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a crise de 1929 e o naziFascismo 89 Joseph Goebbels coordenou a propaganda na- zista, ganhando o apoio de quase toda a nação aos grandiosos planos do Führer. A campanha racista criava um bode expiatório e aproximava a popula- ção alemã dos nazistas ao propor a purificação racial por meio do extermínio dos judeus. Para cumprir seu plano de genocídio denominado “solução final”, os campos de concentração foram multiplicados e mi- lhões de judeus, assassinados. Toda a sociedade foi envolvida no programa nazista do Terceiro Reich: das crianças aos adultos; nas escolas e instituições, todos eram induzidos a filiar-se à Juventude Hitlerista ou ao Partido Nazista. A nazificação alemã completou-se com o arma- mentismo e o total militarismo, que reativaram o de- senvolvimento econômico baseado na indústria bé- lica. A militarização da Alemanha visava à expansão territorial e à conquista do “espaço vital”, o que viria a constituir o estopim de um novo conflito europeu. p Húngaros de ascendência judaica chegam em auschwitz- -Birkenau, um complexo de campos de concentração e de extermínio localizado na Polônia. repare na estrela de davi, identificação obrigatória que cada pessoa judia deveria portar. Foto de 1944. p Propaganda de 1935: “toda a alemanha escuta o Führer com o rádio popular”. G a le ri a B il d e rw e lt /H u lt o n A rc h iv e /G e tt y I m a g e s R e p ro d u ç ã o /C o le ç ã o p a rt ic u la r A pOpulAçãO AlEmã tiNhA cONhEcimENtO dO ExtErmÍNiO dOs judEus NOs cAmpOs dE cONcENtrAçãO? Assim, tanto na Alemanha quanto nos países invadidos sabia- -se que os judeus eram enviados em vagões ferroviários para algum lugar. Mas sabiam para onde e para o quê? É verdade que não houve ordem explícita de Hitler ou de Goebbels para o extermínio – argu- mento muito utilizado pelos “revisionistas”. Mas não foi preciso. O na- zismo tomou uma infinidade de medidas que, isoladas e justapostas, permitiu que os alemães ignorassem, ou desejassem ignorar, o que estava acontecendo, diz Ferro1. A compartimentação das atividades que envolviam o extermínio, desde o ponto de partida ao de chega- da, assegurava que um profissional não soubesse a exata função do outro. Mas como os ferroviários poderiam desconhecer o destino dos passageiros amontoados nos vagões, os trabalhadores químicos não perceber para que fabricavam o gás cyklon, os juristas, os funcioná- rios, os policiais, entre tantas outras categorias, ignorar a finalidade de suas funções? Sabemos que o nazismo tornou as câmaras de gás um segredo de Estado, mas a estratégia não impediu que milhares de pessoas conhecessem, ou ao menos suspeitassem, de sua exis- tência. Se o número dos “executores diretos” do extermínio é calcu- lado entre 300 000 e 400 000 pessoas, os “indiretos”, sem dúvida, são multiplicados em muitas vezes. Portanto, pelo menos na Alemanha, é difícil garantir que “poucos sabiam”. FERREIRA, Jorge. Problematizando a Segunda Guerra Mundial. Disponível em: <www.historia.uff.br/tempo/resenhas/res1-2.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2013. 1 FERRO, Marc. História da Segunda Guerra Mundial. Tradução de Mauro Lando e Isa Mara Lando. São Paulo, Ática, 1995. cyklon ou zyklon: produto à base de ácido cia- nídrico, cloro e nitrogênio usado inicialmente como pesticida e depois como o gás que pro- vocou as mortes nos campos de concentração alemães, na segunda Guerra. HGB_v3_PNLD2015_079a092_U1_C5.indd 89 4/15/13 10:01 AM 90 Para entender nosso temPo: o século XX pArA rEcOrdAr: A crise liberal do período entreguerras AtiVidAdEs com base no esquema-resumo e nas informações do capítulo, faça as atividades a seguir: 1. explique as causas da crise financeira de 1929. 