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APG – SOI V Emilly Lorena Queiroz Amaral – Medicina/5º Período 1 @emilly.lorenaa APG 10 – Amnésia científica 1) DISCUTIR AS BASES NEUROBIOLÓGICAS DA MEMÓRIA E OS TIPOS DE MEMÓRIA (SEGUNDO TEMPO DE AQUISIÇÃO E ESTRUTURA CEREBRAL ENVOLVIDA) A memória é a capacidade de codificar, armazenar e evocar as experiências, impressões e fatos que ocorrem em nossas vidas. Tudo o que uma pessoa apresente em sua existência depende intimamente da memória. Além disso, todos os processos relacionados com a memória são altamente contextualizados, integrados em uma rede de múltiplas informações e contextos da vida. A capacidade específica de memorizar relaciona-se com vários fatores, entre eles o nível de consciência e atenção, o estado emocional e o interesse motivacional e, particularmente importante, os contextos, como lugar, momento, com que pessoas, em que tipo de atividade e em que fase da vida a codificação, o armazenamento e a evocação das informações ocorrem. De forma genérica, podem-se distinguir, para os seres humanos, os seguintes tipos de memória: Memória psicológica (cognitiva ou neuropsicológica): É uma atividade altamente diferenciada do sistema nervoso, que permite ao indivíduo codificar, conservar e evocar, a qualquer momento, os dados aprendidos da experiência. Memória genética e epigenética: Esse tipo de memória abrange conteúdos de informações biológicas adquiridos ao longo da história filogenética da espécie e ao longo das vivências do indivíduo e de seus ancestrais, contidos no material biológico (DNA, RNA, cromossomos, mitocôndrias, mudanças epigenéticas) dos seres vivos. Memória imunológica: Esse tipo de memória reúne informações registradas e potencialmente recuperáveis pelo sistema imune de um ser vivo. Memória coletiva, social ou cultural: Envolve conhecimentos e práticas sociais e culturais (costumes, valores, práticas, linguagem, habilidades artísticas, conceitos e preconceitos, ideologias, estilos de vida, rituais, gesticulações, etc.) produzidos, acumulados e mantidos por um grupo social. Esse tipo de memória tem importância fundamental para as sociedades humanas. Sem ela, os grupos sociais perdem sua identidade básica, a possibilidade de perceber o sentido de suas existências, a gratidão e crítica em relação ao passado e a esperança e prudência em relação ao futuro. Estudos em psicologia cognitiva e neuropsicologia identificaram dois aspectos importantes sobre a memória psicológica: A memória não é um processo unitário, dessa forma, ela é composta de múltiplos elementos, que podem ser organizados e expostos de distintas formas e exigem redes e estruturas cerebrais diferentes. Além disso, a memória não é um processo passivo e fidedigno de fixação de elementos e de evocação exata e realista do que foi arquivado. Nesse sentido, ela é muito mais um processo ativo, no qual vários elementos do indivíduo participam da codificação e da evocação, como elementos sensoriais, imaginativos, semânticos e afetivos. A memória é frequentemente reeditada, ou seja, as informações de eventos, cenas e acontecimentos do passado, que já foram armazenadas, podem ser reconfiguradas com acréscimos de elementos novos (vividos ou imaginados pelo próprio indivíduo ou instigados por estímulos externos, conscientes ou não). Assim, há um processo de recriação e reinterpretação no arquivo de longo prazo de nossas memórias. FASES OU ELEMENTOS BÁSICOS DA MEMÓRIA A memória psicológica possui 3 fases ou elementos básicos: (segue o exemplo usando a metáfora de uma biblioteca para a memória). CODIFICAÇÃO: captar, adquirir e codificar informações. Corresponde à escrita de um livro em papel. A codificação ocorre quando, ao vermos uma coisa pequena, de uns 10 centímetros, coberta de uma capa colorida (penas), com cabeça, corpo e patinhas, que se move e canta, denominamos de passarinho. A informação codificada semanticamente na palavra “passarinho” passará, assim, a ser arquivada, já tendo sido codificada. É o processo inicial da memorização e depende muito da atenção. ARMAZENAMENTO: reter as informações de modo fidedigno. Implica a classificação do livro e sua colocação em uma determinada estante, assim como a conservação desse livro nessa estante (protegendo-o do sol e da chuva). APG – SOI V Emilly Lorena Queiroz Amaral – Medicina/5º Período 2 @emilly.lorenaa RECUPERAÇÃO OU EVOCAÇÃO: também denominada de lembranças ou recordações, sendo