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Clínica Cirúrgica Esôfago 15ª edição Questões Comentadas sUMÁRIO 1 Anatomia e fisiologia do esôfago 9 2 Anomalias congênitas do esôfago 17 3 Distúrbios da motilidade esofágica 25 4 Doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) 48 5 Esôfago de Barrett 64 6 Hérnia de hiato 71 7 Trauma (perfuração) e fístula do esôfago 76 8 Síndrome de Mallory-Weiss 83 9 Síndrome de Boerhaave 86 10 Tumores benignos do esôfago 89 11 Carcinoma epidermoide de esôfago 93 12 Adenocarcinoma da junção esôfagogástrica (AJEC) 107 13 Esofagites infecciosas e corpos estranhos 112 14 Questões para treinamento – Anatomia, divertículos, acalasia e temas gerais 129 15 Gabarito comentado 156 16 Questões para treinamento – DRGE e hérnias hiatais 196 17 Gabarito comentado 217 18 Questões para treinamento – Neoplasias do esôfago 246 19 Gabarito comentado 261 456 Capítulo Anatomia e FISIOLOGIA DO ESÔFAGO 1 Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 201510 Anatomia O esôfago é um órgão anatomicamente simples, de forma tubular, composto por músculos dos tipos liso e estriado. Guarnecido superiormente por um esfíncter anatomicamente comprovado, termina em um esfínc- ter de estrutura anatômica aceita por poucos autores. É, essencialmente, uma víscera muscular com pro- porções variáveis entre a musculatura lisa e a esquelética. O comprimento do esôfago em cadáveres adultos varia de 25 a 30 cm. A medida obtida por endoscópio, em adultos, demonstra que a transição esofagogástrica encontra-se a 40 cm dos dentes incisivos, iniciando-se no nível da sexta vértebra cervical e terminando no estôma- go, no nível da 11ª vértebra torácica (Figura 1.8). As medidas internas do esôfago são de aproxi- madamente 3 cm no diâmetro laterolateral e de 2 cm no diâmetro denominado anteroposterior. O esôfago cervical tem cerca de 5 cm de com- primento, o que corresponde aproximadamente a 1/5 do esôfago. Começa abaixo do esfíncter esofágico superior e vai até o nível da 1ª vértebra torácica. Está localizado atrás da traqueia e diante da região pré-vertebral, ocupando a linha média; é a posi- ção mais profunda do pescoço. Os nervos laríngeos recorrentes, direito e esquerdo, passam pelo ângulo diedro formado pela traqueia e pelo esôfago. O nervo laríngeo recorrente esquerdo está em contato direto com o esôfago e o laríngeo recor- rente direito tem seu trajeto afastado, por questão de milímetros. As carótidas e as jugulares internas relacionam-se, lateralmente, com o esôfago cervical. O esôfago torácico mede de 16 a 18 cm de comprimento. Pode ser dividido nos segmentos su- pra e infrabrônquico, servindo a carina da traqueia como ponto de referência para essa divisão. Ao entrar no tórax, o trajeto do esôfago deixa de ser retilíneo, desviando-se ligeiramente para a esquer- da, cruzando o brônquio esquerdo, posteriormente. Esse segmento suprabrônquico, no nível da quarta ou quinta vértebra dorsal, forma o plano mais superficial do mediastino posterior e situa-se entre as vértebras e a traqueia. Existe uma fixação do esôfago ao brô- nquio principal esquerdo, pelo músculo bron- coesofágico. O esôfago está separado das vértebras dorsais apenas por tecido celular frouxo. Posterolate- ralmente, o esôfago está recoberto pelas pleuras no segmento que vai da 5ª à 10ª vértebra dorsal. À direi- ta, é cruzado pelo arco da veia ázigos. À esquerda, está relacionado com o nervo laríngeo recorrente esquerdo, a origem das artérias carótida e subclávia esquerdas, o ducto torácico e o arco da aorta que promove o estreitamento broncoa- órtico, motivo pelo qual o esôfago mede apenas 15 a 17 mm de diâmetro nesse nível. Na porção infrabrônquica, o esôfago desvia-se ligeiramente para a linha média, a alguns centímetros acima do diafragma; ao passar por detrás do coração, desvia-se outra vez para a esquerda. Posteriormente, o esôfago está em relação com a coluna dorsal (nível entre a 4ª e a 11ª vértebra to- rácica), a aorta descendente, a veia ázigos e o ducto torácico e com segmentos da reflexão pleural. O ducto torácico entra no mediastino posterior através do hia- to aórtico e situa-se posteriormente no esôfago até o arco da aorta, ao desembocar na subclávia. Os nervos vagos, um de cada lado, paralelos ao esôfago, formam um plexo visível ao seu redor e, na altura do hiato esofágico, saem com dois troncos prin- cipais. Pela rotação gástrica, o tronco esquerdo do vago localiza-se mais anteriormente, e o tronco direito, mais posteriormente, quando passam ao estômago. O esôfago abdominal mede aproxima- damente 0,5 a 2 cm de comprimento e entra obliqua- mente no estômago formando o ângulo de His, o que internamente corresponde à membrana de Gubaroff. O esôfago apresenta quatro locais de estreita- mento anatômico bem definidos (Figura 1.1), onde as estruturas adjacentes produzem impressões: cri- cofaríngeo, na origem do esôfago, onde há compressão pelo músculo cricofaríngeo; aórtico, no nível do arco da aorta, na altura da quinta vértebra torácica; brônquico, no cruzamento do brônquio fonte esquerdo; e diafragmático, no nível do hiato diafragmático, na altura da 10ª vértebra torácica, distante 38 cm da arcada dentária. Esses estrei- tamentos são sedes de afecções esofágicas: obstru- ção por corpo estranho, lesões cáusticas e câncer. A parede esofágica apresenta, na sua parte interna, uma camada formada por mucosa e submucosa; a parte externa, que é muscular, é constituída por uma camada circular interna e uma camada longitudinal externa. O revestimento do esôfago é de epitélio es- camoso estratificado não ceratinizado. Existem algumas glândulas ao longo de todo o esôfago. A ca- mada mucosa apresenta pregas longitudinais paralelas em toda a extensão do esôfago. Há glândulas produto- ras de mucina na submucosa e lâmina própria. A sub- mucosa é a porção mais resistente da parede esofágica, elemento importante nas anastomoses esofágicas. A transição da mucosa esofágica para a mu- cosa gástrica se faz com a mudança do epitélio escamoso do esôfago para epitélio cilíndrico do estômago, mudança identificada pelo clareamen- to brusco na cor da mucosa, o que determina a chamada linha Z. Essas modificações ocorrem no ní- vel dos dois últimos centímetros esofágicos, já em nível intra-abdominal. Não existe uma coincidência entre a transição interna epitelial esofagogástrica e a transição externa do esôfago com o estômago. Ilhas de epitélio gástrico são encontradas isoladas em todos os níveis do esôfago. A mucosa gástrica, frouxa e redundante, no nível do cárdia, forma uma roseta que tende a funcionar como um tampão antirrefluxo. 1 Anatomia e fi siologia do esôfago 11 No plano muscular, o esôfago é composto por duas camadas: uma interna, circular, e outra externa, longitudinal. O esôfago cervical tem continuidade com fi bras do esfíncter esofágico superior e fi bras provenientes da cartilagem cricoide e é constituído, em sua totali- dade, por musculatura estriada. No esôfago torácico existe uma mescla de fi bras musculares estriadas e lisas, com prevalência da musculatura lisa à medida que o esôfago vai se tornando mais caudal. O esôfago terminal, normalmente, é constituído de musculatura lisa pura. Entre a camada circular e a longitudinal do esôfago, existem os chamados plexos mioen- téricos, seja na musculatura lisa, seja na estria- da, os quais são responsáveis pela mobilidade coordenada da deglutição. As doenças motoras do esôfago geralmente envol- vem a musculatura estriada no terço superior, ou a mus- culatura lisa no esôfago terminal de maneira isolada, e raramente há um comprometimento difuso do esôfago. A adventícia do esôfago é formada por tecido co- nectivo aureolar frouxo, com fi bras elásticas originá- rias das outras estruturas mediastínicas. Não existe a presença de uma serosa, como em outros seg- mentos do tubo digestivo. Esse fato prejudica a segurança das anastomoses esofágicas, ao mes- mo tempoque facilita a propagação das células tumorais para outras estruturas anatômicas. 2 1 3 * * a b Figura 1.1 Os três principais estreitamentos do esôfago (vista ante- rior). 1. Plano superior (boca do esôfago): 14 mm (lábio da boca do esô- fago); 2. Constrição média pela aposição do arco da aorta e brônquico esquerdo: 14 mm; 3. Constrição inferior, aproximadamente 3 cm antes do cárdia: 12 mm; a) Largura superior: 19 mm; b) Largura inferior: 20 mm. *Plano mediano. A. carótida comum esquerda A. subclávia esquerda Esôfago (parte cervical) Costela Cúpula leural Traqueia Arco da aorta V. ázigo A. pulmonar direita * Esôfago (parte torácica) Esôfago (parte abdominal) Aorta torácica Coluna vertebral Diafragma (seccionado) Hiato esofágico Hiato aórtico Parte lombar do diafragma Aorta abdominal Brônquio lobar superior direito (ramificado) Bifurcação da traquéia Tronco braquiocefálico Figura 1.2 Esôfago, bifurcação da traqueia, aorta e veia ázigos. Figura 1.3 Correlação anatomotomográfi ca. A: corte transversal do tó- rax na altura da bifurcação traqueal. B: TC mostrando (a) aorta ascenden- te, (b) aorta descendente, (c) carina (d) esôfago, (e) artéria pulmonar. Relações anatômicas As paredes da orofaringe são formadas pelas musculaturas dos músculos constritores superior, médio e inferior, mais o músculo estilofaríngeo. Esses músculos são planos, largos, cujas fi bras mesclam-se entre si e formam uma rafe na linha média posterior da faringe. A atuação desse complexo muscular é coor- denada para uma perfeita deglutição. Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 201512 O músculo cricofaríngeo separa a faringe do esô- fago. O esfíncter esofágico superior é formado pelo músculo cricofaríngeo, que se mescla supe- riormente com fibras distais do músculo constri- tor inferior da faringe e, inferiormente, com as fi- bras circulares da musculatura esofágica cervical. O esfíncter esofágico superior mede aproximada- mente 3 a 5 cm de comprimento e, manometricamente, caracteriza-se por uma zona de alta pressão, principal- mente no nível do músculo cricofaríngeo, como pode ser demonstrado por estudos fluoroscópicos. Na face posterior, no nível da junção esofági- ca, não existe a formação da rafe mediana, apre- sentando-se uma zona de fraqueza (triângulo de Killian) por onde surge o divertículo de Zenker. As paredes faríngeas são suportadas por inserções nas cartilagens: epiglote, aritenoide, cuneiforme e cricoide. A passagem do esôfago para o abdome, através do diafragma, é feita pelo hiato esofágico, que, na re- alidade, é um segmento formado pelos pilares diafrag- máticos que apresentam anatomia bastante variada. Os pilares diafragmáticos nascem da segunda, terceira e quarta vértebras lombares e se inserem na porção tendinosa do diafragma. Existe uma pre- dominância do pilar direito na formação do hiato eso- fágico. A variação mais encontrada é aquela em que o pilar direito forma dois braços, direito e esquerdo, que circundam o esôfago, e o pilar esquerdo reforça o braço esquerdo do pilar direito. Outra variação, também fre- quente, é aquela em que ambos os pilares diafragmáti- cos se dividem antes de circundarem o esôfago. O principal elemento de fixação do esôfago ao diafragma é a membrana frenoesofágica, que é uma das estruturas responsáveis pelo antirre- fluxo gastroesofágico. A membrana frenoesofágica é formada pela fusão da pleura, fáscia endotorácica, fáscia transversal e peritônio. A fáscia transversal, também chamada de fáscia endoabdominal, insinua- -se através do hiato esofágico para inserir-se 2 a 3 cm na parede do esôfago. Existe discordância entre vários autores quanto à constituição da membrana frenoeso- fágica e à sua utilização nas intervenções cirúrgicas. Fisiologicamente, o esfíncter esofágico in- ferior está localizado nos 3 ou 4 cm distais do esôfago e caracteriza-se por um segmento de musculatura lisa, tonicamente contraído. Como se sabe, as fibras distais do esôfago terminal mesclam- -se com a musculatura gástrica, mas a existência ana- tômica de um esfíncter inferior não é aceita por vários autores. Na transição epitelial esofagogástrica, na cha- mada linha Z, a mucosa gástrica torna-se redundante, e as pregas mucosas formam uma roseta responsável, segundo alguns autores, pela prevenção do refluxo. O segmento intra-abdominal do esôfago mede de 2 a 4 cm e forma o ângulo de His com a grande curvatura do estômago. Essa angulação também é responsável pela prevenção do refluxo inter- namente. O esôfago no lado direito continua em linha reta com a pequena curvatura gástrica. A fixação do esôfago abdominal é feita por estruturas frouxas e de fácil dissecção cirúrgica. Vascularização Arterial A vascularização arterial da porção cervi- cal do esôfago é feita pelas artérias tireoideas inferiores (Figura 1.4). A irrigação arterial do seg- mento torácico é feita por ramos que nascem direto da aorta e por ramos esofágicos das arté- rias intercostais e bronquiais. O segmento inferior do esôfago é suprido pela artéria frênica inferior e pela artéria eso- fagocardiotuberositária, que é ramo da artéria gástrica esquerda. Funcionalmente, essas artérias tendem a uma vascularização do tipo terminal. Embora o esôfago não apresente uma rica rede arterial, existem numerosas intercomunicações na submucosa e na superfície muscular, o que permite interromper vasos sem causar isquemia. ramo esofágico linfonodos traqueais linfonodos traqueobrônquicos linfonodos mediastinais posteriores Diafragma linfonodos do tronco celíaco linfonodos diafragmáticos artéria tireoidea inferior artéria brônquica superior esquerda artéria brônquica inferior esquerda artéria esofageana, ramo aórtico artéria brônquica direita ramo ascendente da artéria gástrica esquerda artéria gástrica esquerda • artéria esofageana superior: ramo da tireoidiana inferior • artéria esofageana média: ramo da aorta ou de seus ramos • artéria esofageana inferior: ramo da gástrica esquerda ARTÉRIAS ESOFAGIANAS: Figura 1.4 Vascularização arterial do esôfago e drenagem linfática. 1 Anatomia e fi siologia do esôfago 13 Inervação A inervação intrínseca do esôfago é feita pelos plexos mioentéricos de Meissner e Auerbach (Figura 1.6). Existem conexões entre esses dois plexos que apre- sentam comunicações com o vago. O suprimento motor do esôfago nasce do núcleo motor dorsal do nervo vago e do núcleo do nervo acessório espinhal. As conexões paras- simpáticas estabelecem-se por meio dos vagos. nervo vago direito nervo laríngeo recorrente direito plexo esofageno anterior tronco direito do vago tronco esquerdo do vago cadeia torácica nervo laríngeo recorrente esquerdo nervo vago esquerdo nervo laríngeo recorrente Figura 1.6 Inervação do esôfago. A porção superior do esôfago é inervada pe- los nervos laríngeos recorrentes. Os nervos vagos descem paralelamente ao esôfago, um de cada lado, for- mando um plexo visível ao seu redor. Na altura do hia- to esofágico, o vago esquerdo orienta-se anterior- mente, e o vago direito, posteriormente, quando alcançam o estômago. O esôfago recebe fi bras simpá- ticas dos gânglios simpáticos cervicais e da cadeia simpá- tica torácica. A inervação simpática é pouca entendida. Fisiologia do esôfago A função básica do esôfago é transportar o ma- terial deglutido da boca ao estômago e, ocasionalmen- te, em direção contrária. Possui um esfíncter em cada extremidade com a fi nalidade principal de mantê-lo vazio. O fl uxo retrógrado do conteúdo gástrico é im- pedido pelo esfíncter esofágico inferior, e a entrada de ar a cada inspiração, pelo esfíncter esofágico superior, que normalmente permanece fechado em virtude da contração tônica do músculo cricofaríngeo. O estado atual do conhecimento da fi siologia do esôfago deve-se principalmente a estudos manomé- tricos, monitoração de pH e avaliação do trânsito eso- Venosa A drenagem venosa do esôfago é dividida em três segmentos e paralelaà rede arterial. O terço superior, através das veias tireoideas inferiores, drena para a veia cava superior. O terço médio também drena para a veia cava superior através dos sistemas ázigos e hemiázigos. No terço inferior do esôfago, no nível da união esofagogástrica, a drenagem venosa faz-se pelo sistema porta através da veia gástrica esquerda. Na submucosa esofágica, existe um fi no plexo venoso microscópico que drena para outras veias da submucosa, mais calibrosas, que estão situadas de maneira regular ao redor da circunferência esofágica, formando uma rede longitudinal paralela a toda a ex- tensão do esôfago. Essa rede venosa paraesofágica se comunica com os sistemas porta e sistêmico no nível dos três segmentos esofágicos. Quando existe hipertensão portal, esses vasos sub- mucosos aparecem como varizes mais destacadas no esô- fago terminal. Todos os três sistemas venosos possuem anastomoses entre si, permitindo o desvio do sangue no caso de haver obstrução em qualquer um deles. veia tireoidea inferior veia ázigos acessória veia hemiazigos veia ázigos veias gástricas curtas veia gástrica veia porta veia mesentérica superior veia esplênica Figura 1.5 Vasculização venosa do esôfago. Linfática Os linfáticos do esôfago torácico superior e mé- dio drenam principalmente para o pescoço e medias- tino superior, e a drenagem linfática do esôfago inferior faz-se principalmente para os gânglios abdominais: linfonodos gástricos e celíacos. Existem outras divisões e nomenclaturas das ca- deias linfáticas, todas no sentido de identifi car e faci- litar a dissecção, principalmente nas cirurgias radicais de câncer de esôfago. Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 201514 fágico. Um grande número de fatores pode alterar as pressões registradas, e, assim, cada laboratório deverá estabelecer seus parâmetros de normalidade para a po- pulação em estudo. Tamanho e tipo do cateter utiliza- do, temperatura do líquido ingerido e tempo de repouso entre cada deglutição estão entre os fatores referidos. Os valores obtidos por manometria não são ab- solutos, e a avaliação final deverá ser feita levando em consideração outros achados do exame. Pressões na boca e na faringe são atmosféricas; no corpo do esôfago, em repouso, são levemente subatmosféricas, reflexo da pres- são normal intratorácica, permanecendo a mais negativa entre –5 e –10 mmHg durante a inspiração profunda, e a mais alta entre 0 e 5 mmHg durante a expiração. Deglutição É uma resposta neuromuscular, envolvendo ações voluntárias e involuntárias. Tem início com o movimento voluntário da língua, que origina uma onda peristáltica involuntária, a qual percorre rapi- damente a faringe, alcançando o esfíncter esofágico superior, produzindo um relaxamento rápido e coor- denado, seguido por uma contração pós-deglutição. A respiração é suspensa nessa fase da deglutição. Uma vez iniciada, a sequência da deglutição é involuntária. Atividade motora Em repouso, o esôfago não apresenta atividade motora; os esfíncteres mantêm uma contração que pode ser medida manometricamente e caracteriza o tônus de repouso. A peristalse do esôfago evidencia-se logo após a contração da faringe ultrapassar o esfíncter esofágico superior. A contração peristáltica, a uma velocidade de 4 a 6 cm/seg, dirige-se da porção cranial, estriada, para a caudal, lisa. Essas ondas peristálticas têm duração entre 2,3 a 3,6 seg e alcançam amplitude máxima de 60 a 140 mmHg no esôfago inferior. Essa onda inicia- da pela deglutição é denominada peristalse primária. Os nervos extrínsecos coordenam a motilida- de esofagiana involuntária com os eventos associa- dos à deglutição voluntária. Durante a deglutição voluntária, os esfíncteres esofágicos superior e in- ferior relaxam, permitindo a entrada e a saída do bolo alimentar, respectivamente. Durante a fase orofaríngea da deglutição, o bolo é voluntariamente impulsionado à faringe; após, o processo torna-se involuntário, e, com o esfíncter eso- fágico inferior fechado, o bolo progride até transpô-lo em fase de relaxamento. Em seguida, esse esfíncter oclui em contração prolongada. No músculo estriado da porção cranial do esôfago, a onda peristáltica primária é mediada centralmente pelo acionamento sequencial de fibras vagais colinérgi- cas. No músculo liso do terço caudal do esôfago, a onda é propagada e mediada localmente por neurônios intra- murais intrínsecos e por propagação miogênica. Peristaltismo secundário é uma contração progressiva do corpo esofágico que não é induzida por deglutição, mas, usualmente, ou por distensão produ- zida por bolo não completamente propelido pela pe- ristalse primária, ou por conteúdo gástrico refluído. Um mecanismo local intramural pode, às vezes, produzir peristaltismo na musculatura lisa do esôfago – é a peristalse terciária, que não deve ser confundida com as contrações terciárias, descoordenadas ou simul- tâneas, no corpo do esôfago, responsáveis pelo clássico aspecto de saca-rolhas no esofagograma com bário. Quando o alimento entra no esôfago, uma onda peristáltica tem início em direção ao estômago, em ve- locidade de 4 a 6 cm/seg. Em posição supina, líquidos e semissólidos usualmente caem no esôfago distal por gravidade, independentemente da onda peristáltica, mais lenta. O esfíncter gastroesofágico relaxa antes da chegada do bolo, após o qual retoma o tônus. Os mecanismos de controle fisiológico são diferen- tes para as musculaturas lisa e estriada. A musculatura estriada, cranial, recebe exclusivamente inervação vagal excitatória, e a contração peristáltica resulta da ativação de unidades motoras em sequência craniocaudal. O controle da musculatura lisa é aparentemente mais complexo do que o da estriada. As fibras vagais fazem sinapse em neurônios do plexo mioentérico mais do que na junção neuromuscular, e o estímulo vagal pode tanto estimular quanto inibir a musculatu- ra esofágica, dependendo do estímulo usado. O plexo mioentérico existe nos segmentos estriados e lisos do esôfago, entre as túnicas mus- culares. Esse plexo é ganglionar: poucos gânglios nos segmentos de musculatura estriada e maior número nos de musculatura lisa, principalmente na região de junção dessas túnicas musculares. O plexo submuco- so também está presente, mas é escasso. Do ponto de vista funcional, o esôfago pode ser dividido em três regiões: esfíncter esofágico superior, corpo e esfíncter esofágico inferior. A função dos esfíncteres é coordenada com a função do corpo esofágico e com a atividade da orofaringe e do es- tômago, que são contíguos ao esfíncter esofágico superior e ao esfíncter esofágico inferior, respectivamente. Aproximadamente 50 a 60% do esôfago cau- dal, incluindo o esfíncter esofágico inferior, são inteiramente de musculatura lisa. 1 Anatomia e fi siologia do esôfago 15 O esfíncter esofágico superior Denominado também esfíncter faringoesofágico, o esfíncter esofágico superior é integrante tanto do esô- fago quanto da faringe. Sua estrutura é estriada, tendo comprimento de 3 a 5 cm à manometria; é forma- do primariamente por fi bras horizontais do mús- culo cricofaríngeo e, frequentemente, por uma pequena porção do constritor inferior da faringe. No homem, a região de maior pressão tem apro- ximadamente 1 cm de comprimento e corresponde ao músculo cricofaríngeo. A pressão intraluminal do esfíncter esofágico supe- rior parece ter dois componentes: um ativo, relacionado com a contração do cricofaríngeo, e um passivo, atribuível à elasticidade tecidual. A pressão desse esfíncter, em re- pouso, é de aproximadamente 60 mmHg, valor que estima seu componente de elasticidade dos tecidos. Durante a deglutição, a abertura normal do es- fíncter envolve seu relaxamento, a tração laríngea anterior e a pressão intrabolo; mudanças adaptativas volume-dependentes na dimensão do esfíncter aco- modam bolo de grande volumes. O esfíncter esofágico superior normalmente mantém-se fechado, exceto durantea deglutição, a eructação e o vômito. Anormalidades clínicas da abertura do esfíncter esofágico superior podem ser relacionadas a altera- ções de relaxamento desse, tração reduzida por meio da laringe, peristalse faríngea alterada ou reduzida complacência da musculatura do esfíncter. Funcio- nalmente, essas alterações podem conduzir à falta de abertura ou à abertura incompleta do esfíncter e à aspiração do resíduo da faringe, que se traduzem, cli- nicamente, por sintomas de disfagia ou de sufocação. O esfíncter esofágico inferior Em circunstâncias fi siológicas normais, a passa- gem do conteúdo gástrico para o esôfago é impedida por uma barreira antirrefl uxo que se localiza na junção esofagogástrica. O esfíncter esofágico inferior, o pilar diafragmá- tico e o ligamento frenoesofágico são as estruturas anatômicas com participação na barreira antirrefl uxo. O esfíncter esofágico inferior tem sido descrito como uma estrutura fi siológica ou zona de eleva- da pressão de repouso, de 3 a 5 cm de comprimen- to, e que atua como barreira contra a regurgita- ção anormal do conteúdo gástrico para o esôfago. Embora o tônus do esfíncter esofágico inferior seja o principal mecanismo na prevenção do refl uxo gastro- esofágico, esse recebe suporte de fatores extrínsecos, como a compressão pela crura diafragmática e sua posi- ção na cavidade abdominal, que parecem ter importân- cia, principalmente durante o esforço (Figura 1.7). A pressão de repouso normal do esfíncter esofágico inferior é de 6 a 26 mmHg, e essa pres- são é menor no período pós-prandial e à noite. Nenhum valor absoluto da zona de alta pressão indica, por si, competência ou incompetência do mecanismo do esfíncter esofágico inferior. Entre os mecanismos facilitadores do refl uxo, o relaxamento transitório do esfíncter inferior do esô- fago (EIE) é o mais relevante. Normalmente, o EIE deve permanecer contraído foda dos episódios de de- glutição, evitando o refl uxo. Os relaxamentos transi- tórios são mais longos que os relaxamentos ligados à deglutição e ocorrem sem relação com distensão ou peristalse esofágicas. Sabe-se que os relaxamentos transitórios do EIE podem ser encontrados tanto em indivíduos saudáveis como em portadores da DRGE, mas nestes últimos há maior ocorrência de refl uxo durante estes episódios. A fi siopatologia dos relaxamentos transitórios in- dica que, aparentemente, é resultante da distensão do fundo gástrico por alimentos ou gás, sendo mais comum no período pós-prandial e em decúbito lateral direito. O controle deste fenômeno deve-se a núcleos nervosos centrais, especialmente o núcleo do trato solitário, o qual integraria todas as informações sen- soriais provenientes do estômago e da faringe, desen- cadeando o relaxamento do EIE. Outra via de estímulo para o relaxamento do EIE seria a presença de gordura no bulbo duodenal, que liberaria colecistocinina, indu- zindo o relaxamento do EIE. O tônus desse esfíncter é também infl uenciado por um grande número de fatores, entre os quais estão os alimentos, fumo, drogas e hormônios. Gastrina, polipeptídio pancreático, motilina e bombesina aumentam o tônus; secretina, colecistoquinina, polipeptídio intestinal vasoativo, glucagon e pro- gesterona reduzem o tônus. Alimentos ricos em proteínas o elevam; gor- duras, chocolate e etanol o reduzem (tabela 1.1). Entre outras substâncias e medicamentos, a histamina, os antiácidos, a metocloparamida, a domperidona, ci- saprida e a prostaglandina F2α produzem aumento na pressão esfi nctérica, ao passo que a teofi lina, as prosta- glandinas E2 e I2, a serotonina, a meperidina, a morfi - na, a dopamina, os bloqueadores de canais de cálcio, o diazepam e os barbituratos produzem sua redução. Medicamentos e substâncias que alteram o tônus do EEI Aumentam o tônus do EEI Diminuem o tônus do EEI Hormônios Drogas Gastrina Secretina Teofìlìna Motilina CCK Cafeína Substância P Glucagon Tabaco Neurotransmissores VIP Anticolinérgico Agonistas alfa-adrenérgicos Somatostatina AINH Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 201516 Medicamentos e substâncias que alteram o tônus do EEI (cont.) Agonistas colinérgicos Progesterona Corticosteroides Estrógeno Blq-Ca++ Neurotransmissores Serotonina PG F2-alfa Óxido nítrico Meperidina Agonistas beta-adrenérgicos Morfina Proteínas dos alimentos Alimentos Dopamina Cisaprida Gordura Diasepam Metoclopramida Chocolate Barbituricos Donperidona Café Prostaglandinas Álcool E2I2 Cítricos Betabloqueadores Menta Hortelã Tabela 1.1 PG F2-alfa: prostaglandina F2-alfa; CCK: colecistoqui- nina; VIP: polipeptídio intestinal vasoativo; AINHs: anti-inflamató- rios não hormonais; Blq-Ca++: bloqueadores dos canais de cálcio. Valores manométricos normais Parâmetro Valor Esfíncter esofágico superior Comprimento total 4,0 - 5,0 cm Pressão de repouso 60,0 mmHg Tempo de relaxamento 0,58 s Pressão residual 0,7-3,7 mmHg Esfíncter esofágico inferior Comprimento total 3-5 cm Comprimento abdominal 2-4 cm Pressão de repouso 6-26 mmHg Tempo de relaxamento 8,4 s Pressão residual 3 mmHg Contrações do corpo esofá- gico Amplitude 40-80 mmHg Duração 2,3-3,6 s Tabela 1.2 O relaxamento desse esfíncter é uma respos- ta normal à deglutição, sendo coordenado com a peristalse primária. Sua duração é curta, de me- nos de 5 segundos, e, nesse caso, se ocorrer reflu- xo, esse fica confinado ao esôfago caudal e é logo eliminado para o estômago. Figura 1.7 Esquema da arquitetura muscular na junção esofagogás- trica, mostrando os componentes de abertura e fechamento do esfínc- ter esofagogástrico. L: feixes esofágicos longitudinais que se separam em feixes gástricos longitudinais direitos (A) e esquerdos (B); c: feixes esofágicos circulares; c’: alça gástrica circular; o: feixes esofágicos oblí- quos; o’: alça gástrica oblíqua. Os feixes circulares foram desenhados muito separados para visualizar os feixes oblíquos. Endoscopia 15 cm 23 cm 32 cm 40 cm Região cervical 3 a 5 cm Mediastino 16 a 18 cm Região abdominal 3 cm Figura 1.8 Divisões do esôfago. ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA Capítulo 2 Capítulo Anomalias Congênitas do Esôfago 2 Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 201518 Introdução As anomalias congênitas do esôfago compreen- dem a atresia de esôfago, a estenose congênita do esô- fago, a duplicação do esôfago e o cisto neuroentérico. Com exceção da atresia de esôfago, as demais malfor- mações, além de serem raras, podem manifestar-se clinicamente no período neonatal ou fora desse, inclu- sive na vida adulta. Este tema será objeto de estudo no módulo da Cirurgia Pediátrica. Atresia de esôfago A atresia do esôfago caracteriza-se pela interrupção da continuidade da luz do esôfago em sua porção torácica, decorrente de uma separação incompleta dos tubos em- brionários esofágico e traqueal. É a mais comum ano- malia congênita do esôfago. O segmento de esôfago ausente constitui um hiato esofágico em maior ou menor extensão. Na maioria das vezes, a atresia de esôfago está associada a uma fístula traqueoesofágica distal. Etiologia A atresia de esôfago é uma das mais fre- quentes malformações congênitas complexas, incidindo de 1:3.000 a 1:4.500 nascimentos. A etiologia da atresia de esôfago permanece desco- nhecida, não havendo nenhuma evidência de heredita- riedade, toxicidade ou de anormalidade cromossômica relacionada, embora recém-nascidos com anormalida- des cromossômicas possam ter atresia de esôfago. O índice de prematuridade é maior do que na população geral, aproximadamente 35% dos re- cém-nascidos com atresia de esôfago são prema- turos. Sua incidência tem sido relatada em gemelares; entretanto, ambos os gemelares (mono ou dizigóticos) raramente são concordantes para atresia de esôfago. Anomalias associadas Os recém-nascidos portadores de atresia de esô- fago e fístula traqueoesofágica distal podem apresen- tar uma ou mais anomalias congênitas associadas em 50%–70% doscasos. A perturbação precoce existente na organogênese, resultante na atresia de esôfago, provavelmente afeta também outros órgãos e/ou apa- relhos na mesma época da embriogênese. As anomalias congênitas associadas mais fre- quentes são as malformações: (1) cardiovasculares, (2) gastrointestinais, (3) do esqueleto e (4) do aparelho geni- turinário. As anomalias congênitas associadas frequente- mente alteram, de maneira significativa, o tratamento e a sobrevida desses recém-nascidos. À medida que aumenta o número de anomalias congênitas associadas, diminui o peso dos recém-nascidos e a sua taxa de sobrevida Na ausência de anomalia congênita associada, a so- brevida dos casos de atresia de esôfago com fístula traqueo- esofágica distal pode atingir 100%. Entretanto, a existência em 11% dos casos de trissomias (13 e 18) e/ou de defeitos cardíacos complexos é incompatível com a vida. Alguns acrônimos têm sido descritos na literatura quando existe a associação de algumas anomalias congê- nitas com a atresia de esôfago. Os pacientes que possuem esses fenótipos e são incluídos nessas associações não apresentam história familiar de malformações, não existe o envolvimento de substância teratogênica e não se ob- serva nenhuma anormalidade cromossômica. Os princi- pais acrônimos são: (1) VATER: vertebral defects, anal atresia, tracheoesophageal fistula, esophageal atresia e radial e renal defects; (2) VACTERL: vertebral, anorectal, cardiac, tracheoesophageal, renal e radial limb ou ainda (3) CHAR- GE: coloboma, heart defects, choanal atresia, developmental retardation, genital hypoplasia e ear deformities. Frequência (%) das principais anomalias congênitas associadas à atresia de esôfago com fístula traqueoesofágica distal Anomalias cardiovasculares (29%) Persistência do canal arterial Defeito do septo ventricular Defeito do septo atrial Anomalias cardíacas complexas Dextrocardia Atresia e estenose pulmonar Canal atrioventricular Coarctação da aorta Dextroposição do arco aórtico Tetralogia de Fallot Anomalias gastrointestinais (17%) Anomalia anorretal Atresia de duodeno Ducto biliar comum Anomalia de rotação Divertículo de Meckel Anomalias do esqueleto (12%) Digitais Vertebrais Ausência do rádio Anomalia da mão Anomalias hemifaciais Anomalias geniturinárias (8%) Hipospadia Testículo ectópico Duplicações Displasia renal Hidronefrose Anomalias do úraco Outras anomalias (16%) Trissomia do 13 e 18 Agenesia/hipoplasia de pulmão Distresse respiratório Atresia de coana Síndrome de Down Onfalocele Microcefalia Fenda palatina Tabela 2.1 2 Anomalias congênitas do esôfago 19 Classifi cação anatômica Várias classifi cações anatômicas foram propos- tas para a atresia de esôfago. A classifi cação anatô- mica proposta por Robert Gross em 1953 é am- plamente empregada (Figura 2.1). Em 1962, D. Waterston, R. E. Bonham-Carter e Eoin Aberdeen desenvolveram uma classifi cação da atresia de esôfago relacionada com fatores de risco, levando-se em consideração: (1) o peso do recém- -nascido; (2) as condições pulmonares (pneumonia); e (3) as anomalias congênitas associadas. Essa clas- sifi cação tem sido uma contribuição importante no manuseio desses recém-nascidos, permitindo a iden- tifi cação de critérios prognósticos e que orientem o tratamento cirúrgico. Figura 2.1 Tipo A: atresia de esôfago sem fístula (8%); Tipo B: atresia de esôfago com fi stula traqueoesofágica proximal (1%0; Tipo C: atresia de esô- fago com fístula traqueoesofágica distal (86%); Tipo D: atresia de esôfago com fístula traqueoesofágica proximal e distal (1%); Tipo E: fístula traqueo- esofágica sem atresia (4%). Tradicionalmente denominada de fístula em H. Grupos de risco e sobrevida dos recém-nascidos segundo a classifi cação de Waterston, Bonham-Carter e Aberdeen Grupo Sobrevida Classifi cação A 100 Peso > 2.500 g e sem complicações pulmonares e sem anomalias con- gênitas associadas B 85 Peso entre 1.800 e 2.500 g e sem anormalidades ou peso maior com pneumonia moderada e anomalia congênita associada moderada C 65 Peso < 1.800 g ou peso maior, mas com pneumonia grave e anomalia congênita associada grave Tabela 2.2 Em 1994, Spitz et al. mostraram que os dois fa- tores de maior impacto na sobrevida dos recém- -nascidos com atresia de esôfago são: o baixo peso ao nascimento (< 1.500 g) e as malformações cardíacas maiores associadas. Malformação cardí- aca maior define-se como as cardiopatias con- gênitas cianóticas que necessitam de cirurgia paliativa ou corretiva e as cardiopatias congê- nitas acianóticas que necessitam de tratamen- to clínico ou cirúrgico para a insuficiência car- díaca congestiva. A taxa de sobrevida do recém-nascido com anomalia cardíaca menor associada não difere da do recém-nascido sem anomalia cardíaca associada. A ecocardiografi a deve ser rotineiramente realizada em todos os casos de atresia de esôfago, porém não neces- sariamente antes da correção cirúrgica. Sobrevida relacionada com (I) o peso ao nascimento e (II) as malformações cardíacas maiores associadas, segundo a classifi cação de Spitz Grupo Total (n) Óbito (n) Sobrevi- da (%) I. Peso ao nascimento > 1.500 g sem malformação cardíaca maior associada 293 10 97 II. Peso ao nascimento < 1.500 g ou malformação cardíaca maior associada 70 29 59 III. Peso ao nascimento < 1.500 g e malformação cardíaca maior associada 9 7 22 Tabela 2.3 Diagnóstico e achados clínicos A detecção antenatal de atresia de esôfa- go por ecografia fetal baseia-se no achado de uma pequena bolha gástrica – ou sua ausência – associada com poli-hidrâmnio. Poli-hidrâmnio pode ocorrer em 85% dos casos de atresia sem fís- tula e em 30%–35% dos casos de atresia com fístula traqueoesofágica. A ecografia fetal pode ainda con- tribuir para o diagnóstico quando consegue visua- lizar o coto esofágico proximal dilatado, mesmo na ausência de poli-hidrâmnio. A maioria dos recém-nascidos com atresia de esôfago apresenta-se sintomática nas primei- ras horas de vida. A presença de salivação aerada excessiva constitui-se um verdadeiro alarme cirúr- gico do recém-nascido, e o neonatologista deve, obrigatoriamente, suspeitar de atresia de esôfago. Devido à impossibilidade de deglutir a saliva, existe um acúmulo na faringe posterior. A salivação torna- -se abundante, com bolhas de ar, requerendo sua as- piração frequente. O comprometimento pulmonar pode ser signifi cativo devido (1) à aspiração da saliva acumulada na faringe posterior; e, (2) se existe fístula traqueoesofágica distal, há regurgitação do conteúdo gástrico para a traqueia e pulmões, causando pneu- monia química com importante lesão parenquimatosa pulmonar, mais grave do que aquela causada somente pela aspiração da saliva. Se o diagnóstico não é realizado, a tentativa de alimentação do recém-nascido é seguida de tosse e re- gurgitação do alimento. Dispneia e cianose podem es- tar presentes, com ou sem a tentativa de alimentação. Se existe fístula traqueoesofágica distal, o abdome po- derá estar distendido, devido à passagem de ar para o estômago através da fístula. Ao contrário, na ausência de fístula, o abdome está escavado. Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 201520 O diagnóstico é realizado pela impossibilida- de de passar uma sonda oro ou nasogástrica em di- reção ao estômago. Deve-se empregar uma sonda 8 ou 10, evitando-se, dessa maneira, que uma sonda mais fina possa enrolar-se sobre si mesma den- tro da orofaringe ou do coto esofágico proximal, dando a falsa impressão de que alcançou a câmara gástrica. A aspiração de saliva acumulada no coto esofágico proximal pode também ser confundida com secreção gástrica. O obstáculo à passagem da sonda em direção ao estômago, quando se faz o atendimento de rotina ao recém-nascido ainda na sala de parto, permite realizar o diagnóstico preco- ce da atresia de esôfago. Caso o recém-nascido apresente uma fístula traqueoesofágica em H (sem atresia de esôfago), o diagnósticotorna-se mais difícil. Não existe dificuldade de deglutição, não havendo salivação excessiva. Entretanto, surgem crises de engasgo du- rante a alimentação, ocasião em que o conteúdo ali- mentar no esôfago passa através da fístula em H em direção à traqueia e aos pulmões. Uma radiografia simples toracoabdominal (fren- te e perfil) é realizada enquanto se injetam alguns mi- lilitros de ar pela sonda. O ar serve de contraste no interior da sonda e permite distender o coto esofágico proximal, confirmando o nível da atresia do esôfago. A radiografia em perfil mostra mais facilmente o nível da atresia de esôfago. A visualização de ar no abdo- me – estômago e/ou alças intestinais – permite afirmar a presença de fístula traqueoesofágica distal. Ao contrário, a ausência de ar no abdome é típica de atresia de esôfago sem fístula traqueo- esofágica distal. A radiografia simples toracoabdominal permite também avaliar (1) a situação dos pulmões e a presen- ça de broncopneumonia; (2) a configuração e o tama- nho do coração; (3) a presença de anomalias vertebrais associadas; (4) a presença de anomalias gastrointesti- nais associadas; e (5) a distância entre os cotos proxi- mal e distal. Caso seja necessária, a injeção pela sonda de 0,5 mL a 1 mL de bário diluído – seguida de sua remoção – pode ser realizada para confirmar o diagnóstico e mostrar o nível da atresia do esôfago. Porém, esse pro- cedimento deve ser realizado com cuidado e somente sob acompanhamento radioscópico, para evitar toda e qualquer aspiração do bário pela traqueia que possa inundar os pulmões. O bário no fundo do coto esofági- co proximal poderá diagnosticar uma eventual fístula traqueoesofágica proximal. Uma vez diagnosticada a atresia de esôfago, deve-se fazer uma avaliação, procurando identi- ficar as anomalias congênitas que, em 50%–70% dos casos, se associam à atresia de esôfago, incluindo-se os acrônimos VATER, VACTERL e CHARGE. Os exames complementares mais utiliza- dos, além da radiografia simples toracoabdominal, são a ecografia abdominal e a ecocardiografia. Figura 2.2 Diagnóstico da atresia de esôfago com instilação de bário diluído. Figura 2.3 Atresia com trânsito reconstituído. Tratamento Após a realização do diagnóstico, o paciente deve imediatamente ser transferido para uma UTI neona- tal. A correção da atresia deixou de ser uma urgência ou um procedimento heroico. A criança deve ser operada no seu melhor momento e com fatores de risco mínimos. Os fatores prognósticos de expec- tativa de sobrevida (chamados de critérios de Wa- terston) são apresentados a seguir: Grupo I – Peso acima de 2.500 g, ausência de complicações pulmonares, ausência de malformações associadas; sobrevida de 100%. Grupo II – Peso entre 1.900 e 2.500 g, complica- ção pulmonar discreta, malformações associadas mo- deradas; sobrevida de 50% a 65%. Grupo III – Peso abaixo de 1.800 g, complicação pulmonar grave; malformação congênita grave; sobre- vida de 10% a 20%. Os fatores prognósticos mencionados podem ser melhorados por meio da prevenção, do tratamento das complicações pulmonares, da melhora do peso pelo tra- tamento intensivo, suporte nutricional pré-operatórios sempre em regime de UTI, onde o recém-nascido deve ser mantido aquecido e hidratado em incubadora com sonda nasoesofágica em aspiração constante tipo ven- turi (evitando a aspiração de saliva), e em posição ele- vada, semissentada (diminuindo o refluxo gástrico via fístula). 2 Anomalias congênitas do esôfago 21 Complicações A complicação mais grave é a deiscência de anastomose, que ocorre em cerca de 20% dos casos. Apenas um terço desses demandam uma nova operação. A complicação mais frequente é a estenose. É consequência do tecido cicatricial após pequenas deiscências ou então da dissecção extensa do coto inferior, cuja vascularização é mais precária. O tra- tamento é a dilatação periódica. Uma das causas de manutenção da estenose é o refl uxo gastroesofágico, mais frequente nesses pacientes do que na população em geral. Outras complicações são a traqueomalácia, de- vido à compressão intrauterina da traqueia pelo coto superior, e a recidiva da fístula traqueoesofágica, hoje rara em função do maior cuidado ao se fechar o orifício traqueal. RN com polidrâmnios, salivação abundante e espumosa SNG (8-10 Fr) Atresia de esôfago com ar no abdome Cirurgia imediata Gastrostomia Cirurgia 8-12 semanas após UTI neonatal Atresia de esôfago sem ar no abdome Raio X de tórax, raio X contrastado, raio X abdome Figura 2.6 Conduta na atresia de esôfago. RN: recém-nascido; SNG: sonda nasogástrica. Estenose congênita do esôfago Introdução Estenose congênita do esôfago é defi nida como uma estenose intrínseca do esôfago devido a uma malformação da parede esofágica. Pode estar associa- da com outras anomalias congênitas, incluindo a atre- sia de esôfago com ou sem fístula traqueoesofágica, anomalias cardíacas, atresias intestinais, hipospadia e anomalias anorretais. O tratamento cirúrgico, quando houver fístula distal, consiste em toracotomia posterolateral direita, abordagem extrapleural, dissecção do coto esofágico superior, liberação do esôfago distal da traqueia com fechamento do orifício fi stuloso e anastomose termi- noterminal com fi o absorvível 4-0 ou 5-0, fechamento da cavidade e drenagem torácica. Naqueles casos em que o arco aórtico está à di- reita, efetua-se incisão à esquerda. O paciente deve fi - car em UTI neonatal, com intubação orotraqueal e em ventilação assistida de 24 h a 48 h. O suporte nutricio- nal faz-se por nutrição parenteral total (NPT). No séti- mo/oitavo dia de pós-operatório, utiliza-se um pouco de contraste oral na própria UTI e, caso não haja fístu- la, inicia-se a alimentação via oral. Quando não houver fístula distal, os segmen- tos esofagianos geralmente estão afastados (long gap) (Figura 2.4). Realiza-se uma gastrostomia à Stamm, aguardando-se cerca de 8 a 12 semanas até que ocorra o alongamento espontâneo do coto superior (Figura 2.5), possibilitando a anastomose que é realizada da mesma forma. Nos casos em que o crescimento esofágico não acontece, utilizam-se métodos de substituição como esofagocoloplastias ou esofagogastroplastias. Figura 2.4 Atresia do esôfago: segmentos esofagianos afastados. Figura 2.5 Atresia do esôfago: segmentos esofagianos aproximados. Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 201522 Classificação A estenose congênita do esôfago pode ser classificada em três tipos: (1) diafragma membra- noso; (2) hipertrofia muscular idiopática; e (3) rema- nescentes intramurais de tecido traqueobrônquico. (1) O diafragma membranoso ocorre mais no terço médio e inferior do esôfago. É um diafragma membranoso similar a qualquer outra malformação membranosa do trato digestivo. Usualmente, cau- sa obstrução parcial do esôfago, pois a membrana frequentemente é incompleta, apresentando uma abertura. O tratamento para esse tipo de membrana compreende a sua ressecção por esofagostomia, gas- trostomia ou endoscopia. (2) Hipertrofia muscular idiopática: existe uma hipertrofia das camadas submucosa e muscular do esôfago, devido a uma proliferação das fibras muscula- res lisas e do tecido conjuntivo. O tratamento consiste na dilatação do esôfago. (3) Remanescentes intramurais de tecido tra- queobrônquico podem permanecer sequestrados na parede do esôfago quando ocorre a separação embriológica do trato respiratório do intestino primitivo. O tecido traqueobrônquico sequestra- do na parede do esôfago é deslocado distalmente pelo próprio crescimento do esôfago. A estenose do esôfago distal pode ser visível na esofagosco- pia, e o exame mostra que a mucosa é normal, dife- renciando-a da estenose péptica devido à esofagite causada por refluxo gastroesofágico. Quadro clínico Os sintomas, usualmente, iniciam-se na infân- cia. Os pacientes passam a apresentar disfagia pro- gressiva, regurgitação, episódios de infecção respi- ratória e vômitos algunsmeses após a introdução da dieta sólida. Os exames realizados são esofago- grama, esofagoscopia com biópsia e monitorização do pH esofágico. Tratamento O tratamento é a ressecção cirúrgica com anastomose terminoterminal e/ou substitui- ção esofágica. A realização de um procedimento antirrefluxo pode ser associada à ressecção da es- tenose, pois os pacientes submetidos à ressecção cirúrgica de estenose do esôfago próxima à junção esofagogástrica podem apresentar refluxo gastroe- sofágico no pós-operatório. Figura 2.7 Estenose congênita do esôfago. A: esofagograma ba- ritado mostrando estenose do esôfago distal (seta) com dilatação do esôfago proximal; B: esôfago baritado com estenose do médio esôfago (setas largas); C: ecoendoscopia mostrando imagem circunferencial hi- poecoica na localização que corresponde à estenose luminal do esôfago. Duplicação do esôfago As duplicações do esôfago cervical são extrema- mente raras. Apresentam-se como uma massa cervi- cal, cística, geralmente em crianças menores de 1 ano de idade. As duplicações do esôfago torácico represen- tam 24% das duplicações do trato gastrointestinal e podem ter anomalias vertebrais associadas. 2 Anomalias congênitas do esôfago 23 Aproximadamente um terço das duplicações torácicas possui uma segunda/terceira duplicação do trato gastrointestinal abaixo do diafragma. O recém- -nascido apresenta-se com insufi ciência respiratória aguda por causa dos fenômenos compressivos pelo cisto. As crianças maiores podem apresentar tosse, dor torácica e broncopneumonia. A disfagia ocorre devido à compressão do esôfa- go normal pela duplicação. Se existe mucosa gástrica ectópica, ela pode ser sítio de ulceração e sangramen- to, ocorrendo hemoptise e/ou melena. Entretanto, em alguns casos, o paciente pode ser assintomático, e o cisto, um achado ocasional em exame radiológico de tórax. O diagnóstico é realizado por radiografi a de tó- rax (PA e perfi l) – que mostra a presença de uma massa torácica, localizada no mediastino posterior – comple- mentado por ecografi a, estudo contrastado do esôfago e tomografi a computadorizada. O tratamento é a ressecção cirúrgica completa do cisto. Quando essa não é possível, deve-se ressecar a mucosa que reveste o interior do cisto, visando-se as- sim (1) evitar a produção de muco pelo cisto e (2) remo- ver a mucosa gástrica ectópica. Figura 2.8 Duplicação cística do esôfago. A: esofagograma baritado mos- trando compressão extrínseca da parede do esôfago (setas); B: ecoendosco- pia mostrando imagem de distorção da parede do esôfago que corresponde a uma imagem hipoecoica do cisto (C). (A) aorta, (a) veia ázigos, (S) coluna. Cisto neuroentérico O cisto neuroentérico é uma variante particular de duplicação do trato digestivo associada a uma malforma- ção da coluna vertebral, possuindo conexões com o trato gastrointestinal e com o sistema nervoso central. Malformação rara do mediastino posterior, sua origem pode estar em uma falha de separação da no- tocorda do tubo digestivo primitivo anterior durante a vida embrionária. O cisto neuroentérico possui uma camada de musculatura lisa e mucosa do trato gastrointestinal. Se existe mucosa gástrica ectópica, ela pode ser sítio de ulceração, sangramento e, até mesmo, perfuração devido à secreção cloridropéptica. As anomalias vertebrais incluem spina bifi da an- terior, hemivértebras e fusão incompleta dos arcos vertebrais. A sintomatologia – relacionada com pro- cesso infl amatório e compressão causada pelo cisto – inclui dor, anemia, sintomas respiratórios e sinto- mas neurológicos. O diagnóstico é sugerido pela tríade (1) sin- tomas respiratórios – dispneia, (2) massa cística no mediastino posterior e (3) anomalias vertebrais. O diagnóstico é realizado por radiografi a de tórax, eco- grafi a, tomografi a de tórax e ressonância magnética. A cintilografi a com tecnécio-99m pode diagnosticar a presença de mucosa gástrica no interior do cisto. O tratamento é a ressecção completa do cisto. Anomalias vasculares Anomalia vascular intratorácica é observada em 2% a 3% da população geral. Raramente produzem sintomas e, quando estes ocorrem, decorrem da obs- trução esofágica ou traqueobrônquica. Disfagia lusória Esta alteração é provocada pela compressão do esôfago por artéria anômala, mais frequente- mente por uma artéria subclávia direita aber- rante. Outros vasos podem causar disfagia por com- pressão sobre o esôfago: artéria vertebral anômala, arco aórtico duplo, arco aórtico direito coexistindo com um ligamento arterioso esquerdo e artéria pul- monar esquerda aberrante. O sintoma é a disfagia. As compressões por ano- malias vasculares, entretanto, são na maioria das ve- zes assintomáticas. O diagnóstico é realizado por exame radiológico baritado do esôfago, por ecoendoscopia, por resso- nância nuclear magnética, por tomografi a computa- dorizada e por arteriografi a. Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 201524 O tratamento, comumente, restringe-se às modificações da dieta, recomendando-se alimentos pastosos, ofere- cidos em pequenos volumes. Ocasionalmente, se houver sintomas disfágicos graves, indica-se a cirurgia. Tecido heterotópico O tecido heterotópico mais frequentemente encontrado no esôfago é o gástrico e esse é um achado relativamente comum. Na maioria das vezes, localiza-se no terço proximal do esôfago, logo abaixo do esfínc- ter esofagiano superior. A biópsia endoscópica mostra células do tipo gástrico, fúndico ou antral, incluindo células parietais, que conservam a propriedade secretora. Por isso, pode haver úlcera péptica sobre o tecido heterotópico, incluindo a presença de H. pylori. Em geral, não há sintomas, se não há complicações. Não se recomenda tratamento para os pacientes assintomáticos. Se há úlcera, seguem-se os princípios tera- pêuticos aconselhados para a úlcera péptica, incluindo o tratamento do H. pylori. Ocasionalmente, pode assentar- -se carcinoma sobre o tecido heterotópico, o que exige ressecção. Artéria carótida comum direita Artéria carótida comum esquerda Artéria subclávia esquerda Artéria lusória Aorta descendente Traqueia Aorta ascendente Esôfago A Figura 2.9 Disfagia lusória. A: configuração anatômica da artéria subclávia direita aberrante (artéria lusória); B: esofagograma baritado, mostrando a característica entrada diagonal na parede do esôfago na topografia da 3ª e 4ª vértebras torácicas, que corresponde à compressão da artéria subclávia direita aberrante (artéria lusória). Este tema é uma pergunta recorrente nas provas de RM das instituições do Rio de Janeiro. ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA Capítulo 2 Capítulo Distúrbios da Motilidade Esofágica 3 Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 201526 Introdução Funcionalmente, o esôfago é dividido em três re- giões: EES, corpo e EEI, que estão sob o controle do SNC e sistema nervoso entérico. Em repouso, o corpo esofageano fica parado e sem atividade motora, enquanto os esfíncteres man- têm uma contração que pode ser manometricamente medida como uma zona de alta pressão e caracterizada como tônus de repouso. No EES e no EEI, o tônus pode ser visto como uma barreira protetora contra o refluxo esofagofaríngeo e gastroesofágico, respectivamente. O peristaltismo esofágico primário é ini- ciado pela deglutição e fica evidente pouco de- pois que a contração faríngea atravessa o EES, progredindo em uma velocidade de 2 cm/s–4 cm/s; é gerado, pelo menos em parte, pelo sistema nervoso entérico no próprio esôfago. O peristaltismo secundário pode ser desen- cadeado em qualquer nível do esôfago em respos- ta à distensão luminal por ar, líquido ou um balão. Uma propriedade chave do mecanismo peristáltico é a inibição deglutitiva. Uma segunda deglutição, iniciada enquanto uma contração peristáltica anterior ainda está em progressão, causa inibição completa da contra- ção induzida pela primeira deglutição. Com deglutiçõesrepetidas a intervalos curtos, o esôfago permanece ini- bido com o EEI relaxado. Ocorre peristaltismo primário depois da última deglutição da série. A inibição da deglutição está intrincadamente en- volvida no sequenciamento da contração peristáltica. Um experimento usando um balão intraesofágico, para quantificar o período de inibição da deglutição em dife- rentes níveis do esôfago, mostrou que a inibição come- ça quase simultaneamente, mas persiste cada vez mais longa em localizações esofágicas mais distais. À excita- ção, segue então o período de inibição em cada nível, resultando em contração peristáltica sequenciada. Finalmente, o peristaltismo terciário é de- sencadeado por mecanismo intramural local sem conexões com o centro da deglutição e que não deve ser confundido com contrações terciárias do esôfago, as quais são contrações descoordenadas ou simultâneas do corpo do esôfago. Valores manométricos normais Esfíncter esofágico superior Valores Comprimento total 4,0 cm–5,0 cm Pressão em repouso 60,0 mmHg Tempo de relaxamento 0,58 s Pressão residual 0,7 mmHg–3,7 mmHg Esfíncter esofágico inferior Valores Comprimento total 3 cm–5 cm Comprimento abdominal 2 cm–4 cm Pressão em repouso 6 mmHg –26 mmHg Valores manométricos normais (cont.) Tempo de relaxamento 8,4 s Pressão residual 3 mmHg Contrações do corpo esofágico Valores Amplitude 40 mmHg –80 mmHg Duração 2,3 s–3,6 s Tabela 3.1 Classificação dos distúrbios motores primários do esôfago Acalasia Espasmo esofágico difuso Esôfago hipercontrátil Esôfago em quebra-nozes Esfíncter esofágico inferior hipertenso Esôfago hipocontrátil Motilidade esofágica ineficaz Esfíncter esofágico inferior hipotenso Tabela 3.2 Antes de apresentar os principais distúrbios moto- res do esôfago, vale a pena iniciar este capítulo com a dis- cussão sobre a principal queixa clínica nas esofagopatias, que é a disfagia, chamando atenção para os principais aspectos que dizem respeito à abordagem diagnóstica. Disfagia Disfagia é a dificuldade de deglutir. É o princi- pal sintoma presente na totalidade dos distúrbios moto- res do esôfago. Não é sintoma específico, sendo resultan- te tanto de distúrbios da função esofágica como de lesões anatômicas intrínsecas ou de compressões extrínsecas. Etiologia e fisiopatologia A disfagia pode ser dividida em dois tipos principais: Disfagia orofaríngea: quando acomete a fase oral e/ou faríngea da deglutição (também conhecida como disfagia alta). Os doentes frequentemente iden- tificam o esôfago cervical como a principal área aco- metida e podem ter associados sinais como engasgos, tosse, pneumonias aspirativas e regurgitação nasal. As causas principais são: Doenças neurológicas agudas e crônicas: aciden- te vascular cerebral (AVC), traumatismo cranioencefá- lico, doença de Parkinson, esclerose múltipla. Doenças musculares: miastenia gravis, distrofias musculares. 3 Distúrbios da motilidade esofágica 27 Disfagia esofageana: compromete a fase esofági- ca da deglutição (também conhecida como disfagia bai- xa). Os doentes referem sensação do alimento “entalado” em algum lugar atrás do esterno, o que ocorre alguns se- gundos após a deglutição. As principais causas são: Obstrução mecânica intrínseca: câncer de esôfa- go, estenose péptica. Obstrução mecânica extrínseca: aneurisma de aorta, massa mediastinal, aumento de átrio esquerdo. Alterações na motilidade: levam à difi culdade na passagem do alimento pelo esôfago (espasmo esofágico). História clínica Orofaríngea (alta): difi culdade para transpor- tar o alimento da boca ao esôfago. Frequentemente, a tentativa de deglutição é seguida de tosse, aspiração e refl uxo do alimento pelo nariz. Outros achados depen- dem da doença subjacente: Doenças neuromusculares: representam aproxi- madamente 80% das causas de disfagia orofaríngea, sendo o AVC a causa mais comum. Dessa forma, faz-se necessário um exame neurológico completo, avalian- do-se o nível de consciência, défi cits motores ou sensi- tivos, refl exos, pares cranianos e função cerebelar. Atenção especial deve ser dada aos pares crania- nos, dada a sua relação com a função de deglutição. Esofágica (baixa): a história do doente com dis- fagia esofageana deve enfatizar a duração dos sintomas e se essa é causada por líquidos, sólidos ou por ambos. Disfagia causada por alimentos sólidos na apresentação e que progride para líquidos sugere obstrução mecâni- ca. Já a disfagia causada tanto por alimentos sólidos quanto por alimentos líquidos desde o início dos sinto- mas pode sugerir doença de motilidade. Outros achados importantes da propedêutica são: Avaliar a evolução temporal do sintoma: agudo, subagudo ou crônico; Quais alimentos causam disfagia: sólidos, líqui- dos ou ambos; Sintomas contínuos, progressivos ou intermitentes; Doenças previamente diagnosticadas: câncer, história de radioterapia, doenças neurológicas, autoi- munes, história de cirurgia bariátrica; Interrogar todos os medicamentos ingeridos re- centemente; Dor à deglutição: indica um componente infl ama- tório associado, tal como esofagite (química, infecciosa); Dor torácica ou retroesternal: pode se asseme- lhar a angina e pode indicar uma alteração motora do esôfago (refl uxo, espasmo) ou perfuração esofágica; Questionar sintomas de outros sistemas: perda de peso, anorexia, vômitos, diarreia, tremor, artrite etc.; Examinar minuciosamente a cavidade oral e o pes- coço, além de realizar um exame neurológico completo. Causas de disfagia orofaríngea e dados para suspeição diagnóstica Doenças neuromusculares (80%) Acidente vascular cerebral Sintomas de início súbito associa- dos a défi cit neurológico focal Tumores intracranianos Sintomas progressivos e défi cit neurológico focal Esclerose múltipla Sintomas neurológicos diversos não explicados por lesão cerebral única Doença de Parkinson Estágio avançado da doença Demência de Alzheimer Estágio avançado da doença Miastenia gravis Fraqueza fl utuante que piora com o uso, diplopia, ptose e fraqueza facial Esclerose lateral amiotrófi ca Défi cits motores assimétricos progressivos, com envolvimento de neurônios motores superiores e inferiores Polimiosite e dermatopolimiosite Fraqueza proximal progressiva com aumento de enzimas musculares e presença de autoanticorpos Anormalidades estruturais e doença localizada Divertículo de Zenker Regurgitação de comida não digerida e mau hálito Tumores de orofaringe Sintomas progressivos, sem dé- fi cits neurológicos associados e com fatores de risco presentes (tabagismo e etilismo) Faringite/abscesso retrofaríngeo ou periamigdaliano Dor em orofaringe, odinofagia, febre Iatrogênicas Alterações anatômicas após cirurgia Pós-operatório de cirurgia de pes- coço ou orofaringe Medicações Neurolépticos, sedativos Radiação Alterações anatômicas e funcio- nais devido à radioterapia Tabela 3.3 Exames complementares Videodeglutograma: é o exame mais utilizado para a avaliação da disfagia orofaríngea, sendo útil tanto para anormalidades anatômicas quanto fun- cionais da deglutição. Consiste na administração de bário em diversas consistências associada à radiosco- pia. A administração de várias consistências de bário e de alimento contrastado com bário ajuda a identi- fi car os doentes que podem deglutir de forma segura sem aspiração. Nasofibroscopia funcional: como alterna- tiva ou complemento ao videodeglutograma. Com a utilização de um nasofibroscópio, observam-se Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 201528 deglutição e sinais de aspiração com as diferentes consistências de alimentos. A realização desse exa- me é contraindicada em doentes com distúrbios hemorrágicos, epistaxe, problemas cardíacos agu- dos com risco de bradicardia, desordens do movi- mento ou agitação extrema. Esofagograma: pode ser útil em disfagia baixa sugestiva de espasmo ou alteração motora (funcional ou não obstrutiva) ou como alternativa à endoscopia (se não for disponível)em disfagias obstrutivas. Endoscopia digestiva alta: tem como vanta- gens a visualização direta do esôfago e a capacidade de realizar biópsias. Doentes com suspeita de acalasia também podem ser avaliados inicialmente pelo exame contrastado, pois os estágios iniciais da doença podem não ser visualizados durante a endoscopia. Manometria: medida da pressão do esfíncter esofágico inferior. Outros exames: devem ser solicitados de acor- do com a suspeita clínica. Causas de disfagia esofageana e dados para suspeição diagnóstica Causas obstrutivas e inflamatórias (85%) Estenose péptica Refluxo gastroesofágico de longa duração Infecção* Sintomas de odinofagia e disfagia Câncer de esôfago Perda de peso, disfagia inicialmente a só- lidos em doente idoso, ingestão de etanol e tabagismo Estenose actínica História de irradiação (tumores de cabeça, pescoço e torácicos) Obstrução extrínseca História de aneurisma, linfadenopatia, linfoma, câncer Alterações motoras Acalasia História de doença de Chagas ou forma idiopática Espasmo esofágico Sintomas intermitentes Esclerodermia Alterações cutâneas sugestivas Tabela 3.4 *Infecção por fungos, vírus herpes e citomegalovírus. Diagnóstico diferencial Transtorno psiquiátrico: o doente pode referir disfagia, denominada de globus; consiste em uma sensação de “bolo” na garganta, que não interfere na deglutição. História e exame físico - Di�culdade para iniciar a deglutição associada com tosse engasgo e regurgitação nasal - Considere diagnósticos diferenciais: xerostomia, globus, disfagia esofagiana Identi�car lesões estruturais - Tumores - Divertículos e outros Videodeglutograma - Tumores - Divertículos e outros - Não alimentar via oral - Avaliar traqueostomia e/ou sonda nasoentérica Exames complementares conforme a suspeita clínica Procurar e tratar síndromes especí�cas: miopatias tóxicas, metabólicas, auto-imunes, miastenia, tumor do SNC etc. Não há evidência de doença sistêmica Nasoendoscopia Disfunção leve Disfunção neuromuscular presente sem tratamento especí�co da disfagia - AVC - Trauma e outros - Tratamento fonoterápico - Reavaliação freqüente Disfunção grave e/ou risco importante de pneumonia Figura 3.1 Disfagia orofaríngea (alta). Corpo estranho: a obstrução causada por alimento é uma causa frequente de disfagia, com os sintomas ins- talando-se geralmente após a ingestão de carne, levando à obstrução total do esôfago. De modo geral, os doentes têm alguma anormalidade esofageana precedendo o quadro. O tratamento é endoscópico. Objetos: mais frequentes em crianças e podem levar à perfuração esofágica. 3 Distúrbios da motilidade esofágica 29 AVC: é a causa mais comum de disfagia orofaríngea aguda, acometendo de 22% a 65% dos doentes; a disfagia é um marcador de mau prognóstico, aumentando o risco de aspiração, desnutrição, institucio- nalização após a alta e óbito. A aspiração é um agravante da disfagia e está relacionada ao aumento da morbidade e da mortalidade e ao aumento dos custos durante a internação nos doentes com AVC agudo. Perfuração esofágica: pode ser não traumática (90% dos casos envolve o esôfago distal), relacionada a trauma, ingestão de cáusticos, corpo estranho ou iatrogênico (cirurgia, procedimentos endoscópicos). Raramen- te, pode ser consequência de vômitos incoercíveis (síndrome de Boerhaave). O quadro é dramático com: hi- potensão, taquicardia, mediastinite, derrame pleural (rico em amilase), dor torácica excruciante; lembrar que enfi sema demora mais tempo para se desenvolver. Acometimento do esôfago distal pode levar a manifestações abdominais (peritonite, pneumoperitônio). Diagnóstico: radiografia de tórax e esofagograma com contraste solúvel em água. Em alguns casos, tomografia de tórax e/ou endoscopia podem ser necessários. História e exame físico - Sensação de que o alimento pára na região retroesternal - Considere diagnósticos diferenciais: transtorno psiquiátrico, obstrução extrínseca, corpo estranho, perfuração esofágica - Disfagia a sólidos e líquidos desde o início - História de ingestão de cáusticos - Suspeita de acalasia Espasmo esofágico ou alteração motora especí�ca - Disfagia a sólidos - Disfagia progressiva Normal ou com alterações inespecí�cas Lesão em mucosa ou alteração estrutural Esofagograma Acalasia Normal Normal Possibilidades - Espasmo esofágico - Alterações motoras inespecí�cas - Esclerodermia - Esofagite - Infecções Esclerodermia Endoscopia digestiva alta Manometria esofágica Anel - Divertículo - Membrana Estenose péptica Esofagite erosiva Tumor benigno ou maligno Esofagite infecciosa Figura 3.2 Disfagia esofágica (baixa). Disfunção do cricofaríngeo O músculo cricofaríngeo falha em relaxar na deglutição. Uma das hipóteses é a de que ocorra uma incoordenação entre o relaxamento do EES e a contração da faringe, que finaliza ocasionando um divertículo faringoesofageano (divertículo de Zenker, 1878). Novas teorias mais atuais tentam esclarecer definitivamente a patogênese do divertí- culo de Zenker. O principal mecanismo de formação deste divertícu- lo está relacionado com a falha no relaxamento e incoorde- nação do esfíncter superior do esôfago no momento que os alimentos chegam à hipofaringe. Esta alteração fun- cional origina uma zona de alta pressão com herniação da mucosa através de uma área anatômica triangular poste- rior debilitada (triângulo de Killian; Figura 3.3), que se encontra acima do músculo cricofaríngeo. Portanto, é um distúrbio misto, inicialmente funcional e, posteriormente, anatômico. Esta afecção acomete, mais frequente- mente, os pacientes na 6ª década de vida. Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 201530 Outro mecanismo fisiopatológico relatado por Lerut et al. são as alterações degenerativas e fibrose do músculo cricofaríngeo com redução da elasticidade. O divertículo de Zenker (DZ) pode ser classifica- do pelo seu tamanho e através de estudo radiológico em pequeno, médio e grande (Figura 3.4). Figura 3.3 Localização anatômica do triângulo de Killian (área do círculo), delimitada superiormente pelo músculo faríngeo constritor inferior e, inferiormente, pelo músculo cricofasíngeo. A B C Figura 3.4 Classificação radiológica do divertículo de Zenker. A: pe- queno (< 2 cm); B: médio (2 cm-4 cm) e C: grande (> 4 cm). Trata-se de um divertículo falso, pois é compos- to somente pela herniação da mucosa através das fi- bras posteriores do cricofaríngeo, localizando-se mais comumente à esquerda. Os divertículos são consi- derados verdadeiros somente quando há a pro- trusão de todas as camadas da víscera. O divertículo de Zenker aumenta em incidência com a idade, 70% a 80% ocorrem em pacientes com mais de 60 anos de idade e a proporção entre ho- mens e mulheres é 2:1. É também denominado aca- lasia cricofaríngea. Quadro clínico Disfagia e regurgitação do alimento ingerido. Se o divertículo de Zenker (DZ) já se formou, pode- -se palpar massa à esquerda (mais comum) na região cervical. Como dissemos, o divertículo de Zenker ocorre mais comumente em homens com mais de 60 anos e é raro nas pessoas com menos de 30 anos. Corresponde ao mais comum entre todos os divertículos esofageanos (70%–75% dos ca- sos). Quando o saco faríngeo torna-se suficientemen- te volumoso a ponto de reter o alimento, os pacien- tes desenvolvem os sintomas mais clássicos de tosse persistente, plenitude no pescoço, gorgolejos na gar- ganta, regurgitação pós-prandial, aspiração e halito- se. Alguns divertículos tornam-se tão volumosos que os pacientes passam a realizar várias manobras, tais como aplicar pressão sobre o pescoço e tossir repetida- mente para esvaziá-los. Disfagia grave por obstrução do esôfago é sintoma tardio e ocorre quando o diver- tículo torna-se tão grande que o seu conteúdo retido desloca anteriormente o esôfago. As complicações do divertículo de Zencker incluem: carcinoma no divertículo (carcinoma epi- dermoide, emboraseja muito raro), formação de fístu- la, ulceração péptica, abscesso pulmonar, pneumonia aspirativa e hemorragia. Diagnóstico A história e o exame físico sugerem o diagnós- tico que é corroborado por exames radiográficos baritados (esofagograma, padrão-ouro), que delimi- tam o divertículo. A endoscopia digestiva alta (EDA) deve ser soli- citada para excluir outras doenças, incluindo refluxo GE, e mesmo neoplasias. Lembrar, no entanto, que a EDA não é um exame inócuo, procedimento que pode acarretar perfuração do divertículo. 3 Distúrbios da motilidade esofágica 31 Figura 3.5 Divertículo de Zenker. O estudo radiológico contrastado, em duas incidências (A e B), da faringe e do esôfago cervical durante a deglutição, o qual é conhecido por deglutograma, mostra grande for- mação sacular na transição faringoesofágica, caracterizando a presença da afecção. Figura 3.6 Local de formação do divertículo de Zenker. Observar o divertículo na imagem radiológica do esôfago baritado à direita. Tratamento Cirurgia convencional Pequenos divertículos assintomáticos podem ser observados sem tratamento, com a orientação de que o paciente realize uma mastigação adequada acompa- nhada de ingestão de líquidos. Dois tipos de reparo aberto são realizados: res- secção e fi xação do divertículo. Tanto a diverticulec- tomia quanto a diverticulopexia são realizadas por uma incisão cervical esquerda. Sob anestesia geral, ambas exigem cerca de 1 hora para se comple- tar. Em todos os casos, uma miotomia é realizada nos músculos tireofaríngeo e cricofaríngeo. Nos casos de um divertículo pequeno (< 2 cm), a mio- tomia isolada é em geral sufi ciente. Em pacientes de risco que podem apresentar uma taxa mais alta de deiscência esofágica cervical, a diverticulopexia, sem ressecção, pode ser realizada e impedirá sintomas de recidiva. Na maioria dos pacientes com bom tecido ou uma bolsa grande (> 4 cm), a excisão da bolsa está indicada. O tempo de internação pós-operatório é em média de dois a três dias, durante os quais o paciente permanece em dieta zero por via oral. As complicações do tratamento cirúrgico in- cluem fi stulização e infecção de ferida operatória. A dissecção do esôfago deve preservar a integridade do nervo laríngeo inferior esquerdo. Cirurgia endoscópica O tratamento endoscópico do DZ (introduzido em 1993 por Martin-Hirsch, Newbegin e Collard) é um procedimento simples, de baixo risco, com uma efi cácia de 93% de resolução da disfagia a longo prazo e com uma morbidade de 5% e sem mortalidade. Indicações As principais indicações do tratamento endoscó- pico do divertículo de Zenker são: Pacientes idosos e debilitados; Insufi ciência cardiorrespiratória; Hipertensão arterial não controlada; Diabéticos; Broncopneumonias frequentes; Contraindicações ao risco elevado de anestesia geral ou cirurgia convencional. Têm sido observadas outras indicações deste procedimento, entretanto, em nossa instituição, os pacientes em bom estado e, principalmente, jovens são tratados cirurgicamente. Contraindicações As contraindicações são relativas, como nas en- doscopias de rotina: distúrbios da coagulação e qua- dros de isquemia cardíaca recente. A doença do re- fl uxo gastroesofágico é uma contraindicação quando o refl uxo é intenso, já que pode aumentar o risco de broncoaspiração; nesta situação devemos considerar a possibilidade do tratamento prévio ou concomitante ao tratamento do refl uxo. O tratamento endoscópico do divertículo de Zenker consiste em seccionar o septo presente entre o saco diverticular e a luz do esôfago, uti- lizando a eletrocoagulação e o laser de CO2 (pro- cedimento de Dohlman) com o procedimento sendo realizado na sala de endoscopia digestiva, com jejum de oito horas e, às vezes, com manobras para esvaziar o di- vertículo, devendo ser obedecidos os seguintes passos: Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 201532 1- Introdução de um cateter venoso, administra- ção de antibiótico profilático e pequenas doses de seda- tivo, de acordo com as condições clínicas do paciente; 2- Anestesia tópica da orofaringe; 3- Colocação do paciente em decúbito lateral esquerdo; 4- Introdução do endoscópio e identificação do divertículo; 5- Exames endoscópicos completos de esôfago, estômago e duodeno, de caráter obrigatório, prece- dendo a intervenção terapêutica propriamente dita; 6- Introdução de um fio-guia no esôfago, para facilitar a passagem do endoscópio, quando houver di- ficuldade, deixando-se esse fio-guia no estômago; 7- Retirada do endoscópio; 8- Passagem, sobre o fio-guia, de sonda nasogás- trica, com os objetivos de facilitar a identificação do septo interdiverticular, servir como anteparo para a secção desse septo e permitir a ingestão alimentar no pós-operatório imediato; 9- Exposição do divertículo e do septo interdi- verticular, mantida por um auxiliar bem treinado; 10- Secção, pelo endoscopista, utilizando bisturi monopolar e um estilete, ou laser de CO2, ou gás de argônio, do septo, que é formado pelo músculo crico- faríngeo, até suas últimas fibras; 11- Observação rigorosa do paciente por um pe- ríodo de 24 horas, com o objetivo de detectar eventu- ais complicações; 12- Geralmente, são oferecidos líquidos aos pa- cientes na primeira noite e, então, gradativamente se avança para uma dieta pastosa regular. Uma ingestão baritada é feita antes da alta hospitalar ou, se o indiví- duo é um paciente externo, pode ser realizada alguns dias mais tarde. Figura 3.7 Figura esquemática sequencial do tratamento cirúrgico do divertículo de Zenker. Complicações A complicação mais frequente desta técnica é a hemorragia, que pode ocorrer em até 14% dos casos, podendo ser controlada endoscopicamente. A perfuração é outra complicação importante e que deve ser diagnosticada no momento do procedimento de ma- neira direta ou através de sinais indiretos como enfisema subcutâneo na região cervical, cianose, dispneia, dor to- rácica e hipotensão. A recidiva da disfagia é considerada uma compli- cação tardia causada pela secção incompleta do sep- to ou por estenose cicatricial. Diante dessa situação, uma nova abordagem com reabertura do septo deve ser considerada ou dilatações com sombras nos casos de estenose. Outros divertículos do esôfago Os divertículos são classificados de acordo com: o local, a espessura da parede e o mecanismo de for- mação. Surgem comumente em três locais diferentes: Faringoesofágicos: quando ocorrem na junção da faringe com o esôfago; Parabrônquicos (esôfago médio): quando estão localizados próximos à bifurcação traqueal; Epifrênicos (supradiafragmáticos): quando sur- gem a partir dos 2 cm–4 cm distais do esôfago. O divertículo verdadeiro contém todas as camadas da parede esofágica normal, incluindo mucosa, submucosa e muscular, enquanto um divertículo falso consiste apenas em mucosa e submucosa. Divertículos de pulsão Aparecem porque a pressão intraluminal aumen- tada força a mucosa e a submucosa a herniar, através da musculatura esofágica; portanto, são divertícu- los falsos, entre estes o mais nobre é o divertículo de Zenker, já abordado neste capítulo. Divertículos faringoesofágicos e epifrênicos são divertículos de pulsão (falso), que tipicamente surgem como resultado da motilidade esofágica anormal. Divertículos epifrênicos Geralmente, surgem dentro dos 4 cm a 8 cm da JGE e são de pulsão, surgindo por causa de uma dis- função motora do esôfago em 50% dos casos, ou por obstrução distal mecânica. Além das alterações motoras primeiras, a hérnia de hiato e a acalasia também se associam aos diver- tículos epifrênicos, e os sintomas se confundem em meio a essas patologias. 3 Distúrbios da motilidade esofágica 33 Os sintomas atribuídos aos divertículos epifrêni- cos são inexpressivos ou mínimos, e o diagnóstico é feito por meio de raio X contrastado casual. Embora raramente apresentem sintomas, às vezes provocam disfagia secundária a restos alimentaresali alojados. A EDA permite diagnóstico diferencial e ex- clusão de neoplasia. Já a manometria permite de- tectar a verdadeira disfunção que originou a for- mação do divertículo. Divertículos de tração Resultam de trações localizadas exercidas por cicatrizações e retrações de processos inflamató- rios ganglionares. São o resultado de reação infla- matória externa nos linfonodos mediastínicos ad- jacentes, que se aderem ao esôfago e puxam toda a parede na sua direção conforme eles cicatrizam e contraem; divertículos de tração são os divertí- culos verdadeiros. Divertículos parabrônquicos São geralmente de tração e incluem todas as cama- das da parede, sendo, portanto, divertículos verdadeiros. Divertículos do esôfago médio (tração) Estão associados com doença granulomatosa mediastínica (por exemplo: tuberculose, histoplas- mose). Usualmente decorrem de fi brose e cicatrização ganglionar próxima da carina, que retraem a parede do esôfago, formando o divertículo. São caracteristicamente pequenos, com ponta delgada e plana virada para cima, na direção dos linfo- nodos adjacentes parabrônquicos e subcarinais. Raramente causam sintomas e precisam de tratamento. Uma comunicação fistulosa entre o esôfago e o trato respiratório exige secção da fístu- la e interposição de tecidos normais adjacentes. Se tiver disfunção motora concomitante, a miotomia ampla deve ser considerada. O esofagograma baritado é o melhor mé- todo diagnóstico. EDA é só para exclusão de malignidade. Eletromanometria pode ser normal, bem como registrar alterações motoras semelhan- tes às encontradas na disfunção motora primeira. Dessa forma, supomos que sua origem estaria re- lacionada também ao aumento de pressão na luz do esôfago. Figura 3.8 Divertículo de tração no terço médio do esôfago e com- posto por todas as camadas da parede. Figura 3.9 Divertículo epifrênico. Geralmente, achado incidental próximo à junção esofagogástrica. Tratamento Em princípio, o tratamento é clínico, pois me- didas de ressecção do divertículo são condenadas ao insucesso. A cirurgia só está indicada para os casos com sin- tomas clínicos importantes e quando tivermos estudo adequado da motilidade do esôfago e do EEI. Hérnia hiatal ou um EEI incompetente associa- dos a divertículos epifrênicos de indicação cirúrgica também devem ser reparados na mesma operação. A questão da extensão distal da incisão do músculo e da necessidade de uma operação antirrefl uxo concomi- tante também deve ser considerada. É necessário lembrar que complicações dos diver- tículos do esôfago podem ocorrer, do tipo diverticulite e perfuração, e devem ser prontamente diagnosticadas. Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 201534 Acalasia Caracteriza-se por aumento da pressão ba- sal do esfíncter esofagiano inferior, relaxa- mento incompleto desse esfíncter à deglutição e aperistalse no corpo do esôfago. Trata-se do mais completo distúrbio motor de musculatura lisa, uma vez que existe alteração do funcionamento tan- to do EEI como do corpo esofágico. É talvez o distúrbio de motilidade esofagia- na mais comum, com uma incidência de 0,4–1,1 por 100.000 indivíduos e uma prevalência de 6 casos em 100.000 indivíduos por ano. O primeiro caso relatado de acalasia pode ter sido em 1672, por Thomas Willis. O termo acalasia foi cunhado por Hurst em 1927, quando relatou que o EEI não relaxava normalmente nesses pacientes. Etiologia Doença de Chagas (90% dos casos no Brasil); Idiopática (países europeus e América do Norte); Drogas (destruição do plexo de Auerbach, ex.: Iperite); Malignidade; Pseudo-obstrução intestinal crônica; Insuficiência suprarrenal familiar; Pós-vagotomia. Zonas endêmicas de Doença de Chagas (causada pelo Trypanosoma cruzi) em toda a América Latina são áreas de grande prevalência de acalasia. A maior pre- valência ocorre no Brasil, na Argentina e na Venezue- la. No Brasil, a endemia localiza-se no Rio Grande do Sul, Pernambuco, Minas Gerais, Goiás, Bahia e Piauí. No Brasil existem cerca de 12 milhões de chagá- sicos e 40% desses apresentam megaesôfago. Fisiopatologia e patologia Na doença de Chagas, o que ocorre é a des- truição dos plexos mioentéricos de Auerbach (substrato fisiopatológico da acalasia), havendo evi- dências também de degeneração de fibras aferentes vagais e do núcleo dorsal motor do vago. No esfíncter esofágico inferior, o relaxamento é ausente ou incompleto (acalasia), com perda dos neu- rônios inibitórios do plexo mioentérico que contêm os neurotransmissores de óxido nítrico (NO) e peptídio intestinal vasoativo. Como a via excitatória colinér- gica está preservada, e na ausência dos mecanismos inibidores, há aumento da pressão basal do EEI. No corpo do esôfago, ocorre perda da pe- ristalse, traduzida por ausência de contra- ções ou contrações simultâneas. Essa aperis- talse também não é muito bem compreendida, e alguns relacionam-na com a perda do gradiente de latência ao longo do corpo esofágico, mecanismo também mediado pelo óxido nítrico. Com o evo- luir do processo, o esôfago vai se dilatando, sur- gindo então o megaesôfago, que é uma alteração anatômica consequente a um distúrbio funcional. Na forma chagásica, as anormalidades do relaxa- mento esfincteriano são semelhantes as da idiopá- tica, no entanto, a pressão basal do EEI costuma ser menor do que a da acalasia idiopática. Sequência patológica Destruição neuronal ausência de peristalse ausência de relaxamento do EEI estase esofá- gica hipertrofia muscular exaustão, hipóxia e atrofia muscular dilatação metaplasia epitelial Ca epidermoide. A ocorrência de carcinoma de esôfago é dez vezes mais frequente em quem tem acalasia do que na po- pulação geral. Uma vez progredindo de acalasia para câncer do esôfago, o tipo histológico mais comum é o carcinoma epidermoide. Quadro clínico Disfagia (principal sintoma, 99% dos ca- sos), a princípio intermitente, com alguma de- pendência do volume e do tipo do bolo alimen- tar deglutido. Todos os pacientes têm disfagia para alimentos sólidos, e a maioria dos pacientes também terá graus variados de disfagia para líquidos. O início da disfagia é geralmente gradual, com a duração dos sintomas variando até dois anos após sua apresenta- ção. A disfagia é principalmente mencionada em re- gião retroesternal, mais para baixo. Muitos pacientes executam manobras para tentar alívio da disfagia, tal como elevação dos braços e rotação da cabeça. A regurgitação ocorre com frequência (78%), sobretudo à medida que a doença progride, o que pode justificar nesses pacientes episódios de pneumonia de aspiração. Dor torácica pode ocorrer em 25% dos pa- cientes e pode ser confundida com dor angino- sa. Em geral, surge espontaneamente e melhora com ingestão de líquidos, podendo preceder por meses ou anos o surgimento da disfagia. A presença de pirose, observada em até 40% dos pacientes, é uma queixa de difícil interpretação, uma vez que a doença teoricamente não propicia refluxo. 3 Distúrbios da motilidade esofágica 35 A perda de peso é secundária não só à inca- pacidade de esvaziar adequadamente o esôfago, como representa uma sitofobia (medo de comer), devido ao medo que os pacientes têm de sua difi- culdade ou dor para engolir. Quando a perda pon- deral é intensa e ocorre em um curto período de tempo, devemos excluir causas secundárias de aca- lasia, como o câncer. A regurgitação pode acarretar sintomas de des- conforto respiratório, pneumonia de aspiração e abs- cesso pulmonar. A dor raramente é intensa, pode sur- gir durante a deglutição (odinofagia) e, nesse caso, é decorrente de esofagite distal, ou pode ocorrer entre as refeições e, nesse caso, tende a melhorar após in- gestão de água. Ao exame físico, encontra-se às ve- zes hipertrofi a das glândulas parótidas. Isso pode se dever à hipersensibilidade das glândulas salivares aos estímulos refl exos, por estarem parcialmente desnervadas, levando à hiperatividade funcionale à hipertrofi a; exacerbação do refl exo esofagosalivar de Roger, pela estase alimentar e irritação constante da mucosa esofágica. A evolução da disfagia no megaesôfago é: SÓLIDOS PASTOSOS LÍQUIDOS Evolução intermitente e paradoxal. Tríade clássica: disfagia, regurgitação e per- da de peso. Diagnóstico A possibilidade de procedência de zona endêmica deve sempre ser cogitada, bem como contato com o triatomíneo ou transfusões de sangue. Exames utili- zados para confi rmação e realização do diagnós- tico diferencial são diferentes para as fases da doença (aguda x crônica): 1- Reações sorológicas; 2- Esofagograma; 3- EDA; 4- Eletromanometria do esôfago. Características essenciais do diagnóstico Disfagia Retenção de alimento ingerido no esôfago Evidência radiológica de ausência de peristalse primária, dilata- ção do corpo do esôfago e estreitamento da junção cardioesofá- gica (bico de pássaro no EGB) Peristalse primária ausente por manometria e cinerradiografi a Tabela 3.5 Esôfagograma baritado. Diagnóstico na fase aguda Na fase aguda, após quatro a oito semanas do início dos sintomas, é possível demonstrar a pre- sença de T. cruzi no sangue periférico, por meio de processos diretos, a fresco ou após coloração, com ou sem concentração; isso se consegue com esfregaço, em gota espessa. Resultados positivos também são obtidos com culturas (meio de Bonac- ci ou NNN) ou inoculação em animais. O xenodiag- nóstico é quase sempre positivo, mas sua leitura geralmente deve ser feita após um a dois meses, retardando o diagnóstico, embora seja viável exa- minar o triatomíneo. Diagnóstico na fase crônica Na fase crônica, utilizam-se as provas sorológi- cas: reação de fi xação do complemento (de Guerreiro- -Machado), imunofl uorescência e hemaglutinação. A realização de mais de uma dessas provas em ocasiões diferentes aumenta signifi cativamente os índices de positividade dos resultados dos exames. Esofagograma O estudo radiológico com contraste (eso- fagograma) mostra dilatação acentuada do corpo do esôfago com um afi lamento distal do esôfago em ní- vel de EEI – sinal do “bico de pássaro”. Além disso, mostra a estase do contraste, resíduos alimentares e ondas terciárias. Esse é o método mais importan- te, pois permite não só o diagnóstico, como tam- bém o estadiamento da doença. Classifi cação do megaesôfago pelo esofagograma (Classifi cação de Resende) Baseia-se na retenção do contraste, no diâmetro e na ativida- de contrátil do esôfago, bem como na tonicidade do segmen- to inferior e no alongamento do órgão. Grau I Esôfago de calibre normal (< 4 cm); retardo no esvaziamento do esôfago e retenção do contraste Grau II Dilatação de 4 cm–7 cm; nível de bário mais re- síduos, hipotonia e ondas terciárias Grau III Dilatação de 7 cm–10 cm; grande retenção de contraste. Afi lamento distal. Hipotonia ou atonia Grau IV Dilatação > 10 cm. Dolicomegaesôfago. Ultrapassa limites do me- diastino, invade campos pulmonares e descansa sobre a cúpula frênica esquerda Tabela 3.6 Outra classifi cação baseia-se na dilatação, no alongamento e na atividade motora: Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 201536 – incipiente: sem dilatação com retenção do contraste e atividade motora aumentada; – não avançado: com diâmetro de até 7 cm e atividade motora preservada; – avançado: diâmetro maior que 7 cm, ou doli- comegaesôfago, e atividade motora bastante diminu- ída ou ausente. Figura 3.10 Classificação de Resende para megaesôfago chagásico. Figura 3.11 Esofagografia evidenciando sinal de “bico de pássaro”, ou ponta de lápis, no megaesôfago. Figura 3.12 Radiografia do tórax de um paciente com acalasia avan- çada, mostrando alargamento do mediastino e um nível hidroaéreo no nível do arco aórtico (seta). Figura 3.13 Radiografia de tórax demonstrando uma grande massa de tecido mole no mediastino, que revelou ser um esôfago maciçamen- te dilatado associado à acalasia. Figura 3.14 Raio X de tórax em PA, revelando um grande megaesôfago. Figura 3.15 Esofagograma baritado. A: forma típica de acalasia, observe o aspecto de dolicomegaesôfago; B: dilatação a montante com porção distal do esôfago com sinal de “bico de pássaro”. 3 Distúrbios da motilidade esofágica 37 Esofagomanometria A esofagomanometria mostra ondas de baixa amplitude interativas (< 50 mmHg); a alta pressão de repouso do EEI falha no relaxamento desse esfíncter em 90% das vezes, com pressão abaixo do normal jun- to ao corpo do esôfago e ondas terciárias. Embora seja considerada como exame padrão-ouro, na prática clí- nica deve ser utilizada quando os exames radiológicos e endoscópicos não conseguirem defi nir o diagnóstico. Faringe Terço sup. Arco aórtico mmHg WS 19 cm 22 cm 27 cm 32 cm 37 cm 42 cm 1 seg 60 30 0 60 30 0 60 30 0 60 30 0 90 60 30 0 150 120 90 60 30 0 Terço médio Terço inf. Esfíncter superior Esfíncter inferior Corpo do esôfago Figura 3.16 A pressão manométrica altera-se com a deglutição de um bolo de 8 mL (WS). A distância (cm) das narinas é mostrada nos tra- çados. Os traçados proximal e distal são os esfíncteres esofageanos su- perior (EES) e inferior (EEI), respectivamente. Imediatamente depois de uma deglutição, a pressão no EES cai transitoriamente. Logo depois, a pressão do EEI cai e continua baixa até que a contração peristáltica passe do EES, siga pelo corpo esofageano e feche o EEI. 10 cm 15 cm 5 cm 6 S 50 mmHg Figura 3.17 Motilidade do esôfago no paciente com acalasia. No exame radiológico, observa-se retenção de contraste no esôfago e dila- tação. No exame manométrico, não há relaxamento do esfíncter infe- rior, e a contração provocada pela deglutição de água (D) é simultânea, isobárica (mesma pressão) e de baixa amplitude. A contração é sincrô- nica, porque há retenção de líquidos no esôfago, o que causa o registro simultâneo e igual em todos os locais de medida da pressão. Endoscopia digestiva alta A EDA não é solicitada para diagnóstico, mas sim para diagnóstico diferencial. É importante para descartar outras patologias, sobretudo neoplasias, e documentar a extensão de doença do refl uxo conco- mitante à acalasia. Cintilografi a A cintilografi a do esôfago, quando utilizada para fi ns diagnósticos, é útil, pois, a partir da avaliação do tempo de esvaziamento esofageano, pode-se estimar o comprometimento motor, mesmo nas fases mais preco- ces do distúrbio. O radioisótopo utilizado é o tecnécio. Ultrassonografi a endoscópica Em pacientes com acalasia, há espessamento da quarta camada hiperecoica, o que representa a própria camada muscular mais espessa (8 mm–16 mm) obser- vada nesta doença. Dessa forma, a ultrassonografi a en- doscópica tem sido considerada como uma outra moda- lidade para confi rmar o diagnóstico de acalasia. Diagnóstico diferencial a) Pseudoacalasia: termo frequentemente em- pregado para descrever uma de várias doenças que pode resultar em uma obstrução parcial mecânica ou funcio- nal do esôfago distal ou da junção gastroesofágica. b) Divertículos de esôfago: a disfagia é tardia em relação ao início da refeição. c) Espasmo difuso do esôfago: odinofagia; preservação do peristaltismo. d) Esclerodermia: a manometria pode ser igual à da doença de Chagas, porém a pressão é diminuída no EEI. Para diagnóstico diferencial, pode-se fazer a estimulação com metacolina: na ausência de respos- ta, é esclerodermia, pois tem lesão na musculatura lisa. Já na doença de Chagas, o músculo está íntegro, entretanto denervado. Se for megaesôfago, veremos contração muscular à estimulação com metacolina. Tratamento É paliativo, uma vez que se trata de doença crô- nica, não existindo cura espontânea, e a evolução da doença pode levar à morte por inanição. As medidas terapêuticas incluem: Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 201538 1- Medidas dietético-comportamentais; 2- Drogas que diminuam a pressão no EEI; 3- Dilatação da cárdia; 4- Operações sobre a transiçãoesofagogástrica; 5- Ressecções esofágicas. Medidas não cirúrgicas Dieta fracionada, liquidificada ou pastosa facilita a passagem do alimento ao estômago. Nutrição ente- ral/parenteral é recomendada somente para preparo cirúrgico definitivo. Terapêutica farmacológica Bloqueadores do canal de cálcio (nifedipina, verapamil) antes das refeições podem trazer pouco alívio dos sintomas, com diminuição da pressão no EEI. A nifedipina sublingual reduz consideravelmen- te a pressão do EEI por mais de uma hora. Os nitra- tos também se mostram capazes de reduzir a pressão do EEI, no entanto por apenas seis minutos após o uso sublingual. O uso de toxina botulínica tipo A (injeção botulínica endoscópica: Botox, Allergon Lok Prod. Fam. Ltda., São Paulo, SP) tem sido utilizada princi- palmente na acalasia idiopática, na qual se mostrou mais efetiva do que na doença de Chagas (na acalasia idiopática, a destruição neural ocorre somente nas fibras inibitórias, enquanto que, na doença de Cha- gas, a lesão é simultânea, tanto nas vias inibitórias quanto excitatórias). A toxina botulínica é um potente inibidor da acetilcolina e, portanto, reduz a pressão no EEI. A dose usual é de 20 U a 25 U (máximo 80 U–100 U), injetada em cada um dos quatro quadrantes da região do esfíncter inferior. Boa resposta sintomática em seis meses foi observada em 55% de 147 pacientes de vários centros submetidos à única dose de toxina botulínica, porém resposta sustentada em dois anos ocorreu em apenas 24% dos 87 pacientes acompanha- dos. Portanto, os efeitos de uma única dose têm du- ração limitada, embora repetidas injeções possam ser realizadas, sem prejuízo da resposta. Sugere-se que os melhores candidatos à to- xina botulínica sejam: (1) pacientes idosos, com associações mórbidas, uma vez que o procedimento é praticamente isento de riscos; (2) falha no tratamen- to cirúrgico ou múltiplas dilatações em pacientes com risco cirúrgico; (3) dilatação pneumática com perfura- ção; (4) associação com divertículo epifrênico. Dilatação pneumática As indicações de dilatação de cárdia, com adesão da maioria dos autores, incluem: megaesôfago de graus I e II; pacientes já submetidos à cardiomiotomia, com recidiva dos sintomas; idosos e pacientes sem condições cirúrgicas; para melhorar a nutrição em pré-operatório de megaesôfago avançado. Este procedimento é, sem dúvida, a tera- pêutica não cirúrgica mais eficaz disponível para o tratamento da acalasia. Os pacientes can- didatos a esse tipo de tratamento são aqueles com megaesôfago incipiente, gestantes e sem condi- ções clínicas. O objetivo do tratamento é, na realidade, romper as fibras do músculo circular do esôfago inferior, assim permitindo a passagem livre de líquidos e sólidos sem o desenvolvimento subse- quente de refluxo gastroesofagiano. Infelizmente, a ruptura destes músculos também pode tornar o EEI incompetente em muitos pacientes, resultan- do em refluxo sintomático. Figura 3.18 Dilatação pneumática. A: dilatador Rigiflex (balão de po- lietileno); B: balão de Witzel. Figura 3.19 Dilatação de megaesôfago e acalasia idiopática. A: aspecto radiológico do esôfago distal, cheio de contraste, antes da dilatação. B: visão endoscópica, com o videoendoscópio em retrofle- xão, para certificar a correta posição do balão pneumático de Witzel na cárdia. 3 Distúrbios da motilidade esofágica 39 A efi cácia da terapêutica com balão é bastante sa- tisfatória em pacientes assintomáticos em avaliações precoces de 65% a 91%, os quais vão piorando com o passar do tempo, em cerca de 60% em cinco anos e cerca de 51% após mais de quinze anos. A realização de nova dilatação em pacientes com recidiva dos sin- tomas, ou nos pacientes não responsivos à primeira dilatação com balão de 3 cm de diâmetro, e balões de diâmetros maiores, apresenta resultados também bas- tante satisfatórios, com resultados de melhora da sin- tomatologia semelhantes à primeira dilatação. Segun- do a maioria dos autores, a dilatação pneumática da cárdia não interfere nos índices de complicações ou de difi culdades técnicas da cardiomiotomia, bem como a realização de cardiomiotomia prévia não interfere nos resultados da dilatação pneumática. Os parâmetros preditivos para o insucesso da dilatação da cárdia podem levar a mudanças nas opções de tratamento e são: pacientes jovens, com menos de 40 anos; pressão basal do corpo esofá- gico menor do que 15 mmHg e pressão do esfíncter esofágico inferior maior do que 30 mmHg. Alguns parâmetros preditivos para o suces- so da dilatação forçada da cárdia são: manutenção da pressão do esfíncter inferior do esôfago menor do que 10 mmHg, após a dilatação, e esofagograma com esvaziamento rápido. A principal complicação da dilatação pneu- mática da cárdia é a perfuração esofágica, devi- do à sua gravidade e à necessidade de diagnóstico precoce, com início de tratamento imediato, para um bom prognóstico. Ocorre em cerca de 1% a 6% das dilatações e apresenta-se em geral com dor torácica persistente, podendo ser acompanhada de desconfor- to respiratório, taquicardia e enfi sema subcutâneo. A perfuração ocorre em geral na parede lateral es- querda, acima da cárdia. Terapêutica cirúrgica O tratamento da acalasia da cárdia, seja clínico, endoscópico ou cirúrgico, é sempre paliativo, pois não atua no fator etiológico da doença, tem apenas por fi - nalidade o alívio da sintomatologia e a profi laxia das complicações. Desse modo, o tratamento cirúrgico tem como princípio básico transpor a barreira da pas- sagem do alimento ao estômago, o esfíncter esofágico inferior acalásico. Para tanto, diversos procedimen- tos cirúrgicos foram criados para destruir, desviar ou manter pérvio o esfíncter esofágico inferior, ou até mesmo ressecar todo o esôfago nos casos avançados. O preparo pré-operatório da cirurgia da acalasia envolve a compensação de doenças associadas e o pre- paro do esôfago. A avaliação clínica do portador de me- gaesôfago é de grande importância, pois se tratam de doentes normalmente desnutridos, que podem apre- sentar cardiopatia chagásica e complicações pulmona- res da doença, além da possibilidade de serem subme- tidos à cirurgia de grande porte, como a esofagectomia. O preparo do esôfago envolve sua lavagem na vés- pera da operação com o intuito de diminuir a possibilida- de de aspiração na indução anestésica e de contaminação na cirurgia. Utiliza-se, também, antibioticoterapia profi lática com cefalosporina de primeira geração. É importante lembrar que procedimentos asso- ciados podem ser necessários em virtude de outras manifestações digestivas da moléstia de Chagas, como a colecistopatia crônica calculosa, que tem incidência maior em doentes chagásicos, e o megacólon. Dentre os diversos procedimentos cirúrgicos criados para o tratamento da acalasia, dois têm a pre- ferência da maioria dos autores: esofagocardiomioto- mia e esofagectomia, que serão descritos a seguir. A via paparoscópica é a regra nos dias de hoje. Classifi cação cirúrgica Megaesôfago incipiente é grau I; Megaesôfago não avançado é grau II, pois a atividade do cor- po é preservada; Megaesôfago avançado é grau III e IV. Tabela 3.7 A miotomia de Heller (1913) modifi cada é o procedimento cirúrgico mais comum para acala- sia, respondendo por mais de 90% das cirurgias. Esse procedimento corresponde à secção longitudinal da musculatura esofagiana, por via abdominal, na ex- tensão do esfíncter esofagiano inferior. Este procedimento diminui a pressão do EEI, aliviando a disfagia de forma efi caz em 80% a 90% dos pacientes. A miotomia esofagia- na pode também ser realizada por via torácica, con- forme popularizada por Paine e Ellis Jr. Nas mioto- mias, faz-se uma incisão com 8 cm, sendo 5 cm no esôfago e descendo 3 cm abaixo da cárdia, separando as fi bras musculares longitudinais e circulares hipertrofi adas da parede do esôfago responsáveis pela estenose esofágica. A via to- rácica permite prolongamentoascendente da secção da musculatura esofagiana e está associada à menor incidência de RGE no pós-operatório. Poucos grupos deixam de associar um procedimento antirrefl uxo as- sociado à miotomia, devido aos piores resultados em relação ao RGE. Várias modalidades de fundoplicatura são utiliza- das. A descrita por Lind (fundoplicatura posterior ao esôfago envolvendo o órgão em 240 graus), a anterior (Dor), posterior (Lind e Toupet) e aquela em três planos (Pinotti) e uma por via torácica (Belsey-Mark IV). Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 201540 A cardiomiotomia pela técnica de Pinotti é o procedimento mais utilizado no nosso meio. Esse procedimento consiste em cardiomiotomia an- terior extensa (miotomia em fita - 0,5 a 1 cm de lar- gura) abrangendo 3 cm abaixo e 6 cm da transição esôfagogástrica e associada à esofagogastrofundopli- catura posterolateroanterior esquerda para prevenir o refluxo gastroesofágico, a reaproximação das bordas musculares e o bloqueio de eventuais perfurações da mucosa. Essa técnica pode ser realizada seguramente e com vantagens por via laparoscópica. O tronco vagal anterior é mantido íntegro. Nos pacientes com megae- sôfago avançado Graus III e IV, existem várias alterna- tivas cirúrgicas como a operação de Serra-Dória, 1970 (cardioplastia associada a uma gastrectomia subtotal em Y de Roux), ressecções parciais longitudinais do esôfago com o objetivo de melhorar o esvaziamento, porém a mais empregada é a esofagectomia sem torac- tomia com levamento gástrico pelo mediastino poste- rior e anastomose esofagogástrica cervical. A cardioplastia de Thal-Hatafuku (1972) que consiste em abertura do esôfago distal e do estôma- go proximal, alargamento da cárdia com confecção de uma “prega” (“roseta”) de mucosa gástrica e fe- chamento da abertura do esôfago com um “remen- do” (patch) gástrico. Entretanto, na experiência de alguns autores, essa cirurgia acarreta refluxo GE importante e foi abandonada por alguns cirurgiões. A desnutrição grave presente em muitos desses pacientes deve ser corrigida antes do procedimento cirúrgico com alimentação por sondas nasoenterais colocadas via endoscopia ou com nutrição parentenal. Esofagectomia A esofagectomia é uma cirurgia de grande porte, com morbidade e mortalidade não desprezíveis, por- tanto, sua indicação deve ser criteriosa, baseada em indicações precisas. Quatro são as indicações atuais da esofagec- tomia como tratamento da acalasia da cárdia: Grau avançado da doença: no estágio avan- çado da acalasia, o esôfago torna-se aperistáltico, tornando-se um tubo inerte incapaz da propulsão dos alimentos ao estômago, mesmo com o esfíncter eso- fágico inferior hipotônico ou atônico, não restando outra alternativa terapêutica senão sua substituição. Lesões pré-malignas: o câncer do esôfago está associado à acalasia da cárdia, provavelmente devido à esofagite de estase e à maior permanência dos car- cinógenos em contato com a luz esofágica. Ocorre em cerca de 3% dos casos. As displasias de alto grau são consideradas lesões precursoras da neoplasia e exigem a ressecção profilá- tica do esôfago. Falha no tratamento cirúrgico conserva- dor: recorrência ou não melhora da disfagia após o tratamento cirúrgico conservador (esofagocardiomio- tomia, principalmente) é indicação de esofagectomia para a maioria dos autores. Há discordância sobre se a esofagectomia deve ser indicada na primeira falha ou após nova tentativa de repetir o tratamento conserva- dor, visto que a recidiva ou a não melhora podem advir não da deficiência contrátil do esôfago, mas de falha técnica na miotomia ou válvula antirrefluxo. Lesão iatrogênica do esôfago: pode ocorrer durante os procedimentos endoscópicos diagnósticos ou terapêuticos ou no intraoperatório, principalmen- te nas reoperações. Quanto à técnica, quatro são as questões princi- pais de controvérsia na realização da esofagectomia: as vias de acesso, a escolha do órgão que substituirá o esôfago após a ressecção, por onde será transposto esse órgão e, finalmente, o nível da anastomose. 1- Vias de acesso: o esôfago é um órgão cervi- cotoracoabdominal, portanto, teoricamente, as vias de acesso para esofagectomia deveriam ser: cervi- cotomia, toracotomia e laparotomia. Entretanto, a toracotomia é via de acesso com considerável mor- bidade e que demanda maior tempo cirúrgico em virtude da necessidade de mobilização do doente após o término do tempo abdominal. A técnica de esofagectomia trans-hiatal pode evitar a toracoto- mia com sucesso. Atualmente, a toracotomia pode também ser substituída pela toracoscopia, com me- nor morbidade. 2- Órgão de substituição: as duas opções são o estômago - íntegro ou tubulizado - e o cólon. Mui- tos serviços preferem o estômago tubulizado, pela facilidade de execução, especialmente com o uso de grampeadores mecânicos, além de necessitar de ape- nas uma anastomose, não três, como no caso do cólon, e a impossibilidade frequente do uso do cólon devido ao megacólon chagásico associado (25% dos doentes). Defensores do uso do cólon clamam como vantagens a menor taxa de estenose da anastomose e a não ocor- rência dos sintomas de refluxo gastroesofágico, co- muns com o uso do estômago. O uso do jejuno como enxerto livre é uma possibilidade que não faz parte da rotina da maioria dos serviços. 3- Local de transposição do órgão substitu- to: a transposição pode se dar no próprio leito esofági- co no mediastino posterior ou no mediastino anterior. A preferência da maioria dos autores, no caso de eso- fagectomia por doença benigna, recai sobre o medias- tino posterior, pois a via trans-hiatal permite amplo acesso ao leito esofágico, além de ocorrer menor an- gulação do órgão transposto no nível cervical, dimi- nuindo as complicações da anastomose e facilitando 3 Distúrbios da motilidade esofágica 41 o acesso endoscópico pós-operatório. Como conduta de exceção, existem as vias subcutânea e transpleural, apenas para não deixar de mencioná-las. 4- Nível da anastomose: o nível de escolha em muitos serviços (por exemplo, na Escola Paulista) é o cervical, que, a despeito de porcentagem maior de fístulas – 10% no nível cervical versus 0,5% no nível torácico – apresenta consequências menos nefastas que o nível torácico, além de ser alta a incidência de refl uxo gastroesofágico nas gastroesofagoanastomo- ses torácicas. Morbidade e mortalidade A morbidade da esofagectomia é de cerca de 35% e advém, principalmente, de complicações pleuropul- monares, da anastomose e de complicações relaciona- das com o órgão transposto. As complicações pleuropulmonares são as mais frequentes, ocorrem em cerca de 30% dos casos, ge- ralmente são de manifestação precoce e variam desde atelectasias a derrame pleural e/ou pneumonia. As complicações da anastomose são a fístula, de manifestação precoce, e a estenose, de manifestação tardia. No nível cervical, as fístulas (esofagocutâneas, normalmente) têm caráter benigno, com boa respos- ta ao tratamento clínico, por meio de dieta enteral ou parenteral, e nas fístulas de baixo débito é até possível o tratamento ambulatorial, com manutenção da dieta oral, orientando-se o doente a ocluir o orifício fi stulo- so durante a alimentação. No nível torácico, o risco de mediastinite impõe, normalmente, tratamento cirúrgico. O índice de fís- tulas é de cerca de 10% no nível cervical e 0,5% no torácico. As estenoses da anastomose ocorrem quan- do utilizado o estômago como órgão transpos- to, de 10% a 67% dos casos, apresentando, quase sempre, boa resposta a dilatações endoscópicas, faci- litadas pela transposição do órgão substituto no me- diastino posterior. Quando utilizado o cólon em substituição ao esôfago, o índice de estenose é de 5%. As complicações relacionadas com o órgão transposto, especialmente o estômago, são menos comuns e decorrem, principalmente, da vagotomia e do refl uxo gastroesofágico, porém raramente são ob- servadas quanto se trata deesofagectomia por mega- esôfago chagásico. A vagotomia implica complicações normalmente transitórias e controláveis clinicamente. Os sintomas mais comuns são a diarreia (20% a 45% dos casos) e a síndrome de Dumping (15% a 20% dos casos). Outras complicações descritas são abscesso subfrênico, paresia do nervo laríngeo recorrente, qui- lotórax, sangramento, lesão de traqueia, pancreatite aguda e fístula da piloromiotomia. A mortalidade na esofagectomia pode chegar até próximo de 10%, porém a maior parte dos serviços tem taxa inferior a 5%. Ocorre, principalmente, por complicações pleuropulmonares. Diagnóstico de acalasia Baixo risco cirúrgico Miotomia laparoscópica Miotomia laparoscópica Falha Sucesso Falha Sucesso Falha Sucesso Falha Sucesso Falha Sucesso Dilatação pneumática gradual Dilatação pneumática Esofagectomia Nifedipina/dinitrato de isossorbida Repetir toxina botulínica Alto risco cirúrgico/ paciente não quer cirurgia Falha Sucesso Toxina botulínica (80-100 unidades) Figura 3.20 Condutas indicadas para acalasia. Outras causas de acalasia A acalasia idiopática é a forma mais comum nos países desenvolvidos. A história clínica e os as- pectos diagnósticos são semelhantes aos observados na acalasia chagásica, lembrando, no entanto, que, na forma idiopática, somente os neurônios inibitórios do esôfago distal são acometidos. A pseudo-obstrução intestinal crônica é uma alteração motora difusa do TGI caracterizada por sinais e sintomas recorrentes de obstrução intestinal, na ausência de uma obstrução mecânica. Embora afete basicamente o intestino delgado, a pseudo-obstrução pode atingir outras porções do TGI e raramente pode cursar com acalasia. Em geral, não existe peristalse no esôfago, que é eventualmen- te substituída por contrações esofageanas simultâneas e espontâneas. O EEI também está monometricamente anormal e pode lembrar a disfunção vista na acalasia, com pressão elevada e alteração do relaxamento na deglutição. Insufi ciência suprarrenal familial é um dis- túrbio raro e caracteriza-se pelo início, na infância, de hipoglicemia recorrente e aumento da pigmentação, secundário ao hipocortisolismo, com aparecimento tardio de disfagia secundária à acalasia. Pode haver, ainda, hiponatremia secundária a uma defi ciência parcial de mineralocorticoide e, com frequência, existe Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 201542 produção deficiente de lágrimas desde o nascimento, o que se acredita ser uma manifestação de inervação autonômica desordenada. Esse raro distúrbio é consi- derado uma herança autossômica recessiva. Acalasia pós-vagotomia é uma complicação rara que se atribui à ressecção do vago cervical ou torácico. Acredita-se que isso esteja relacionado com a interrup- ção das fibras vagais pós-ganglionares que inervam o EEI. É considerado um distúrbio tipicamente transitório, mas um pequeno número de pacientes pode desenvolver um distúrbio irreversível da motilidade do esôfago. Espasmo esofageano difuso (EED) É uma causa relativamente incomum de dor torácica de origem esofageana. É também reconhe- cido como pseudodiverticulose espástica ou esôfa- go em “conta de rosário”. Acomete mais frequen- temente as mulheres (50–60 anos de idade), principalmente aquelas que possuem distúr- bios psiquiátricos associados. Caracteriza-se por espasmos intensos com contrações não peristálticas do esôfago. Diferente da acalasia, existe bom relaxamento do EEI e pode ainda estar associado com refluxo GE. A etiopatogenia é pouco conhecida e, mais recen- temente, tem-se dado atenção ao papel da rede neu- ral inibitória nas disfunções motoras do esôfago. Em condições normais, uma onda de inibição se segue à deglutição, que estabelece o momento da contração na musculatura lisa, sendo os neurônios não adrenérgi- cos e não colinérgicos os responsáveis por esse efeito. Os estudos mais recentes confirmaram um defeito na inibição após deglutição em pacientes com EED, pro- cesso mediado pelo óxido nítrico, sugerindo defeito de síntese e/ou degradação desse elemento. Sinais e sintomas Dor retroesternal (80-90% dos casos), que pode irradiar para dorso, pescoço, orelhas, mandíbula ou membro superior, podendo ser confundido com angina. A dor é autolimitada e, em muitos pacientes, o espasmo esofageano difuso é considerado uma psico- neurose. A dor pode ocorrer em repouso, ou ser iniciada pela deglutição, ou pela ingestão de ali- mentos frios ou quentes. Não raro, os pacientes com EED são confundidos com portadores de angina pectoris, uma vez que a dor com certa frequência irra- dia-se para dorso e/ou mandíbula. A associação com disfagia pode facilitar a impressão diagnóstica de EED. A disfagia é intermitente, súbita, com pa- rada transitória do alimento, frequentemente acompanhada de forte dor retroesternal baixa. De forma menos frequente, o EED pode estar associado à doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) e, nesses casos, pirose e regurgitação vêm associadas ou domi- nam o quadro clínico. Diagnóstico A manometria (padrão-ouro) mostra ondas de alta amplitude e repetitivas com relaxamento normal do EEI na maioria dos pacientes. Alguns agentes estimuladores foram submeti- dos à avaliação de sua utilidade em aumentar a res- posta diagnóstica da manometria esofageana por provocarem as alterações manométricas do espasmo do esôfago. O edrofônio (80 mg/kg), um inibidor da colinesterase, é, provavelmente, o agente provocador usado com maior frequência. O betanecol, um agente colinérgico (vagomimético), é outro medicamento que aumenta a resposta diagnóstica da manometria esofa- geana, em pacientes com espasmo esofageano. O diagnóstico manométrico requer a pre- sença de contrações simultâneas em pelo menos 20% das deglutições úmidas empregadas para o estudo do corpo esofágico, visto que as contra- ções simultâneas são absolutamente incomuns em indivíduos saudáveis. O esofagograma baritado é normal em 50% das vezes, mas pode mostrar divertículos e espasmos segmentares, que são contrações simultâneas não pe- ristálticas, vistas ao exame contrastado com aspecto em “parafuso ou saca-rolhas”; no entanto, esse achado não é patognomônico do EED. Figura 3.21 Esôfago em “saca-rolhas” é um distúrbio neuromuscular sintomático, com espasmos difusos. 3 Distúrbios da motilidade esofágica 43 mmHg água 5 mL água 5 mL 10 seg. 80 0 80 0 80 0 80 0 80 0 80 0 80 0 80 0 80 0 40 0 Faringe Corpo do esôfago EEI Estômago Figura 3.22 EED: as deglutições de água desencadeiam ondas simul- tâneas e repetitivas de pressão no esôfago distal. Tratamento É de fundamental importância a tranquilização do paciente a respeito da ausência de doença cardíaca e da natureza benigna do EED. O tratamento é essencialmente clínico, com bloqueadores do canal de cálcio, nitratos e nitro- glicerina (que atuam relaxando a musculatura), associados a antidepressivos tricíclicos – mo- duladores da dor (por exemplo: amitriptilina, 25 a 50 mg na hora de dormir, imipramina, 25 a 50 mg na hora de dormir, e trazodona, 50 mg três vezes ao dia). Os esquemas terapêuticos podem se constituir das seguintes drogas: nitrato sublingual (5 mg) para alívio imediato da dor e da forma oral a longo prazo para redu- ção dos episódios dolorosos; o diltiazem na dose de 60- 90 mg, quatro vezes ao dia, também se mostrou efi caz, assim como nifedipina na dose de 10-30 mg, três vezes ao dia, é capaz de reduzir a aplitude das contrações esofá- gicas e a pressão do esfíncter esofágico anterior. Outras modalidades terapêuticas, como o uso da toxina botulínica e o tratamento dilatador, ainda não se mostraram defi nitivamente efi cazes. Cerca de 2/3 dos doentes têm bons resultados com a cirurgia, que está indicada em doentes es- táveis psicologicamente e com doença severa. É feita então uma esofagomiotomia longa, desde o nível do arco da aorta até imediatamente acima do EEI, que deve ser preservado. Setiver refl uxo GE signifi cativo associado, um procedimento de válvula antirrefl uxo pode ser adicionado. Figura 3.23 Miotomia ampla por via torácica no paciente com EED. Esôfago em quebra-nozes (EQN) Critérios manométricos para o diagnóstico de esôfago em quebra-nozes incluem evidência de peristalse normal, com contrações de grande amplitude no esôfago distal, superiores a 180 mmHg (amplitudes maiores que 400 mmHg são comuns), que também podem ter uma duração aumentada. Essa situação parece ser mais comum que o EED ou a acalasia. Não se sabe se existe uma relação entre o esôfago em quebra-nozes e o espasmo esofageano difuso. Muitos pacientes com EQN apresentam sin- tomas de ansiedade, depressão ou somatização, e a abordagem psiquiátrica específica contribui de forma significativa para a melhora clínica desses pacientes. Mais recentemente, observou-se que, em torno de 35-40% dos pacientes com EQN, havia as- sociação com DRGE, aspecto importante durante a orientação terapêutica. No que diz respeito ao quadro clínico, a dor torá- cica é a principal queixa, com características similares à descrita no EED, entrando também no diagnóstico diferencial de dor torácica de origem coronariana. A disfagia é o segundo sintoma observado nes- ses pacientes e ocorre em 10-30% dos pacientes, ten- do caráter intermitente, localização na maioria das vezes no esôfago cervical, podendo ser tanto para sólidos quanto para líquidos. A pirose é relatada em 14-45% dos pacientes, e, nesse grupo, é necessário investigar DRGE. Quanto aos procedimentos diagnósticos e te- rapêuticos segue-se a mesma orientação descrita no EED. 100 80 60 40 20 0 80 60 40 20 0 -20 80 60 40 20 0 -20 60 40 20 0 -20 60 40 20 0 -20 60 40 20 0 -20 2 * 3 * 4 * 5 * 6 * 7 * 21cm 26cm 31cm 36cm 41cm 46cm 158 135 128 176 0 12 226 222 240 227 44 12 147 11 158 164 58 32 60 52 57 110 118 126 102 12 Figura 3.24 Esofagomanometria-EQN (ondas de elevada amplitude em esôfago distal). Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 201544 Esfíncter esofágico hipertenso (EEH) O EEI hipertenso é definido como pressão acima de 26 mmHg (valores > 45 mmHg são comuns), ou dois desvios-padrão acima do encontrado em grupo-controle assintomático, com relaxamento normal. Em cerca de metade dos casos o peristaltismo no corpo esôfágico é normal. No restante, as contrações anormais são observa- das como sendo formas de ondas peristálticas hipertensas ou simultâneas. A maioria dos pacientes é do sexo feminino (80%), na faixa etária da 4ª-5ª década de vida. As queixas prin- cipais mais frequentes são disfagia e pirose, e em cerca de 20% dos pacientes há associação com EQN. O padrão- -ouro para o diagnóstico é a esofagomanometria que documenta pressão residual do EEI após relaxamento signi- ficativamente maior do que a observada em indivíduos controles. A pHmetria e a endoscopia digestiva alta são exames complementares necessários para definir condições associadas, como, por exemplo, DRGE. As medidas terapêuticas são as mesmas recomendadas para o tratamento do esôfago em “quebra-nozes” e EED. Motilidade esofágica ineficaz (MEI) Essa denominação é atualmente utilizada para designar a imensa maioria dos pacientes com “distúrbios moto- res inespecíficos”, definida como a presença de ondas de amplitude inferior a 30 mmHg e/ou contrações não trans- mitidas em esôfago distal, em número superior a 30% das deglutições empregadas para estudo do corpo esofágico. As manifestações clínicas se constituem de disfagia (19%), pirose (55%), dor torácica (26%) e regurgitação, fazendo parte, portanto, do diagnóstico diferencial de EED, EQN e DRGE. O estudo manométrico e a exclusão dos outros diagnósticos fecham o diagnóstico. As orientações terapêuti- cas são as recomendadas para disfunção motora hipocontrátil do EEI e, portanto, recaem nas medidas específicas para DRGE. Esfíncter esofágico inferior hipotenso Trata-se de uma condição em que a pressão do EEI é inferior a 10 mmHg. Essa condição é comumente des- crita em pacientes com DRGE, e sua prevalência é tanto mais acentuada quanto mais intensa for a DRGE, sendo observada em 30 a 40% na doença erosiva, e em 70 a 90% dos portadores do esôfago de Barrett. Características Manométricas da Motilidade Esofágica em Desordens Primárias e Inespecíficas Caracterís- tica Normal Acalasia Acalasia Vigorosa EEI Hi- pertenso Espasmo Eso- fágico Difuso Esôfago Quebra- -Nozes Motilidade Esofágica Ineficaz Distúrbio da Motili- dade Esofá- gica Inespe- cífico Sintomas Nenhum Disfagia Pressão to- rácica Regurgitação Disfagia Dor torá- cica Disfagia Dor torácica Disfagia Disfagia Dor torá- cica Disfagia Pirose Dor torácica Disfagia Dor torácica Esofagograma Normal Bico de pás- saro Dilatação Esofágica Anormal Obstru- ção distal Esôfago em saca-rolhas Contra- ções pro- gressivas normais Trânsito lento Esvaziamen- to incom- pleto Trânsito lento Esvaziamen- to incom- pleto Endoscopia Normal Dilatação Esofágica Normal Normal Hiperperistal- tismo Pressão EEI 15-25 mmHg Hiperten- so (> 26 mmHg) Normal ou Hiper- tenso Hiper- tenso (> 26 mmHg) Normal ou levemente ele- vado Normal Normal ou baixo Incompleto 3 Distúrbios da motilidade esofágica 45 Características Manométricas da Motilidade Esofágica em Desordens Primárias e Inespecífi cas (cont.) Relaxamento EEI Após de- glutição Incompleto Pressão re- sidual (> 5 mmHg) Parcial ou ausente Normal Normal Normal Normal Incompleto (> 90%) Pressão re- sidual (> 5 mmHg) Anplitude pressórica 50-120 mmHg Diminu- ído (< 40 mmHg) Normal Normal Normal Hiperten- so (> 180 mmHg) (< 400 mmHg) Diminuído (< 30 mmHg) Diminuído (< 35 mmHg) Ondas de contração Progres- siva Simultâneas Espelhada Pressurizada Simultâ- neas Re- petitiva Repeti- tivo Normal Simultâneas Repetitivo Longa du- ração (> 6 s) Não transmi- tida (> 30%) Não transmi- tida (> 20%) Pico triplo, retrógrado Prolongado (> 6s) Peristalse Normal Nenhuma Nenhuma Normal Nenhuma Peristalse Hiper- tensa Anormal Anormal Tabela 3.8 Anéis e membranas esofageanas Anéis e membranas são patologias pouco fre- quentes, sendo geralmente achados de exames radiológicos ou endoscópicos. Constituem-se de projeções endoluminais do esôfago, de forma cir- cunscrita, podendo ocasionar estreitamento de sua luz. Podem cursar com quadros de disfagia intermi- tente, de longa data, a sólidos e líquidos. De caráter benigno, sua etiologia é discutida, podendo ser con- gênita ou adquirida. Os anéis são estreitamentos anulares e si- métricos encontrados no terço distal do esôfago. São geralmente constituídos de camadas de mucosa e submucosa e raramente de camada muscular. Podem ser divididos em dois tipos. O tipo A, denominado anel muscular (anel de Templeton), é revestido por tecido epitelial es- camoso, sendo comumente encontrado a cerca de 2 cm a 3 cm acima da junção escamocolunar, junto à margem proximal do esfíncter esofágico inferior (EM). Autores atribuem como origem uma exacer- bação da estrutura muscular fi siológica no nível da margem proximal da ampola frênica. Embora raros, podem ocasionar redução signifi cante da luz do ór- gão, possibilitando surgimento de quadros disfágicos e impactação de corpos estranhos. Manifestam-se nos exames radiológicos como constrição anelar móvel, dependente dos movimen- tos respiratórios e da contração ou relaxamento da musculatura esofágica. Podem passar despercebidos ao exame endoscópico, pois dificilmente oferecem obstáculos ou resistência à passagem do aparelho. Apresentam-se revestidos por mucosa escamosa, tanto em sua face proximal como distal. Estudos manométricos demonstram a presença de contra- ções peristálticas de elevada amplitude no corpo do esôfago, com pressão e relaxamento normais no ní- vel do EEI. O anel do tipo B - denominado anel eso- fágico mucoso ou de Schatzki - é constituído por estrutura mucosa no nível da junçãoescamo- colunar. Trata-se de anel de diâmetro constante e independente das manobras respiratórias. Caracte- riza-se como linha divisória entre o revestimento escamoso e o colunar, demarcando o final do esô- fago tubular. Radiologicamente, apresenta-se com diâme- tro constante e fixo. Pela endoscopia, sua visua- lização só é possível quando o EEI está localizado acima do pinçamento diafragmático ou na presen- ça de hérnia hiatal por deslizamento. Raramente cursam com quadros de disfagia relacionados a re- feições às pressas ou alimentos sólidos e mal mas- tigados. No entanto, quando seu diâmetro é infe- rior a 13 mm, o desconforto pode estar presente e constante. Essa sensação é normalmente ameni- zada com ingestão de líquidos durante e após as refeições. Por muitas vezes, o paciente procura o serviço de emergência com queixas de dor toráci- ca e impactação de corpos estranhos. Publicações recentes abordando grupos de adultos demonstra- ram significante associação entre pacientes porta- Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 201546 dores de anel de Schatzki com quadros de impac- tação de corpo estranho e esofagite eosinofílica. Manifestações de DRGE não são incomuns. O tratamento está diretamente rela- cionado à sintomatologia apresentada. Em quadros leves, medidas comportamentais e alimentares amenizam os sintomas. Em casos não responsivos, indica-se tratamento dilatador com sondas calibrosas ou balão pneumático cali- brado. A recorrência da sintomatologia não é tão incomum, sendo então indicadas novas sessões de dilatação. Em casos resistentes ao tratamento dilatador convencional, pode-se utilizar dilatação combinada a métodos como a estenotomia radiada com laser ou eletrocautério. Há ainda, na literatura, relatos com metodologia e resultados controversos sobre o uso de drogas anti- colinérgicas, injeção de toxina botulínica e até mesmo miotomias cirúrgicas. As membranas Os primeiros relatos datam de 1893, quando Bla- ckensteins descreveu casos de pacientes anêmicos com disfagia causada por estenoses espásticas do esôfago cervical, que se aliviavam mediante sessões de dilata- ção. Patterson e Kelly, em 1919, descreveram um tipo clínico de disfagia que acometia principalmente mulheres, associado a queilite, glossite, faringite, ul- cerações e fissuras da junção faringoesofágica. Apenas em 1922, Plummer e Vinson descreveram uma con- dição incomum presente em mulheres com anemia ferropriva e sua maior associação com neoplasia de esôfago. Consiste de uma estrutura membranosa adelgaçada, com espessura menor do que 1 mm, composta de mucosa e submucosa. É revestida somente por epitélio do tipo escamoso e pro- jeta-se para o lúmen do órgão em posição fixa. Acomete qualquer um dos segmentos do esôfago, geralmente única, podendo ocasionalmente ser múltipla. É classificada, segundo sua localização, em proximal, média e distal. Sua etiologia é incerta; no entanto, supõe-se também ter origem congênita ou adquirida. A membrana proximal é excêntrica e está situa- da na porção cervical do órgão, geralmente posterior à cartilagem cricoide. Tem origem na parede anterior, estendendo-se para as paredes laterais. Essa condição foi descrita por Plummer e Vinson quando associada a mulheres com anemia ferropriva. Alguns relatos questionaram a origem do quadro anêmico, justificando como causa o fato de ser decor- rente da diminuição da ingestão alimentar causada pela disfagia. As membranas do terço médio são incomuns. Quando presentes em criança, deve-se considerar a provável etiologia congênita. Podem ainda ser adqui- ridas, secundárias à doença do refluxo gastroesofágico ou a estenoses cáusticas. Quando encontradas no terço distal, situam-se geralmente junto ou acima do pinçamento diafragmá- tico. Podem ainda estar associadas a processos infla- matórios secundários ao refluxo gastroesofágico. O exame radiológico contrastado impõe- -se como “padrão-ouro” no diagnóstico de pa- cientes com dificuldade de deglutição. Faz-se necessária a ingesta cuidadosa de grande volume de solução baritada. A membrana geralmente se situa logo abaixo da junção faringoesofagiana, caracterizando-se como uma estenose constante, delgada e concêntrica. O grau de estreitamento é variável e visível a cada deglutição. Diante desse achado radiológico, a endoscopia deve ser realiza- da como exame complementar. A introdução do aparelho deve ser suave e cuida- dosa. Observam-se projeções endoluminais delgadas de aspecto membranoso ou até mesmo fibrótico, que podem ser facilmente rompidas durante a progressão do aparelho. A ruptura ou a dilatação durante o exame en- doscópico frequentemente são suficientes para ali- viar a disfagia. Quando isso não ocorre, o tratamento de escolha consiste de dilatações com sondas de grosso calibre, como Savary-Gilliard ou Malloney (45 a 50 F), suficien- tes para resolução dos sintomas em apenas uma sessão. Faz-se ainda necessário o acompanhamento clí- nico e endoscópico desses pacientes em longo prazo, devido a uma maior incidência de carcinomas de oro- faringe e esôfago. A tabela a seguir mostra as outras possíveis asso- ciações com membranas esofágicas. Possíveis associações com membranas esofágicas Pênfigo bolhosa Epidermólise bolhosa Psoríase Esofagite eosinofílica idiopática Síndrome de Stevens-Johnson Mucosa gástrica heterotópica Doença enxerto versus hospedeiro Tabela 3.9 3 Distúrbios da motilidade esofágica 47 Figura 3.25 Esofagograma baritado. Anel tipo B, denominado anel esofágico mucoso ou de Schatzki. Figura 3.26 Anel de Schatzki. Prega mucosa na junção escamocolu- nar em pacientes com sintomas. ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA Capítulo 2 Capítulo Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) 4 ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA 4 Doença do refl uxo gastroesofágico (DRGE) 49 Introdução � Castell, 1995. � Doença que inclui todos os sintomas e formas de danos teciduais secundários ao refl uxo do conte- údo gástrico para o esôfago. � A DRGE é provavelmente uma das três queixas mais comuns de consulta a um gastroenterolo- gista. Corresponde à principal causa de dor torá- cica de origem esofageana. A prevalência da DRGE tem sido estimada por inquéritos populacionais, considera-se que cerca de 45% da população ocidental apresenta pirose uma vez ao mês e 5 a 10% desses indivíduos fazem referência diária desse sintoma. A prevalência de esofagite erosiva e outras complicações da DRGE entre pacientes que apre- sentam sintomas típicos de refl uxo gastroesofá- gico é de cerca de 40%, variando de 10 a 60%, carac- terizando-se os demais pacientes como portadores da forma não erosiva da doença. Este grupo engloba em torno de 40 a 60% dos pacientes com DRGE. Fatores de risco Reconhecem-se fatores de risco populacio- nais para desenvolvimento da DRGE: idade, sexo, gestação, obesidade, fatores genéticos e presença de hérnia hiatal. Embora a DRGE ocorra em todas as faixas etá- rias, a prevalência dessa condição clínica, bem como de suas complicações como estenoses e úlceras, é maior entre indivíduos idosos. Alguns estudos suge- rem que a evolução da doença do refl uxo seja diferente entre homens e mulheres. A esofagite de refl uxo é mais prevalente (3:1) em homens. Já entre as mulheres, durante a gravidez, a prevalência de pirose alcança 40 a 80% das pacientes. Indivíduos obesos apresentam maior fre- quência de sintomas relacionados ao refl uxo, havendo correlação entre o peso e a intensidade do refl uxo. A participação de fatores genéticos condicio- nando a ocorrência de doença do refl uxo ainda não é conhecida, muito embora sintomas de refl uxo sejam mais comuns entre familiares de pacientes do que en- tre controles. A presença de hérnia hiatal relaciona-se com as formas mais graves de esofagite de re- fluxo. Entre os pacientes com esofagite, há relação entre as dimensões da hérnia hiatal e a intensidade da esofagite. Fisiopatologia e etiopatogeniaA DRGE ocorre como consequência da exposição da mucosa esofágica ou supraesofágica a conteúdo in- tragástrico, contendo agentes agressores como ácido, pepsina, sais biliares e enzimas pancreáticas. A magnitude da exposição da mucosa esofágica ao conteúdo intragástrico depende da frequência dos episódios de refl uxo gastroesofágico, do volume e da agressividade do conteúdo refl uído, do tempo de con- tato do ácido com a mucosa esofágica e da resistência tecidual a esse conteúdo agressivo. Esfíncter esofagiano inferior Ligamento frenoesofágico Esôfago intra-abdominal Ângulo de His Diafragma crural Diafragma costal Figura 4.1 Anatomia da junção esofagogástrica, ilustrando os princi- pais elementos da barreira antirrefl uxo. Estiramento e ruptura do ligamento esofagofrênico Enfraquecimento e encurtamento do EEI Perda do suporte diafragmático para o EEI Perda do segmento intra-abdominal do EEI Retenção de fluído gástrico no saco herniário Alargamento do hiato diafragmático Figura 4.2 Demonstração anatômica do impacto da hérnia hiatal na barreira do antirrefl uxo. Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 201550 Barreira fisiológica ao refluxo gastroesofágico Elementos anatômicos Elementos funcionais Entrada oblíqua do esôfa- go no estômago Esfíncter esofágico inferior (EEI) Roseta da mucosa gástrica ao nível do cárdia Ondas peristálticas do esôfago Elementos de fixação do estômago Ação da gravidade Pilar direito do diafragma Secreção de bicarbonato e muco na saliva Prega de Gubaroff Resistência do epitélio esofágico Tabela 4.1 Tradicionalmente, considera-se que há re- fluxo quando o pH esofágico cai abaixo de 4. Esse limiar é clinicamente relevante, pois a pirose ocorre com pH inferior a 4, e a atividade péptica di- minui rapidamente acima desse nível. O término de um episódio de refluxo é considerado habi- tualmente como o ponto em que o pH esofágico sobe acima de 4. Fatores agressivos Fatores predisponentes Ácido clorídrico; Pepsina; Secreção biliopancreática Condições fisiológicas; Calasia na infância; Gravidez; Hérnia hiatal*; Esclerose sistêmica progressiva; Gastrinoma (Zollinger Ellison)**; Obesidade; SNG de demora; Drogas***; Pós-cirúrgico****. Tabela 4.2 *concomitância de 55% na DRGE, mas não é condição sine qua non. **61% dos pacientes têm DRGE. ***teofilina, anticolinérgicos, anticoncepcionais orais, bloqueadores dos canais de cálcio, nitratos. ****ablação do piloro com refluxo alcalino; cirurgia de Heller. Moduladores de pressão do esfíncter inferior do esôfago Aumento da pressão do EIE Diminuição da pressão do EIE Hormônios/ peptídeos Gastrina Motilina Substância P Secretina Colecistoquinina Somatostatina VIP Agentes neurais Agonistas a-adrenérgicos Antagonistas b-adrenérgicos Agonistas colinérgicos Antagonistas a-adrenérgicos Agonistas b-adreneérgicos Antagonistas colinérgicos Alimentos Proteína Gordura Chocolate Menta Moduladores de pressão do esfíncter inferior do esôfago (cont.) Outros fatores Histamina Antiácidos Metoclopramida Domperidona Cisaprida Prostaglandina F2a Baclofeno Teofilina Prostaglandinas E2 e I2 Serotonina Meperidina Morfina Dopamina Bloqueadores dos canais de cálcio Diazepam Barbitúricos; etanol Tabela 4.3 EIE: esfíncter inferior do esôfago; VIP: peptídeo intesti- nal vasoativo. O EIE envolve de 3 a 4 cm distais do esôfago e em repouso está tonicamente contraído. É o principal com- ponente da barreira antirrefluxo, sendo capaz de impe- dir o refluxo, mesmo quando completamente deslocado do pilar diafragmático por uma hérnia de hiato. A por- ção proximal do EIE está, normalmente, de 1,5 a 2 cm acima da junção escamocolunar, enquanto o segmento distal, de cerca de 2 cm de comprimento, encontra-se dentro da cavidade abdominal. Esta localização man- tém a competência gastroesofágica durante as excur- sões de pressão intra-abdominal. A pressão de repouso do EIE varia entre 10 e 30 mmHg, com uma generosa capacidade de reserva, porque apenas uma pressão de 5 a 10 mmHg é necessária para evitar RGE. Relaxamento transitório do EEI independente da deglutição é o principal mecanismo patogênico da DRGE. Quadro clínico As manifestações clínicas típicas da DRGE são pirose e regurgitação. A pirose ocorre em ge- ral após a alimentação, especialmente se a refeição for copiosa, rica em gordura, condimentada e ácida (cítri- cos), sendo caracterizada como a sensação de queima- ção retroesternal que se irradia do manúbrio do es- terno à base do pescoço, podendo atingir a garganta. A regurgitação ácida significa o retorno de conteúdo ácido ou alimentos para a cavidade oral. Situações que elevam a pressão intra-abdominal podem também exacerbar o sintoma, e, por outro lado, a ingestão de antiácidos ou até mesmo água podem aliviá-lo. A du- ração e a frequência dos sintomas devem ser pesqui- sadas. É consenso que pacientes que apresentam sintomas com frequência mínima de duas vezes por semana, com história de quatro a oito sema- nas, devem ser considerados como possíveis por- tadores da DRGE. Apesar desses sintomas sugerirem a presença da afecção, vale salientar que outras doenças podem cursar com um desses sintomas. Contudo, quando os dois sintomas estão associados, a chance do pa- ciente com tais queixas ser portador da DRGE é superior a 90%. 