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Renata Valadão Bittar – Medicina UNIT / P5 1 TUTORIA 4 – “FIBROMIALGIA” 1. FISIOPATOLOGIA A síndrome da fibromialgia (SF) é caracterizada pela ocorrência de dor difusa pelo corpo, pontos dolorosos à palpação e ausência de processos inflamatórios articulares ou musculares. A etiologia e a fisiopatologia da FM ainda permanecem obscuras. As hipóteses atuais focalizam os mecanismos centrais de modulação e amplificação da dor na gênese da FM. Uma ideia sugere que o distúrbio primário na FM seria uma alteração em algum mecanismo central de controle da dor, o qual poderia resultar de uma disfunção de neurotransmissores. Tal disfunção neuro-hormonal incluiria uma deficiência de neurotransmissores inibitórios em níveis espinhais e supraespinhais (serotonina, encefalina, noradrenalina e outros) ou uma hiperatividade de neurotransmissores excitatórios (substância P, glutamato, bradicinina e outros peptídeos). Possivelmente, ainda, ambas as condições poderiam estar presentes. Tais condições poderiam ser geneticamente predeterminadas e desencadeadas por algum estresse não específico como, por exemplo, uma infecção viral, estresse psicológico ou trauma físico. O eixo hipófise-hipotálamo-adrenal e o SNA simpático, que compreendem os principais sistemas de resposta ao estresse, juntamente com suas interações com as disfunções neuro-hormonais, também são implicados na fisiopatologia. A vulnerabilidade ao desenvolvimento da FB parece ser influenciada por fatores ambientais, hormonais e genéticos, causando alterações ao nível de receptores neuro-hormonais. Algum fator estressante agudo poderia desencadear o desenvolvimento de perturbação no eixo hipófise-hipotálamo- adrenal por mecanismos ainda não esclarecidos que poderiam envolver o SNA simpático e o sistema serotoninérgico. A Fibromialgia é bastante frequente. No Brasil está presente em cerca de 2% a 3% das pessoas. Acomete mais mulheres que homens e costuma surgir entre os 30 e 55 anos. Porém, existem casos em pessoas mais velhas e também em crianças e adolescentes. 2. QUADRO CLÍNICO E LABORATORIAL (EXAMES DE IMAGEM) CARACTERIZADA POR QUADRO DE DOR MUSCULOESQUELÉTICA CRÔNICA ASSOCIADA A VÁRIOS SINTOMAS. SÍNDROME CLÍNICA DOLOROSA. A maior parte dos pacientes também relata fadiga, rigidez muscular, dor após esforço físico e anormalidades do sono. Pode também haver sintomas de depressão, ansiedade, deficiência de memória, desatenção, cefaleia tensional ou enxaqueca, tontura, vertigens, parestesias, sintomas compatíveis com síndrome do intestino irritável ou com síndrome das pernas inquietas, entre diversos outros sintomas não relacionados ao aparelho locomotor. A DOR CRÔNICA GENERALIZADA, entretanto, é o SINTOMA CARDINAL. As mialgias podem apresentar característica migratória frequentemente em resposta ao estresse biomecânico ou a traumas. Distúrbios do sono: dificuldade de indução do sono, excessivos despertares durante a noite e sensação de sono não restaurador. Os distúrbios de sono provocam consequências adversas como déficits cognitivos, cansaço matinal e a propensão para desencadear distúrbios psiquiátricos. Há elevada prevalência de depressão. As características da depressão como a fadiga, os sentimentos de culpa, a baixa autoestima e a vitimização provocam a exarcebação dos sintomas e prejudicam as estratégias Renata Valadão Bittar – Medicina UNIT / P5 2 Junto com a dor, surgem sintomas como fadiga (cansaço), sono não reparador (a pessoa acorda cansada, com a sensação de que não dormiu) e outras alterações como problemas de memória e concentração, ansiedade, formigamentos/dormências, depressão, dores de cabeça, tontura e alterações intestinais. Uma característica da pessoa com Fibromialgia é a grande sensibilidade ao toque e à compressão de pontos nos corpos. 