a fase em que as informações são recuperadas para distintos fins. Significa poder acessar o livro na estante e poder lê-lo da melhor forma possível. É a etapa final do processo de memória. Há ainda dois aspectos distintos em relação a evocação: disponibilidade e acessibilidade da informação que ocorre quando tentamos lembrar o nome de uma pessoa, sentimos que esse nome está “na ponta da língua”, sabemos qual a primeira sílaba, se o nome é curto ou longo, mas o nome inteiro “não vem” (“fenômeno da ponta da língua”). Nesse caso, a informação ainda está disponível em nossa memória de longo prazo, mas não está, no momento exato que queremos lembrar, acessível para nós. Lembrança é a capacidade de acessar elementos no banco da memória de longo prazo. Reconhecimento é a capacidade de identificar uma informação apresentada ao sujeito com informações já disponíveis na memória de longo prazo. Esquecimento, por sua vez, é a denominação que se dá à impossibilidade de evocar e recordar. MEMÓRIA SEGUNDO O TEMPO DE AQUISIÇÃO, ARMAZENAMENTO E EVOCAÇÃO Em relação ao processo temporal de aquisição, armazenamento e evocação de elementos mnêmicos, a neuropsicologia moderna divide a memória em quatro momentos temporais: MEMÓRIA SENSORIAL E DEPÓSITO SENSORIAL (ATÉ 1 SEGUNDO): Aqui, percepção, atenção e memória se sobrepõem. As memórias sensoriais são ricas (muitos conteúdos), mas muitíssimo breves (os conteúdos se apagam rapidamente). Quando estímulos visuais (memória icônica) ou auditivos (memória ecoica) são expostos ao indivíduo, ele capta (não de modo consciente) um número relativamente grande de informações, mas pode guardá- las apenas por um período muito curto. Há um depósito sensorial, que funciona geralmente abaixo do limiar da consciência, em apenas 50 milissegundos, quando se deve “decidir” (quase sempre sem consciência) se voltamos a atenção para certos estímulos ou se estes serão rapidamente apagados. MEMÓRIA IMEDIATA OU DE CURTÍSSIMO PRAZO (DE POUCOS SEGUNDOS ATÉ 1 A 3 MINUTOS): Esse tipo de memória se confunde conceitualmente também com a atenção e com a memória de trabalho. Trata-se da capacidade de reter o material (palavras, números, imagens, etc.) imediatamente após ser percebido, como reter um número telefônico para logo em seguida discar. A memória imediata tem também capacidade limitada e depende da concentração, da fatigabilidade e de certo treino. As memórias imediata e de trabalho dependem sobretudo da integridade das áreas pré-frontais. MEMÓRIA RECENTE OU DE CURTO PRAZO (DE POUCOS MINUTOS ATÉ 3 A 6 HORAS): Refere-se à capacidade de reter a informação por curto período. Também é um tipo de memória de capacidade limitada. Muitas vezes, as memórias de curto prazo e de curtíssimo prazo são consideradas simplesmente como memória de curto prazo. A memória recente depende de estruturas cerebrais das partes mediais dos lobos temporais, como a região CA1 do hipocampo, do córtex entorrinal, assim como do córtex parietal posterior. MEMÓRIA DE LONGO PRAZO OU REMOTA (DE DIAS, MESES ATÉ MUITOS ANOS): É a função relacionada à transferência de informações para depósitos de longo prazo, tendo capacidade quase ilimitada. Ela também se relaciona à evocação de informaçõese acontecimentos ocorridos no passado, geralmente após muito tempo do evento (pode durar por toda a vida). É um tipo de memória de capacidade bem mais ampla em termos de itens a serem guardados que a memória imediata e a recente. As informações a serem guardadas na memória de longo prazo são armazenadas de modo organizado, em sistemas que proporcionam uma estrutura organizacional. Dessa forma, as informações são arquivadas e conservadas de acordo com seu significado, em redes semânticas nas quais conceitos semelhantes ou semanticamente relacionados são armazenados de maneira vinculada, próximos uns dos outros. Acredita-se que essa memória se relacione tanto ao hipocampo, no processo de transferência de memórias recentes para memorias de longo prazo, como implicando também, para o armazenamento APG – SOI V Emilly Lorena Queiroz Amaral – Medicina/5º Período 3 @emilly.lorenaa de longo, amplas e difusas áreas corticais de associação em todos os lobos cerebrais. BASES NEUROLÓGICAS DA MEMÓRIA Para ocorrer a formação da memória ou engramação mnética, as estruturas límbicas temporomediais, principalmente as estruturas relacionadas ao hipocampo, a amígdala e ao córtex entorrinal, são fundamentais. Essas