2. escreva um texto coeso e coerente, no qual apareçam os seguintes termos: nacionalismo – nazifascismo – militarismo após o democrata Woodrom Wilson isolacionismo e liberalismo: • falências • desemprego • deflação predomínio do Partido Republicano F. D. Roosevelt estados intervencionistas nazifascismo militarismo armamentismo e expansionismo • expansão da crise (exceto União Soviética) • fim das importações e repatriamento financeiro • redução do comércio internacional • elevado índice de desemprego outros governos ditatoriais: • salazarismo • franquismo • neoliberalismo ou keynesianismo • atuação estatal • emissionismo e planejamento econômico New Deal • 1920 - Warren G. Harding • 1924 - Calvin Coolidge • 1928 - Herbert Hoover quebra de Wall Street (Quinta-Feira Negra) 24/10/1929 Segunda Guerra Mundial p • não ratificação do Tratado de Versalhes • boom econômico e financeiro • superprodução/subconsumo • especulação crescente antecedentes ESTADOS UNIDOS EUROPA HGB_v3_PNLD2015_079a092_U1_C5.indd 90 4/15/13 10:01 AM A crise de 1929 e o nAzifAscismo 91 1 Leitura e análise de gráficos Observe com atenção os dois gráficos abaixo e, em seguida, responda às questões. a) O que cada um dos gráficos mostra? b) Que relação há entre a quebra da Bolsa de Valores e a taxa de desemprego nos Estados Unidos? Justifique sua resposta com dados dos gráficos e com base em seus conhecimentos de História. c) Estabeleça uma relação entre as transformações observadas no segundo gráfico e a política econômica adotada por Franklin Roosevelt. 2 Leitura e análise de cartaz de propaganda Observe com atenção a imagem ao lado e faça as atividades propostas a seguir. a) Pesquise em livros ou na internet sobre o cená- rio político alemão na ocasião das eleições parla- mentares de 1932. b) Com base no que você estudou neste capítulo, responda: quais foram os elementos mais mar- cantes da ideologia nazista? c) Identifique os elementos presentes no cartaz re- produzido ao lado. d) Descreva cada um desses elementos, comentan- do sobre a maneira como foram representados e projetados no cartaz, ou seja: qual a sua cor, qual o seu tamanho, qual a sua localização, etc. e) Com base em seus conhecimentos sobre a época e a ideologia nazista, que significados podem ser atribuídos a esse cartaz? Avalie o que os elemen- tos gráficos que o compõem (tamanho, volume e cor) valorizam. ExErcícios dE história Movimentação da Bolsa de Valores de Nova York (1927-1933) taxa de desemprego nos Estados Unidos (1929-1942) Disponível em: <http://resistir.info/crise/imagens/stock_market_crash.jpg>. Acesso em: 20 jan. 2013. Disponível em: <www.econmicro.com/images/urdep.png>. Acesso em: 20 jan. 2013. R ep ro d u çã o /C o le çã o p ar ti cu la r G rá fi co s: C as si an o R ö d a/ A rq u iv o d a ed it o ra reprodução de um cartaz utilizado na campa- nha eleitoral para o Parlamento da Alemanha, em 1932. o texto, em alemão, diz: O povo vota para a Lista 1: Nacional-socialistas. P HGB_v3_PNLD2015_079a092_U1_C5.indd 91 17/04/2013 09:47 92 Para entender nosso temPo: o século XX 3 leitura e análise de artigo de jornal Leia o artigo abaixo, de autoria de João Pereira Coutinho. Depois, responda às questões propostas. A unanimidade é burra SEMPRE tive horror a multidões. Não falo de multidões anô- nimas em cidades anônimas. Dessas gosto. De me perder nelas e com elas. Falo das outras: multidões politicamente organizadas, que suspendem o raciocínio para seguirem um líder e uma causa. Nelson Rodrigues dizia, com simplicidade avassaladora, que toda unanimidade é burra. Confirmo. A culpa é minha. A culpa é do meio onde cresci. O meu pai era um liberal clássico. Liberal, não: libertário. Se a liber- dade é o valor supremo da existência humana, qualquer li- mitação à liberdade seria objetivamente um dano. Drogas, prostituição, eutanásia o Estado que se afastasse. Só quan- do existe invasão da liberdade alheia deve o poder político intervir. Caso contrário, o indivíduo é soberano. Não para a minha mãe, que sempre gostou de se apresen- tar, e de se olhar, como uma humanistade esquerda. Uma sociedade civilizada é uma sociedade capaz de cuidar dos mais pobres. O que implica a existência de um Estado sólido e generoso, capaz de distribuir a renda e garantir serviços básicos de decência. E eu? Eu cresci entre os dois, escutando ambos e discor- dando de ambos. Sim, a liberdade é um dos valores funda- mentais. Não é o valor fundamental, perante o qual todos os outros se vergam. Valores como a igualdade, a justiça ou a segurança podem ter prioridade, e muitas vezes têm, para garantir a sobrevivência de uma comunidade política. O mesmo para a senhora minha mãe: uma sociedade deve cuidar dos mais fracos; mas não deve permitir que o poder político cresça de forma intolerável e