4 Doença do refl uxo gastroesofágico (DRGE) 51 A intensidade e a frequência dos sintomas da DRGE são fracos preditores da presença ou gravida- de da esofagite, mas a duração da doença está associada ao aumento do risco para o desenvolvimento do esôfago de Barrett. Na abordagem inicial do paciente, é fundamental considerar a idade e a presença ou não de manifes- tações de alarme. A investigação diagnóstica imediata por meio do exame endoscópico é particu- larmente importante nos pacientes acima de 40 anos, bem como nos que apresentam manifes- tações de alarme (disfagia, odinofagia, anemia, hemorragia digestiva, emagrecimento). A presença de história familiar de câncer, náuseas e vômitos, sintomas de grande intensidade ou de ocorrência noturna também deve ser considerada. Mais recentemente, reconheceu-se que outras manifestações clínicas (chamadas de atípicas ou de extraesofágicas) podem ser decorrentes do refluxo gastroesofágico. Considera-se que a dor torácica não coronariana e a sensação de globo faríngeo (manifestações atípicas) e que manifestações extraesofágicas respiratórias, orais e otorrinolaringológicas possam também ser decorrentes do refluxo gastroesofágico. De�nição e classi�cação de Montreal DRGE é uma condição que se desenvolve quando o re�uxo de conteúdo gástrico provoca sintomas incômodos e/ou complicações Síndromes sintomáticas: – Síndrome de re�uxo típico – Síndrome de dor torácica associada ao re�uxo Associações estabelecidas: – Tosse crônica – Laringite – Asma – Cáries e erosões dentárias Associações propostas: – Sinusite – Fibrose pulmonar – Faringite – Otite médica recorrente Síndromes e/lesão esofágica: – Esofagite de re�uxo – Estenose – Esôfago de Barrett – Adenocarcinoma SÍNDROMES ESOFÁGICAS SÍNDROMES EXTRAESOFÁGICAS Figura 4.3 Sinais e sintomas na DRGE Típicos Alarme Atípicos* Outros sintomas – Azia/pirose – Regurgitação ácida – Disfagia – Odinofagia – Perda de peso inexplicada – Anemia – Hemorragia digestiva – Dor torácica não cardíaca – Manifestações: 1- ORL 2- Pulmonares 3- Orais – Globus – Ptialismo (water brash) – Náuseas Tabela 4.4 (*) Extraesofágico Em relação às manifestações respiratórias, dois mecanismos básicos são implicados nessa associação. Pela “teoria de refluxo” o estímulo começa após o contato direto do material refluído com as vias aéreas que, desprovidas de mecanismos de defesa para esse tipo de estímulo, reagem com resposta inflamatória. Inicial- mente, pode ocorrer somente tosse, porém, com a exposição prolongada, o epitélio reage com transudação e broncoespasmo, chegando em casos extremos a ocorrer sangramentos, membranahialina e síndrome de desconforto respiratório. Na segunda situação, o estímulo funciona como “gatilho” de um arco reflexo, cujos receptores aferentes localizam-se no esôfago e, mediados pelo vago, desencadeiam uma resposta eferente de modificação de calibre e comportamento funcional das vias aéreas, chamada “teoria do reflexo”. A compreensão desses mecanismos tem implicações terapêuticas na medida em que a resposta às diferentes formas de tratamento depende da quantifi cação do RGE e de outros fatores, como função esofágica e associação com sintomas digestivos. Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 201552 Complicações esofageanas na DRGE � Hemorragia digestiva (< 2% dos casos); � Úlcera; � Estenose, se presente pesquisar Barrett; � Esôfago de Barrett, substituição do epitélio pavi- mentoso estratificado por metaplasia. Em alguns pacientes, a exposição prolongada ao ácido, e talvez por lesão alcalina, ocasiona uma mu- dança no epitélio da mucosa do esôfago (pavimento- so) para um epitélio cilíndrico metaplásico que, poste- riormente, evolui para displasia e câncer. As células na junção escamocolunar funcionam como um prolonga- mento para cima da JGE na EDA. Figura 4.4 Estenose péptica clássica demonstrada por esofago- grama com bário (A) e endoscopia (B). A radiografia mostra uma grande hérnia de hiato (HH) comum a todas as estenoses por DRGE. Seta escura aponta para a estenose fibrosa curta e grossa com pseu- dodivertículo múltiplo (seta branca). Apesar de não ser visto no exa- me com bário, a imagem endoscópica também demonstra esofagite circunferencial (classificação Los Angeles D). DRGE, doença do re- fluxo gastroesofágico. Diagnóstico Os exames diagnósticos estão indicados nos pacien- tes com sintomas persistentes ou que continuam sinto- máticos enquanto estão sendo submetidos à terapia, ou naqueles com complicações. A abordagem diagnóstica da DRGE pode ser dividida em três categorias: (1) documen- tação da lesão mucosa, (2) documentação e quantificação do refluxo, e (3) definição da fisiopatologia. Será apresen- tada, a seguir, a recomendação de investigação diagnósti- ca, de acordo com a manifestação clínica predominante. Testes especializados para o diagnóstico da DRGE Teste Indicação Perfusão ácida (Bernstein) Verificar se os sintomas são devidos à presença de ácido no esôfago Manometria Embora não quantifique o refluxo ácido nem suas complicações, a manometria pode corro- borar o diagnóstico quando mostra uma grave hipotonia (pressão do EIE < 6 mmHg). Pode, também, diagnosticar distúrbios da motilidade primários ou secundários do esôfago (escleroder- mia, diabete entre outros) pHmetria de 24h (padrão- -ouro) (*) Observar principalmente em pacientes com exa- me endoscópico normal, se há correlação entre sintomas e episódios de RGE; avaliar se a tera- pêutica, clínica ou cirúrgica, foi eficaz Cintilografia (**) Detectar episódios de refluxo em crianças; indi- car o local de refluxo quando outros testes não determinam; suspeita de aspiração pulmonar Tabela 4.5 (*) atualmente é discutível quanto ao padrão-ouro. (**) in- dicação restrita. A impedânciopHmetria parece ter maior sensibilidade e especificidade. Métodos complementares de diagnóstico Grupo 1: métodos que demonstram o refluxo: • Estudos radiológicos com pesquisa de refluxo*; • Cintilografia de refluxo** (sensibilidade 61% e especificidade 95%); • pHmetria esofageana prolongada***. Grupo 2: métodos que avaliam as consequências de refluxo: • EDA (sensibilidade 68% e especificidade 96%); • Histopatologia (sensibilidade 77% e especificidade 91%); • Estudo radiológico com duplo contraste (sensibilidade 40% e especificidade 85%). Grupo 3: métodos que avaliam a correlação entre a presença de ácido e sintomas: • Teste de Bernstein (sensibilidade 78% e especificidade 82%); • pHmetria prolongada com índice de sintomas (sensibili- dade 88% e especificidade 98%). Grupo 4: métodos para avaliação prognóstica ou pré-opera- tória: • Esofagomanometria (sensibilidade 58% e especificidade 84%); • pHmetria prolongada. Tabela 4.6 *Sua melhor indicação está na determinação da extensão de estenoses, quando presentes. **Sua melhor indicação está na investiga- ção da presença do refluxo em crianças. ***Teste padrão-ouro para o diag- nóstico, com sensibilidade global de 88% e especificidade superior a 95%. 4 Doença do refl uxo gastroesofágico (DRGE) 53 HCI a 0.1 N Soro fisioló- gico 30 a 35 cm Figura 4.5 Teste de Bernstein-Baker. A prova consiste no gotejamen- to intraesofágico de ácido clorídrico a 0,1 N alternadamente com soro fi siológico, sem que o paciente tome conhecimento de qual solução está sendo infundida. A prova é considerada positiva quando o paciente refere o sintoma (pirose) na presença de ácido e esse desaparece com a infusão de solução fi siológica. O teste apresenta boa especifi cidade (90%), mas baixa sensibilidade (40%), e sua positividade não estabelece o diagnóstico de esofagite, mas sugere que os sintomas apresentados sejam de origem esofágica. Figura 4.6 Sistema portátil de monitorização do pH esofageano. Se os sintomas predominantes forem típicos, o exame endoscópico é o método de escolha para o diag- nóstico das lesões causadas pelo refl uxo gastroesofá- gico. Permite avaliar a gravidade da esofagite e realizar biópsias onde e quando necessário, além da facilidade de sua execução e disponibilidade na maioria dos cen- tros médicos em nosso meio. São consideradas consequências do refl u- xo gastroesofágico as seguintes lesões: erosões, úlceras, estenose péptica e esôfago de Barrett. Se for diagnosticada erosão esofágica, está confi rmada, por conseguinte, a forma com esofagite da DRGE. A ausência de erosão esofágica, entretanto, não descarta a hipótese de DRGE, pois aproximada- mente 40 a 60% dos portadores dessa afecção não apresentam alterações endoscópicas. Nesses casos, a pHmetria esofágica prolongada está indicada para identifi car os pacientes que, apesar de terem RGE patológico, não apresentam esofagite. pHmetria de 24 horas Os registros a longo prazo do pH podem ser reali- zados utilizando uma cápsula sensível ao pH (BRAVO), ancorada na mucosa do esôfago através de um endoscó- pio em vez da sonda de pH tradicional introduzida pela via nasal. Para a avaliação do refl uxo faríngeo, pode ser útil um sistema destinado a realizar o registro simultâ- neo das áreas faríngeas e esofágicas. Os registros do pH são úteis apenas na avaliação do refl uxo ácido. A esofagite endoscópica não se relaciona com o re- fl uxo gastroesofágico. A documentação do refl uxo é necessária somente quando se mostra obscuro seu papel no complexo sintomático, particularmente na avaliação dos sintomas supraesofágicos, nos casos com DRNE (do- ença por refl uxo não erosivo) e nos casos com dor toráci- ca não cardíaca. O refl uxo do conteúdo que não contém ácido pode ser responsável por sintomas de regurgitação e manifestações extraesofágicas de DRGE. O refl uxo do conteúdo que não contém ácido pode ser documentado com a utilização de um teste de impedância. Indicações da pHmetria intraesofágica 1. Diagnóstico do RGE sintomático nos casos em que o exa- me endoscópico não caracterizou esofagite 2. Correlação entre sintomas e RGE 3. Investigação dos sintomas atípicos como: • dor torácica de origem não cardíaca; • asma, tosse e rouquidão; • sintomas respiratórios acompanhando esofagite diagnosti- cada ao exame endoscópico. 4. Avaliação terapêutica Tabela 4.7 Os parâmetros habitualmente utilizados para a análise dos dados obtidos pela pHmetria são propos- tos por Johnson e DeMeester (1974): � número de episódios de refl uxo; � número de refl uxos maiores que 5 minutos; � refl uxo mais longo, em minutos; � porcentagem de tempo total de refl uxo; � porcentagem de tempo de refl uxo em posição ortotática; � porcentagem de tempo de refl uxo em decúbio horizontal. Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT ResidênciaMédica - 201554 O episódio de refluxo ácido tem sido definido à pHmetria como a queda do pH intraluminar abai- xo de 4 unidades. Este tem sido considerado o nível de coorte que melhor discrimina pacientes com re- fluxo de indivíduos normais. A análise isolada do tempo total de refluxo tem sido considerada o fator individual que melhor discriminaria os pacientes com DRGE. Os dados obtidos são quantificados de acordo com um sistema de escore (DeMeester Score), que possui como valor-limite o índice 14,7. Resultados pHmétricos com valores superio- res indicam uma pHmetria esofágica positiva e a presença de refluxo gastresofágico patológico. Impedanciometria intraluminar Consiste na determinação da impedância (resistên- cia a corrente elétrica) entre dois eletrodos posicionados no esôfago. Esse método pode determinar o movimento do conteúdo gástrico, mesmo o alcalino, para o esôfago. É um método novo, utilizado para avaliar pacientes que não melhoram com elevadas doses de inibidores de bom- ba de prótons e identificar refluxo não ácido. Figura 4.7 Cateter bipolar de impedanciometria intraesofágica com 13 canais. Como assinalado na figura, cada canal corresponde a um segmen- to mensurável de 2 cm compreendido entre dois eletrodos adjacentes. Figura 4.8 Representação esquemática de traçado de impedanciome- tria intraesofágica durante a deglutição em comparação com exame de manometria. A fase I representa o repouso e o nível de impedância regis- trado corresponde ao da parede muscular do esôfago relaxada e da fina camada de saliva que circunda o cateter. A fase II registra a passagem de ar deglutido junto com o bolus. A queda dos níveis de impedância da fase III se deve à chegada do bolus ingerido ao segmento mensurado. A fase IV denota a contração esofagiana que promove o transporte do bolus. Na fase V os níveis de impedância retornam progressivamente aos níveis de repouso, denotando o relaxamento da parede muscular do esôfago e o acúmulo de camada de saliva ao redor do cateter. O ponto F corresponde à chegada da porção inicial do bolus ao segmento que está sendo aferido. O ponto B é o ponto em que o bolus apresenta seu volume máximo e o ponto C, o momento de oclusão da luz pela contração esofagiana. A impedanciopHmetria de 24h é considera- da por muitos um método mais sensível do que a pHmetria convencional na medida que permite a caracterização do refluxo não ácido ou fraca- mente ácido, quando este for suspeitado em pa- cientes não responsivos aos IBP, sobretudo em pacientes com manifestações extraesofágicas. Endoscopia digestiva alta Para tornar mais sistemática a avaliação e a descri- ção endoscópica das lesões macroscópicas presentes no esôfago distal, várias classificações estão presentes na literatura médica. Nenhuma delas está isenta de críticas. A classificação endoscópica da DRGE deve ter como objetivos: � Facilitar a comunicação dos achados endoscópi- cos nas pessoas portadoras de DRGE, com apli- cação na assistência à saúde; � Ser de fácil e rápida aplicação pelo médico que re- aliza a endoscopia digestiva e de fácil incorpora- ção e compreensão pelos médicos envolvidos no atendimento das pessoas portadoras de DRGE; � Ser reproduzível: tanto intraobservador, como entre observadores distintos, garantida a expe- riência profissional equivalente e o treinamento adequado com uso da classificação em foco; � Estratificar as pessoas portadoras de DRGE em classes distintas de gravidade, seja para a con- dição presente, seja para inferir prognóstico, ou ainda modificar a proposta terapêutica; � Quantificar as respostas terapêuticas tanto para o tratamento clínico como para o tratamento cirúrgico; � Permitir a comunicação científica clara, facul- tando a comparação entre diferentes ensaios te- rapêuticos. As três classificações endoscópicas de esofagite péptica mais empregadas na prática assistencial e nas publicações científicas atuais são: Savary-Miller mo- dificada (Tabela 4.8); Hetzel-Dent (Tabela 4.9) e Los Angeles modificada (Tabela 4.10). Cada uma dessas classificações possui vantagens e desvantagens que estão apresentadas na Tabela 4.11. Classificação de esofagite péptica de Savary-Miller modificada Grau Descrição 0 Normal 1 Uma ou mais erosões, não confluentes, lineares ou ovalares, comprometendo uma única prega longi- tudinal 2 Múltiplas erosões, confluentes ou não, comprome- tendo mais de uma prega longitudinal, sem envol- vimento circunferencial do esôfago 4 Doença do refl uxo gastroesofágico (DRGE) 55 Classifi cação de esofagite péptica de Savary-Miller modifi cada (cont.) 3 Erosões confl uentes, comprometendo circunferêncial- mente o esôfago 4 Lesões crônicas – úlceras, estenoses e esôfago curto – isoladas ou associadas a lesões dos graus 1 a 3 5 Epitélio de Barrett em continuidade com a linha Z, cir- cunferencial ou não, isolado ou associado a lesões dos graus 1 a 4 Tabela 4.8 Classifi cação de esofagite péptica de Hetzel-Dent Grau Descrição 0 Normal 1 Edema, enantema ou friabilidade da mucosa 2 Erosões superfi ciais envolvendo menos do que 10% da superfície mucosa dos 5 cm distais do epitélio escamo- so do esôfago 3 Erosões ou ulcerações superfi ciais envolvendo 10 a 50% da superfície mucosa dos 5 cm distais do epitélio esca- moso do esôfago 4 Ulceração péptica profunda em qualquer local do esôfa- go ou erosões confl uentes envolvendo mais do que 50% da superfície dos 5 cm distais do epitélio escamoso do esôfago Tabela 4.9 Classifi cação de esofagite péptica de Los Angeles modifi cada Grau Descrição A Uma ou mais erosões medindo até 5 mm B Uma ou mais erosões maiores que 5 mm, que não se es- tendem entre os ápices de duas pregas esofagianas C Uma ou mais erosões contínuas entre os ápices de duas ou mais pregas esofageanas, envolvendo até o máximo de 75% da circunferência do esôfago D Uma ou mais erosões contínuas entre os ápices de duas ou mais pregas esofagianas, envolvendo mais de 75% da circunferência do esôfago Tabela 4.10 Análise de vantagens e desvantagens das classifi cações acima Classifi cação Vantagens Desvantagens Savary-Miller Inclui o grau de eso- fagite Requer avaliação da profundidade das le- sõesInclui a presença de estenose Inclui a presença de Barrett Hentzel-Dent Avaliação detalhada da extensão radial Inclui achados subje- tivos como eritema e outras alterações mí- nimas Requer avaliação da profundidade das le- sões Análise de vantagens e desvantagens das classifi cações acima (cont.) Los Angeles Não requer avaliação da profundidade das lesões Não estratifi ca pela presença de esôfago de Barrett Avaliação detalhada da extensão radial Não classifi ca as com- plicações esofagianas da doença do refl uxo gastroesofagiano Boa correlação fi sio- lógica Boa concordância en- tre observadores Precisa estimar o ta- manho das lesões Boa correlação com resposta terapêutica clínica Tabela 4.11 1cm Grau A 1cm 1cm 1cm Grau B Grau C Grau D Figura 4.9 Grau A: uma ou mais soluções de continuidade da mu- cosa, com 5 mm ou menos e que não se estendem lateralmente por duas pregas; Grau B: uma ou mais soluções de continuidade da muco- sa, maiores do que 5 mm e que não se estendem lateralmente por duas pregas; Grau C: uma ou mais soluções de continuidade da mucosa que tem continuidade entre duas pregas esofágicas, comprometendo me- nos de 75% da circunferência do órgão; Grau D: uma ou mais soluções de continuidade da mucosa que tem continuidade entre duas pregas esofágicas, comprometendo 75% ou mais da circunferência do órgão. A B C D Figura 4.10 A: Grau A – erosão fi brinosa inferior a 5 mm. B: grau B – erosão fi brinosa superior a 5 mm. C: grau C – outro exemplo de confl u- ência. Nesse caso, ela ocorreu acima da linha Z, no epitélio escamoso. D: grau D – esofagite grave com inúmeras erosões confl uentes, compro- metendo mais do que 75% da circunferência do órgão. Biópsia na DRGE O primeiro Consenso Brasileiro da Doença doRefl uxo aceitou as seguintes proposições: 1. A biópsia do esôfago não está indicada nos pacientes submetidos à endoscopia na fase aguda da esofagite erosiva, sem úlcera, estenose ou suspeita de metaplasia colunar. Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 201556 2. Deve ser realizada em todos os pacientes com estenose ou úlcera (os autores deste capítulo ressal- tam as dificuldades de o endoscopista fazer o diagnós- tico diferencial entre úlcera e erosão, conforme reco- nheceu o grupo de Los Angeles e que está referido em parágrafos anteriores). 3. Está indicada em casos de reepitelização do esôfago com mucosa avermelhada, circunferencial ou não, com extensão de 1 pelo menos 2 cm acima do li- mite das pregas gástricas. Nestes casos, o diagnóstico endoscópico deve ser enunciado como “sugestivo de esôfago de Barrett”. 4. Está indicada nos casos de reepitelização com mucosa avermelhada de extensão inferior a 2 cm. O diagnóstico endoscópico deve ser enunciado como “sugestivo de epitelização colunar do esôfago”. Há di- vergências na literatura sobre a realização de biópsia na junção escamocolunar que serão consideradas no tópico sobre esôfago de Barrett. Atenção! Pacientes com menos de 40 anos de idade, que apresentam manifestações típicas (pirose e regurgitação), sem manifestações de alarme, podem ser considerados para receber terapêuti- ca com inibidores da bomba protônica (IBP) em dose plena diária (omeprazol - 40 mg; lanzopra- zol - 30 mg; pantoprazol - 40 mg; rabeprazol - 20 mg) por quatro semanas como conduta inicial. Em condições excepcionais em que os IBP não podem ser utilizados, podem ser empregados os bloqueadores dos receptores H2 da histamina (BIH2) em dose plena diária (cimetidina - 800 mg; ranitidi- na - 300 mg; famotidina - 40 mg; nizatidina - 300 mg) ou antiácidos. Devem ser também promovidas as denominadas medidas comportamentais. Nesse caso, a resposta satisfatória permite inferir o diag- nóstico de DRGE. O Consenso Brasileiro da DRGE, no entanto, recomenda a realização prévia de exame endoscópico para o estabelecimento do diagnóstico diferencial com outras afecções (úlcera péptica, gastrite, neoplasia). Atenção! Diante do paciente com dor torácica, a pri- meira hipótese é considerar a possibilidade de co- ronariopatia e realizar investigação cardiológica. Estima-se que em 30% dos casos encaminhados para investigação cardiológica não se encontram alterações coronarianas que justifiquem os sintomas. Nessa situa- ção, considera-se que o paciente apresenta dor torácica não coronariana (DTNC) e procede-se com a investiga- ção do aparelho digestivo na busca da causa de dor. O esôfago é o principal órgão do aparelho diges- tivo capaz de determinar esse tipo de dor torácica. A DRGE e os distúrbios motores do esôfago são as duas principais causas esofágicas de dor torácica. Na investigação dos pacientes com DTNC, recomenda-se a realização dos seguintes exames: � Endoscopia digestiva alta: para identificação de esofagite péptica e/ou infecciosa (monilíase) e para descartar afecções de maior gravidade (cân- cer de esôfago); � pHmetria esofágica prolongada: para carac- terização do RGE e para eventual identificação da relação temporal existente entre dor toráci- ca e refluxo. Com esse dois exames, obtêm-se dados em re- lação à existência da DRGE. Para esclarecimento da participação de distúrbios motores do esôfago na dor torácica indicam-se: � Estudo radiológico contrastado do esôfago: para avaliar a morfologia esofágica e tempo de trânsito do contraste pelo esôfago; � Estudo manométrico do esôfago: para iden- tificação de alterações motoras. Podem-se utilizar estímulos químicos (perfusão ácida do esôfago), físicos (distensão esofágica por balão) e farmacológicos (administração de edrofônio) na tentativa de desencadear a dor torácica durante o estudo e documentar a par- ticipação de distúrbios motores. A investigação do refluxo gastroesofágico em pacientes com manifestações respiratórias ou otorrinolaringológicas deve ser realizada por exame de pHmetria com dois ou mais sen- sores, para análise simultânea da ocorrência de refluxo gastroesofágico e de refluxo supra- esofágico (RSE). Convém destacar que a maior parte dos pa- cientes com sintomas atípicos (extraesofágicos) de refluxo não apresenta esofagite ao exame endos- cópico. A realização de exame endoscópico nesses pacientes teria, por conseguinte, papel secundário, sendo útil apenas para caracterização de eventuais afecções associadas. A elevada frequência de refluxo gastroeso- fágico, em níveis patológicos nos pacientes com sensação de globo (58,3%), justifica a investiga- ção de refluxo nesses casos por meio de pHme- tria esofágica prolongada. 4 Doença do refl uxo gastroesofágico (DRGE) 57 Outros métodos diagnósticos O estudo radiológico contrastado do esôfago, apesar das limitações no diagnóstico da DRGE, for- nece informações importantes em relação à morfo- logia do órgão e ao tempo de trânsito do contraste. Por intermédio desse método, pode-se identificar: complicações do refluxo como, por exemplo, ulcera- ções e estenoses; condições favorecedoras do RGE, como herniações gástricas, alterações anatômicas da junção esofagogástrica e evidências de alterações motoras associadas. O estudo cintilográfi co do esôfago é um método sensível para o estudo do trânsito do contraste pelo esôfago. Avalia a presença de RGE, embora com sen- sibilidade limitada, e pode ser aplicado na investiga- ção de refl uxo na faixa etária pediátrica. Nesses casos, mapeia-se o tórax da criança após ingestão do agente radioativo, avaliando se ocorre aspiração pulmonar do material deglutido. Manometria Manometria de alta resolução agora está sendo usada para caracterizar a função esofágica mais preci- samente, em comparação com manometria padrão. A vantagem específi ca da manometria de alta resolução é que ela possibilita o registro contínuo efi caz da ativi- dade motora ao longo de toda a extensão do esôfago e produz um quadro mais completo e detalhado da mo- tilidade esofágica. Uma trama de contorno-cor com o tempo como o eixo x e a extensão do esôfago como o eixo y é produzida pelo dispositivo de gravação. A pressão é representada por uma escala de cores. Este método também fornece uma análise mais detalhada do EEI e é menos provável que mostre uam diminuição na pressão de EEI com a deglutição às vezes referida como pseudorrelaxamento. Tratamento Os objetivos do tratamento da DRGE são ali- viar sintomas, cicatrizar as lesões, previnir recidivas e complicações. Dessa forma, o tratamento pode ser dividido em: � Tratamento clínico; � Tratamento endoscópico; � Tratamento cirúrgico; � Tratamento do esôfago de Barrett. Medidas de ordem geral e comportamental � Elevar a cabeceira da cama (10-15 cm); � Reduzir o peso em obeso; mastigar bem os ali- mentos; � Evitar deitar após as refeições (aguardar pelo menos duas horas); � Reduzir ou suprimir o álcool e o fumo; � Evitar substâncias que diminuem a pressão in- tra-abdominal ou intragástrica (gorduras, frutas cítricas, carminativos, goma de mascar, bebidas gaseifi cadas ou alcaloides, condimentos, doces, chá preto ou mate); � Evitar medicamentos que reduzem a pressão do EIE ou atuam como irritantes diretos da mucosa do esôfago (AINH, corticosteroides, anticolinér- gicos, anticoncepcionais, terapia de reposição hormonal, antidepressivos tricíclicos, benzodia- zepínicos, bloqueadores dos canais de cálcio, ni- tratos, xantinas). Farmacológico Drogas no tratamento da DRGE Antiácidos Agentes Procinéticos Betanecol (agonista colinérgico) Metoclopramida Cisaprida (em desuso) Domperidona* Sucralfato Antagonistas dos receptores da histamina (ARH2) Cimetidina Ranitidina Famotidina Bloqueadores da bomba de prótons Omeprazol: 40 mg/dia Lanzoprazol: 30 mg/dia Pantoprazol: 40 mg/dia Rabeprazol: 20 mg/dia Esomeprazol: 40 mg/dia Tabela 4.12 (*) em população pediátrica o seu usoé controverso. A metoclopramida é a única droga proci- nética que pode ser usada durante a gravidez. É encontrada em comprimidos de 10 mg, podendo ser administrada quatro vezes ao dia, 30 minutos antes das principais refeições. O betanecol (agonista colinérgico) age estimu- lando o tônus e a atividade de todo o TGI, aumen- tando assim a pressão do EEI, a velocidade de esva- ziamento gástrico e a adequação do peristaltismo esofageano. A dose recomendada é de 10 a 20 mg via oral, 3 a 4 vezes ao dia. Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 201558 A cisaprida aumenta a velocidade de esvazia- mento gástrico em consequência do aumento da libe- ração de acetilcolina dos plexos mioentéricos. É eficaz isoladamente e atua sinergicamente com os antago- nistas dos receptores H2 da histamina. Não deve ser administrada em pacientes em uso de cetoconazol, itraconazol, fluconazol, eritromicina, claritomicina. Atualmente, caiu em desuso devido ao risco car- diovascular e/ou alterações no ECG, com prolon- gamento do intervalo QT. O Sucralfato é uma droga que atua localmente ligando-se ao ácido, à pepsina e à bile. A eficácia do sucralfato é, segundo alguns autores, equivalente a dos ARH2, especialmente em pacientes com esofagite erosiva intensa. Pode ser utilizada em pacientes que estão usando ARH2. A absorção sistêmica do sucralfa- to é mínima e poderia eventualmente ser utilizada du- rante a gravidez. Às vezes ocasiona prisão de ventre. Deve ser utilizada cautelosamente por pacientes com insuficiência renal, por conter alumínio. Em revisão sistemática pela Cochrane Collaboration, sucralfato e procinéticos foram superiores ao placebo. Os bloqueadores da bomba de prótons ini- bem tanto a secreção gástrica basal quanto a que ocorre após estimulação. Interagem com a H+, K+ ATPase gástrica, a enzima que atua na fase final da produção de ácido clorídrico. A dose única diária de 20 mg de omeprazol, lan- soprazol 30 mg, pantoprazol 40 mg, rabeprazol 20 mg e esomeprazol 40 mg mantém o pH intragástrico em torno de 5 durante 24 h e diminui o volume em cerca de 60%. Não atua no EIE. Cicatrização completa da esofagite ocorre após 8 semanas, em aproximadamente 80% dos casos; doses maiores (40 mg/dia) ou maior tempo de uso levam à cicatrização em 100% dos casos. São as medicações de escolha no tratamento da DRGE: seguros, não apresentam taquifilaxia e devem ser usados pela ma- nhã, em jejum, ou duas vezes ao dia, 30 minutos antes do desjejum e do jantar. O tempo mínimo de trata- mento estipulado pelo ICBDRGE é de 6 semanas. Em princípio, apenas pacientes com esofagites moderadas e graves (Savary-Miller 2 a 5; Los Angeles C e D) de- vem ser considerados para realização de exame endos- cópico de controle. Pacientes com manifestações ex- traesofágicas geralmente necessitam de doses maiores por períodos mais prolongados. Nos casos de falta de resposta após 12 semanas de tratamento, deve ser considerada a duplicação da dose do IBP por mais 12 semanas, após as quais o paciente deve ser reavaliado. Principais efeitos colaterais: diarreia, cefa- leia, tonturas, prurido e exantema, mas são efeitos colaterais infrequentes (< 10%). O uso crônico pode acarretar hipocalcemia com consequências ósseas, por exemplo fratura de quadril. Mais recentemente, vêm sendo desenvolvidos métodos endoscópicos para o tratamento da DRGE. Eles compreendem injeções de biopolímeros (En- teryx©) e microesferas de plexiglas, colocação de pró- teses expansíveis (Gatekeeper®), ablação térmica com radiofrequência (Stretta©) e realização de gastroplas- tia endoscópica (EndoCinch©). Esses métodos têm ainda caráter experimental, estando disponíveis ape- nas para protocolos de pesquisa. Os critérios para sua indicação têm sido: 1. DRGE sintomática definida com pirose fre- quente, nível dos sintomas superior, presença de eso- fagite grau A e B de Los Angeles na ausência de medi- camentos; 2. Resposta favorável ao tratamento, porém com dependência de medicamentos antissecretores, in- cluindo antiácidos, drogas bloqueadoras dos recepto- res H2 e IBP; 3. Refluxo ácido diagnosticado por pHmetria, com evidência de pH constante por mais de 4% do tempo livre, depois da interrupção dos medicamentos para DRGE por sete dias. As contraindicações, embora não sejam definiti- vas, incluem: 1. Hérnia hiatal de deslizamento superior a 2 cm de extensão; 2. Distúrbios de motilidade do esôfago; 3. Esofagites complicadas (Barrett, estenose por úlcera péptica do esôfago); 4. Índice de massa corporal superior a 30. Indicadores de maior probabilidade de recidiva Maior gravidade da lesão inicial Presença de sintomas noturnos Maior intensidade do sintoma inicial Presença de sintomas persistentes durante o tratamento Maior gravidade das alterações motoras Exigência de inibidor de bomba protônica para cicatrização Tabela 4.13 DRGE e gravidez As mulheres grávidas têm maior prevalência de DRGE. A embebição gravídica, associada a fatores me- cânicos, facilita o RGE. Em razão de restrições medica- mentosas e caso as medidas não farmacológicas sejam insuficientes, dá-se preferência para antiácido ou su- cralfato, por serem pouco absorvidos. Se necessário, emprega-se BH2, dos quais a cimetidina, a ranitidina e a famotidina são seguros. A nizatidina deve ser evi- tada pela falta de estudos de segurança adequados em seres humanos. 4 Doença do refl uxo gastroesofágico (DRGE) 59 Os agentes procinéticos, especialmente a meto- clopramida, devem ser usados quando há sintomas atípicos e/ou dismotilidade. Quanto aos IBP, há poucos estudos clínicos prospectivos sobre a segurança em grávidas, fi ca então seu uso restrito aos casos de insucesso com as medicações anteriores, em pacientes muito sintomáticas ou com doença grave à EDA. As dro- gas utilizadas no tratamento da DRGE na gravidez são apresentadas na tabela a seguir. Fármacos empregados em grávidas com DRGE Droga Classifi cação* Comentários Antiácido Base - Al, Ca++, Mg Não classifi cados Aceitáveis na gravidez Trissilicato de Mg Não classifi cados Evitar uso prolongado Sucralfato B Aceitável pela mínima absorção Bloqueadores H2 Cimetidina B Aceitável e efi caz na gravidez Ranitidina B Aceitável e efi caz na gravidez Famotidina B Aceitável e efi caz na gravidez Nizatidina B Não usar: problemas em estudos em animais Procinéticos Metoclopramida B Sem teratogenicidade em animais ou humanos IBP (inibidor de bomba protônica) Lansoprazol B Sem teratogenicidade em animais, estudos limitados em humanos Omeprazol C Efeitos embriotóxicos e fetotóxicos em animais, relatos semelhantes em humanos Tabela 4.14 Classificação FDA. B: estudos em animais não mos- tram risco, mas estudos em humanos são inadequados, ou estudos em animais mostram risco, mas não são apoiados por estudos em humanos; C: estudos em animais mostram risco, mas estudos hu- manos são inadequados ou não existem, ou não há estudos em hu- manos nem em animais. Cirurgia antirrefl uxo Fatores que indicam provável tratamento cirúr- gico da DRGE resumem-se basicamente à intratabi- lidade clínica e à doença complicada (Tabela 4.16). Nenhuma das indicações descritas são indicações ab- solutas, tampouco são de consenso entre todos os ci- rurgiões. Portanto, a indicação cirúrgica dependerá de judiciosa avaliação da doença, do estado de saúde e da opção pela cirurgia por parte do paciente. Fatores prognósticos para o tratamento cirúrgico na DRGE Não resposta ao tratamento clínico Complicações Intolerância à medicação Grandes hérnias de hiato Inconveniência de usar a medicação por tempo pro- longado Hérnia paraesofágica Sintomas extraesofágicos, especialmente pulmonares Efeitos colaterais da medicação Custo Esofagites graves Esôfago de Barrett Úlcera de esôfago Estenose de esôfago Esfíncter esofágico inferior defeitu- oso com esofagite moderada Tabela 4.15 Fatores contra e a favor do tratamento cirúrgico da DRGE Contra A favor Idadeacima de 60 anos Idade abaixo de 60 anos Risco cirúrgico aumentado Risco cirúrgico normal Cirurgia antirrefl uxo prévia Aversão ao uso crônico de medicamentos Rejeição do paciente Aceitação do paciente Cirurgião menos expe- riente Cirurgião experiente Fator econômico Fator econômico Doença do colágeno Ausência de colagenose Medidas comporta- mentais não afetam o paciente Má qualidade de vida imposta pelas medidas comportamentais Tabela 4.16 O tratamento cirúrgico tem por objetivo atuar em três fatores bastante importantes na fi siopatoge- nia da DRGE: Relaxamento espontâneo do EEI: as valvu- loplastias alteram o relaxamento receptivo do fundo gástrico, reduzindo, de forma signifi cativa, a ocorrên- cia de relaxamento espontâneo do EEI que é, atual- mente, aceito como o principal distúrbio esfi ncteriano em pacientes com DRGE. Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 201560 Tônus pressórico do EEI: com a realização das valvuloplastias, espera-se potencializar a ação do EEI, por elevação do seu tônus pressórico. Posicionamento do EEI: aceita-se que a exis- tência de um segmento esofágico posicionado ab- dominalmente seja fator importante na contenção do RGE. A realização de hiatoplastia (redução do calibre do hiato diafragmático do esôfago) tem por objetivo assegurar a existência de um segmento de esôfago abdominal. Pré-operatório Quando o paciente apresenta indicação para o tra- tamento cirúrgico da DRGE, a avaliação do seu grau de esofagite e a pesquisa de hérnia de hiato devem ser reali- zadas. Uma endoscopia digestiva alta, recentemente fei- ta, com biópsia, é fundamental, especialmente se houver suspeita de esôfago de Barrett, estenose, ulcerações ou câncer. O estudo radiológico contrastado ajuda a avaliar o tamanho e o tipo da hérnia. Com raras exceções, todos os pacientes devem ser submetidos a exames de pHmetria esofágica de 24 horas e manometria. O primeiro permite quantificar a secreção de ácido do estômago, confirmar a presença do refluxo em casos duvidosos e esclarecer se esse é espontâneo ou provocado. A manometria é particularmente importan- te mediante a suspeita de grave disfunção moto- ra esofágica, pois, caso se confirme essa afecção, a cirurgia proposta pode ser modificada. Após a avalia- ção específica da doença esofágica, o paciente deve ser submetido aos exames clínicos e laboratoriais habitu- ais, com o objetivo de determinar o seu risco cirúrgico. Técnica cirúrgica Classificação das cirurgias antirrefluxo quanto à via de acesso Toracotomia Técnica de Allison Técnica de Belsey-Mark IV Laparotomia Técnica de Hill Técnica de Toupet Técnica de Lind Técnica de Nissen Técnica de Thal-Hatafuku Videolaparoscopia Tabela 4.17 Em nosso meio, a fundoplicatura total (360º), chamada Nissen, e a fundoplicatura parcial (270º), chamada Lind ou Toupet, são as mais empregadas. Todos esses procedimentos são hoje amplamente re- alizados por videocirurgia. Técnica de Nissen Baseado na técnica de Witzel para a colocação de cateteres no tubo digestório, Nissen descreveu, em 1956, o procedimento cirúrgico que recebeu seu nome, para a contenção total do refluxo no pós-ope- ratório. Além da aproximação dos pilares diafragmá- ticos, ele recomendou o envolvimento completo do esôfago abdominal pelo fundo gástrico, com a válvula criada, dessa forma, abrangendo toda a circunferência do esôfago, ou seja, 360º. Nissen recomendava a secção de rotina dos va- sos curtos, para melhor mobilidade do fundo gástri- co, enquanto Rosseti defendia a utilização da pare- de anterior do fundo gástrico, para ser passada por trás do esôfago, e não a grande curvatura do fundo, como descreveu Nissen. Atualmente, somente em raras exceções, realiza-se a ligadura e a secção dos vasos curtos. No procedimento de escolha é a fundoplicatura (válvula) gástrica completa (360º) por via laparoscópica. Esse proce- dimento consiste em corrigir a hérnia de hiato e envolver o esôfago distal com o fundo gástrico (fundoplicatura), crian- do assim, uma zona de alta pressão ao nível do esfíncter eso- fágico inferior. Figura 4.11 Localização dos portais para uma abordagem videolapa- roscópica ao hiato. Os ápices dos dois triângulos denotam os portais de trabalho da mão direita (MDC) e esquerda (MEC) do cirurgião. Os portais das bases dos dois triângulos são para os afastadores de fígado (AF), o videoendoscópio (VE) e a mão direita do assistente (MDA). Pós-operatório A alta da sala de recuperação pós-anestésica só deverá ocorrer após o paciente atingir nível razoável de consciência e os dados vitais estarem estabilizados. A necessidade de recuperação em CTI segue as indi- cações habituais para as demais operações intra-abdo- minais por via de acesso convencional. As orientações pós-operatórias são aquelas ro- tineiras para todos os pacientes submetidos à lapa- rotomia convencional. Não há, geralmente, necessi- 4 Doença do refl uxo gastroesofágico (DRGE) 61 dade de manutenção da sonda nasogástrica após o término da operação. O paciente deverá deambular o mais precocemente possível. Os analgésicos são administrados por via venosa apenas nas primeiras 24 horas, enquanto permanecer em jejum e em so- roterapia. A partir do segundo dia, inicia-se dieta líquida restrita, e os medicamentos poderão ser ad- ministrados por via oral, suspendendo-se a hidrata- ção venosa. A dieta deverá permanecer líquida-pas- tosa nos primeiros quinze dias. Durante essa fase, a ingestão de alimentos sólidos é frequentemente acompanhada de odinofagia e disfagia, devendo a evolução da dieta ocorrer, então, de acordo com a tolerância de cada paciente. Complicações A maioria das complicações resulta de falha téc- nica, o que refl ete a inexperiência do cirurgião. A inci- dência das complicações específi cas, como a recidiva do refl uxo, a disfagia, a incapacidade de eructar ou vomitar, o meteorismo e a dor epigástrica recorrente, pode chegar a 22%, e a mortalidade operatória relata- da é de até 1,4%. Após a operação de Nissen, uma das prin- cipais causas de insucesso é o deslizamento da válvula para o corpo gástrico. Nesses casos, os pa- cientes, além de desenvolverem esofagite de refl uxo grave, podem apresentar úlceras gástricas, seguidas de perfuração e fi stulização. O deslocamento ocorre quando não se efetua a passagem dos pontos da vál- vula pela musculatura da parede esofágica, mas, em alguns casos, mesmo quando os pontos são passados corretamente, pode ocorrer a ruptura da musculatu- ra esofágica, que é bastante frágil. Assim, o cirurgião deve estar sempre atento a essa complicação e preo- cupado em passar o ponto em uma boa quantidade de tecido muscular do esôfago, evitando, com isso, a mi- gração distal da válvula. A ruptura de um ou mais pontos, quando não ocasiona a migração da válvula, pode acarretar a recidiva do refluxo. O tratamento baseia-se na reoperação e na confecção de nova válvula, dessa vez bem ancorada ao esôfago. Nunca se deve es- quecer que a primeira operação é o momento ideal para se fazer a correção definitiva da hérnia e do refluxo. A recidiva do refluxo é também tanto mais frequente quanto menos envolvente for a válvula. Por isso, a técnica de Nissen é a mais eficiente na contenção do refluxo, se comparada às técnicas de Toupet, Lind e outras. A chamada gas bloat syndrome é uma complicação específica da técnica de Nissen. Manifesta-se pela incapacidade de eructar ou vo- mitar. Pode ocorrer em até 10% dos pacientes no pós-operatório imediato, mas tende a diminuir de intensidade com o tempo. Uma válvula confecciona- da de forma muito apertada parece ser a causa dessa complicação. Se o desconforto com a distensão ab- dominal e a dor epigástrica for intenso, a passagem de sonda nasogástrica e sua manutenção se fazem necessárias. Em casos extremos, está indicada uma gastrostomia endoscópica. A ocorrência de disfagia discreta é muito comum no pós-operatório imediato. Pode ser resultante do edema decorrente dadissecção local. Caso seja intensa ou se persistir além do pri- meiro mês, pode significar que o fechamento dos pilares foi excessivo, ou que a válvula foi suturada sob tensão, sem folga em relação ao esôfago, ou que o paciente é portador de distúrbio da motilida- de esofágica não diagnosticado no pré-operatório. Exames endoscópicos, radiológicos contrastados e manométricos permitem avaliar a necessidade de reintervenção. A dilatação endoscópica beneficia pouco o paciente, pois produz alívio imediato, po- rém fugaz. Na recidiva do refl uxo após tratamento cirúrgico, ou quando houver disfagia prolongada, a indicação de nova operação deve ser embasada em exames radio- lógico, endoscópico, manométrico e, eventualmente, pHmétrico. Nas formas com estenose intensa, asso- ciada a distúrbios motores graves, a esofagectomia deve ser considerada. Complicações em 400 procedimentos antirrefl uxo laparoscópicos Complicação Nº (%) Íleo pós-operatório 28 (7) Pneumotórax 13 (3) Retenção urinária 9 (2) Disfagia 9 (2) Outras complicações menores 8 (2) Trauma hepático 2 (0,5) Herniação aguda 1 (0,25) Víscera perfurada 1 (0,25) Óbito 1 (0,25) Total 72 (17,25) Tabela 4.18 *Sintomas relatados cuja frequência foi superior a uma vez por semana. Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 201562 Figura 4.12 Técnica de Toupet. Aspecto quase final do procedimen- to: os pontos amarrados e os por amarrar, unindo o fundo gástrico ao esôfago, criam uma válvula parcial posterior, de 180º, sobre o esôfago abdominal, com a metade anterior do esôfago não sendo recoberta pelo fundo gástrico. Figura 4.13 Técnica de Lind. O fundo gástrico, passado por trás do esôfago, aparece suturado à face anterior da parede esofágica, com pon- tos separados. Figura 4.14 Técnica de Lind. Aspecto quase final do procedimento: o fundo gástrico recebe agora a segunda fileira de pontos, unindo-o à face anterior do esôfago, criando uma válvula parcial de 270º, em torno do esôfago. Figura 4.15 Técnica de Nissen. Início da aproximação dos pilares dia- fragmáticos, por meio de pontos separados. Figura 4.16 Técnica de Nissen. Passagem do fundo gástrico para a di- reita, por trás do esôfago. Figura 4.17 Técnica de Nissen. Aspecto quase final do procedimento: o hiato esofágico se apresenta semifechado; a parede do fundo gástrico, localizada à esquerda do esôfago, foi unida à camada muscular do esô- fago e ao fundo gástrico à direita do esôfago, o que permite ao fundo gástrico cobrir toda a circunferência do esôfago abdominal, formando uma válvula total, ou seja, de 360º, em torno do esôfago. 4 Doença do refl uxo gastroesofágico (DRGE) 63 Figura 4.18 Técnica de Nissen. Aspecto fi nal do procedimento, mostrando estar a válvula corretamente folgada, pois permite ao cirurgião introdu- zir os dedos polegar e indicador entre ela e a parede esofágica. Figura 4.19 Fundoplicaturas cirúrgicas mais comuns utilizadas nas cirurgias antirrefl uxo. A: a mais popular do mundo é a fundoplicatura de Nissen de 360 graus. B: uma plicatura anterior (p. ex., Th al, Dor) é comumente usada para evitar refl uxo gastroesofágico após miotomia de Heller para acalasia. A experiência com este reparo é limitada a pacientes com doença de refl uxo gastroesofágico clássica. C: a plicatura posterior (Toupet) é popular em pacientes com motilidade esofágica ruim, porque a disfagia pós-operatória é menos frequente do que após outras cirurgias. Esta é uma plicatura de 220-250 graus. ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA Capítulo 2 Capítulo Esôfago de Barrett 5 ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA 5 Esôfago de Barrett 65 Introdução A condição em que a mucosa do esôfago apresen- tava epitélio colunar em vez de escamoso foi primeira- mente descrita por Norman Barrett em 1950. Ele, er- roneamente, acreditou que fosse de origem congênita. Atualmente, sabe-se que constitui uma anormalidade adquirida, ocorrendo em 7-10% dos pacientes com DRGE, e que representa o estágio fi nal da histó- ria natural dessa doença. Sabe-se também que essa entidade é totalmente diferente da condição congênita, em que ilhas de epitélio colunar gástrico maduro são encontradas na metade superior do esôfago. O epitélio colunar metaplásico se instala durante a cicatrização da esofagite erosiva com refl uxo ácido con- tínuo, pois o epitélio colunar é mais resistente ao dano produzido por ácido pepsina que o epitélio escamoso. O epitélio metaplásico é um mosaico de diferentes tipos epiteliais, incluindo células caliciformes e células colu- nares, que possuem características de células tanto se- cretórias quanto absortivas. O achado de metaplasia intestinal com células caliciformes no esôfago é diagnóstico para o esôfago de Barrett (EB). Vale destacar que a presença de metaplasia intes- tinal documentada na biópsia da junção escamocolunar normal, na ausência de epitélio colunar visível não é diag- nóstico de esôfago de Barrett, recebendo a denominação de metaplasia intestinal do cárdia. É mais comum em homens brancos, obesos (4:1), e sua incidência aumenta com a idade, mé- dia de 55 anos e DRGE de longa duração (> 10 anos). Hérnia hiatal volumosa e DRGE mais grave são fatores de risco associados. A incidência de DRGE, esôfago de Barret e ade- nocarcinoma do esôfago continua aumentando, e, sem as medidas devidas, estas resultarão em uma epi- demia nos próximos anos. Fisiopatologia da metaplasia de Barrett A gênese do EB está diretamente associada à dura- ção e intensidade da DRGE. O processo ocorre em duas etapas. A primeira etapa se caracteriza pela substituição da mucosa escamosa do esôfago distal por uma mucosa colunar sem células especializadas. A extensão do epi- télio colunar é fator determinante para o desen- volvimento de metaplasia intestinal, se maior que 3 cm, a chance é de 93 a 100%, se menor que 3 cm, a chance é de no máximo 50%. A segunda etapa do processo coincide com o re- fl uxo duodenogástrico sobre a mucosa colunar com consequente intestinalização e surgimento da meta- plasia intestinal. A intensidade, a duração e a periodi- cidade do refl uxo estabelece o risco para as alterações displásicas e adenocarcinoma. O processo displasia-carcinoma se associa a alterações genéticas como mutação e metilação do DNA, deleção cromossômica, levando a maior expressão de fatores de crescimento e seus re- ceptores, como aumento da proteína p53, c-er- bB2 e aneuploidias. Nos dias atuais não se aceita a participação do H. pylori na etiopatogenia do EB. Classifi cação Esôfago de Barrett de segmento longo: pre- sença de apitélio colunar contendo células calicifor- mes numa extensão além de 3 cm no esôfago distal. Esôfago de Barrett de segmento curto: com- preende os casos em que se detecta a presença de mucosa colunar contendo células caliciformes numa extensão em segmento menor que 3 cm. Em pacientes com sintomatologia de DRGE, 3 a 5% terão Barrett longo e 10 a 15% terão Barrett curto. O EB longo tem aceitação ampla e clara associa- ção com adenocarcinoma. Diagnóstico O exame endoscópico – padronizações Geralmente, essas alterações displásicas e alguns casos de carcinomas (geralmente intramucosos) não são visíveis endoscopicamente, mesmo com as técni- cas de cromoscopia, talvez nem mesmo com a magni- fi cação de imagem. Por essa razão, recomenda-se a realização de biópsias nos 4 quadrantes, a cada 2 cm do epitélio colunar. Mesmo assim, áreas displá- sicas ou focos de adenocarcinomas podem não ser evi- denciados. Alguns estudos sugerem que cerca de 1/3 de pacientes com displasias de alto grau já apresenta carcinomas invasivos que não foram evidenciados nas biópsias padronizadas. A realização de biópsias maiores e extensivas, a cada 1 cm, ou em quaisquer alterações, em pacientes com DAG (displasia de alto grau) (Protocolo de Seat- tle), reduz, mas não elimina esse problema. A média de biópsias nesse protocolo é de 35/paciente, podendo chegar, em alguns casos, a 120, com o procedimentodurando de 15 a 90 minutos. Na verdade, poucos dados estão disponíveis na literatura a esse respeito, pois as displasias de alto grau são pouco frequentes. A frequência das endoscopias de vigilância nos pacientes com esôfago de Barrett já estabelecido de- pende dos achados endoscópicos iniciais. A DAG está frequentemente associada a um carcinoma concomi- tante e progride para câncer em cerca de 20% dos casos. Atualmente, os pacientes com DAG devem ser tratados com esofagectomia, ressecção mucosa endoscópica ou Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 201566 terapia fotodinâmica. O acompanhamento endos- cópico atento (a cada 3 meses) é recomendado a todos os pacientes com DAG. Na DBG (displasia de baixo grau), a endoscopia de acompanhamen- to é recomendada aos 6 e 12 meses inicialmente e a cada ano daí em diante, enquanto essa entidade persistir. Os pacientes com esôfago de Barrett sem displasia devem fazer dois exames ao longo do primei- ro ano e, subsequentemente, a cada 2-3 anos. Novas perspectivas no diagnóstico e seguimento do EB vêm surgindo com a utilização da cromoscopia associa- da a exames endoscópicos com magnificação de imagem. Histologia O esôfago de Barrett é caracterizado pela substitui- ção do epitélio escamoso esofágico por epitélio colunar metaplásico contendo células caliciformes semelhantes às encontradas no intestino delgado ou no cólon. A presen- ça de células caliciformes é o achado fundamental para o diagnóstico. Morfologicamente, nas colorações de rotina (hematoxilina-eosina) exibem núcleo achatado na base e amplo citoplasma distendido por mucina ácida, predominantemente sialomicina e em menor quantida- de, sulfomucina. Na coloração pelo ácido periódico de Schiff (PAS) associado ao Alcian-blue em pH 2,5 o ci- toplasma cora-se em azul. As células caliciformes estão presentes no epitélio superficial entremeadas por células mucosas que se assemelham às foveolares gástricas ou às células absortivas do intestino delgado. O componente glandular mais profundo também exibe células calicifor- mes. Nessa localização também podem ser encontradas células de Paneth, células endócrinas ou mesmo ácinos pancreáticos. Entre as glândulas há geralmente um leve infiltrado mononuclear. Quando o processo inflamatório é intenso podem ser identificados neutrófilos e áreas de erosão com exsudato superficial fibrinoso além de tecido de granulação nas porções mais profundas. A coloração pelo PAS + Alcian-blue (pH 2,5) é utilizada para diferenciar a mucina ácida do tipo intestinal, na qual o citoplasma das células cora-se em azul, da mucina neutra do tipo gástrico, em que o citoplasma adquire a coloração vermelha. Portan- to as células caliciformes do esôfago de Barrett coram-se exclusivamente em azul. Já as células colunares quando se assemelham às foveolares gástricas, coram-se em ver- melho, enquanto as semelhantes às absortivas do intes- tino delgado produzem mucina ácida com o citoplasma corando-se também em azul. O significado dessas células colunares produtoras de mucina ácida é questionado. Po- deriam ser um marcador para o esôfago de Barrett na au- sência de células caliciformes, porém tais células também são encontradas na região foveolar da mucosa gástrica antral como um fenômeno reativo e na porção foveolar das glândulas cárdicas em pecientes sem sinais de reflu- xo. Em resumo, na coloração pelo PAS + Alcian-blue, a ausência de células caliciformes coradas em azul (mucina ácida) exclui a possibilidade do esôfago de Barrett. Células coradas em azul, porém sem a morfolo- gia característica das células caliciformes, não são especí- ficas para caracterização do esôfago de Barrett. A nomenclatura para as alterações citológicas e ar- quiteturais neoplásicas diverge entre os patologistas do oriente e os do ocidente. A Classificação de Viena é um movimento de convergência com tentativa de unifor- mizar os diagnósticos histológicos. A Tabela 5.1 mostra as classes diagnósticas a partir da Classificação de Viena para a neoplasia intramucosa no aparelho digestivo. A B C D Figura 5.1 Esôfago de Barrett. A: línguas rosadas da mucosa de Barrett que se estendem proximalmente a partir da junção gastroeso- fágica. B: esôfago de Barrett com nódulo suspeito (seta) identificado durante pesquisa endoscópica. C: Achado histológico de adenocarci- noma intramucosal no nódulo endoscopicamente ressecado. O tumor estende-se até a submucosa esofágica (seta). D: esôfago de Barrett com adenocarcinoma que apresenta avanço local. 5 Esôfago de Barrett 67 Classifi cação de Viena para neoplasia intramucosa Grupo Diagnóstico 1 Negativo para neoplasia intraepitelial 2 Indefi nido para neoplasia intraepitelial 3 Neoplasia intraepitelial de baixo grau 4 Neoplasia intramucosa 4.1 Neoplasia intraepitelial de alto grau 4.2 Carcinoma não invasivo 4.3 Suspeito de carcinoma invasivo (suspeita de invasão da lâmina própria) 4.4 Carcinoma intramucoso (invasivo da lâmina própria) 5 Carcinoma invasivo à submucosa Tabela 5.1 Epitélio de Barrett displásico A identifi cação de displasia no epitélio de Barrett se faz pelo exame histológico de fragmentos biopsiados (que deve ser confi rmada por um segundo patologista). Baseia-se em alterações arquiteturais citológicas e his- tológicas, similarmente àquelas descritas por Riddell et al. na colite ulcerativa. Por convenção, classifi cam-se os achados em 4 grandes categorias: 1. Sem displasia; 2. Indefi nido para displasia; 3. Displasia de baixo grau (DBG); 4. Displasia de alto grau (DAG). Patologias têm difi culdade em distinguir entre displasia de baixo grau no esôfago de Barrett e alte- rações reativas causadas por esofagite de refl uxo, e a concordância interobservador para o diagnóstico de displasia de baixo grau pode ser inferior a 50%. A con- cordância interobservador é melhor (aproximadamente 85%) para displasia de alto grau, mas não há discordân- cia substancial entre patologistas na distinção entre displasia de alto grau e carcinoma intramucoso. Muitos patologistas usam com frequência o ter- mo “indefi nido para displasia” quando uma displa- sia verdadeira não pode ser seguramente diferencia- da de mudanças reativas na presença de infl amação esofágica. Apesar de a fatla de maturação da superfície ser normalmente considerada um aspecto cardinal da displa- sia, este fato tem sido recentemente discutido. Marcadores imuno-histoquímicos adjuntos (p. ex., antígeno de prolife- ração nuclear [PCNA] e Ki67, ciclina D1 e TP53) têm sido usados para melhorar a acurácia no diagnóstico de displa- sia nesse contexto. Displasia e esôfago de Barrett Displasia de baixo grau Displasia de alto grau Arquitetura de criptas Preservada Distorcida, ramifi cada Brotamento lateral Glândulas costa a costa Displasia e esôfago de Barrett (cont.) Núcleo Estratifi cado próximo da base Estratifi cado na superfície apical Aumentado Perda de polaridade Hipercromático Hipercromático Aumentados e comprimidos Forma e tamanho variados Anormalidades Na superfície mucosa Na superfície mucosa Tabela 5.2 Os estudos confi rmam que a grande maioria dos pacientes com displasia de baixo grau (de 75 a 92%) não desenvolve displasia de alto grau ou câncer. Para se decidir se esses pacientes devem ser seguidos mais frequentemente ou não, seria aconse- lhável que as biópsias fossem revistas por dois patolo- gistas experientes. A frequência de displasia de alto grau e carcinoma é da ordem de 8 a 73%, com a média de 39%. Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 201568 Tratamento A doença necessita de tratamento agressivo, pois denota DRGE grave. Deve-se obter controle efetivo do refluxo, com cirurgia ou altas doses de IBP. A cirurgia parece proporcionar melhor controle do refluxo, além de prevenir também o refluxo de sais biliares, que aparentam estar envolvidos na gênese e progressão da displa- sia do esôfago de Barrett. Esta é, portanto, a melhor opção de tratamento.Diversos tipos de tratamento endoscópicos, que visam remover o epitélio metaplásico do esôfago distal, estão sendo desenvolvidos, alguns com resultados promissores, porém todos ainda são experimentais. O acompanhamento dos portadores de esôfago de Barrett também deve ser diferenciado, mesmo nos casos operados, obrigando a realização de controles endoscópicos com biópsia da mucosa de forma perene. A presença de displasia na mucosa do esôfago de Barrett deve ser pesquisada, pois altera decisões de conduta e acompanhamento. A displasia traduz mais um passo no caminho da carcinogênese e deve ser agressivamente tratada e acompanhada. Na displasia de baixo grau, o tratamento cirúr- gico por operação antirrefluxo (fundoplicatura, por exemplo) impõe-se, pois é o único método que, ain- da que raramente, mostrou regressão da displasia e parece impedir a progressão para o adenocarcinoma. A displasia de alto grau deve ser considerada como carcinoma in situ e, assim, tratada como câncer do esôfago, devendo ser indicada esofa- gectomia. Tal conduta apoia-se no fato de alguns autores encontrarem em porcentagem não desprezí- vel presença de carcinoma invasivo em peças de eso- fagectomia de pacientes com apenas displasia de alto grau na biópsia endoscópica. Ainda permanece as controvérsias a respeito dos benefícios da cirurgia antirrefluxo para os pacientes com EB. Há um grupo que defende o tratamento clínico agressivo e controle endoscópico criterioso (Figura 5.3) justificando que após um procedimento antirrefluxo, o controle adequado endoscópico pode escapar um adeno- carcinoma em um segmento oculto do esôfago de Barret. O grupo a favor da cirurgia justifica a indicação ressaltando que o tratamento clínico e controle en- doscópico criteriosos podem ser eficazes em tratar as queixas clínicas, mas são falhas em corrigir a etiopato- genia da DRGE (relaxamento transitório e inadequado do EEI que ocasiona o refluxo levando à transforma- ção metaplásica da mucosa esofágica inferior) e que só a cirurgia é capaz de restaurar a barreira antirrefluxo. Vários estudos têm demonstrado que a cirurgia é efi- caz em regredir a metaplasia intestinal para mucosa normal em até 75% dos casos e que o procedimento cirúrgico acelera a regressão da DBG para metaplasia intestinal ou EB. Figura 5.2 Sequência mutagênica da DRGE. 5 Esôfago de Barrett 69 Em relação à DAG há duas opções para o tra- tamento: esofagectomia e terapia ablativa. A esofagec- tomia subtotal através de uma abordagem trans- -hital é o procedimento de escolha e dispensa a linfadeectomia na ausência de lesão visceral na endoscopia. A anastomose esofagogástrica é feita pre- ferencialmente na região cervical para diminuir a reinci- dência de EB no esôfago residual. As técnicas minima- mente invasivas, como as que preservam o nervo vago, são cada vez mais aplicadas. Em caso de lesão visível na mucosa, a frequência de tumor submucoso é efetuada, e o risco de metástases linfáticas é de 66%, havendo por- tanto, indicação de esofagectomia e linfadenectomia. A terapia ablativa fotodinâmica (PDT: Photody- namic Th erapy) é o metodo ablativo mais utilizado. As complicações mais comuns são, persistência da meta- plasia (50% ou mais) e estenose esofágica (34%). A mucosectomia ou ressecção endoscópica mu- cosa (REM) tem ganhado destaque nas seguintes si- tuações: EB com DBG, como método diagnóstico para excluir câncer em um foco de EB com DAG e que não são candidatos à ressecção esofágica. Não deve ser aplicada aos pacientes com EB com segmento longo devido a alta taxa de estenose que ocorre após ressecções extensas. Epitélio colunar esofágico visível à endoscopia Biópsias: metaplasia intestinal com células caliciforme ESÔFAGO DE BARRETT ACA inicial DAG DBG Sem Displasia Reendoscopia DAG Apto para cirurgia Inapto para cirurgia Terapia ablativa Esofagectomia DBG DBG Acompanhamento a cada 1 ano Acompanhamento a cada 3 meses (rígido) Reendoscopia 6 meses Reendoscopia 6 meses Sem Displasia Acompanhamento a cada 2-3 anos Reendoscopia 1 ano Figura 5.3 Manejo no esôfago de Barret. EDA: endoscopia digestiva alta. Mucosectomia As mucosectomias são potencialmente curativas para lesões neoplásicas superfi ciais sem comprometi- mento ganglionar ou metástases a distância. A ultras- sonografi a endoscópica pode também ser utilizada na seleção dos casos para avaliar a profundidade de inva- são tumoral e o comprometimento ganglionar, assim como para punções e biópsias aspirativas com agulhas fi nas (FNA - Fine Needle Aspiration). Vantagens da mucosectomia A grande vantagem da mucosectomia (ressecção endoscópica da mucosa – REM) sobre os outros mé- todos de ablação é a obtenção do tecido para análise histopatológica, com adequado estudo do tumor em sua expansão lateral e vertical. Se o câncer invade a submucosa ou os vasos linfá- ticos, o paciente deve ser submetido à esofagectomia com esvaziamento ganglionar. Em geral, a mucosec- tomia permite a ressecção de toda a mucosa, da mus- cular da mucosa e de grande parte da submucosa. Os grandes problemas são a multicentricidade das lesões e o epitélio colunar remanescente, porém hoje já se realizam ressecções endoscópicas circunferenciais de todo o epitélio colunar no esôfago. Critérios para indicações de mucosectomia esofágica Os critérios sugeridos para neoplasias esofágicas apropriadas para mucosectomias incluem: 1. lesões com até 2 cm de diâmetro; 2. envolvimento de menos do que 1/3 da circunferência esofágica; 3. lesão limita- da à mucosa ao exame ultrassonográfi co endoscópico e confi rmado histologicamente; 4. lesão não ulcerada; 5) macroscopicamente tipos I, IIa, IIb e IIc. Indicações de mucosectomias: neoplasias em Barrett 1. Lesões com até 2 cm de diâmetro 2. Envolvimento de menos de 1/3 da circunferência esofágica 3. Lesão limitada à mucosa ao exame ultrassonográfco endoscó- pico e confi rmado histologicamente 4. Lesão não ulcerada 5. Macroscopicamente tipos I, IIa, IIb e IIc Tabela 5.3 Ressecção endoscópica da mucosa (REM) e Terapêutica fotodinâmica (TFD) A combinação dessas duas técnicas tem apresenta- do resultados também atrativos e representa mais uma opção no tratamento das DAG ou dos adenocarcinomas precoces em esôfago de Barrett em pacientes sem con- dições clínicas adequadas para as esofagectomias. Recentemente, foram relatados mais de 250 ca- sos submetidos a tratamento com mucosectomias com ou sem TFD ou CPA (coagulador de plasma de argônio). A remissão completa foi obtida com altos ín- dices de cura (de 80 a 98%), sem mortalidade. Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 201570 O princípio da ablação da mucosa implica a erradicação do epitélio de Barrett por meio de terapia fotodi- nâmica, coagulação bipolar, laser ou plasma de argônio, com posterior reepitelização por mucosa escamosa e prevenção da progressão da doença. Nos casos de neoplasia intraepitelial de alto grau e adenocarcinoma invasivo intramucoso, a terapia fotodi- nâmica com ácido 5-aminolevulínico tem sido aplicada com sucesso. Entretanto, lesões com maior profundidade de invasão (submucosas ou mais profundas) não foram erradicadas. É importante considerar, destarte, que os progressos com novos equipamentos de fototerapia e sensibilizan- tes permitirão melhor controle da liberação de energia e, em consequência, melhor manejo da profundidade de ablação e menor número de aplicações. A ablação com coagulador de plasma de argônio erradica neoplasia intraepitelial de baixo e alto grau; entre- tanto, restos de epitélio glandular podem permanecer sob o epitélio escamoso neoformado, e o desenvolvimento de câncer foi descrito após a ablação. Atualmente, a ablação térmica tem sido relegada às situações nas quais a mucosectomia é de difícil realização técnica ou na complementação de margens de ressecção. ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA Capítulo 2 Capítulo Hérnia de Hiato 6 Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT ResidênciaMédica - 201572 Introdução A hérnia hiatal é a protrusão de um órgão, normal- mente o estômago, a partir do abdome através do hiato esofágico, para dentro do mediastino e do tórax. É a anormalidade mais diagnosticada por esofago- grama nos EUA, sendo estimado que 10% da população americana sejam portadores de hérnia hiatal. Dos do- entes com hérnia hiatal, 5% têm refluxo. As hérnias por deslizamento, ou do tipo I, são sete vezes mais comuns do que as hérnias pa- raesofágicas. Dos cerca de 15% de todas as hérnias de hiato que são paraesofágicas, mais de 86% são conside- rados como mistos ou do tipo III, e de 3,5-14% são do tipo II. As mulheres são de duas a quatro vezes mais suscetíveis a desenvolver uma hérnia paraesofágica do que os homens. Classificação Hérnia de hiato de deslizamento (tipo I): a JGE NÃO está no nível do hiato diafragmático; assim, o cárdia migra entre o mediastino posterior e a cavida- de peritonial. Hérnia de hiato paraesofageana ou de rola- mento (tipo II): a JGE fica no nível do hiato diafrag- mático pelo ligamento frenoesofágico. A JGE está no nível abdominal, mas o defeito no hiato esofágico é grande e permite que vísceras migrem para o mediastino. A pressão negativa torácica na ins- piração facilita esse processo. O mais comum de migrar é o fundo do estômago, mas o cólon e o baço ocasional- mente são descritos. A hérnia hiatal mista ou TIPO III é uma com- binação das duas acima. Hérnia hiatal TIPO IV ocorre quando há a pre- sença de outro órgão abdominal ao lado do estômago herniado. O cólon, o intestino delgado, o baço e o pâncre- as, junto com o estômago, podem ser encontrados dentro do grande saco herniário. O ligamento frenoesofágico é a continuação da fás- cia endoabdominal, que se reflete no esôfago, e é ele que mantém o esôfago no seu lugar. Embora a presença de uma pequena hérnia de deslizamento não implique ne- cessariamente em cárdia incompetente, quanto maior a hérnia, maior o risco de refluxo GE. Aliás, a hérnia hiatal de deslizamento está associada ao refluxo, enquanto as hérnias mistas frequentemente produzem plenitude gás- trica, queimação retroesternal e disfagia leve. A presença de hérnia diafragmática não é sufi- ciente por si só para estabelecer diagnóstico de refluxo GE. Da mesma maneira, ter hérnia hiatal isoladamen- te não implica tratamento cirúrgico de imediato. A maioria dos pacientes com hérnia hiatal é as- sintomática e não requer qualquer tratamento. Tipo I (H1) Figura 6.1 A hérnia por deslizamento é definida como aquela em que uma víscera faz parte da parede do saco herniário. É chamada hérnia hiatal tipo I. Nas hérnias tipo II, a JGE e o ligamento frenoe- sofágico são mantidos em posição normal, mas existe a protrusão de um saco peritonial, através do hiato para dentro do mediastino posterior ao lado do esôfago. O fundo do estômago e, em algumas vezes, o corpo e o an- tro ascendem através deste defeito para se situar em uma posição paraesofágica. Essas hérnias tipo II puras, com um estômago de cabeça para baixo, são muito incomuns, representando aproximadamente 2% de todas hérnias. A cirurgia é sempre indicada para prevenir estran- gulamento, gangrena, volvo e perfuração. Tipo II (H2) Figura 6.2 Hérnia de hiato tipo II. As hérnias tipo III são a combinação de uma hérnia por deslizamento + rolamento (Tipo I e II). A JGE está na cavidade torácica, e essa entidade pro- vavelmente representa a evolução de um hiato alar- gado, com aumento no tamanho de uma hérnia, ini- cialmente por deslizamento, ou uma paraesofageana. 