estruturas atuam na consolidação dos registros e na transferência das unidades de memória de curto e médio prazos (intermediária) para a de longo prazo (estocagem da memória remota). Há evidências de que o processo neuronal de memorização difere entre memórias recentes (minutos a horas) e memórias de longo prazo (meses a anos). Nas memórias recentes ocorre mudanças e consolidações de sinapses neuronais relacionadas a complexas cascatas de eventos moleculares e celulares necessárias para a primeira estabilização de informações recentemente adquiridas, nas redes neuronais coordenadas pelo hipocampo. Já nas memórias lentas e de longo prazo , a consolidação das memórias se baseia em processos de nível sistêmico (redes neuronais), lentos, tempo-dependentes, que convertem os traços lábeis de memória recente em formas mais permanentes, estáveis e ampliadas, baseadas na reorganização de redes neurais de suporte à memória, também coordenadas pelos hipocampos. A interrupção bilateral do circuito hipocampo-mamilo-tálamo- cíngulo pode determinar a incapacidade de fixação de novos elementos mnêmicos, produzindo, assim, a síndrome amnéstica, de maior ou menor intensidade. As estruturas mais importantes para a memória são, certamente, os hipocampos. Os hipocampos (direito e esquerdo) são estruturas do cérebro, localizadas na parte medial dos lobos temporais, filogeneticamente antigas, de importância central para os processos de aprendizagem e memória. Entretanto, de certa forma, quase toda a cognição está relacionada a eles, pois os hipocampos se conectam a múltiplas áreas do córtex cerebral, organizam eventos relacionados entre si em uma rede estruturada de memórias, além de atuarem na percepção e na organização mental, espacial e temporal dos eventos. A retirada cirúrgica ou destruição por doença dos dois hipocampos causa uma terrível síndrome de amnésia anterógrada, na qual o indivíduo fica totalmente sem memória para fatos novos e com profunda incapacidade para aprender. Anatomicamente, o hipocampo possui três grandes regiões, sendo: giro denteado (GD), o corno de Ammon (CA, que se divide em CA1, CA2, CA3 e CA4) e o córtex entorrinal lateral e medial. Funcionalmente, os hipocampos são divididos em hipocampo dorsal (mais ligado especificamente ao aprendizado e à memória) e hipocampo ventral (mais ligado ao processamento emocional). Todo o hipocampo tem grande capacidade de plasticidade sináptica. O processo de memorização (codificação, armazenamento e futura evocação) de novos elementos da memória depende de: Nível de consciência e estado geral do organismo: o indivíduo deve estar desperto, não muito cansado, calmo, em bom estado geral, para que a memorização ocorra da melhor maneira possível. Atenção focal: diz respeito à capacidade de manutenção de atenção concentrada sobre o conteúdo novo a ser fixado. Informações novas entram na memória de longo prazo principalmente quando se presta bastante atenção durante o aprendizado. Organização e distribuição temporal: diz respeito a distribuir, no processo de aprendizado de novas informações, as tentativas de aprendizado ao longo de um período de tempo mais longo e cadenciado; é melhor praticar “pouco e sempre” do que tentar memorizar e aprender tudo apressadamente, em um único dia (ex: no dia antes da prova). Interesse e colorido emocional: relaciona-se às informações a serem fixadas, assim como ao empenho do indivíduo em aprender (vontade e afetividade). Conhecimento anterior: elementos já conhecidos ajudam a adquirir elementos novos, principalmente quando se articulam os novos conhecimentos a informações, classificações e esquemas cognitivos já bem assentados, formando uma cadeia de elementos mnêmicos. Capacidade de compreensão do significado da informação: buscar entender o significado da informação ou conhecimento que se está tentando aprender é de fundamental ajuda para a memorização. Se a informação não tem um significado particular (é algo aleatório), então é útil atribuir-lhe um significado arbitrário. APG – SOI V Emilly Lorena Queiroz Amaral – Medicina/5º Período 4 @emilly.lorenaa Estabelecimento de um contexto rico e elaborado: o contexto e as circunstâncias associadas à informação que se quer memorizar têm papel central na eficácia da memorização. Codificação da informação nova em mais de uma via: para o armazenamento mais eficaz de uma informação nova, quanto maior for o número de canais sensoriais e