potencialmente perigo- sa. O poder corrompe. O poder absoluto corrompe absoluta- mente. Lord Acton “dixit”. Foi assim que me tornei um conservador pluralista e céti- co, avesso aos extremos e aos extremistas. E assim conti- nuo: olho em volta e constato, sem surpresa, que os meus amigos se espalham generosamente pela esquerda e pela direita. Discordo muito deles. Mas, por causa deles, dou por mim a discordar várias vezes de mim próprio. Eles não existem para confirmar as minhas certezas. Eles existem para as testar. Malditos sejam. Abençoados sejam. Agradeço-lhes publicamente. E agradeço também à revista spectator, que publicou artigo do cientista político Cass Sunstein que só reforça a minha gratidão. Sunstein publi- cou livro recente, intitulado Going to extremes: how like minds unite and divide (“Ir aos extremos: como mentes semelhantes unem e dividem”). A tese é luminosa: pessoas que pertencem a grupos que pensam uniformemente da mesma forma tendem a radicalizar as suas posições. Existem testes empíricos citados por Sunstein: na França, um grupo de cidadãos franceses foi dividido em grupos me- nores para trocarem opiniões sobre o presidente francês e o papel dos Estados Unidos no mundo. Ponto de partida: todos os cidadãos, antes da experiência, tinham visão simpática do presidente e visão negativa dos Estados Unidos. Ponto de che- gada: depois da experiência, os que gostavam do presidente francês passaram a gostar ainda mais. Os que não gostavam dos Estados Unidos passaram a gostar ainda menos. O segredo, conta Sunstein, está na própria dinâmica da troca de informação: quando os outros reforçam as nossas verda- des, eles não se limitam a justificar epistemologicamente o que pensamos. Eles conferem uma sensação de maior segu- rança ao que pensamos, radicalizando as nossas atitudes. E basta que exista entre o grupo uma autoridade incontestada e incontestável para que o pensamento uniforme se trans- forme em ação uniforme. É a receita para o desastre. A história do extremismo, para Sunstein, é também a his- tória de como certos grupos foram se afastando progres- sivamente do pluralismo real das sociedades humanas. O Tratado de Versalhes, a falência de Weimar ou a Grande Depressão podem explicar Hitler e a ascensão do partido nazista. Não explicam tudo: é preciso entender os nazistas como um grupo homogêneo, impermeável à crítica externa. Uma realidade fechada onde os diferentes membros se re- forçam mutuamente numa espécie de endogamia intelec- tual e ideológica. Nós, os puros, contra os inimigos impuros: eis a mentalidade típica do extremista. De ontem e de hoje. Não se iludam. Um esquerdista faz sempre falta numa reu- nião de reacionários. Um direitista faz sempre falta numa passeata de Porto Alegre. Porque as sociedades livres, no essencial, não se distinguem dos casamentos felizes. E não há casamento que resista quando trocamos vozes distintas por monólogos entediantes. COUTINHO, João Pereira. A unanimidade é burra. Folha de S.Paulo, São Paulo, 7 jul. 2009. Caderno Ilustrada. a) Por que João Pereira Coutinho, o autor do artigo que você acabou de ler, concorda com a opinião do dramaturgo e escritor Nelson Rodrigues de que a “unanimidade é burra”? b) O artigo de João Pereira Coutinho permite uma associação entre a difusão da ideologia nacionalista e o crescimento do nazismo na Alemanha? Justifique sua resposta. c) Em sua opinião, que contribuição o texto proporciona para a reflexão acerca da ascensão dos regimes totalitários na Europa às vésperas da Segunda Guerra Mundial? d) Reúnam-se em grupo e elaborem um texto argumentativo sobre a seguinte questão: hoje, a sociedade valoriza e estimula as diferenças ou incentiva os indivíduos a buscar a uniformidade e a isolar aqueles que são diferentes? HGB_v3_PNLD2015_079a092_U1_C5.indd 92 4/15/13 10:01 AM vargas de 1930 a 1945 CAPítulo 6 93 p getúlio vargas, chefe do movi- mento que depôs o presidente Washington luís, é recepcionado no Palácio do catete, em 31 de outubro de 1930. A c e rv o I c o n o g ra p h ia /R e m in is c ê n c ia s A construção de um mito Getúlio Vargas é uma fi gura polêmica, fundamental para entender- mos o século XX no Brasil. Isso não se deve apenas a suas realizações políticas, mas principalmente ao processo