6 Hérnia de hiato 73 Os pacientes são, via de regra, obesos. Essas hérnias comportam-se como hérnias tipo II e, assim, devem ser operadas quando do diagnóstico. Tipo III (H3) Figura 6.3 Hérnia de hiato tipo III. As hérnias tipo IV (para muitos, esta fi ca in- cluída na de tipo III) são hérnias hiatais grandes com a presença de outro órgão abdominal ao lado do es- tômago herniado. O cólon, o intestino delgado, o baço e o pâncreas, junto com o estômago, podem ser encon- trados dentro do grande saco herniário. O exame radiológico documenta as alterações da mucosa e as complicações da parede esofágica presen- tes com a doença do refl uxo. A cirurgia deve ser reali- zada precocemente. Tipo IV (H4) Figura 6.4 Hérnia de hiato tipo IV. Quadro clínico A clássica tríade sintomática de disfagia, dor no peito e de regurgitação em um paciente mais velho sugere o diagnóstico de uma hérnia parae- sofágica. Entretanto, os sintomas podem variar muito. Em uma série de 56 pacientes, os sintomas mais comuns foram a regurgitação (77%), a azia ou queimação retroesternal (60%) e a disfagia (60%). Outros sintomas foram dor torácica (52%), pro- blemas pulmonares (44%), náuseas ou vômitos (35%), hemorragias (17%), saciedade precoce (8%) e vólvulo gástrico (3%). Alguns pacientes são assintomáticos e a hérnia pode ser descoberta em uma radiografi a do tórax ou em uma endoscopia. Em pacientes assintomáticos, o estômago pode livremente sofrer uma herniação e, pos- teriormente, uma redução, devido a um hiato de grande abertura. O questionamento direto poderá revelar al- guns sintomas de menor importância. Mesmo na pre- sença de uma ampla porção intratorácica do estômago, muitos pacientes se manterão assintomáticos. Embora a regurgitação seja o sintoma mais comum em pacientes com hérnias paraesofági- cas, isso também é comumente visto em pacien- tes portadores da doença do refl uxo gastroeso- fágico. A disfagia também não é elemento conclusivo de diagnóstico, porque ela é comum em pacientes por- tadores da doença do refl uxo, quando associado a uma estenose. A disfagia ocorre em decorrência de uma compressão da porção inferior do esôfa- go, exercida pela porção adjacente do estômago. Ela também pode ocorrer de modo secundário a uma torção do esôfago, quando o estômago sofre a hernia- ção para o interior do tórax, e, deste modo, poderá ser intermitente, resolvendo-se quando o estômago so- frer uma redução desta hérnia. Também podem estar presentes sintomas não específi cos, como náuseas ou ânsias de vômito. A azia usualmente está presente apenas se houver uma incompetência no EEI. Mais raramente, pacientes com uma pressão normal no EEI podem desenvolver sintomas quando a pressão for elevada até a porção torácica de uma hérnia, superando a pressão do EEI. Em pacientes com hérnias paraesofágicas, também podem ocorrer sintomas respiratórios. Pode ocor- rer uma dispneia secundária à perda do volume intratoráci- co, causada por uma ampla hérnia de hiato ou tosse secun- dária à aspiração, e isso pode resultar no desenvolvimento de pneumonia ou de bronquite recidivante. A incidência de anemia por defi ciência crôni- ca de ferro foi relatada apresentando valores tão altos quanto cerca de 38%, o que é bem mais alto do que se acreditava previamente. A maioria dos pa- cientes com defi ciência de ferro não está consciente do seu problema até que experimente os sintomas, como palidez, palpitações ou dispneia por esforço. Usualmente, não existem evidências diretas de he- morragias gastrointestinais. Um estômago que tenha so- frido uma torção e permaneça encarcerado no tórax po- derá sofrer um estrangulamento. Isso poderá resultar em isquemia com hemorragia e necrose. A obstrução venosa no hiato, causada por uma hérnia encarcerada, poderá re- sultar em uma dilatação venosa, ingurgitação e em uma circulação venosa cronicamente mais lenta, a qual poderá levar a uma anemia crônica. Uma úlcera gástrica, no pon- to de constrição da hérnia no hiato, é chamada de úlcera de Cameron. Ela ocorre geralmente de modo secundário à fricção do estômago contra o hiato esofágico, quando o estômago se move para dentro e para fora do tórax, de acordo com a respiração. Estas úlceras podem levar a he- morragias e a anemias crônicas. Elas não estão relaciona- das à doença da úlcera péptica, embora as úlceras pépticas já tenham sido reconhecidas como ocorrentes em um es- tômagoencarcerado. Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 201574 Até cerca de 20% dos pacientes podem apre- sentar um quadro de emergência cirúrgica. Quan- do o paciente se apresentar com sintomas contínuos e severos, na presença de uma hemorragia, poderá estar sofrendo um estrangulamento agudo. Um vólvulo gástrico poderá estar presente com sintomas de obstrução total e de pneumonia secundária à aspiração. Uma eventual perfuração resultará em sinais de peritonite, e uma radiografia de tórax irá indicar a presença de ar livre. Nessa situação, está indicada a cirurgia em quadro de emergência, que está associada a uma taxa de mortalidade de 17%. Na presença de necrose e de perfuração gástrica, os pacien- tes poderão desenvolver um quadro de septicemia e de choque. Nessa situação, a taxa de mortalidade pode che- gar a apresentar valores tão altos quanto 50%. Um fator que contribuiu para esta elevada taxa de mortalidade é a alta incidência de comorbidades nesta população de pacientes. Essa é a razão pela qual a cirurgia em caráter eletivo havia sido previamente recomendada para to- dos os pacientes portadores de hérnias paraesofágicas. Tríade de Saint: hérnia hiatal, diverticulose colônica e co- lelitíase. Diagnóstico A radiografia simples de tórax ou tomografia pode evidenciar a hérnia no mediastino posterior, atrás do coração. A radiografia contrastada do esôfa- go é o exame mais preciso para o diagnóstico. A en- doscopia é importante para determinar a presença de esofagite de refluxo. A manometria do esôfago é de baixa precisão nos pacientes com hérnia de hiato grande porque as alterações da motilidade do esôfago frequentemente observadas são provocadas por obs- trução do estômago ou do esôfago pela herniação, e não por alteração primária da motilidade esofágica. Figura 6.5 Radiografias de tórax, uma anteroposterior (A) e uma la- teral (B), mostrando o estômago em posição intratorácica. Figura 6.6 Hérnia hiatal tipo 1. A junção esofagogástrica (seta) se desloca para o tórax. Figura 6.7 Hérnia hiatal tipo 2. A junção esofagogástrica (seta) per- manece na posição normal. 6 Hérnia de hiato 75 Figura 6.8 Hérnia mista tipo 3. A junção, o fundo e o corpo gástrico estão no tórax (A). TC de outro paciente com hérnia hiatal tipo 3 (B). Tratamento Quando a hérnia hiatal de deslizamento e a presença de refl uxo estão bem documentadas, o tra- tamento clínico é a primeira conduta, com o objetivo de controlar os sintomas e as lesões decorrentes. Hér- nias assintomáticas não requerem tratamento, exceto o tipo II. Modifi cação do estilo de vida Proteção da mu- cosa esofágica Melhora da fun- ção esofágica Redução de peso; dieta: aumento de proteínas, redu- ção de gorduras e açúcar. Antiácidos, agen- tes citoprotetores; antagonistas dos receptores H2; inibidores da bom- ba de prótons. *Cisaprida; Metopropamida; Betanecol; Gástrica; Domperidona; Metoclopramida. Tabela 6.1 *Restrição atual ao uso de cisaprida como procinético, vis- to a sua relação com risco cardiovascular. Tratamento cirúrgico – Indicações Pelo elevado risco de complicações, pacien- tes com hérnia paraesofágica (tipo II) devem ser submetidos a reparo cirúrgico eletivo, mesmo que idosos e assintomáticos, a menos que apre- sentem contraindicações médicas. O tratamento cirúrgico da hérnia hiatal de des- lizamento (tipo I) fi ca a critério da presença de mani- festações da DRGE. Laparoscopia As vantagens da técnica laparoscópica incluem as incisões menores, uma mínima perda sanguínea e menor perda de fl uido para o terceiro espaço devido ao acúmulo de fl uidos. Há uma recuperação mais rá- pida da cirurgia, a duração do período de internação hospitalar é curta, o retorno às atividades normais é mais rápido, e os pacientes fi cam satisfeitos com os resultados estéticos. Uma vantagem adicional da cirurgia realizada por via laparoscópica, quando comparada com a ci- rurgia realizada em campo aberto, é a melhor visi- bilidade do campo operatório, que é possível com o uso do laparoscópio. O hiato esofágico é uma área que normalmente é difícil de ser visualizada adequadamente, quando da re- alização de uma cirurgia em campo aberto. A magnifi ca- ção permite que o cirurgião possa visualizar os planos teciduais entre o esôfago e as cruras diafragmáticas. O ângulo existente no laparoscópio permite uma visão direta do saco da hérnia de hiato, quando esse estiver localizado em uma posição intratorácica. E isso nem sempre é possível quando da realização de uma ci- rurgia em um campo aberto. Os excelentes resultados e as baixas taxas de mor- bidade e de mortalidade se tornam mais signifi cativos, particularmente em pacientes mais velhos, que não tolerariam bem uma toracotomia ou laparotomia, mas que podem tolerar um procedimento cirúrgico por via laparoscópica. Uma toracotomia pode estar indicada se existir a possibilidade de um signifi cativo encurtamen- to esofágico ou se existir uma contraindicação a alguma abordagem minimamente invasiva. O tratamento cirúrgico consiste na excisão do saco herniário, redução dos órgãos encarcerados e fe- chamento do hiato esofágico. O uso de telas pode ser necessário e um procedimento antirrefl uxo deve ser adicionado de rotina. ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA Capítulo 2 Capítulo Trauma (Perfuração) e Fístula do Esôfago 7 ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA Introdução As lesões traumáticas do esôfago apresentam baixa prevalência, porém, alto índice de letalida- de principalmente quando seu diagnóstico é tardio. A localização anatômica do esôfago, conferindo-lhe proteção aos agravos externos, justifi ca a pequena in- cidência das perfurações desse órgão. Em 6.000 lesões torácicas de grande porte observadas durante a segunda guerra mundial, Co- réia e Vietnam, foram diagnosticadas somente 18 lesões esofagianas. A causa mais comum de perfuração esofágica é a perfuração iatrogênica secundária a procedi- mentos endoscópicos diagnósticos e terapêuticos. Outras etiologias são ruptura espontânea, trauma, in- gestão de corpo estranho e, mais raramente, tumores, ingestão de substâncias cáusticas, esofagite severa, lesão por medicamento retido e intubação endotraqueal difícil. Existe uma relação direta entre mortalidade e tempo transcorrido entre o momento da per- furação e o diagnóstico. A mortalidade de 10% a 25% é encontrada quando o tratamento é insti- tuído nas primeiras 24 horas e chega a 40 a 60% quando o tratamento é realizado após as 24 horas. O esôfago cervical é a região mais frequen- temente comprometida, com cerca de 70% das lesões. As lesões cervicais geralmente apresentam me- lhor evolução, já que as secreções que extravasam fi cam localizadas e bloqueadas pelas estruturas vizinhas, mas podem se agravar quando há lesões associadas de ou- tros órgãos, ou o diagnóstico é feito tardiamente. Os ferimentos penetrantes do tórax lesam o esôfago torácico em 0,5% a 2% dos casos. As lesões dessa porção têm o prognóstico agravado devido à facilidade de conta- minação do mediastino e cavidade pleural. A perfuração do esôfago abdominal drena livremente para a cavidade abdominal gerando peritonite, com prognóstico ruim. Perfuração iatrogênica A endoscopia diagnóstica ou terapêutica é a cau- sa mais frequente de perfuração esofágica, sendo similar quando se usa fi bra fl exível ou endoscópio rígi- do de 0,074 e 0,09%, respectivamente. O terço pro- ximal do esôfago é o local onde mais comumen- te ocorrem as perfurações, visto que a constrição representada pelo músculo cricofaríngeo difi culta a introdução dos aparelhos, em especial quando intro- duzidos às cegas. O segundo local onde mais co- mumente ocorre a perfuração é a região do seg- mento inferior (toracoabdominal), sendo em média de 0,018 a 0,093% quando se usa fi bra ótica e de 0,1 a 0,5% quando se usam instrumentos rígidos. Perfuração não iatrogênica Em geral, secundária a traumatismos, acidentes por arma branca ouarma de fogo e ingestão acidental ou proposital de corpos estranhos. Os corpos estra- nhos mais comuns são ossos, espinhas de peixe e pró- teses dentárias. Outros objetos metálicos ou plásticos eventualmente podem ser engolidos e lesar a parede esofágica. Nesse grupo, também podem ser incluídas as ingestões de ácidos, álcalis e outros produtos quími- cos cáusticos, ingeridos propositalmente em tentativa de suicídio, que, quando em grande quantidade, lesam agudamente o órgão e causam perfuração. Causas de perfuração do esôfago Iatrogênicas Endoscopio- terapêutica Aparelhos rígidos Aparelhos fl exíveis Dilatação de estenose Dilatação do cárdia Colocação de prótese Esclerose de varizes Vagotomios Cirurgias do cárdia Balões hemostáticos Intubação traqueal Monitoramento endoscópico Sonda nasogástrica Não iatrogênicas Ferimento penetrante Acidente com trauma torácico Corpos estranhos Ingestão de cáusticos e ácidos Rotura espontânea Tabela 7.1 Patogenia A causa mais comum dos ferimentos do esô- fago é a iatrogênica, resultado de exames realizados em pacientes normais ou mais comumente em doentes com divertículos do esôfago, difi culdades na intubação, hipertrofi a cricofaríngea, mucosa esofagiana infl amada e friável, estenoses, hérnias e neoplasias. As iatrogenias mais comuns são resultantes de tra- tamento de doenças preexistentes, como estenoses cáus- ticas, acalasia do cárdia, uso de balão para tamponamento de varizes de esôfago com hemorragia, esclerose de vari- zes, introdução de próteses e cirurgias realizadas para tra- tamento de doenças na região do esôfago distal. Também ocorrem perfurações traumáticas por arma de fogo, arma branca, corpos estranhos, próteses dentárias e traumatismos diretos em acidentes auto- mobilísticos. As perfurações espontâneas (síndrome de Boerhaave, em homenagem a Hermann Bo- erhaave o primeiro a descrever esta síndrome), observadas em 90 a 95% no esôfago distal, são decor- rentes do aumento súbito da pressão barométrica in- traesofágica, gerado pelo esforço do vômito contra o esfíncter superior fechado. 7 Trauma (perfuração) e fístula do esôfago 77 Quadro clínico As manifestações clínicas de perfuração esofági- ca dependem do local da perfuração e da sua extensão e do tempo decorrido até o seu diagnóstico. A dor cervical, o aumento de volume, evidência de sinais inflamatórios e enfisema subcutâneo evidenciado por crepitação cervical são manifestações frequentes das perfurações cervicais. A dor torácica, a odinofagia e os sintomas de per- furação na cavidade pleural, como dispneia e cianose, predominam nas perfurações do esôfago torácico. A ausculta da região precordial pode evidenciar a pre- sença de ar no mediastino (sinal de Hamman), que se caracteriza por atrito com cada batimento cardíaco enquanto o paciente prende a respiração. A presença de crepitação cervical, devido à dissecção de ar para essa região, pode também estar presente. Estertores, macicez das bases pulmonares e diminuição do mur- múrio vesicular sugestivos de derrame pleural são fre- quentes. A dor epigástrica e outros sintomas e sinais de peritonite ocorrem nas perfurações do esôfago intra- -abdominal. Além disso, febre, taquicardia, dispneia, hipoten- são, sinais de choque e de sepse podem ocorrer nas per- furações de qualquer segmento do esôfago. Diagnóstico O diagnóstico precoce da perfuração do esôfago é a meta mais importante a ser perseguida, e, dessa forma, não se deve confiar absolutamente apenas nas informa- ções clínicas, nos sinais e sintomas. Esses podem sugerir o diagnóstico em 80% dos casos, e os demais exigem a realização de exames complementares de diagnóstico. O reconhecimento dessas lesões requer alto índice de suspeita, evitando assim passar despercebida uma le- são com alta potencialidade de risco. Em especial, essa preocupação deve estar presente quando ocorre ruptura espontânea, na qual, em mais de 50% das vezes, o diag- nóstico costuma ser tardio. Exames complementares Diante da suspeita clínica de perfuração esofá- gica, três exames complementares importantes de- vem ser realizados o mais breve possível. O exame radiológico simples do tórax, nas posições ante- roposterior e perfil, já pode mostrar a presença de ar no mediastino ou subcutâneo, derrame pleural, pneu- motórax, infiltrado broncopneumônico, bem como a presença de níveis líquidos, localizando áreas de abs- cesso. A endoscopia digestiva alta, utilizando en- doscópios flexíveis, tem se mostrado muito útil, já que poderá mostrar a solução de continuidade da mucosa ou da parede esofágica, a extensão e a localização da perfuração. O diagnóstico definitivo é obtido com a radiogra- fia contrastada do esôfago, que evidencia o extrava- samento do contraste ingerido por via oral, existindo controvérsias em relação ao melhor meio de contraste a ser utilizado, se hidrossolúvel ou baritado. Qualquer um deles fornece o diagnóstico e define o local exato da perfuração, sendo, porém, mais preciso quando se uti- liza o contraste baritado. O bário é inerte no tórax mas causa peritonite na cavidade abdominal; a urografina se aspirada pode causar grave pneumonite. A tomografia computadorizada do tórax empregando contraste via oral e endovenoso é o exame mais moderno capaz de mostrar o grau e a extensão da mediastinite, abscessos, derrame pleural e o comprometimento pulmonar. Do mes- mo modo, se a perfuração for no segmento abdominal, evidenciará coleções intraperitoneais, líquido livre na cavidade e sinais de peritonite. Na análise do líquido pleural destaca-se: leucoci- tose e elevação da amilase, elevada 1, 5 a 9 vezes em relação ao valor da amilase sérica. Evolução e complicações A evolução e as complicações das perfurações do esôfago estão na dependência do: 1) Tempo decorrido entre o ferimento e a conduta; 2) Local onde ocorreu a perfuração; 3) Agente causador de perfuração; 4) Esôfago ser normal ou doente; 5) Estado geral e condições clínicas do doente. 1) Tempo decorrido entre o ferimento e a con- duta: os pacientes tratados nas primeiras 24 horas do início da perfuração apresentam baixo índice de complicação local (abscessos-fístula-empiema) e gerais (pneumonia, atelectasia, insuficiência respiratória). A ocorrência de possível fístula pós-tratamento nesse pe- ríodo é de 24 a 30%, podendo chegar a 75%, quando a conduta for tardia. A mortalidade é de 11 a 12% nas primeiras 24 horas de tratamento, e de 26 a 60% após as 24 horas; 2) Local onde ocorreu a perfuração: os feri- mentos cervicais são suspeitados mais precocemente, e a conduta é estabelecida em curto intervalo de tem- Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 201578 po, reduzindo as complicações e a mortalidade. Nos diagnosticados tardiamente, ocorre a formação de abscessos com sepse que requerem drenagem acom- panhada da formação de fístulas. Nessas condições, as fístulas resolvem-se espontaneamente sem a ne- cessidade de outra cirurgia. Os doentes que tiverem perfuração torácica ou abdominal diagnosticada e tratada precocemente apresentam mortalidade de 19 a 20%, chegando a 30 e 50% após 24 e 48 horas, res- pectivamente. A morbidade é também crescente para esse grupo de ferimentos e é imputada às fi stulas, às atelectasias, aos abscessos etc.; 3) Causa geradora da perfuração: as perfura- ções por objetos penetrantes e transfi xantes são diag- nosticadas precocemente, e, portanto, as complicações são menores. Entretanto, as perfurações espontâneas, dada a extensa da sintomatologia, ensejam diagnós- ticos diferenciais que retardam a conduta defi nitiva, aumentando assim a morbidade e a mortalidade; 4) Esôfago normal ou doente: as perfu- rações que ocorrem em esôfago normal, em geral quando suturadas, têm melhor possibilidade de cicatrização e frequência menor de fístulas e deis- cências. Entretanto, perfurações que ocorrem em esôfagos doentes, por exemplo, com sequelas de esofagites cáusticas, com esofagites de refluxo graves e megaesôfagoou acalasia, têm maior pro- babilidade de evoluírem com deiscências, fístulas e formação de coleções intracavitárias; 5) Estado geral e condições clínicas do doen- te: perfurações que ocorrem em doentes debilitados, desnutridos, emagrecidos, com o estado geral compro- metido ou com outras doenças associadas, tais como pneumopatias crônicas, hepatopatias crônicas, diabe- te, cardiopatias, doenças neoplásicas e degenerativas, se constituem de elevada gravidade, tendo morbidade e mortalidade importantes em comparação às perfura- ções que ocorrem em doentes saudáveis. Nos doentes idosos, a complicação também tende a ser mais grave que nos jovens. Tratamento O tratamento cirúrgico não está indicado para todos os pacientes com perfuração do esôfago, pois a conduta terapêutica depende de diversos fatores – estabilidade do paciente, extensão da contaminação, grau de infl amação, doença esofágica subjacente e lo- calização da perfuração. A variável decisiva para determinar o tratamento cirúrgico de uma perfuração esofágica é o grau de infl a- mação que circunda a perfuração. Quando os pacientes se apresentam nas 24 horas iniciais da perfuração, a infl a- mação é geralmente mínima, e o reparo cirúrgico primá- rio é recomendado. Com o tempo, a infl amação progride, e os tecidos tornam-se friáveis e podem não ser recepti- vos ao reparo primário. O denominado período-ouro para fechamento primário de uma perfuração eso- fágica situa-se entre as primeiras 24 horas. O manejo terapêutico nas perfurações esofágicas ainda é um desafi o para os cirurgiões, mas indepen- dente da modalidade de tratamento, os objetivos se- rão controlar o processo infeccioso, manter o estado nutricional do paciente e restaurar a integridade do trato digestivo. O emprego do tratamento conservador não é fácil de ser defi nido. Na fase inicial é difícil prever quando os efeitos da perfuração se manterão limitados ou evolui- rão para um quadro de mediastinite, empiema pleural ou sepse. A experiência do cirurgião é fundamental na seleção criteriosa dos pacientes para tratamento con- servador. A indicação desse tratamento pode ser feita em pacientes com perfuração cervical ou torácica cli- nicamente estáveis e sem sintomas ou sinais de septi- cemia; pacientes com perfuração bem delimitada, com diagnóstico precoce ou tardio, bloqueado ao mediastino ou loculado na cavidade pleural; pacientes com mínima sintomatologia e casos de perfuração pequena que dre- nem para a própria luz do esôfago. Não se trata con- servadoramente a perfuração abdominal. Os pacientes que se enquadram ao tratamento conservador devem ser conduzidos clinicamente com restrição completa de alimentação via oral, manutenção do aporte nutricional com dieta enteral ou parenteral, antibioticoterapia de amplo espectro (cobertura para aeróbios e anaeróbios) e monitorização intensiva com acompanhamento ra- diológico e por um cirurgião experiente. Quanto ao tratamento cirúrgico, o padrão é a reparação primária da lesão. No caso de lesões cer- vicais simples, esofagorrafi a e drenagem da re- gião estão indicadas. Em ocasiões onde há rápida progressão da lesão cervical com contaminação do mediastino superior, levando a mediastinite, além da drenagem cervical está indicada ampla drenagem do mediastino através de toracotomia. Quando há falha do reparo primário ou quando um quadro de mediastinite já está instalado, existem alternativas terapêuticas como a irrigação transesofá- gica e a drenagem esofagocutânea. A proposta da irrigação consiste em uma lavagem contínua do mediastino através de sonda posicionada via oral, com drenagem sendo feita por dreno toráci- co conectado a um sistema de aspiração. A drenagem esofagocutânea trata-se da colocação de um tubo em “T” através da perfuração, criando uma fístula orien- tada, além de uma sonda nasogástrica, para drenar o estômago e evitar deslocamento do tubo. Essas condu- tas são pouco utilizadas, mas com algumas citações de bons resultados na literatura. 7 Trauma (perfuração) e fístula do esôfago 79 As lesões esofágicas torácicas quando aco- metem os dois terços proximais, a abordagem cirúrgica deve ser feita através de toracotomia direita, e quando atingem o terço distal através de toracotomia esquerda. Todo o tecido desvitali- zado do mediastino e do esôfago deve ser debridado. O reparo primário da lesão pode ser reforçado por te- cido vascularizado como retalho de pleura, músculos intercostais, musculatura da parede torácica, gordu- ra pericárdica, fundo gástrico e omento. O reforço da sutura primária é defendido por muitos autores com o argumento de que esse retalho pode evitar o vaza- mento ou bloquear o trajeto de uma possível fístula que venha a aparecer , diminuindo a morbi-mortali- dade da perfuração esofágica. Lesões esofágicas com áreas de necrose extensa, com presença de doença prévia como carcinoma, me- gaesôfago ou estenose severa e quando a etiologia da lesão for ingestão de cáusticos está indicada a esofa- gectomia. A reconstrução do trato digestivo pode ser feita com o estômago no mesmo tempo cirúrgico ou com o cólon, em um segundo tempo. Em casos mais complexos, onde é feita esôfago-gastrectomia, a opção de reconstrução é o cólon relatou uma mortalidade de 13% em casos manejados com esofagectomia contra 68% em pacientes submetidos a tratamento conven- cional nas situações acima selecionadas. A perfuração do esôfago abdominal deve ser tratada por rafia primária da lesão, com um reforço da sutura com o fundo gástrico e a con- fecção de uma válvula antirrefluxo, utilizando- -se preferencialmente a técnica de Thal. A drena- gem é usada quando o diagnóstico é tardio ou quando houver grande contaminação do espaço subfrênico e nesses casos, a gastrostomia para descompressão e jejunostomia para alimentação devem ser utilizadas devido a um maior potencial de complicações. Fístula esofágica Fístula esofágica é qualquer comunicação anôma- la que se estabelece entre o esôfago e as estruturas vizi- nhas: vias aéreas, espaço pleural, mediastino, estruturas cervicais, pericárdio, aorta, coração etc. As fístulas mais frequentes são as adquiridas (infla- matórias, neoplásicas, pós-traumáticas), e, em menor fre- quência, pode-se encontrar as espontâneas e as congênitas. O diagnóstico é facilmente estabelecido pela história da moléstia, que fornece elevado índice de suspeita. São facilmente demonstradas após exame físico detalhado, por esofagograma contrastado e en- doscopia digestiva. O tratamento dessas fístulas depende de vários fatores, e cada caso deve ser analisado em particular, levando-se em conta as condições clínicas do doente, o local e a etiologia. Embora as etiologias sejam muito variadas, serão descritas e analisadas as mais frequentes. A Tabela 7.2 mostra as principais etiologias das fís- tulas esofágicas. Principais etiologias das fístulas esofágicas Congênitas Esofagotraqueal Esofagobrônquica Adquiridas Esofagorrespiratórias 1) Pós-traumáticas • Ferimentos penetrantes • Pós-operatórias • Ingestão de corpo estranho 2) Inflamatórias • Ingestão de cáusticos e ácidos • Abscessos pulmonares • Doenças granulomatosas – tuberculose, doença de Crohn • Outras: monilíase, blastomicose etc. 3) Neoplásicas • Invasão neoplásica • Pós-radioterapia Esôfago pleural ou mediastinal 1) Pós-traumáticas • Instrumentação – endoscopia digestiva, dilatações esofágicas • Escleroterápio ou ligadura elástica e vari- zes esofágicas • Ingestão de corpo estranho Ferimentos penetrantes Barotrauma Pós-operatórias 2) Inflamatórias • Úlcera péptica • Monilíase, doença de Crohn, blastomicose • Ingestão de cáusticos e ácidos • Empiema 3) Espontâneas • Síndrome de Boerhaave • Divertículos esofágicos – divertículo de Zenker, epifrênicos 4) Neoplásicas Fístulas raras e complexas 1) Esofagocardíaco 2) Esofagopericárdica 3) Esofagoaórtica Tabela 7.2 Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 201580 Fístulas esofagorrespiratóriasmalignas São fístulas praticamente só encontradas no adulto e são consequência desastrosa da evolução dos carcinomas esofágico ou broncogênico. Cerca de 5-15% de todos os carcinomas esofágicos irão desenvolver essa complicação. O local mais comum de ocorrência é entre o brônquio esquerdo e a porção média do esôfago. Entretanto, podem ocorrer em qualquer local, incluindo traqueia, brônquios ou entre o parênquima pulmonar e o esôfago. O diagnóstico clínico é estabelecido, porque o doente se apresenta referindo tosse repetitiva ime- diatamente após a ingestão alimentar, especialmente para líquidos. O esofagograma contrastado, realizado após deglutição de pequena quantidade de contraste iodado ou baritado, confi rma o diagnóstico. Raramen- te, a broncografi a é necessária. A endoscopia digesti- va ou a broncoscopia com biópsias para confi rmar ou afastar a presença de tumor maligno são indispensá- veis. Em geral, o tratamento é paliativo, uma vez que a complicação ocorre quando a doença já está avançada, e, portanto, incurável. Pode ocorrer em doentes sub- metidos à radioterapia, a qual deverá ser interrompida uma vez constatada a fístula. O tratamento a ser insti- tuído de preferência deverá ser o mais breve possível, pois a tendência é o doente desenvolver pneumonia aspirativa, abscessos pulmonares e sepse irreversível. A utilização de prótese esofagiana transtumoral, com a fi nalidade de ocluir a fístula e possibilitar ao do- ente ingerir alimentação mais consistente, tem sido preconizada por alguns autores como o método de es- colha para o tratamento. Os tipos de endopróteses exis- tentes são variados e tanto poderão ser colocados por via endoscópica como por laparotomia. O modelo mais moderno de endoprótese é a autoexpansiva, metálica, de fácil colocação, porém de custo muito elevado. As endopróteses têm como vantagem a simplici- dade do procedimento para um tipo de doente que, na maioria das vezes, se encontra bastante debilitado, ema- grecido e com sua condição nutricional bem deteriorada. As desvantagens do método são que nem sempre são sufi cientes para ocluir totalmente a fístula, podem des- locar-se para o estômago ou ser obstruídas precocemen- te por crescimento tumoral ou alimentos. Além disso, como complicações, podem ocasionar hemorragias, per- furações esofágicas por fratura do tumor e ampliação do trajeto fi stuloso durante sua colocação, levando à morta- lidade de até 40% durante a colocação. A exclusão simples da fístula por meio de esofa- gostomia cervical, com ou sem ligadura do esôfago na junção esofagogástrica, seguida de gastrostomia ou jejunostomia para alimentação, está associada à bai- xa mortalidade, porém oferece uma qualidade de vida pouco desejável ao doente. A utilização do cólon, de todo o estômago ou de apenas um tubo gástrico como bypass (esofagocoloplas- tia, esofagogastroplastia retro ou pré-esternal), deixando a fístula fora do trânsito alimentar, tem sido proposta por vários autores com bons resultados. Embora o doente deva apresentar condições gerais e nutricionais mínimas e satisfatórias para esse procedimento, trata-se de méto- do que não acarreta inconvenientes ou riscos operatórios elevados. Sua desvantagem é a ocorrência de fístulas com certa frequência e difi culdade na execução no doente gas- trectomizado. A fístula cervical, se ocorrer, não acarreta mortalidade e, com frequência, fecha espontaneamente. O segmento de esôfago intratorácico com o carcinoma e a fístula pode ser fechado proximal e distalmente, como preconizam alguns autores, ou pode ser deixado no trân- sito, como preconizam outros. A sobrevida dos portadores dessas fístulas eso- fágicas é limitada, e aproximadamente 80% deles vão a óbito dentro dos primeiros 6 meses, sendo 85% em decorrência de infecções respiratórias graves. A sobre- vida referida na literatura é variável, desde alguns dias até vários meses. Tendo em vista essas observações, a conclusão é que, apesar de tratar-se de grave complicação, o doente deve receber tratamento adequado, mesmo que paliati- vo, e que possa colaborar para aumentar a sua sobrevi- da. Caso suas condições gerais permitam, a esofagogas- toplastia cervical, com tubo gástrico isoperistáltico ou anisoperistáltico, é procedimento bem tolerado; caso não, a utilização de endopróteses é outra opção que também possibilita ao doente ingerir novamente ali- mentação por via oral, sem necessidade de sondas. Os demais procedimentos levam à má qualidade de vida. Fístulas esofagopleurais As duas etiologias mais comuns de fístulas esofa- gopleurais são pós-traumáticas e pós-operatórias. As fístulas pós-traumáticas resultam de perfura- ções esofágicas secundárias a traumas externos (fecha- dos ou penetrantes), de manipulação instrumental do esôfago (endoscopia rígida ou fl exível ou dilatações eso- fágicas) ou da ingestão acidental de corpos estranhos. As fístulas pós-operatórias intratorácicas mais comumente ocorrem após anastomoses esofagogás- tricas. Nos dias atuais, com o avanço dos cuidados e melhor avaliação pré-operatória, cuidados nutricio- nais e técnicas cirúrgicas aprimoradas, essas fístulas ocorrem com menor frequência. Os princípios para o tratamento dessas fístulas anastomóticas são os mesmos das fístulas pós-traumá- ticas. Raramente uma abordagem cirúrgica direta da fístula está indicada, pois usualmente tem consequên- cias desastrosas. 