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SCHRIATO, Maria Aparecida Rhein. O feitiço das organizações: sistemas imaginários. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. ANÁLISE CRÍTICA Mateus Pacheco Braga Evangelista A presente obra, de autoria de Maria Aparecida Schriato, busca compreender as relações humanas nas organizações, um grande desejo da autora, que atua nas áreas de consultoria de recursos humanos e como docente em cursos de pós-graduação lato sensu (especialização). Esse desejo resultou diversas observações, pesquisas, leituras, conhecimento de mundo e interpretação do universo organizacional, resultando no que a obra apresenta ao longo de nove capítulos, divididos em duas partes. A autora busca entender, através dos depoimentos colhidos ao longo da obra, a razão da demissão ser um momento tão árduo e doloroso na vida de um indivíduo que fideliza todo o seu ser, físico e emocional, para com a empresa, fazendo com que o momento de desligamento dessa pessoa da organização seja a pior separação que possa existir no ambiente. Além, disso, Schriato explora a questão das relações domésticas e afetivas do trabalhador com sua família. Todo esse resultado que se transformou na obra foi apoiado com os estudos feitos por Eugène Enriquez, um teório sociológico que detém de referências psicanalíticas que, segundo a autora, constatou uma presença significativa de sistemas imaginários que transpõe as relações dentro das organizações. A divisão da obra ocorre em duas partes: A parte I, intitula-se “Pressupostos Teóricos”, onde Enriquez é a figura principal para os levantamentos bibliográficos feitos pela autora, que utiliza a óptica do autor para fundamentar o conceito de organização e interpretar a análise sobre as organizações, relacionando as situações a qual ela teve acesso, sempre se detendo a compreensão socioantropológica. A parte II, intitulada “O feitiço nas organizações: os sistemas imaginários”, a autora busca fazer uma linha cronológica do trabalhador desde o seu momento de ingresso em uma organização até o seu desligamento e a volta a uma possível vida normal. Schriato trouxe cerca de cinquenta e cinco depoimentos reais que dramatizam toda essa trajetória de diversos indivíduos numa organização, mas deixa para que o próprio leitor os analise, com base no que ela já apresentou nos capítulos anteriores e o do próprio conhecimento de mundo, trazendo toda uma reflexão que pode ser convertida em diversos debates ou escritas. Um questionamento bem pontual é o motivo do uso da palavra feitiço. Segundo a autora, nada mais é do a sedução feita pela organização que sequestra a identidade do indivíduo dele mesmo. Com isso, ele acaba se tornando mero refém do próprio local de trabalho. Logo no primeiro capítulo, a organização é conceituada como abstrata, porém é feita por e para pessoas concretas, sendo o homem histórico e cotidiano. Essa contradição é o pontapé inicial para a crítica que Schriato faz para a esperança sustentada pelo indivíduo a respeito das intenções e promessas que a organização gere. São essas intenções e promessas que se montam os grupos de homens que trabalham a favor de uma dita “melhor empresa do universo”, que pode melhorar a vida de todos que estão ligados a ela. Apesar de sempre frustrada e decepcionada, a relação do homem com a instituição permanece viva até os presentes dias, como podemos ver nos atuais modelos de trabalho, justamente por conta dessa sedução que os sistemas imaginários (ou feitiços) geram. O arcabouço teórico que a autora apresenta nessa primeira parte, atinge diretamente as políticas das organizações e as ideias míticas que elas trazem e alienam seus funcionários. Um desses mitos é a ideia do patrão como pai (ou a patroa, como mãe) em que mesmo esse alto escalão sendo severo e autoritário, ainda assim atendia as necessidades dos seus “filhos”, dando recursos para o seu crescimento como um ato de generosidade. Outro que pode se destacar é a da tecnologia e da modernidade, que traz o conceito aberto com a chegada das multinacionais, que invadiriam novas culturas, abrindo as portas para qualquer local do mundo, criando empregos de forma direta e indireta. A real definição não passa de