de construção pública de sua pessoa como um líder paternalista, pacifi cador das relações sociais, “Pai dos Pobres” e defensor intransigente dos interesses nacionais. Alguns dos personagens da história brasileira foram consagrados ao longo dos anos. No entanto, hoje sabemos que a história é construída por homens e mulheres de diferentes condições sociais. Podemos afi rmar que a fi gura de Getúlio Vargas é um mito de nossa história. O que confi gura um mito? Como, por que e para que ele é criado? Neste capítulo você vai obter alguns elementos para pensar a respeito dessas questões. PARA PENSAR HISTORICAMENTE HGB_v3_PNLD2015_093a109_U1_C6.indd 93 4/15/13 10:03 AM 94 Para entender nosso temPo: o século XX O gOvernO prOvisóriO (1930-1934) A Revolução de 1930, vitorio- sa, foi responsável por algumas mu- danças, ainda que limitadas sobre- tudo ao campo político. Como você estudou, o governo que se seguiu à revolução, encabeçado por Getúlio Vargas, surgiu de um movimento que aglutinou diversas forças so- ciais (oligarquias dissidentes, clas- ses médias, setores da burguesia ur- bana) e instituições (notadamente o exército), que reivindicavam par- ticipação política em um cenário até então dominado quase exclusi- vamente pela oligarquia cafeeira. Embora os grupos oligárquicos (inclusive os apa- rentemente derrotados cafeicultores) ainda tivessem um papel decisivo a representar no novo governo, não iriam mais exercer o poder de forma hegemônica. Nes- se período, o Estado oligárquico brasileiro vivia uma crise. As disputas pelo exercício do poder abriam espa- ço para a intermediação política, o que favoreceu o for- talecimento do poder pessoal de Getúlio Vargas: bas- tante habilidoso, soube transformar-se no árbitro das forças em disputa, ou, ainda, no único indivíduo capaz de manter coesa a aliança que havia se formado em 1930. Não evitou, entretanto, descartar este ou aquele grupo político quando as circunstâncias exigiam. A composição do novo governo já refletia a ne- cessidade de satisfazer às diversas forças políticas: gaúchos e mineiros dominavam os ministérios. Políti- cos do Partido Democrático (oposição em São Paulo) e da oligarquia paraibana também ocuparam cargos no governo recém-instaurado. A força do governo, entretanto, estava nas lide- ranças tenentistas que Getúlio tentou manter a seu lado a qualquer custo. Nomeou tenentistas para o car- go de interventores, isto é, substitutos temporários dos governadores estaduais. A limitação ideológica do tenentismo, que com- batia a república oligárquica em nome de umas pou- cas reformas e sem se filiar a nenhuma linha política ou partidária, levaria o movimento ao colapso. Como alternativa de sobrevivência, os tenentistas tiveram como opção abraçar um programa mais amplo, como Prestes já havia feito ao se converter ao comunismo. Outros tenentes, por sua vez, simpatizaramcom o fascismo, então em ascensão em vários países. For- maram as Legiões Revolucionárias, procurando atrair também os operários e os desempregados, cada vez mais numerosos, já que os efeitos da crise de 1929 se aprofundavam. Essa ala direita do tenentismo or- ganizou-se por meio do chamado Clube 3 de Outubro. A divisão dos tenentes entre as tendências de esquerda e direita e o fortalecimento do poder pessoal de Getúlio Vargas levaram ao esvaziamento do te- nentismo. Mais tarde, pouco restaria aos integrantes do movimento além de submeter-se ao presidente e incorporar-se à estrutura burocrática do novo Estado getulista, em gestação no início da década de 1930. No momento da construção do governo revo- lucionário e durante seus primeiros anos no poder, o presidente fez apelos às classes trabalhadoras urba- nas, acenando-lhes com a possibilidade de criar leis favoráveis a elas e oferecendo-lhes outros benefícios. Outra medida adotada para consolidar o novo governo foi atrair as antigas forças agroexportadoras paulistas, deixando claro que pouco poderia ser fei- to sem os cafeicultores, que ainda formavam o grupo econômico mais poderoso do país. A defesa do setor cafeeiro e o estímulo à indústria Com o objetivo de apoiar os cafeicultores, Vargas lançou-se em defesa da cafeicultura, fortemente abala- da pela Grande Depressão, crise mundial iniciada em 1929. Para isso, buscou