dimensões cognitivas distintas, mais eficaz será a fixação. Por exemplo, se a informação for uma palavra, deve-se buscar associar uma imagem visual; se for visual, deve-se buscar associar uma palavra. Com isso, são criados mapas mentais, que colaboram para o armazenamento eficaz. TIPOS ESPECÍFICOS DE MEMÓRIA Não se pode mais falar em memória como processo unitário. Devemos, sim, falar em memórias ou tipos específicos de memória. Distinguem-se esses tipos de acordo com o caráter consciente ou não consciente do processamento do conteúdo mnêmico e com as áreas e estruturas cerebrais envolvidas. TIPOS DEPENDENTES DO CARÁTER CONSCIENTE OU NÃO CONSCIENTE DO PROCESSO MNÊMICO MEMÓRIA EXPLÍCITA (memória declarativa): é relacionada ao conhecimento consciente, obtido geralmente com algum esforço. Esse tipo de memória é adquirido e evocado com plena intervenção da consciência, incluindo as lembranças de fatos autobiográficos (memória autobiográfica). A memória explícita pode ser de imagens visuais, palavras, conceitos ou eventos. MEMÓRIA IMPLÍCITA (memória sem consciência ou não declarativa): é um tipo de memória que adquirimos e utilizamos sem que percebamos, sem consciência e, geralmente, sem esforço. É uma forma relativamente automática e espontânea. Pode incluir procedimentos, como muitas habilidades motoras (andar de bicicleta, saber bordar, saber escovar os dentes), assim como conhecimentos gerais ancorados em palavras, que adquirimos e utilizamos sem perceber, como aprender e falar a língua materna. Esse tipo de memória parece incluir a memória para informações mostradas à pessoa durante uma anestesia, pois, embora em sono farmacológico, ela pode registrar elementos do que é dito no ambiente. Está envolvida, ainda, com as chamadas sensações de familiaridade = quando vemos uma pessoa no ônibus, sabemos que a conhecemos, mas não localizamos de onde e quem exatamente ela é, sendo, geralmente, uma pessoa conhecida em um contexto diferentedo ônibus. MEMÓRIAS, DEVANEIOS E VIAGEM MENTAL NO TEMPO: O fenômeno chamado devaneio (mind wandering) tem muito a ver com a memória, tanto explícita como implícita. O devaneio ocorre quando soltamos a mente e relaxadamente construímos histórias e eventos mentais, variando ou inventando cenas e episódios, em relação tanto ao nosso passado como ao nosso futuro. A capacidade de mentalmente reviver o passado e imaginar possíveis futuros foi denominada viagem mental no tempo. Há ativação de várias áreas cerebrais, principalmente dos hipocampos e dos lobos frontais. TIPOS DE MEMÓRIA CLASSIFICADOS SEGUNDO A ESTRUTURA CEREBRAL ENVOLVIDA São 4 os principais tipos de memória que correspondem a estruturas cerebrais diversas, sendo que eles são afetados de forma diferente nas doenças e condições que diminuem ou destroem a memória, como as demências. MEMÓRIA DE TRABALHO: situa-se entre os processos e habilidades da atenção e os da memória imediata. Tem como exemplo ouvir um número telefônico e retê- lo na mente para, em seguida, discá-lo, assim como dirigir em uma cidade desconhecida, perguntar sobre um endereço, receber a informação e a sugestão do trajeto. A memória de trabalho é, de modo geral, uma memória explícita, consciente, que exige esforço. Para diferenciá-la da memória de curto prazo, deve-se realçar que a memória de trabalho é plenamente ativa, que realiza operações mentais de modo constante (por isso, “está trabalhando” constantemente. Ela representa um conjunto de habilidades que permite manter e manipular informações novas, acessando-as em face às antigas. Tais informações, verbais ou visuoespaciais, são mantidas ativas, em operação, geralmente por curto período (poucos segundos até, no máximo, alguns minutos), a fim de serem manipuladas, com o objetivo de selecionar um plano de ação e realizar determinada tarefa. A memória de trabalho também é vista como uma gerenciadora da memória. Seu papel não é tanto formar arquivos, mas, antes, o de analisar e selecionar as informações que chegam constantemente e compará- las com as existentes nas demais memórias, de curta e de longa duração. APG – SOI V Emilly Lorena Queiroz Amaral – Medicina/5º Período 5 @emilly.lorenaa A memória de trabalho é composta por três componentes: Alça fonológica: utiliza códigos articulatórios e depósitos fonológicos para sintetizar e operacionalizar as informações. Esboço visuoespacial: realiza armazenamento temporário e manipulação das imagens; Sistema executivo: faz a mediação da atenção e das estratégias para coordenar os recursos cognitivos entre a alça fonológica e o esboço visuoespacial. As regiões corticais pré-frontais são importantes para a integridade da memória de trabalho. Nas tarefas verbais, há maior envolvimento das áreas pré-frontais esquerdas, assim como das áreas de Broca (frontal esquerda inferior) e de Wernicke (temporal esquerda superior). Nas tarefas visuoespaciais (seguir mapas mentalmente, sair de labirintos gráficos e montar quebra-cabeças), há maior implicação das áreas pré-frontais direitas, assim como de zonas visuais de associação do carrefour temporoparietoccipital direito. Quando o córtex temporal é lesado, há prejuízo da memória de trabalho visual, mas a memória de trabalho espacial é preservada. Quando há lesão dos lobos parietais, ocorre o oposto. Pacientes com lesões nas áreas cerebrais associadas aos conhecimentos semânticos (sentido das palavras), como o córtex dos lobos temporais laterais e temporoparietais, têm prejuízos nos desempenhos da memória de trabalho verbal. Na investigação semiológica, observa-se inicialmente o grau de habilidade do paciente de prestar atenção e se concentrar. Um teste simples é aquele incluído no Teste Minimental, quando se solicita ao paciente que realize a tarefa: “Veja esta folha de papel em minha mão; quero que pegue este papel com sua mão direita, que o dobre no meio e, depois, o coloque no chão”. Também são formas de testar a memória de trabalho solicitando que a pessoa repita números em sequência direta e sequência inversa. De modo geral, todas as condições que afetam as regiões pré-frontais causam alteração da memória de trabalho! Pode ocorrer sobretudo nas demências, como: demência frontotemporal (DFT), sobretudo na variante frontal da DFT, demência de Alzheimer (sobretudo na varitante frontal desta demência), demências vasculares e demência com corpos de Lewy. A memória de trabalho pode também estar comprometida na esclerose múltipla e no traumatismo craniano, quadros psicopatológicos (esquizofrenia, transtorno de déficit de atenção//hiperatividade, transtorno obsessivo-compulsivo e envelhecimento normal (dificuldades leves a moderadas). MEMÓRIA EPISÓDICA: Trata-se de memória explícita, de médio e longo prazos, relacionada a eventos específicos da experiência pessoal do indivíduo, ocorridos em determinado contexto. Um exemplo dessa memória seria relatar o que foi feito no último fim de semana. Ela corresponde a eventos específicos e concretos, comumente autobiográficos, bem circunscritos em determinado momento e local. Dessa forma, refere-se à recordação consciente de fatos reais. A perda da memória episódica, em geral, se evidencia para eventos autobiográficos recentes, mas, com o evoluir do Alzheimer, por exemplo, pode incluir elementos mais antigos. Nesse sentido, a perda de memória episódica obedece à lei de Ribot (perdem-se primeiro os elementos recentemente adquiridos e, depois, os mais antigos). Assim, a memória remota de eventos antigos permanece mais tempo sem alterações. Esse tipo de memória depende de mecanismos relacionados às regiões da face medial dos lobos temporais, particularmente o hipocampo e os córtices entorrinal e perirrinal. Quando tais áreas se deterioram, com o avançar da demência de Alzheimer (instalação lenta e progressiva), o paciente perde totalmente a capacidade de fixar e lembrar eventos ocorridos há poucos minutos ou horas, inclusive situações marcantes e significativas para ele. Os pacientes com síndrome de Wernicke- Korsakoff têm déficits graves na memória episódica, uma condição relacionada a danos no diencéfalo, primariamente nos corpos mamilares, no trato mamilo-talâmico e no tálamo anterior. APG – SOI V Emilly Lorena Queiroz Amaral – Medicina/5º Período 6 @emilly.lorenaa A memória episódica interage constantemente com a memória semântica. Suspeita-se de alteração da memória episódica quando se nota que o sujeito vai se tornando incapaz de reter e lembrar informações e experiências recentes de maneira correta e acurada. Pode-se contar uma história para a pessoa e, alguns minutos depois, pedir que a reconte. O relato de parentes próximos e cuidadores é essencial, pois o indivíduo geralmente não tem crítica de seu estado cognitivo e não costuma perceber suas perdas. Um modo prático é perguntar comparando a alguns anos atrás, se o paciente tem agora mais dificuldades em se lembrar de coisas que acontecem