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e-book www . p a o l a p u c c i . c om . b r PRATICANDO Copyright © 2020, PAOLA PUCCI, Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte desse e-Book, sem autorização prévia por escrito do autor, poderá ser reproduzida ou transmi�da sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros. Conteúdo Redação Paola Pucci Raquel Fornaziero Gomes site www.paolapucci.com.br e-mail contato@paolapucci.com.br Avaliação e planejamento de casos clínicos PRATICANDO Paola Pucci - Pra�cando AFASIA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - Então, vamos pensar que: se nesse paciente grave a linguagem não apareceu, é porque algo antes da linguagem não está funcionando. Para nós termos linguagem, precisamos de quê? Cognição! Vamos aprender a estruturar nosso planejamento terapêutico e a nossa avaliação? Vamos rememorar aqui o nosso querido Piaget. O que ele fala a respeito do desenvolvimento da linguagem? Ele fala que primeiro nós passamos por fases cognitivas, de descoberta do mundo, para depois “pegar” esse mundo, transformar em palavras e falar. Vamos imaginar que o nosso paciente é aquele mais grave, que não foca o olhar, não responde, não olha pra figuras, pega o objeto e larga... Assim, se a gente se basear em um caso mais grave, quando vier um mais simples, você já vai, intuitivamente, saber o que fazer. É como se fôssemos montar um “protocolo”, para termos um norte do que fazer toda vez que encontrarmos um afásico. Primeiro, passamos pelo período sensório-motor, onde pegamos tudo, colocamos tudo na boca, exploramos as sensações. Pra que a gente consiga passar por essa fase, a gente vai colocar o sentido gustativo, o sentido trigeminal (do peso, da temperatura, das coisas que a gente toca na boca), como um aviso de que isso é uma descoberta. E, a partir dessa “lambeção” toda, a gente memoriza o tipo de objeto com o qual interagimos: “esse aqui é a cabecinha da minha boneca, esse daqui é uma comidinha gostosa que a minha mãe faz, esse é o peito da minha mãe”... Então, na hora da experimentação, da exploração sensorial, o cérebro vai assimilando as informações e entende que, se colocou na boca, é pra colocar o foco atencional ali. Portanto, nosso foco atencional nesse período está na fase oral. Avaliação e planejamento de casos clínicos 04 Paola Pucci - Pra�cando AFASIA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - Depois, vamos para o período pré-operatório, onde começamos a explorar a imitação. E o que é a imitação? Neurônio-espelho agindo! Então, nessa fase, estar atento não basta. Precisamos também memorizar o que a pessoa fez, para poder reproduzir. Portanto, nesse período, avançamos mais um passo na cognição (lembrando que as habilidades cognitivas são: atenção, memória, planejamento e execução). Cada passo que damos no desenvolvimento cognitivo, é uma função a mais que ganhamos: deglutição, fala etc. É dentro do desenvolvimento cognitivo que as funções aparecem, por isso que atender paciente infantil de paralisia cerebral não faz sentido nenhum sem a determinação de qual fase da linguagem e da cognição essa criança está: se ela faz seriação, classificação... Porque ela está se desenvolvendo, mesmo que com atraso. Só a partir daí conseguimos entender o que o sistema estomatognático dela é capaz de fazer. Assim, levamos a criança ao próximo nível cognitivo, pra que ela entre no próximo nível da deglutição também. Os alunos sempre me perguntam: “Paola, como eu vou tratar a afasia de um paciente que está imóvel no leito e não faz nada?”