reeditar a velha política de va- lorização do café, agora sob rígido controle do gover- no central. Por meio do Conselho Nacional do Café (CNC), promoveu a compra e a estocagem do produto. p População comemora a vitória da revolução de 1930, em são Paulo. no novo go- verno, esse mesmo povo teria bem pouca participação. A rq u iv o d o j o rn a l O E s ta d o d e S . P a u lo /A g ê n c ia E s ta d o HGB_v3_PNLD2015_093a109_U1_C6.indd 94 4/15/13 10:03 AM vargas de 1930 a 1945 95 Como já foi visto, essa prática estava desgastada, pois a produção mundial de café aumentava, e com ela a concorrência. Consequentemente, a política de valorização do produto, apesar de aumentar ligeira- mente os preços durante certo tempo, acabou por levar à formação de estoques imensos, para os quais não havia compradores externos. A partir de julho de 1931, o governo decidiu queimar os estoques de café. Essa política beneficiou a economia a curto prazo. O comprometimento do governo com a manutenção da demanda do produto ajudou a manter em funcio- namento o restante da economia brasileira. A atividade cafeeira sustentou as atividades comercial e bancária, as ferrovias e até a pequena indústria nacional, uma vez que todos esses setores, de algum modo, dependiam dos recursos gerados pela cafeicultura. As marcas da crise de 1929 tinham deixado no setor cafeeiro e industrial um desemprego de cerca de 2 milhões de trabalhadores e uma redução de salários em 20%. dução de têxteis e processamento de alimentos, que requeriam investimentos menores e contavam com a utilização da capacidade ociosa. Desde o final do sé- culo anterior, construía-se no país a base de uma in- dústria leve que operava com capacidade ociosa des- de pelo menos o final da Primeira Guerra Mundial. Foi justamente o emprego desse potencial não utilizado que fez a produção industrial brasileira dar um salto durante os anos 1930. Os anos 1930 inauguraram o modelo de indus- trialização por substituição de importações. Ape- sar do predomínio da indústria leve, novos setores logo se desenvolveram, com a participação decisiva do Estado. A Revolução Constitucionalista de 1932 Ao proteger a cafeicultura, o governo varguista procurou garantir o apoio dos fazendeiros paulistas, ao mesmo tempo que estimulava o processo de indus- trialização. No entanto, a defesa do setor cafeeiro im- plicava alguns riscos políticos para o presidente: uma vez fortalecida, a oligarquia cafeeira paulista poderia tentar retomar o poder perdido em 1930. Vargas desagradou as elites paulistas ao no- mear João Alberto, um interventor pernambucano e tenentista. Mesmo depois de nomear o interventor Pedro de Toledo, civil e paulista, a tensão continuava. Eternizando a situação do governo provisório, Vargas dava a entender que não se esforçaria por devolver ao país a normalidade constitucional. Com um papel secundário no governo provisó- rio, o Partido Democrático rompeu com Vargas. Jun- tamente com o Partido Republicano Paulista, que re- compunha suas forças, formou a Frente Única Pau- lista e exigiu, além da nomeação de um interventor civil e paulista para o estado, a imediata reconstitu- cionalização do país. As promessas de Vargas referentes à redemocra- tização e convocação de uma Assembleia Constituin- te eram vagas e pouco consideradas. A Frente Única aproveitou-se da situação e passou a exigir a elabo- ração de uma nova Constituição, atraindo o apoio popular. Embora parecesse modernizador e liberali- zante ao propor a redemocratização, o movimento revolucionário de 1932, que se iniciava, era também reacionário, uma vez que a oligarquia cafeeira, que o liderava, pretendia retornar ao poder. p o café usado como combustível de locomotivas. com a compra dos estoques de café não vendidos, o governo pre- servava a atividade econômica do Brasil. Foto de 1931. A rq u iv o d o j o rn a l O E s ta d o d e S . P a u lo /A g ê n c ia E s ta d o Ao mesmo tempo, as importações caíram, uma vez que grande parte do café não era exportado, mas vendido ao governo. Dessa forma, reduzia-se a en- trada de moeda estrangeira no país (moeda que de- veria ser usada para pagar a conta das importações). Levando-se em consideração que a maior parte das importações era de produtos industrializados, surgiu