recentemente com ele. MEMÓRIA SEMÂNTICA: se refere ao aprendizado, à conservação e à utilização do arquivo geral de conceitos e conhecimentos do indivíduo (os chamados conhecimentos gerais sobre o mundo). Assim, conhecimentos como a cor do céu (azul) ou de um papagaio (verde), ou quantos dias há na semana (sete), são de caráter geral e se cristalizam por meio da linguagem, ou seja, também são de caráter semântico. Assim como a episódica, a memória semântica é frequentemente explícita (consciente com esforço), mas pode ser eventualmente implícita (inconsciente). Ela é, enfim, a representação de longo prazo dos conhecimentos que temos sobre o mundo,entre eles o significado das palavras, dos objetos e das ações. A memória semântica diz respeito ao registro e à retenção de conteúdos em função do significado que têm. Ela é um componente da memória de longo prazo que inclui os conhecimentos de objetos, fatos, operações matemáticas, assim como das palavras e seu uso. A memória semântica é, de modo geral, compartilhada socialmente, reaprendida de forma constante, não sendo temporalmente específica. A contraposição desses dois tipos de memória (episódica e semântica) exemplifica-se da seguinte forma: lembrar como foi um almoço com os avós, em Belo Horizonte, há três semanas, depende do sistema de memória episódica. Já o conhecimento do significado das palavras “almoço”, “Belo Horizonte”, “avós”, etc., depende da memória semântica. = essas memórias constantemente interatuam! A memória semântica previamente adquirida é muitas vezes preservada em pacientes que apresentam graves alterações no sistema de memória episódica. Indivíduos com síndrome de Wernicke-Korsakoff, por exemplo, têm grave déficit de memória episódica, mas podem ter a memória semântica preservada. A memória semântica, em acepção restrita, corresponde às capacidades de nomeação e categorização. Depende, de forma estreita, das regiões inferiores e laterais dos lobos temporais, sobretudo no hemisfério esquerdo (diferentemente da memória episódica, que depende das regiões mediais desses lobos, sobretudo dos hipocampos). Pesquisam-se alterações de memória semântica verificando-se a dificuldade do paciente em tarefas como nomear itens cujos nomes ele previamente sabia (mostrar um relógio, uma caneta e uma régua e pedir que o indivíduo os nomeie). Pacientes com disfunções leves na memória semântica têm capacidade reduzida em testes de geração de palavras (solicitar ao indivíduo que nomeie o maior número possível de animais em 1 minuto). Aqueles com alterações mais avançadas na memória semântica tipicamente revelam déficits de duas vias na nomeação, isto é, são incapazes de dizer o nome de um item quando este lhes é mostrado e de descrever um item cujo nome lhes é apresentado. Na demência de Alzheimer, há alterações pronunciadas da memória semântica = deterioração das regiões mediais e ventrais dos lobos temporais e de regiões temporoparietais do hemisfério esquerdo Na DFT, na variante que afeta mais os lobos temporais (variante semântica da DFT), ocorre significativa perda da memória semântica, o que leva a dificuldades nas tarefas de nomeação e compreensão de palavras isoladas, além de empobrecimento dos conhecimentos gerais. Também na demência com corpos de Lewy, embora se verifiquem déficits significativos nas funções executivas frontais, há relativa preservação da memória semântica. MEMÓRIA DE PROCEDIMENTOS: é um tipo de memória automática, não consciente. Exemplos desse tipo de memória são habilidades motoras e perceptuais mais ou menos complexas (andar de bicicleta, digitar no computador, tocar um instrumento APG – SOI V Emilly Lorena Queiroz Amaral – Medicina/5º Período 7 @emilly.lorenaa musical, bordar, etc.), habilidades visuoespaciais (como a capacidade de aprender soluções de labirintos e quebra- cabeças) e habilidades automáticas relacionadas ao aprendizado de línguas (regras gramaticais incorporadas na fala automaticamente, decorar a conjugação de verbos de uma língua estrangeira, etc.). A memória de procedimentos, de modo geral, é implícita e não declarativa, mas, durante a aquisição da habilidade, pode ser explícita na fase de aprendizado, como quando, por exemplo, se aprende a dirigir um carro seguindo orientações verbais. Na maioria das vezes, a memória de procedimentos é implícita, pois manifesta-se tipicamente por ações motoras e desempenho de atividades, e não pela expressão de