3. DIAGNÓSTICO O diagnóstico da Fibromialgia é essencialmente clínico. O médico durante a consulta obtém algumas informações que são essenciais. Os sintomas mais importantes são dor generalizada, dificuldades para dormir ou acordar cansado e sensação de cansaço ou fadiga durante todo o dia. Alguns outros problemas podem acompanhar a Fibromialgia como depressão, ansiedade, alterações intestinais ou urinárias, dor de cabeça frequente, entre outros. Ao examinar, o médico pode observar uma grande sensibilidade em pontos específicos dos músculos. Estes pontos são conhecidos como pontos dolorosos. Hoje não se valoriza muito a quantidade de pontos que estão dolorosos, mas a sua presença ajuda nesse diagnóstico. Uma organização médica americana chamada Colégio Americano de Reumatologia criou alguns critérios para ajudar esse diagnóstico. Eles incluem dor difusa e os pontos dolorosos já citados. Esses critérios são muito utilizados para realizar pesquisas sobre Fibromialgia, mas no dia a dia o principal é a avaliação médica. Ainda na consulta podem ser utilizados alguns questionários que ajudam tanto no diagnóstico quanto no acompanhamento dos pacientes. Entre esses 12 questionários eu citaria o Índice de Dor Generalizada, o Índice de Severidade dos Sintomas e o Questionário de Impacto da Fibromialgia. CRITÉRIOS CLASSIFICATÓRIOS a) Presença na história clínica de DOR GENERALIZADA, afetando o esqueleto axial e periférico, acima e abaixo da cintura, com duração superior a 3 meses b) Exame físico com DOR À PALPAÇÃO com força aplicada de 4kg/cm2 em pelo menos 11 DOS 18 TENDER POINTS (9 pares) Renata Valadão Bittar – Medicina UNIT / P5 3 4. TERAPÊUTICA FARMACOLÓGICA E NÃO FARMACOLÓGICA O tratamento da FM deve ser multidisciplinar, individualizado, contar com a participação ativa do paciente e basear-se na combinação das modalidades não farmacológicas e farmacológicas, devendo ser elaborado de acordo com a intensidade e características dos sintomas. É importante que sejam consideradas também as questões biopsicossociais envolvidas no contexto do adoecimento. Como parte inicial do tratamento, devem ser fornecidas aos pacientes informações básicas sobre a FM e suas opções de tratamento, orientando-os sobre controle da dor e programas de autocontrole. O tratamento farmacológico da FM, além do controle da dor, tem como objetivos induzir um sono de melhor qualidade, e tratar os sintomas associados como, por exemplo, a depressão e a ansiedade. Os anti-inflamatórios não hormonais (AINH) não devem ser utilizados como medicação de primeira linha nos pacientes com FM. Apesar de não haver evidências da existência de inflamação, os AINH usados na abordagem de queixas dolorosas mais proeminentes atuam satisfatoriamente em sintomas associados a FM como a cefaleia e a dor articular. Os corticosteroides não fazem parte do arsenal terapêutico utilizado na FM.No Brasil há dois dos três medicamentos aprovados pelo FDA (Food and Drug Administration) para o tratamento da FM: pregabalina e duloxetina. A pregabalina é um modulador do canal de cálcio, que diminui a liberação de neurotransmissores excitatórios da dor nas terminações nervosas, particularmente a substância P e o glutamato. Os estudos demonstram alívio significativo da dor, fadiga, ansiedade e dos distúrbios do sono com este fármaco. A duloxetina é um inibidor da receptação da serotonina e da noradrenalina que também tem se mostradoeficaz na redução da dor e na melhora da capacidade funcional na FM, independentemente da presença de depressão. Os antidepressivos tricíclicos, especialmente a amitriptilina e a ciclobenzaprina, tomados em dose única duas a três horas antes de deitar, podem ser eficazes na melhora da dor e da qualidade do sono, além de contribuírem para a capacidade funcional. Muitos outros agentes medicamentosos foram estudados, porém, em geral, com resultados menos satisfatórios. O tratamento não farmacológico tem papel crucial no controle dos sintomas da FM. Os portadores de fibromialgia se beneficiam com a realização de atividade física. Há diversos motivos para justificar a atividade física nesta síndrome: aumento dos níveis de serotonina e de outros neurotransmissores inibitórios; aumento da produção de GH (hormônio do crescimento) e IGF-1; regulação do eixo hipotálamo- hipófiseadrenal e do sistema nervoso autônomo; aumento da densidade capilar; aumento da quantidade de mioglobina; aumento da atividade mitocondrial. Todas estas mudanças contribuem para a melhora da dor, da qualidade do sono, da fadiga, da ansiedade e de outros sintomas. Some-se o fato de que pode haver uma socialização, dependendo de circunstâncias, e influenciar positivamente alguns aspectos psicológicos. Os exercícios físicos têm representado a intervenção não medicamentosa mais empregada e estudada na FM. Entretanto, ainda não foi estabelecido qual o exercício mais apropriado, assim como a frequência e a intensidade ideais. Os aspectos psicológicos devem ser sempre avaliados e eventuais distúrbios identificados, objetivando um real suporte e, se necessária, uma ajuda especializada. Os distúrbios do sono também devem ser abordados