a oportunidade de que essa produção passasse a ser realizada dentro do Brasil. Entre 1933 e 1939, a indústria brasileira teve um crescimento expressivo, principalmente nos setores menos sofisticados: a indústria leve, baseada na pro- HGB_v3_PNLD2015_093a109_U1_C6.indd 95 4/15/13 10:03 AM 96 Para entender nosso temPo: o século XX p Passeata no centro da cidade de são Paulo durante a revolução constitu- cionalista, em 1932. Em maio de 1932, após conflitos de rua que terminaram com a morte de estudantes paulistas, organizou-se um movimento que pregava a luta armada. Surgiu um grupo de enfrentamento de- nominado MMDC, iniciais dos nomes das vítimas – Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo. Em 9 de julho de 1932, os líderes paulistas romperam com o go- verno Vargas: tinha início a revolução. Iniciou-se a organização de um exército constitucionalista, com o alista- mento voluntário de dezenas de milha- res de jovens, principalmente da classe média. A mobilização foi grande no es- tado de São Paulo, mas sem adesão sig- nificativa dos operários. A fragilidade do exército constitu- cionalista, porém, logo se fez sentir, com carências de todo gênero. A indústria de São Paulo tentou suprir o movimento com armas e munições, já que a marinha, fiel a Vargas, havia bloqueado os portos paulistas, impossibilitando as importações. A v e li n o G in jo /M u s e u d a I m a g e m e d o S o m , S ã o P a u lo , S P Foram produzidas inúmeras publicações sobre a Revolução Constitucionalista; muitas a apresentam numa versão épica, como exemplo de heroísmo. Leia as observações do historiador Marcelo Santos de Abreu, analisando o assunto. É certo que a Revolução Constitucionalista não foi um movimen- to da “plutocracia” apenas, ou da “oligarquia”, mas esteve muito longe da unanimidade que atravessava “todas as classes sociais” pretendida por seus memorialistas. Da mesma forma, [...] a “união sagrada dos paulistas” não era apenas a unidade em torno de um “ideal”, mas uma coalizão das facções da classe dominante ou das facções da elite po- lítica tão débil quanto aquela que levara Getúlio Vargas ao poder em 1930.De fato, a história representada no memorialismo aproxima-se do mito uma vez que insistia em ressaltar a coesão social resultante de uma crise. Esta análise preliminar do memorialismo revolucionário e da historiografia crítica torna evidente que a produção da história em qualquer registro é análoga à dinâmica da memória social, feita de lembrança e esquecimento. E que a preocupação de narrar, mobi- lizando os recursos da memória para configurar um testemunho ou da razão para elaborar uma interpretação crítica dos acontecimentos socialmente relevantes, é feita de menção e silêncio. ABREU, Marcelo Santos de. A Revolução Constitucionalista de 1932: memorialismo, historiografia, produção do silêncio. Disponível em: <http://revistadiscenteppghis.files. wordpress.com/2009/05/marcelo-abreu-a-revolucao-constitucionalista-de-1932_-memorialismo-historiografia-producao-do-silencio.pdf>. Acesso em: 2 fev. 2013. A Revolução ConstituCionAlistA Além dos memoRiAlistAs A Constituição de 1934 Encerrado o movimento de 1932, a repressão do governo varguista aos líderes paulistas surpreendeu por sua relativa brandura. Limitou-se a algumas pri- sões, deportações e cassação de mandatos (em julho de 1934 seria aprovada uma anistia geral). Na verda- de, Vargas buscava uma composição com os paulistas derrotados, pois era impossível ignorar a elite paulista, e esta, por sua vez, aceitou a busca de entendimento. Percebendo a força do apelo constitucionalista, Ge- túlio decidiu acelerar o processo de redemocratização. Instituiu, em 1932, um Código Eleitoral, que introduzia o voto secreto, o voto feminino e a justiça eleitoral, além dos deputados classistas, isto é, eleitos pelos sindicatos. Nessas condições, foram realizadas as eleições para a Assembleia Constituinte em maio de 1933, aprovando- -se uma nova Constituição em julho do ano seguinte. Após três meses de combates às vezes intensos, com um saldo de 600 a 900 mortos, as tropas leais ao governo federal acabaram forçando os paulistas à rendição. HGB_v3_PNLD2015_093a109_U1_C6.indd 96 4/15/13 10:03 AM
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