palavras (tornando-se consciente apenas com esforço). Aqui, a memorização ocorre de forma lenta, por meio de repetições e múltiplas tentativas. A localização da memória de procedimentos está relacionada com o sistema motor e/ou sensorial específico envolvido na tarefa. As principais áreas envolvidas são a área motora suplementar (lobos frontais), os núcleos da base (sobretudo o striatum) e o cerebelo. Suspeita-se da presença de alterações da memória de procedimentos quando o indivíduo apresenta ou perda de habilidades motoras ou visuoespaciais previamente aprendidas, ou grande dificuldade em aprender novas habilidades. Um paciente com lesão no sistema de memória de procedimentos pode nunca mais readquirir as habilidades motoras automáticas que pessoas saudáveis realizam sem perceber. A doença de Parkinson (assim como a síndrome de Parkinson por causas vasculares, tumorais, etc.) é a condição mais frequente em que se observa perda da memória de procedimentos. Outras doenças que comprometem a memória de procedimentos são doença de Huntington, paralisia supranuclear progressiva, degeneração olivopontocerebelar, tumores, AVCs (depende do tipo, volume, número e localização), hemorragias, degenerações e outras lesões nos núcleos da base ou no cerebelo (degeneração cerebelar). Esse tipo de memória não fica gravemente prejudicado na demência de Alzheimer, apresentando-se mais deteriorado (perda da capacidade de aprendizado motor) em outras doenças degenerativas que envolvem habilidades psicomotoras. 2) DEBATER SOBRE AS ALTERAÇÕES PATOLÓGICAS DA MEMÓRIA (QUALITATIVAS E QUANTITATIVAS) ALTERAÇÕES QUANTITATIVAS HIPERMNÉSIAS Representa uma alta capacidade de memória. Em alguns pacientes em mania ou hipomania, representações (elementos mnêmicos) afluem rapidamente, uma tempestade de informações ou imagens ganhando em número, perdendo, porém, em clareza e precisão. A hipermnésia traduz mais a aceleração geral do ritmo psíquico que uma alteração propriamente da memória. Há outro tipo de hipermnésia, chamada hipermnésia para memória autobiográfica, um fenômeno raro, no qual o indivíduo tem uma memória autobiográfica quase perfeita. A hipermnésia autobiográfica é considerada um fenômeno complexo, dependente de intricada interação entre memória episódica, memória semântica, habilidades visuoespaciais, memória para emoções, viagem mental no tempo, teoria da mente e funções executivas. Embora muito rara, ela fornece elementos valiosos para a compreensão da memória autobiográfica. AMNÉSIAS (OU HIPOMNÉSIAS) Denomina-se amnésia, de forma genérica, a perda da memória, seja da capacidade de fixar, seja da capacidade de manter e evocar antigos conteúdos mnêmicos. Segundo a lei de Ribot, no indivíduo que sofre uma lesão ou doença cerebral, sempre que esse processo patológico atinja seus mecanismos mnêmicos de codificação, armazenamento e recordação, o esquecimento segue algumas regularidades: O sujeito perde as lembranças e seus conteúdos na ordem e no sentido inverso que os adquiriu. Dessa forma, ele perde primeiro elementos que foram adquiridos recentemente e, depois, os mais antigos. Perde primeiro elementos mais complexos e, depois, os mais simples. Perde primeiros os elementos mais estranhos, menos habituais e, só depois, os mais familiares. Em relação aos processos fisiopatológicos, as amnésias são divididas em: AMNÉSIAS DISSOCIATIVAS OU PSICOGÊNICAS: há perda de elementos mnêmicos seletivos, os quais podem ter valor psicológico específico (simbólico, afetivo). APG – SOI V Emilly Lorena Queiroz Amaral – Medicina/5º Período 8 @emilly.lorenaa O indivíduo esquece uma fase ou um evento de sua vida que teve um significado especial para ele, mas consegue lembrar de tudo o que ocorreu “ao redor”. É quase sempre uma amnésia retrógrada. AMNÉSIA ORGÂNICA: a perda de memóriaé geralmente menos seletiva, em relação ao conteúdo emocional e/ou simbólico do material esquecido, do que na amnésia psicogênica. Geralmente, perde-se primeiro a capacidade de memorização de fatos e eventos recentes, e, em estados avançados da doença (demência), o indivíduo passa gradualmente a perder conteúdos mais antigos. AMNÉSIA ANTERÓGRADA E RETRÓGRADA AMNÉSIA ANTERÓGRADA: o indivíduo não consegue mais fixar elementos mnêmicos a partir do evento que lhe causou cerebral. É um distúrbio-chave e bastante frequente na maior parte dos distúrbios neurocognitivos, transtornos de base orgânica. AMNÉSIA RETRÓGRADA: o