e tratados. Além dos muitos benefícios à saúde, a atividade física é reconhecidamente um método não medicamentoso de grande impacto na melhora da dor, do humor e da qualidade de vida dos pacientes com Fibromialgia. Constitui-se, assim, uma intervenção fundamental, aliada às medidas medicamentosas, para o tratamento da Fibromialgia. Os exercícios são classificados em aeróbicos, de fortalecimento e de alongamento. Dentre esses, os aeróbicos no solo (caminhadas) ou na piscina (hidroginástica) são os mais bem estudados e de valor definido como determinantes da melhora de vários parâmetros clínicos da fibomialgia (dor, distúrbios do sono, fadiga, depressão e ansiedade). Os exercícios de fortalecimento e de alongamento também têm seu valor cada vez mais reconhecido e podem ser prescritos como forma segura e eficaz para o tratamento não- medicamentoso da Fibromialgia. Quanto à adaptação e aos resultados de um determinado programa de atividade física, Renata Valadão Bittar – Medicina UNIT / P5 4 deve-se salientar que os parâmetros de melhora podem demorar algumas semanas para serem reconhecidos, e, dado o condicionamento prévio de cada indivíduo, pode até ocorrer uma piora da dor nas primeiras semanas da realização dos exercícios. Dessa maneira, a atividade física deve ser sempre iniciada de forma gradual, com incrementos progressivos ao longo do programa. O ideal é que seja realizada de três a cinco vezes por semana, durante 30 a 60 minutos. Por último, a prática de exercícios físicos deve ser prazerosa e parte do estilo de vida de cada um. A psicoterapia cognitiva-comportamental (TCC) leva principalmente em conta a forma como cada um age perante os acontecimentos do dia a dia, para tentar entender e modificar suas emoções e seu modo de agir. Desta forma, a TCC dá uma grande ênfase aos pensamentos do cliente e à forma como este interpreta o mundo, sendo que seu objetivo é ajudá-lo a aprender novas estratégias para atuar no ambiente de 17 forma a promover mudanças necessárias. Na Fibromialgia, a TCC poderia auxiliar o paciente a entender e interpretar melhor suas atitudes frente à dor e demais sintomas da Fibromialgia para enfrentá-los de forma mais eficaz. Em Fibromialgia, os resultados são conflitantes, com trabalhos demonstrando resultados variáveis com melhora na dor, depressão e capacidade funcional em curto prazo; outros somente se associados à farmacoterapia, mas não mantém os efeitos após um ano. 5. FIBROMIALGIA E QUADROS PSICOSOMÁTICOS O impacto negativo causado pela fibromialgia na qualidade de vida dos pacientes tem sido relatado em muitos trabalhos. Santos e cols. (2006), em pesquisa realizada em São Paulo, concluíram que a qualidade de vida dos portadores de fibromialgia é bem inferior à dos indivíduos saudáveis. Os autores destacaram o comprometimento do domínio do aspecto físico, a questão da dor e a significativa queda da vitalidade e capacidade funcional. Já Berber, Kupek e Berber (2005), em pesquisa realizada em Florianópolis, apontaram também a prevalência da depressão em 67,2% (entre leve, moderada e severa) dos 70 pacientes com fibromialgia estudados. Relacionado a isso estaria o fato de a doença não ter ainda sua origem determinada nem cura plena, gerando sentimentos de desamparo e vulnerabilidade. A presença concomitante de distúrbios psíquicos provoca maiores limitações funcionais, afetando ainda mais negativamente a qualidade de vida das pessoas, tanto no aspecto físico como no intelectual e emocional, e reduzindo a capacidade da pessoa para o trabalho, a vida familiar e social (Torres, Troncoso & Castillo, 2006). Knoplich (2001) e Villalpando, Sotres, Manning e González (2005) abordam a necessidade de a fibromialgia ser encarada como um sofrimento que envolve tanto o aspecto biológico como o psicológico. Knoplich (2001) destaca que o tratamento da fibromialgia deve ser feito com o enfoque sociopsicossomático, por parte dos especialistas que tratam esses pacientes. O autor diz que a abordagem deve ser, desde o início, conjuntamente somática e psicológica. O tratamento inclui o uso de medicamentos analgésicos, anti- reumáticos, tranqüilizantes e antidepressivos. Também fazem parte do tratamento a fisioterapia, técnicas de relaxamento, a prática de exercícios físicos e psicoterapia. Contudo, Santos Filho (1994) diz que pacientes com elementos psicossomáticos significativos raramente procuram a análise por iniciativa própria. Eles são encaminhados pelos médicos que os atendem e muitos