. Um paciente assim ainda não está na fase de tratar afasia, ele está na fase cognitiva, que vem antes da linguagem. Portanto, você começa tratando a cognição, não a linguagem! E como avaliar/trabalhar a atenção de um paciente desatento? Chamando a atenção dele. “Mas como eu trato a cognição de um paciente que está totalmente aéreo?” Tudo é comandado pelo processo cognitivo! É fundamental que você compreenda isso. Começando pela atenção. Porque se ele está desatento, aéreo, é porque tem um déficit atencional. Avaliação e planejamento de casos clínicos 05 Paola Pucci - Pra�cando AFASIA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - Muita gente me pergunta “Paola, na disfagia, eu preciso começar avaliando língua, bochecha, fazer uma avaliação estrutural, para depois fazer a funcional?”. Na avaliação funcional, você vai conseguir ver a participação dos órgãos fonoarticulatórios, como eles estão se comportando. Então, não precisa ter um momento pra avaliar cada órgão. Nós não trabalhamos M.O., nós trabalhamos função. Lenda! Agora, antes de continuar, se você ainda não entendeu, essa é a hora: todas as funções que o fonoaudiólogo trabalha dependem de atenção, memória, planejamento e execução, ou seja, dependem de cognição. Está claro? Se não estiver, volte e releia, mas entenda isso! Porque senão, você vai continuar fazendo planejamento terapêutico sem raciocínio clínico. Eu, por exemplo, gosto muito de usar o Genius, porque ele acende a luz, faz barulho. Também uso muito o tato do paciente, fazendo ele pegar a escova de dentes, focar o olhar no espelho e tentar escovar os próprios dentes. Essa, com certeza, vai ser uma terapia mais passiva pro seu paciente, porque ele não vai fazer nada sozinho. Você vai ter que posiciona-lo, pegar na mão dele, direcionar, fazer o movimento... Você que vai fazer tudo. Afinal, ele é um paciente grave. Então, vamos supor que você chega na casa de um paciente que conversa, que tem uma possível compreensão (porque você não sabe se ele compreende mesmo, antes de avaliar) e vai perguntar coisas pra ele que exigem a memória. Quando nós estamos avaliando a função dos objetos, automaticamente estamos avaliando memória e atenção. Avaliação e planejamento de casos clínicos 06 Paola Pucci - Pra�cando AFASIA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - O mesmo raciocínio serve para as habilidades cognitivas dentro da linguagem. Se você avaliar as habilidades linguísticas, você já vai perceber quais habilidades cognitivas estão alteradas. Vamos pegar como exemplo o caso que eu estou usando aqui, do paciente grave, muito sonolento, que não foca, não faz nada... O que acontece com esse paciente? Ele claramente não tem atenção suficiente! Isso dificulta compreensão, dificulta expressão, dificulta que ele pegue um objeto e atribua função... Certo? Então, as habilidades cognitivas são avaliadas durante a avaliação das habilidades linguísticas. Se nós fôssemos montar um roteiro do que precisamos olhar no paciente, começaríamos observando as habilidades cognitivas dentro das provas de compreensão. Isso significa que a cognição é prioridade, mas nós não faremos provas específicas para avaliar cognição. Nós já partiremos para a avaliação da compreensão, com nosso olhar voltado para as habilidades cognitivas, e só depois para as linguísticas. Deu pra entender? Enquanto você avalia compreensão de mímica facial, gestos, objetos, leitura e compreensão auditiva, já está observando se o paciente tem atenção, como está a memória, se ele se planeja, como ele executa... Porque tudo isso fica mais evidente durante a avaliação de linguagem. Certo? Eu canso de ouvir “Ai, Paola, meu paciente tem um cognitivo ótimo, ele só tem apraxia mesmo”. Gente, paciente afásico não tem um cognitivo ótimo. A apraxia é decorrente também de uma alteração cognitiva. Esse paciente sofreu uma lesão, ele perdeu células cognitivas. Por que ele tem apraxia? Porque ele não consegue memorizar os fonemas, a ordem das sílabas; porque ele não consegue planejar o movimento articulatório; porque ele não consegue executar com precisão... Ou seja, ele tem o cognitivo alterado! Por isso eu fico insistindo sobre a importânciade avaliar e trabalhar cognição nos pacientes afásicos. Avaliação