que o sistema permite uma convivência com essa nova cultura, assim fazendo a congregação dos indivíduos que protagonizam esse mito, com aqueles que podem reproduzi- los. A construção teórica, além de ser baseada na instância mítica, elenca demais instâncias que solidificaram a análise da pesquisa feita pela autora. São elas: social-histórica, institucional, organizacional, grupal, individual e pulsional. Cada uma citada, auxiliou no estabelecimento dos conceitos de sistema imaginário. Vale ressaltar que essas instâncias e conceitos são baseadas nos estudos de Enriquez, base bibliográfica inspiradora. Schriato aponta o sistema capitalista como uma representação simbólica desses conteúdos imaginários. Onde o sistema mais forte (o capitalismo) gera uma desigualdade que se legitimou desde sua gênese, pois se existe um explorador é porque a sociedade deixou que se criasse a figura do explorado. Toda essa premissa é levada para o cotidiano atual, onde vemos essa relação bem definida, causando certas confusões a partir do momento que o homem que quer mudança social, gera a própria desigualdade. Na segunda parte da obra, a autora traz uma gama de autores que sustentam o percurso de vida do trabalhador, desde a sua entrada na empresa até um possível desligamento das atividades. Schriato descreve o enorme percalço que o indivíduo precisa sofrer para ter um emprego (ou a “carteira assinada”), pontuando certos pressupostos as quais ela considera essencial para entender o funcionamento do processo de ingresso e inserção na organização. A autora passa a detalhar desde a metodologia rígida dos processos seletivos das organizações, onde se apresentam as questões de experiência e exigências, qualificações e outros pontos que elencam as diversas etapas eliminatórias que chegam a um denominador comum com a contratação da pessoa. Um ponto interessante é o que apresenta a passagem de ser cidadão para a condição de ser funcionário. A relação estabelecida entre esses dois extremos é simbólica, através do sistema imaginário. A autora coloca o contrato apenas como um trato, pois apenas valoriza o que foi firmado em condições trabalhistas – empresa e empregado – ficando marginalizado toda a questão intelectual e de capacidade do indivíduo, eliminando a condição semântica de contrato. O ponto chave de todo o objetivo dessa segunda parte da obra concentra-se ao salientar as políticas dos Recursos Humanos, identificando todos os aspectos que possam bonificar a relação da empresa com o seu empregado, não apenas deixar operar por resultados. A autora leva, ainda, à reflexão quando faz uma clara separação salientando que “crachá não é RG”, chamando a atenção para o fato de que antes de possuir um crachá, a pessoa é um ser humano, uma pessoa exclusiva e única. Ao longo dos capítulos, a autora apresentar os efeitos que geram o resultado apresentado no último capítulo, onde ela entende que o indivíduo perde o controle de sua vida e perde a sua identidade como cidadão, minimizando-se apenas a um funcionário da empresa. Isso é bastante notório quando se lê os depoimentos apresentados, onde as pessoas se apresentam como seres inseguros e dependentes como se fossem crianças que necessitam do seu pai e sua mãe para realizar as coisas. A leitura da obra mostra um teor de denúncia aos diversos lapsos das relações da organização com seus trabalhadores, passando uma imagem de falsa humanização, com a sedução através de atos. A identidade do indivíduo passa a ser uma extensão do trabalho e seus objetos que se misturam com a vida familiar, pessoal e social. As políticas dos Recursos Humanos são apresentadas em seu discurso como as tais intenções e promessas que o cotidianoapresenta para nós, que realizamos essa análise mais profunda das organizações sob a ótica da Administração. Se torna interessante ter esse conhecimento, através da leitura da obra, pois é possível notar que a realidade não foge disso. Claramente, devemos explicitar que são casos específicos de organizações que se submetem a tais ações com o intuito lucrativo massivo em suas mentes, porém, não se pode dizer que o sistema imaginário não é uma realidade no nosso cotidiano.
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