desses pacientes trazem na análise seus exames e indicações clínicas. O autor diz que há um pedido inicial de algo concreto, objetivo, que possa ser aprendido, ensinado e não desvendado, descoberto, e acrescenta que se nota uma dissociação entre os acontecimentos traumáticos e os sintomas corporais. Considera que essa é a primeira tarefa do analista: reconstituição histórica e cronológica e integração entre datas, acontecimentos e eclosões somáticas. Algo muito presente na síndrome da fibromialgia é a questão da dor. Para Sasdelli e Miranda (2001), a dor articula-se como funcionamento psicológico do ser singular, e ao abordar o paciente é importante considerar que é necessário usar a condição da empatia, colocar-se no lugar do outro, para buscar compreender o que a dor representa para ele; tentar perceber se o doente consegue ter algum ganho secundário com ela. Segundo os autores, à medida que fala sobre a dor e suas representações, a pessoa passa a ter maior experiência e maior compreensão sobre ela, podendo sair da posição passiva da vivência e assumir uma postura de crescer na experiência. Há que se considerar, também, que a dor, em muitos casos, será uma eterna companheirada pessoa, a qual terá que se submeter a Renata Valadão Bittar – Medicina UNIT / P5 5 algumas restrições. É necessário dar uma significação ao processo de adoecer. Angelotti (2001) coloca que os indivíduos relativamente inativos são especialmente vulneráveis à experiência dolorosa, pois, não tendo mais com que ocupar a atenção, concentram-se na dor. Para Coelho (2001), a base da estrutura da personalidade do doente crônico compreende tendências à regressão, o que pode facilitar cuidados básicos, por se adaptar à condição de ‘paciente’, mas também contribuir para a sua cronicidade. A dor entra para a chamada “zona de conforto”, onde, por mais que o estado seja ruim, existe um benefício secundário que mantém o indivíduo no estado de dor (PAIVA, 2004). Sabe-se que distúrbios mentais e/ou emocionais podem estar presentes nos portadores de fibromialgia, incluindo alterações do humor, irritabilidade, dificuldade de concentração, perda de memória, depressão e ansiedade. Estes sintomas podem apresentar-se isoladamente ou em conjunto, por isso aliadas à dificuldade da confirmação diagnóstica, muitos dos indivíduos, inicialmente são tratados como depressivos. 6. DOENÇAS QUE FAZEM DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL COM A FM (ARTRITE, ARTROSE, SÍNDROME MIOFASCIAL...) FM x SD MIOFASCIAL Dentre as condições dolorosas crônicas que acometem o sistema musculoesquelético destacam-se a fibromialgia e a dor miofascial. Enquanto a fibromialgia corresponde a uma condição dolorosa difusa, a dor miofascial é caracterizada pelo envolvimento localizado. Esta manifesta-se por dor e rigidez muscular no assim chamado "trigger point", o qual, ao ser pressionado, desencadeia intensa dor com irradiação de topografia bem estabelecida. Além disso, o leve toque do examinador na região dolorosa acarreta a formação de uma banda muscular rígida. A dor miofascial pode manifestar-se sob a forma de cefaléia tensional, lombalgia, cervicalgia, doença relacionada ao trabalho ou esforços repetitivos ou à disfunção temporomandibular. Assim como a fibromialgia, a dor miofascial é freqüente em mulheres entre 40 e 50 anos. Fadiga, rigidez, distúrbios de sono, ansiedade ou depressão menos freqüentemente acompanham o quadro. Difere da fibromialgia na medida em que constitui um acometimento regional e não difuso, com a presença de "trigger points" e não de "tender points". Os "tender points" da fibromialgia são 18, têm localização padronizada e não desencadeiam dor irradiada quando são pressionados. O comprometimento funcional na dor miofascial é temporário, enquanto na fibromialgia é mais intenso e duradouro; os "trigger points" respondem melhor à terapêutica localizada que os "tender points". Como exemplo de síndromes miofasciais, na síndrome da articulação temporomandibular a dor na mandíbula se irradia para a cabeça e pescoço. Na cefaléia tensional, no torcicolo e na dor lombar pode-se palpar uma massa muscular sob tensão, dolorosa e com disfunção do movimento, É possível de se reproduzir a dor pressionando-se o "trigger point", reproduzir a banda de tensão muscular ao se percutir levemente o local. A evolução favorável pode ser promovida por meio de alongamento muscular ou infiltração localizada.
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