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados e apresentado ao Plenário da referida Câmara. Essa iniciativa favorece a sociedade tanto pela maior segurança jurídica, quanto por reforçar uma política criminal menos volátil. Isso porque o Direito Penal tem como uma de suas funções ser norma solucionadora de conflitos e se sujeitar a mudanças políticas ou interesses voltados ora para repressão ora para uma política criminal mais tolerante, de forma irracional, poderá leva-lo ao descrédito e ineficiência16.
Assim, considerando a própria origem doutrinária do princípio da insignificância, com a inserção do princípio no ordenamento jurídico através de uma legislação clara seria possível trazer segurança jurídica a sua aplicação, sem que seu uso ora transitasse pela permissividade ora por posições de política criminal mais repressiva. Afinal ao desenvolver o princípio da insignificância ROXIN, ainda que atrelando direito penal a política criminal, sustentava que o Estado não deve se ocupar de bagatela. Ideia que representa bem o que um Estado Democrático de Direito deve buscar como caminho quando o tema é direito penal, qual seja, um Direito Penal Mínimo, que sirva para prevenção, harmonia e garantia da ordem. Sem servir as paixões de políticos, Ministros ou demais agentes de Estado responsáveis pela aplicação da norma, ordem social e segurança pública.
Referências
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<https://www.gov.br/senappen/pt-br/assuntos/noticias/senappen-lanca-levantamento-de-informacoes-penitenciarias-referentes-ao-primeiro-semestre-de-2023 >. Acesso em: 20.12.2023
3. STF, RHC 224.553/SC, 2ª Turma, rel. min. Cristiano Zanin, Dje 11/10/2023. Disponível em:
< https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6563578 >. Acesso em 02.01.2024
4. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal: 17 ed. – Rio de Janeiro: Editora Forense, 2021. 162 p.
5. QUEIROZ,Paulo.Direito Penal Parte Geral. 4ªed. – Rio de Janeiro: Editora Lumen, 2008. 51 p.
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7. STF, RHC 210.198/DF, 2ª Turma, rel. min. Gilmar Mendes, Dje 19/01/2022 Disponível em:
< https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6320457>. Acesso em 02.01.2024
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Disponível em: :<https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=79595>. Acesso em 02.01.2024
9. STF, HC 100935/RS, 2ª Turma, rel. min. Celso de Mello, Dje 17/11/2009. Disponível em:
< https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=614242 >. Acesso em 02.01.2024
10. STF, HC 123.108/MG, Tribunal Pleno, rel. min. Roberto Barroso, Dje 03/08/2015. Disponível em: < https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10175198 >. Acessoem 02.01.2024
11. ROXIN, Claus.Estudos de Direito Penal –v.1. 1ª ed. Rio de Janeiro: R6novar.2006. 64 p.
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13. GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral - v. 1. 21. ed. Niterói: Impetus, 2019. 112 p
14. STJ, HC 593.652/MG, 6ª Turma, rel. min. Nefi Cordeiro, Dje 16/09/2020. Disponível em:
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15. QUEIROZ, Paulo.Direito Penal Parte Geral. 4ªed. – Rio de Janeiro: Editora Lumen, 2008. 53 p.
16. PALÁCIO DO PLANALTO. Constituição Federal do Brasil. Disponível em:
< http://www.plasnalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10.11.2023
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<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 09.12.23

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