e planejamento de casos clínicos 07 Paola Pucci - Pra�cando AFASIA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 1. Associar uma palavra a um movimento: você combina com o paciente que toda vez que você disser a palavra “laranja”, ele precisa levantar a mão, por exemplo. Aí você fala várias palavras e dentre elas vai aparecer “laranja”. Nesse exercício, o paciente vai precisar ficar atento, pra conseguir perceber quando você disser a palavra combinada. Agora, então, que você já entendeu que precisa avaliar as habilidades cognitivas durante a sua avaliação de linguagem, vamos pensar em exercícios para tratar cada uma dessas habilidades que podem estar alteradas. Você já ouviu falar da Nancy Helm-Estabrooks? Ela criou o CLQT – Cognitive Linguistic Quick Test, que é um teste de habilidades de linguagem associadas à cognição. Quando eu estava no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, eu fiz alguns trabalhos de pesquisa aplicando o CLQT em vários pacientes com AVC e 100% dos pacientes mostrou alterações cognitivas leves a gravíssimas! Portanto, não dá mais pra gente ficar sonhando que os nossos pacientes afásicos e/ou disfágicos têm um cognitivo ótimo. Não têm! Todos eles vão apresentar algum comprometimento, ainda que leve. O problema é que as pessoas tendem a achar que cognição é a forma de pensar, quando na verdade é a capacidade de transformar em ação aquilo que se sente, sem necessariamente precisar pensar para fazer, porque a célula cognitiva está agindo involuntariamente. Cognição não é QI (quociente de inteligência)! Atenção 2. Associar uma palavra a um movimento (variação): uma possibilidade de variação do primeiro exercício é você falar para o paciente levantar a mão toda vez que você disser o nome de um animal. Aqui, não será sempre a mesma palavra, então ele precisará estar mais atento. Estamos entendidos, né? Nunca mais vai dizer por aí que seu paciente tem um cognitivo ótimo, combinado? Avaliação e planejamento de casos clínicos 08 Paola Pucci - Pra�cando AFASIA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - Memória Operacional (de trabalho) 1. Sequência de figuras ou objetos: você mostra várias figuras para o paciente e depois ele tem que te dizer quais foram, na ordem certa. Com isso, você trabalha memória visual transformada em memória de trabalho. É excelente! Opte por, no começo, pegar figuras de campos semânticos diferentes, porque fica mais fácil pra ele memorizar. É muito mais difícil confundir caneta com uva do que banana com uva. Mais para frente, quando ele já estiver indo bem e ficar muito fácil, você pode tornar mais complexa a atividade, trabalhando dentro do mesmo campo. 3. História com estímulo sensorial: essa estratégia é boa para pacientes muito graves! Você vai contar uma história e, enquanto faz isso, vai fornecer alguns estímulos ao paciente. Por exemplo: durante a história, você fala sobre café e coloca uma xícara de café na mão dele, deixa ele pegar, sentir o cheiro, deixa sentir o gosto. 3. Rememoração: no final do dia, o paciente precisa relembrar e listar tudo que ele fez desde o momento em que acordou. Isso trabalha, além de memória, evocação lexical e vocabulário. 4. Jogo da memória: para ficar mais adulto, você pode fazer os pares palavra-figura em vez de figura-figura, e usar fotos em vez de desenhos. Os Cartões Semânticos são bem legais pra essa atividade. 5. Fui à feira: lembra aquela brincadeira que fazíamos na infância? Uma pessoa dizia “Fui à feira e comprei maçã”, a outra continuava “Fui à feira e comprei maçã e banana”, e a próxima falava “Fui à feira e comprei maçã, banana e pera”. É ótima para trabalhar memória operacional! 