indivíduo perde a memória para fatos ocorridos antes do inicio do transtorno (ou trauma). Sua ocorrência, sem amnésia anterógrada, é observada em quadros dissociativos (psicogênicos), como a amnésia dissociativa e a fuga dissociativa. De modo geral, é comum, após trauma craniencefálico, a ocorrência de amnésias retroanterógradas, ou seja, déficits de fixação para o que ocorreu dias, semanas ou meses antes e depois do evento patógeno. ALTERAÇÕES QUALITATIVAS PARAMNÉSIAS As alterações qualitativas da memória envolvem sobretudo a deformação do processo de evocação de conteúdos mnêmicos previamente fixados. O indivíduo apresenta lembrança deformada que não corresponde à sensopercepção original. Os principais tipos são: ILUSÕES MNÊMICAS: há acréscimos de elementos falsos a elementos da memória de fatos que realmente aconteceram, assim, a lembrança adquire caráter fictício. Se não for uma deformação marcante, é difícil diferenciar a ilusão mnêmica do processo normal de recordação, pois a memória é um processo construtivo, que se refaz e modifica normalmente. Pode ocorrer na esquizofrenia, no transtorno delirante e, menos frequentemente, nos transtornos da pesonalidade (boderline, hidtrionica, esquizotípica). ALUCINAÇÕES MNÊMICAS: são criações imaginativas, dotadas de sensorialidade, marcadamente com a aparência de lembranças ou reminiscências que não correspondem a qualquer elemento mnêmico, a qualquer lembrança verdadeira. Podem surgir de modo repentino, sem corresponder a qualquer acontecimento. Ocorrem principalmente na esquizofrenia e em outras psicoses. CONFABULAÇÕES OU FABULAÇÕES: são produções de relatos narrativas e ações que são involuntariamente incongruentes com a história passada do indivíduo, com sua situação presente e futura. São caracterizadas por 3 aspectos básicos: Elas são memórias ou recordações falsas; A pessoa que confabula não sabe da falsidade de suas recordações; Confabulações são recordações plausíveis, ou seja, elas se parecem com o que poderia ter acontecido, mas que não aconteceu. As chamadas confabulações de embaraço são produzidas e estimuladas quando em uma conversa é perguntado coisas que não existiram e o indivíduo passa a relatar os fatos falsos relacionados à pergunta, plausíveis, mas falsos. As confabulações ocorrem principalmente na síndrome de Wernicke-Korsakoff, frequentemente secundária ao alcoolismo crônico associado a déficit de tiamina (vitamina B1). Elas também podem ocorrer em traumatismo craniencefálico, encefalites que implicam os lobos temporais (como a encefalite herpética), intoxicação por monóxido de carbono, aneurisma da artéria comunicante anterior e doença de Alzheimer. As alterações anatômicas relacionadas às confabulações compreendem lesões nos corpos mamilares, no núcleo dorsomedial do tálamo, assim como no córtex orbitofrontal. CRIPTOMNÉSIAS: trata-se de um falseamento da memória, em que as lembranças aparecem como fatos novos ao paciente, que não as reconhece como lembranças, vivendo-as como uma descoberta. Por exemplo, um indivíduo com demência (como do tipo Alzheimer) conta aos amigos uma história muito APG – SOI V Emilly Lorena Queiroz Amaral – Medicina/5º Período 9 @emilly.lorenaa conhecida como se fosse inteiramente nova, mas que, há poucos minutos, foi relatada por outra pessoa do grupo. ECMNÉSIA: trata-se da recapitulação e da revivescência intensa, abreviada e panorâmica da existência, uma recordação condensada de muitos eventos passados, que ocorre em breve período. O indivíduo tem a vivência perceptiva de visão de cenas passadas, como forma depresentificação do passado. Esse tipo de ecmnésia pode ocorrer em alguns pacientes com crises epilépticas. O fenômeno denominado visão panorâmica da vida, associado às chamadas experiências de quase- morte, é, de certa forma, um tipo de ecmnésia. LEMBRANÇA OBSESSIVA: também denominada ideia fixa ou representação prevalente, manifesta-se como o surgimento espontâneo de imagens da memória ou conteúdos ideativos do passado que, uma vez instalados na consciência, não podem ser repelidos voluntariamente pelo indivíduo. A imagem da memória, embora reconhecida como indesejável, reaparece de forma constante e permanece, como um incômodo, na consciência do paciente. Manifesta-se em indivíduos com transtornos do espectro obsessivo-compulsivo. REFERÊNCIAS DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2019.
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