2. Sequência de palavras, fonemas ou números: o mesmo exercício que das figuras, mas aqui você vai falar as palavras, para depois ele te dizer quais foram, na ordem. Assim, em vez de trabalhar a memória visual, você trabalha a memória auditiva. Avaliação e planejamento de casos clínicos 09 Paola Pucci - Pra�cando AFASIA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 2. Descrição de caminhos: você pede para o paciente descrever como faz para ir até o mercado. Mas vai pedir para ele incluir no passo a passo tudo que vem antes de chegar até a rua. Então, ele precisa dizer que vai pegar a carteira, com o documento e o dinheiro, a chave de casa, a lista de compras etc. Depois, ele deve contar que sai de casa, tranca a porta, chama o elevador, desce (se morar em prédio, por exemplo), vai até a rua e, aí sim, começa a descrever o caminho. 3. Planejamento articulatório: para pacientes muito graves, que não falam, nem conseguem articular um fonema, você pode treinar o planejamento dos fonemas. Por exemplo, vai treinar o planejamento articulatório do fonema /l/. Explica para o paciente que para fazer o /l/ é necessário, primeiro, levantar a língua e colocar a pontinha atrás dos dentes (e mostra pra ele a língua na papila); depois, precisa soltar a língua pra frente, com a boca aberta, fazendo o som. E faz o processo junto com ele. 6. Fala silabada: você vai falar uma palavra de forma bem pausada, dando tempo de um segundo entre uma sílaba e outra (exemplo: pa... le... o... lí... ti... co) e depois perguntar ao paciente “qual palavra eu falei?”. Ele vai precisar memorizar cada fonema, cada sílaba, memorizar a sequência em que eles apareceram, planejar e dizer. É uma excelente estratégia! Planejamento 1. Discurso de procedimento: você vai ver com os familiares alguma coisa que o paciente sabia fazer antes da lesão (café, arroz, bolo) e pedir pra ele descrever cada etapa do processo, passo a passo. Durante o discurso, você vai notar falhas no planejamento; o paciente pode, por exemplo, dizer que primeiro acende o fogo e depois vai buscar o pó de café, pra começar a preparar. Sua função é mostrar pra ele que essa não é a melhor estratégia e fazê-lo pensar o que deveria vir primeiro. 4. Organizar uma receita: seguindo a mesma lógica da primeira estratégia, você vai pegar a receita de algo que o paciente já sabia fazer, vai trocar a ordem das etapas e pedir para ele organizar. Avaliação e planejamento de casos clínicos 10 Paola Pucci - Pra�cando AFASIA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 5. Sequência lógico-temporal adulta: nada de usar desenho, ok? Você pode pegar a cena de um filme ou de uma novela. Escolha uma cena em que o personagem está acordando, ou vai escovar os dentes, ou está saindo de casa. Você vai dando “pause” e “printscreen” e transforma em imagens para o paciente organizar depois. Execução 1. Dar função a objetos: você vai entregar ao paciente uma faca e um pão; ou uma caneta e um papel; ou um batom, por exemplo. Ele vai dar função aos objetos e simplesmente executar a ação, porque o planejamento você já fez pra ele, foi você que planejou que para cortar o pão seria necessário pegar uma faca. 2. Ação dirigida por fichas: deixar objetos próximos ao paciente e fichas com a ação descrita, para que ele execute. Por exemplo: está escrito na ficha “pentear os cabelos” e tem uma escova de cabelo na mesa; ele vai precisar ler, pegar a escova e pentear os cabelos. Com tudo isso, você já tem um “protocolinho” mais ou menos pronto, pra pensar suas avaliações e terapias. O mais importante é você ter claro que sempre vai precisar basear seus atendimentos nas habilidades cognitivas. E, por favor, crie o hábito de explicar para o paciente o objetivo de cada atividade, de cada estratégia, porque não tem nada pior do que fazer as coisas sem ver o real sentido, sem entender a finalidade. Pense que seus pacientes são adultos e, se até as crianças gostam de saber o porquê das coisas, os adultos prezam ainda mais por isso! Avaliação e planejamento de casos clínicos 11www . p a o l a p u c c i . c om . b r
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