7 Trauma (perfuração) e fístula do esôfago 81 As fístulas de débito elevado requerem ampla dre- nagem pleural e antibioticoterapia de amplo espectro, além de suporte nutricional enteral e parenteral. No caso de a fístula decorrer de deiscência com- pleta da anastomose ou com necrose do estômago ou do cólon interposto, a reoperação está indicada, e o esô- fago deve ser excluído mediante esofagostomia cervical. Fístulas esofágicas raras Fístulas por perfuração de divertículos São fístulas do esôfago ou esofagopleurais decor- rentes de perfurações de divertículos. Os divertículos cervicais de Zenker ou os epifrênicos raramente perfu- ram e geralmente são secundários a manipulação endos- cópica, corpo estranho, diverticulite ou trauma. O diag- nóstico é sempre difícil, e a confirmação da perfuração ocorre mediante a realização do esofagrama contrastado. O tratamento do divertículo de Zenker perfura- do consiste em desbridamento, diverticulectomia ou miotemia do músculo cricofaríngeo, seguido de dre- nagem externa. Tratando-se de divertículo de esôfago epifrênico, o doente apresentará manifestações clínicas caracte- rísticas dessas perfurações. O tratamento cirúrgico com exérese do divertículo impõe-se na maioria das vezes, dependendo do tempo de perfuração e das con- dições clínicas do doente. Fístulas esofagotraqueais em doenças benignas Ocorrem em decorrência evolutiva de doenças inflamatórias benignas, tais como: doença de Crohn, blastomicose, monilíase e esofagite cáustica. A esofagite granulomatosa por doença de Crohn é extremamente rara, tendo sido descritos até o mo- mento poucos casos na literatura. A monilíase esofágica tem sido encontrada em doentes imunodeprimidos (leucêmicos, neoplásicos e transplantados), com infecção local intensa, perfuração e fístula. O tratamento consiste em utilizar drogas anti- fúngicas, além de antibioticoterapia específica de amplo espectro. E, no caso de fistulização, a conduta dependerá das condições clínicas gerais de cada caso. A fístula esofágica após ingestão de cáusticos ou ácidos constitui-se em grave complicação, uma vez que, ao atingir as vias respiratórias ou a cavidade pleural, es- ses produtos químicos causam insuficiência respiratória grave. A mortalidade é elevada, e o tratamento, além do suporte ventilatório, obrigatoriamente deve consistir em desfuncionalização do trânsito esofagiano. Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 201582 ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA Capítulo 2 Capítulo Síndrome de Mallory-Weiss 8 Clínica Cirúrgica |Esôfago SJT Residência Médica - 201584 Introdução Em 1929, Mallory e Weiss descreveram uma síndrome caracterizada por hemorragia gastrointes- tinal alta, maciça, usualmente apresentando-se como hematêmese secundária ao esforço para vomitar e vômitos persistentes. Eles apresentaram 15 pacien- tes com esses sintomas, comumente adquiridos após uma libação alcoólica. Quatro pacientes morreram, e, durante a necropsia, foram encontradas lacerações longitudinais, como fissuras na região do cárdia e do esôfago inferior. A utilização da endoscopia digestiva alta de- monstra que a síndrome de Mallory-Weiss ocor- re em 5 a 10% dos pacientes com sangramento gastrointestinal alto significativo. Acomete mais homens (4:1), Etiologia A síndrome de Mallory-Weiss consiste em lacerações lineares, não perfurantes, similares a fissuras, na mucosa e submucosa da junção esofa- gogástrica e no esôfago inferior. A causa mais co- mum para a laceração mucosa é o esforço para vomitar e/ou vômitos persistentes, geralmen- te como consequência de episódios de ingestão alcoólica abusiva. A síndrome também pode ser associada a vômitos secundários a várias causas, como náuseas de viagem, uremia, enxaqueca, pancreatite e medicamentos. Crises de epilepsia, soluços, parto, trauma abdominal, massa- gem cardíaca externa e outras causas que aumentam a pressão abdominal estão associadas à síndrome. Hérnia hiatal tem sido encontrada em 17 a 37% em diferentes séries. Apesar de todos os fatores de risco, até um quarto dos pacientes não apresenta fato- res predisponentes identificáveis. Patogenia Mallory e Weiss sugeriram, já em 1929, uma explicação para a laceração na mucosa gástrica e no esôfago terminal. Quando um indivíduo vomita, o piloro se fecha, e o cárdia e o esôfago se dilatam. O conteúdo gástrico é então forçado de encontro à junção gastroesofagiana por peristalse reversa. O conteúdo gástrico é então ejetado por um súbito aumento da pressão intra-abdominal, devido à con- tração dos músculos abdominais e à descida do dia- fragma. Distúrbios na coordenação desses eventos, como, por exemplo, por episódios de vômitos recor- rentes, podem permitir que o conteúdo gástrico seja forçado para o interior do cárdia não relaxado, pro- duzindo lacerações. Em 1961, Atkinson et al. estudaram esse con- ceito mais extensamente. Eles mediram a pressão intragástrica contra o cárdia após a injeção de ar no estômago de cadáveres e após a oclusão da parte mé- dia do esôfago. Os autores constataram que as lacera- ções gastroesofagianas eram produzidas em metade dos cadáveres quando a pressão variou entre 130 e 150 mmHg. Uma pressão de 200 mmHg produ- ziu lacerações em todos os casos testados. Eles também mediram a pressão intragástrica, durante o esforço para vomitar, em voluntários humanos, e ob- tinham regularmente pressão de 120 a 150 mmHg, e que a pressão intragástrica alcançava 200 mmHg. Eles pensavam que esse gradiente de pressão era mais elevado na porção herniada de uma hérnia hiatal. As- sim, a associação entre as lacerações da síndrome de Mallory-Weiss e a hérnia hiatal pode ser mais do que uma coincidência. O estômago em cogumelo (prolap- so do estômago para o esôfago) descrito por Sugawa et al. pode ocasionar tais aumentos no gradiente de pressão. Esse fato também foi confirmado durante gastroscopia, quando a mucosa gástrica é vista sendo propelida para dentro do esôfago durante a náusea. Também tem sido sugerido na literatura que a pressão do defeito da hérnia hiatal pode influenciar o local das lacerações no esôfago inferior ou no cárdia. O gradiente de pressão transmural através do hiato esofágico pode ser gerado pela expansão torácica contra uma via área fechada, produzindo assim uma pressão extremamente baixa dentro da cavidade to- rácica. Isso pode ocorrer durante o estado de mal as- mático e soluços, mas também já foi descrito durante roncos intensos. Quadro clínico A síndrome é mais prevalente na 4ª e 5ª dé- cada, e os homens são mais acometidos do que as mulheres. A manifestação clínica principal é a he- morragia gastrointestinal alta, que ocorre, na maioria das vezes, em associação com o esforço para vomitar ou vômitos. Entretanto, as lacerações da síndrome de Mallory-Weiss já foram descritas durante a reali- zação de endoscopia digestiva alta. A hematêmese é o sintoma mais comum, seguido pela melena. Dor ou hematoquezia são extremamente raras. O sangramen- to pode ser importante, mas cessa com o tratamento conservador na maioria dos casos. É autolimitada em 90% dos casos. 8 Síndrome de Mallory-Weiss 85 Diagnóstico O melhor método para se fazer o diagnóstico é, ob- viamente, a endoscopia (até 48 horas é o tempo ideal). Exames radiológicos contrastados não são úteis para iden- tifi car o local e a causa do sangramento. A cintilografi a e a angiografi a celíaca seletiva podem ser úteis durante o san- gramento em alguns pacientes nos quais as lacerações não possam ser visualizadas endoscopicamente. Tratamento O sangramento é geralmente leve e autoli- mitado. Assim, em quase 90% dos pacientes com síndrome de Mallory-Weiss, a hemorragia cessa quando tratada conservadoramente com simples lavagem gástrica, de preferência com soro gelado, me- didas de suporte gerais e transfusão sanguínea, se neces- sário. A vasopressina e a octreotida (análogo da somatos- tatina) têm sido utilizadas com sucesso em alguns casos. Quando a avaliação endoscópica inicial evidencia a presença de sangramento ativo, está indicado tratamen- to adicional, como eletrocoagulação, ligadura, clipagem e injeção de substâncias vasoconstritoras. O tratamento endoscópico é efi caz e seguro, com controle do sangra- mento em 86 a 100% dos pacientes. A compressão da junção gastroesofágica pela insufl ação do balão de Sengstaken-Blakemore não deve ser recomendada, pois, além de pouca efi cácia, está associada a risco de perfuração esofagogástrica. A arteriografi a com embolização seletiva deve ser re- servada para pacientes de alto risco que apresentam sangramento intenso e sem condições adequadas para um procedimento cirúrgico. A operação, que consiste no simples fechamento da laceração mucosa por uma incisão anterior alta na parede gástrica, está reservada para os poucos pacien- tes que não respondem ao tratamento conservador dentro de 24 horas. A cirurgia também pode ser rea- lizada por laparoscopia. Em algumas séries recentes, nenhum paciente necessitou de tratamento cirúrgico. Prognóstico A recorrência de sangramento após trata- mento clínico e endoscópico é de 0 a 10%. A maioria dos casos de ressangramento ocorre dentro das pri- meiras 24 horas, sendo indicada observação durante esse período. A efetividade do tratamento clínico e en- doscópico reduziu a necessidade de tratamento cirúrgi- co. Essa abordagem conservadora resultou em redução da taxa de morbidade e mortalidade. ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA Capítulo 2 Capítulo Síndrome de Boerhaave 9 ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA Introdução A ruptura espontânea do esôfago foi descrita pela primeira vez em 1724 pelo médico holandês Boerhaave. Ele descreveu o caso de um almiran- te holandês que, após libação alcoólica e alimentar, apresentou náuseas e vômitos, que se seguiram de severa dor torácica, colapso cardiovascular e morte, devido à perfuração esofágica. A perfuração espon- tânea, conhecida desde então como síndrome de Boerhaave, é responsável por 15 a 40% dos casos de perfuração esofágica. Etiologia A síndrome de Boerhaave é causada por um au- mento súbito na pressão intraluminal do esôfago. Em cerca de 80% dos casos, esse aumento na pressão intraluminal do esôfago é devido a vô- mitos. Metade dos pacientes apresenta história de ingestão alcoólica intensa. Parto, convulsão, defeca- ção e levantamento de peso podem também elevar significativamente a pressão e ocasionar a ruptura do esôfago. Patogenia Estudos em cadáveres mostraram que um au- mento rápidoda pressão esofágica da ordem de 0,4 kg/cm2 produz a sua ruptura. Se houver doença eso- fágica, a ruptura ocorrerá com níveis pressóricos mais baixos. O local mais comum da perfuração é a pa- rede posterolateral do esôfago distal, onde se acredita que a parede esofágica é mais fraca. A perfuração é localizada no terço inferior do esôfago, do lado esquerdo em mais de 90% dos casos. Rup- tura do esôfago proximal também tem sido descrita. A perfuração é geralmente longitudinal e de tama- nho pequeno. A etiologia da síndrome de Boerhaave é mui- to semelhante à etiologia da síndrome de Mallory- -Weiss. A profundidade da lesão depende do gradien- te de pressão transmural sobre a mucosa. Quando esse gradiente, na parte inferior do esôfago, é alto o suficiente, a ruptura de toda a parede pode ser a consequência. Um gradiente de pressão levemente mais baixo pode levar à laceração da mucosa do tipo observado na síndrome de Mallory-Weiss. Uma la- ceração no esôfago inferior pode se transformar em uma ruptura de toda a espessura da parede, por no- vos episódios de vômitos ou pela insuflação de um balão de Sengstaken-Blakemore, inserido no esôfa- go com o intuito de cessar o sangramento. A causa mais comum de aumento na pressão do esôfago é o vômito. Como o vômito é obser- vado em 77% de todos os casos, a sua ausência não deve excluir a síndrome de Boerhaave das considerações diagnósticas. O parto, um esforço durante a defecação, o levantamento de peso, cri- ses convulsivas e outras atividades associadas com a manobra de Valsalva têm sido associados com a síndrome. Entretanto, tem sido também demostra- do que pacientes com ruptura espontânea têm dis- túrbio grave da motilidade esofágica, contribuindo para as rupturas. Quadro clínico Os pacientes são geralmente homens com ida- de entre 40 e 60 anos, apresentando história de vômitos recentes. A sintomatologia clássica, de desconforto agudo após libação alimentar e alcoólica, seguida por vômitos e dor torácica intensa, colapso e eventualmente morte, está presente em menos de 50% dos casos. A dor é a queixa mais importante da per- furação esofágica. Ela pode ocorrer no tórax ou abdome superior, podendo ser seguida por disp- neia, cianose e outros sinais e sintomas relaciona- dos ao desenvolvimento do hidropneumotórax. A perfuração do esôfago cervical pode resultar em dor no pescoço e crepitação, devido à presença de ar nos tecidos frouxos do pescoço (enfisema subcu- tâneo). Em casos extremos, o ar pode ser encontra- do no abdome ou até mesmo no interior da órbita. Hematêmese é rara e, quando presente, é de peque- no volume, comparada ao sangramento associado à síndrome de Mallory-Weiss. Contaminação importante do mediasti- no e da cavidade pleural é frequente devido à grande força com que o conteúdo é propelido através da perfuração. Após, ocorre rápida per- da de líquidos, causando hipovolemia e choque com taquicardia, hipotensão e cianose. Esse processo é exacerbado pela sepse resultante da contaminação bacteriana que se instala. Síndrome de Meckler: dor torácica, vômitos e enfi sema subcutâneo cervical. 9 Síndrome de Boerhaave 87 Diagnóstico O diagnóstico correto baseia-se principalmente em uma anamnese cuidadosa, exame físico e achados radiológicos. A anamnese é geralmente típica, como descrito anteriormente. Ao exame físico, diminuição do murmúrio vesicular e febre são descritas em aproxima- damente 30% dos casos. Crepitação cervical e diminui- ção dos ruídos hidroaéreos podem também ser encon- tradas. Os exames de laboratório mostram leucocitose em alguns casos, sem quaisquer outras anormalidades hematológicas ou eletrolíticas. Radiografias simples de tórax, abdome e região cervical são essenciais. Condensações irregulares atrás da silhueta cardíaca, devido à pneumonite química, são relativamente comuns. O derrame pleural esquerdo é consequência da ruptura do esôfago distal, enquanto a ruptura do esôfago médio tende a produzir hidrotórax ou hidropneumotórax à direita. As radiografias de tórax devem ser analisadas cui- dadosamente à procura de ar no mediastino; as de ab- dome podem mostrar ar subdiafragmático, se a ruptura é da porção distal do esôfago. Uma vez que o diagnós- tico é suspeitado, deve ser realizado estudo radiológico, com a administração via oral de contraste hidrossolúvel de baixa osmolaridade. O extravasamento do contraste pode mostrar a per- furação esofágica e também elucidar sua causa e localiza- ção. Não devem ser usados o sulfato de bário e, especial- mente, os contrastes de alta osmolaridade. O contraste iodado de baixa osmolaridade é o mais recomendado. Tratamento Medidas de suporte para diminuir a contami- nação química e bacteriana do mediastino e cavidade pleural e restaurar as perdas de volume devem ser ins- tituídas imediatamente. Antibióticos de largo espec- tro, jejum, reposição hidroeletrolítica e colocação de sonda nasogástrica para descompressão do estômago são implementados. A perfuração do esôfago torácico pode ser tratada conservadoramente se o extravasamen- to for pequeno. As rupturas esofágicas maiores devem ser reparadas, se diagnosticadas até 24 h após a lesão. A sutura da laceração deve ser protegida (reforçada) com o fundo gástrico ou, mais raramente, com retalhos vascularizados, como enxertos pedicula- dos de músculos intercostais, pericárdio e pleura pa- rietal. A simples sutura de lesões extensas resulta em altas taxas de deiscência. Os casos diagnosticados tardiamente, com mais de 24 a 72 horas de per- furação, frequentemente requerem alguma forma de exclusão esofágica, geralmente esofagostomia cervical e gastrostomia, associada à jejunostomia para suporte nutricional. Prognóstico A mortalidade do reparo aumenta com o re- tardo da intervenção cirúrgica; de 5-10%, até 24 horas, para entre 20 e 30% após esse período. Entre- tanto, em algumas séries mais recentes, a taxa de mor- talidade tem sido de apenas 5%. Clínica CIrúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 201588 ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA Capítulo 2 Capítulo Tumores Benignos do Esôfago 10 Introdução Os tumores benignos do esôfago são raros e constituem 0,8% das neoplasias esofageanas, sendo o leiomioma o mais comum (60%); 20% são cistos, e 5% são pólipos. Por serem tumores assintomáticos, de cresci- mento lento, descobertos de forma incidental e com baixo potencial de malignização, a maioria não neces- sita de tratamento. Entretanto, tumores maiores ou localizados em regiões estratégicas têm maior proba- bilidade de causar manifestações clínicas e necessitar de ressecção. Classificação morfológica dos tumores benignos do esôfago Intraluminal Pólipos • Lipoma • Fibrovascular • Fibrolipoma • Fibroneuroide Submucoso • Hemangioma • Tumor de células granulares • Neurofibroma, neurinoma Intramural • Leiomioma • Tumor estromal gastrointestinal • Rabdomiomas Localização extraesofágica • Cistos • Duplicações Tabela 10.1 Leiomiomas São os tumores benignos mais comuns do esô- fago, são intramurais, ocorrem em indivíduos entre 20-50 anos e podem ser múltiplos em até 10% dos pa- cientes, com o dobro de incidência no sexo masculino. Cerca de 80% ocorrem no 1/3 médio e inferior do esôfago, sendo raros na região cervical. Esses tumo- res não infiltram o tecido circunvizinho, e a mucosa não é invadida. A origem é mesenquimal e o leiomioma ver- dadeiro ou tumor não GIST (c-Kit negativo) é bas- tante raro. Diagnóstico Sintomas somente em leiomiomas grandes (> 5 cm): disfagia e dor retroesternal vaga são as queixas mais comuns quando o leiomioma é grande. A maioria das pessoas com leiomiomas é assintomática (achado em autópsias). Endoscopia digestiva alta – a mucosa é intac- ta, e a massa é extrínseca ao lúmen, sendo móvel com o endoscópio. A biópsia deve ser evitada pela aderên- cia do tumor ao local da punção, o que pode complicar a ressecção posterior do tumor. Esofagograma com bário – é característico do diag-nóstico, pois mostra massa bem definida de superfície lisa com margens distintas e não é circunferencial. O mais frequente é o leiomioma ser visto em radiografia do tórax como uma massa mediastinal posterior, ou ainda, como achado ocasional na EDA. A endossonografia confirma o diagnóstico que mostra uma massa hipoecogênica homogênea em área abaixo da mucosa. Figura 10.1 Esofagograma com falha de enchimento circunscrita, bem delimitada, sem comprometimento da mucosa. Lesão subepitelial esofágica A B Septo Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 201590 Lesão subepitelial esofágica A B Septo Figura 10.2 A: aspecto endoscópico de lesão subepitelial esofágica, volumosa; B: nota-se, à EE, lesão hipoecoica, de muscular própria, sep- tada, sem reforço sonoro posterior, compatível com leiomioma. Figura 10.3 Aspecto endoscópico de lesão subepitelial de esôfago to- rácico proximal. Tratamento É indicado para pacientes sintomáticos com leiomiomas grandes (> 5 cm). Os demais leiomio- mas assintomáticos e menores não têm indicação de tratamento, bastando o acompanhamento clínico. As lesões do esôfago médio e proximal são remo- vidas pelo hemitórax direito; aquelas de origem dis- tal são removidas pelo hemitórax esquerdo. A taxa de mortalidade é inferior a 2%, e o sucesso na remissão da disfagia é de aproximadamente 100%. O cirurgião deve lembrar que a única compro- vação de que a massa diagnosticada é um leiomioma ocorre com a ressecção. Entretanto, a imagem no eso- fagograma é tão característica, bem como a história de crescimento lento e progressivo, que a opção de segui- mento é razoável. A transformação maligna é rara. Pólipos infl amatórios Os pólipos infl amatórios do esôfago ocorrem como resultado da esofagite consequente ao re fl uxo gastroesofágico, que leva a um edema in fl amatório nas pregas gástricas da junção gastroesofágica. A apa- rência endoscópica é de uma lesão elevada pequena, polipoide e de base séssil (Yamada tipo III). Histo- logicamente, apresenta um infi ltrado de células in- fl amatórias, e o tratamento é direcionado para o refl u- xo gastroesofágico. Pólipos fi brovasculares São incomuns. Acometem mais homens, 60 a 70 anos de idade. A maioria se localiza no esôfago cervi- cal abaixo do músculo cricofarínego. Todos os pólipos fi brovasculares devem ser removidos. Lesões menores de 2 cm e com pedículo pouco vascularizado são re- movidas através da endoscopia com eletrocautéreo. A ressecção cirúrgica é recomendada para todas as mas- sas com mais de 8 cm ou que tenham um pedículo ri- camente vascularizado. Pseudotumor infl amatório São tumores benignos localizados, às vezes pe- dunculados, situados mais comumente no esôfago distal. A mucosa apresenta-se com intensa alteração infl amatória que pode simular uma lesão maligna. Muitas vezes, mesmo com a biópsia, o diagnóstico di- ferencial entre uma le são benigna e maligna é bastante difícil, espe cialmente aqueles localizados no esôfago cervi cal. Entretanto, essa diferenciação é extrema- mente importante, pois o pseudotumor infl a matório requer o tratamento oposto ao do car cinoma esofágico (esofagectomia). Pólipos adenomatosos Representam o processo de hiperplasia das cé- lulas epiteliais do esôfago. Pode ocorrer displa sia como no esôfago de Barrett e nos pólipos colorretais. Quando presente displasia de alto grau, a lesão passa a ser considerada uma lesão pré-maligna com necessi- dade de ressecção cirúrgica. 10 Tumores benignos do esôfago 91 Hemangiomas Os hemangiomas representam 2 a 3% de todos os tumores benignos do esôfago, têm origem a partir do teci- do vascular submucoso consequen te a uma hipertrofia dos vasos sanguíneos e cos tumam ser lesões solitárias. Em associação com a síndrome de Rendu-Osler-Weber, são múlti plos (hemangiomatose). A hemorragia maciça pode ocorrer durante procedimento endoscópico, se o tumor vascular for acidentalmente traumatizado ou as biópsias forem realizadas em uma lesão não suspeita de uma origem vascular. Achados ecoendoscópicos das lesões esofágicas subepiteliais mais frequentes Diagnóstico Achados ecoendoscópicos Leiomioma Hipoecoico, contíguo com a muscular própria; margem externa nítida, raramente da muscular da mucosa; consistência aumentada, bordas externas lisas e regulares Leiomiossarcoma Hipoecoico, contíguo com a muscular própria; lesões grandes podem ter margem externa irregular; adenopatia; pequenas lesões são idênticas ao leiomioma Lipoma Hiperecoico; submucoso Carcinoma bronco- gênico e metastáti- co de mama Hipoecoico; rompe a submucosa e muscular própria; margem externa irregular Tumor de células granulares Hipoecoico; mucosa, profundas; margem nítida Pseudoacalasia Hipoecoica, rompe a submucosa e muscular própria; linfonodomegalia adjacente Varizes Anecoico; subepitelial, serpiginoso Pólipo fibrovascular Submucoso; ecogenicidade mista Cisto de duplicação Hipo ou anecoico, bordas lisas; submucoso ou na muscular própria, com reforço ecogênico posterior Tabela 10.2 Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 201592 ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA Capítulo 2 Capítulo carcinoma epidermoide de esôfago 11 Introdução O carcinoma epidermoide ou espinocelular (CEC) já foi o tipo histológico mais prevalente, responsável por 90% dos cânceres de esôfago no mundo. Hoje essa proporção mudou principalmente nos EUA e países da Europa Ocidental. Nos EUA o adenocarcinoma cor- responde a, aproximadamente, 60% dos diagnósticos, sendo o CEC responsável por 35%. No Brasil o CEC representa 96% dos casos, com crescimento im- portante do adenocarcinoma. Epidemiologia A incidência global de cânceres esofágicos está em sexto e nono lugares entre os cânceres que aco- metem homens e mulheres, respectivamente, e são a quinta e a nona causa de mortes por câncer. Continua sendo uma doença de alta letalidade e prognósti- co ruim, por todo o mundo. A proporção homem : mulher é de 3 : 1, com pico de incidência entre 60 e 70 anos de idade. A raça negra é mais acometida. A maior incidência de cânceres do esôfago, com taxa acima de 100 casos por 100.000, é no “cinturão asiático do câncer esofágico” que se estende do norte do Irã, pelas repúblicas da Ásia Central, até a região centro-norte da China. Na América do Sul, as regiões de maior incidên- cia são o Uruguai e o sul do Brasil (Rio Grande do Sul). Etiologia e fatores de risco Uma variedade de fatores causais tem sido implica- da no desenvolvimento da doença e será descrita abaixo. Fumo e álcool: são os principais fatores de ris- co do mundo ocidental; a associação entre os dois au- menta o risco em relação a cada um dos fatores isola- damente (25 a 100 vezes). Acalasia: em pacientes com acalasia, o risco de de- senvolvimento do câncer é cerca de 14 a 16 vezes maior em relação à população geral. Persistência de alimentos no terço inferior do esôfago, irritação crônica e proliferação do epitélio aumentam o risco da ocorrência do câncer. No Brasil, a acalasia deve-se principalmente à doença de Cha- gas. Em geral, o câncer ocorre após 17 anos do diagnóstico de acalasia e pode persistir após a cirurgia de correção. Tilose: é uma doença hereditária de herança autos- sômica dominante, com locus gênico do câncer esofágico localizado no cromossomo 17q25, caracterizada por hi- perqueratoses palmar e plantar e papilomatose de esôfa- go; é acompanha por câncer espinocelular em 95% dos doentes acima de 65 anos. Ingestão acidental ou proposital de subs- tâncias cáusticas: aumenta o risco de neoplasia e é responsável por 1% a 4% dos cânceres de esôfago. Ocorre principalmente no terço médio (3/4 dos casos). Doença de Plummer-Vinson: caracterizada por anemia ferropriva, presença de membranas no esôfago e disfagia intermitente a sólidos; é rara atualmente. Nutrição: o baixo nível socioeconômico e as defi- ciências de vitaminas A e C, de molibdênio, zinco e ferro são considerados fatores de risco. Nos países quecons- tituem o cinturão do câncer (China, Irã, Afeganistão, Si- béria e Síria), a ingestão de dieta pobre em vitaminas, de substâncias carcinógenas decorrentes da contaminação de alimentos com nitrosaminas, de águas maltratadas ou contaminadas por petróleo ou por metais ou em razão de deficientes condições de higiene, são os principais fatores envolvidos na carcinogênese do câncer de esôfago, além do fumo e do álcool. Baixo IMC foi associado ao risco au- mentado de carcinoma epidermoide esofágico. Tumor primário: o câncer esofagiano é mais comum em pacientes que desenvolveram cânceres escamosos de cabeça e pescoço. Cânceres do palato e da tonsila são frequentemente associados ao cân- cer de esôfago. Agentes infecciosos: a infecção pelo papiloma- vírus (HPV) 16 ou 18, à semelhança do observado para o câncer de colo de útero, também pode ser fator de risco. O vírus tem sido notado em quase 50% dos carcinomas de células escamosas na China. Outros: no sul do Brasil, assim como na Argenti- na, no Paraguai e no Uruguai, a ingestão de chá quen- te (chimarrão) desde a infância é responsável pelo au- mento da incidência de câncer de esôfago. Alterações genéticas respondendo por alterações celulares e mo- leculares como no gene p53, são associadas um maior risco de câncer esofágico. Fatores associados ao câncer de esôfago Consumo excessivo de álcool* Tabagismo* • Ingestão de outros carcinógenos – nitratos (nitritos), fu- maça dos opioides, toxinas de fungos dos vegetais em con- serva. • Dano da mucosa por agentes físicos – chá quente, inges- tão de substâncias cáusticas, estreitamento induzido por radiação, acalasia crônica. • Susceptibilidade do hospedeiro: Síndrome de Plummer- -Vinson (ou Síndrome de Paterson-Kelly**), Tilose plantar e palmar (doença autossômica dominante com papilomatose esofageana). • Deficiência de molibdênio, zinco e vitamina A? Doença Celíaca?; Doenças bolhosas cutâneas; HPV. Pacientes com tumores de cabeça e pescoço. Tabela 11.1 *Principais fatores associados, relacionados à quantidade e ao tempo de uso. **Membrana no esôfago superior associada à ane- mia ferropriva (a disfagia melhora com reposição de ferro). Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 201594 O desenvolvimento do câncer esofágico tem sido associado a mutações do p53. A proteína normal apresenta uma meia-vida curta (apenas 6 minutos no baço). Alterações no gene levam à produção de uma proteína mais estável, que tende ao acúmulo. Essas mudanças apresentam-se precocemente na carcino- gênese. O acúmulo da proteína p53 é encontrado em 55,6% dos pacientes com CEC e 53% dos adenocarci- nomas originários de esôfago de Barrett, além de 45% das displasias de alto grau neste epitélio. A aplicabili- dade clínica dessas informações vem sendo estudada. Outras alterações genéticas descritas incluem mutação do p53, deleção de Rb, amplifi cação de ciclina D1 e c-myc, perdas cromossômicas (4q, 5q, 9p e 18q), alterações da Cox 2, BC1 2 p16, p27, ErbB2, E-caderi- na, a-catenina e b-catenina. A associação de candidíase mucocutânea crônica com carcinoma epidermoide escamoso da cavidade oral e do esôfago tem sido descrita em pacientes com poliendo- crinopatia-candidíase-distrofi a ectodérmica autoimune (PECDEA). Classifi cação De acordo com o tipo histológico Os estreitamentos anatômicos do esôfago são os lugares mais comuns para o aparecimento de carcino- ma epidermoide, sendo o principal deles o estreita- mento aorticobrônquico. A maioria dos carcinomas de células escamosas ocorre no terço médio, próximo a esse estreitamento. Os carcinomas espinocelulares podem ser classifi cados histologicamente em diferentes graus, de acordo com a queratinização: diferencia- do (queratinização > 75%), moderadamente diferen- ciado (de 25% a 75%) e indiferenciado (< 25%). Em relação à Sociedade Brasileira de Patologia, os tumores podem ser divididos em: padrão intes- tinal (tubulopapilífero, tubular bem diferenciado e moderadamente diferenciado) e padrão gástrico (tubulopapilífero [foveolar], microtubular, mucino- so mucocelular [células anel de sinete] e mucinoso muconodular). Os dois padrões também compor- tam o tipo indiferenciado. De acordo com a localização O American Joint Committeen on Cancer (AJCC) divide o esôfago em quatro partes: � Esôfago cervical, que se estende do bordo infe- rior da cartilagem cricoide à fúrcula esternal. � Terço superior do esôfago torácico, que se esten- de da fúrcula esternal até a bifurcação traqueal. � Terço médio do esôfago torácico, que se estende da bifurcação traqueal até aproximadamente 32 cm da arcada dentária superior. � Terço inferior do esôfago torácico e esôfago abdominal, que se estende do fi nal do esôfago torácico médio até a junção esofagogástrica (JEG), aproximadamente a 40 cm da arcada dentária superior. O carcinoma epidermoide ou escamoso tem a seguinte distribuição ao longo do esôfago: 50% a 60% no terço médio, 33% no terço inferior, 10% no esôfago proximal. Esfíncter esofágico superior Esôfago cervical Segmento proximal Segmento médio Segmento inferior Es ôf ag o in tr at or ác ic o Figura 11.1 divisão anátomo-oncológica do esôfago. De acordo com a profundidade da lesão Os tumores de esôfago são divididos em: pre- coces, quando limitados à mucosa, superfi ciais, quando restritos às camadas mucosa e submu- cosa, e avançados quando invadem além da camada submucosa (fi gura 11.2). 11 Carcinoma epidermoide de esôfago 95 Figura 11.2 Um diagrama esquemático da profundidade da invasão de uma lesão superficial esofágica, conforme avaliado em um espécime dissecado. Profundidades m1, m2 e m3 denotam invasão limitada à ca- mada epitelial, lâmina própria e muscularis mucosae, respectivamente. Similarmente, sm1, sm2 e sm3 denotam invasão submucosa superfi- cial, intermediária e profunda, respectivamente. Patologia A aparência macroscópica dos cânceres epi- dermoides escamosos esofágicos varia de uma lesão plana, relativamente simples, a lesões polipoides, ulceradas, exofíticas e infiltradas. Cânceres epi- dermoides escamosos esofágicos superficiais invadem a submucosa, mas não a muscular própria, ao passo que cânceres avançados normalmente invadem a mus- cular própria e além, tanto em um padrão infiltrativo de pequenos nichos tumorais isolados, quanto em um padrão expansivo sólido em folha de células tumorais, muitas vezes com uma proeminente infiltração de lin- fócitos periféricos. Aproximadamente um terço dos cânceres epidermoides escamosos esofágicos é bem diferenciado, sem nenhum aspecto de queratinização. Os cânceres epidermoides escamosos são agres- sivos, e a metástase nos linfonodos locais ocorre pre- maturamente, parcialmente relacionada à presença de canais linfáticos na lâmina própria esofágica. Devido à importância da metástase linfonodal no prognósti- co e ao seu efeito na decisão de tratamento, o câncer epidermoide escamoso precoce foi classificado em seis subcategorias com base na profundidade da infiltra- ção do tumor. Carcinomas intramucosos são divi- didos em três grupos (m1, m2 e m3), e carcinomas que invadem a submucosa também são divididos em três grupos (sm1, sm2 e sm3). Dados do Japão sugerem que, apesar de cânceres epidermoides esca- mosos precoces m1 e m3 não possuírem metástase nos linfonodos em geral, o grupo m3 possui até 8% de incidência de metástase linfonodal, e essa incidência aumenta progressivamente enquanto o tumor infiltra a submucosa, com tumores sm1, sm2 e sm3 ten- do incidência de envolvimento do linfonodo de 17%, 28% e 49%, respectivamente. Da mesma ma- neira, a incidência de invasão vascular aumenta progressivamente, com tumores m1 não tendo invasão, enquanto quase 90% dos tumores sm3 apresentam envolvimento vascular. A invasão de estruturas locais como a pleura mediastinal, a traqueia, os brônquios e a aorta, assim como metástases distantes para o fígado, o pul- mão, os ossos e outros locais, pode estar presenteem mais de um terço desses pacientes no momento da admissão e significa um pior prognóstico. A invasão relativamente rápida do tumor para as estrutu- ras mediastinais vizinhas tem sido atribuída à ausência de uma verdadeira camada serosa na parede esofágica. Figura 11.3 Drenagem linfática e relações anatômicas do esôfago. Cânceres do esôfago cervical drenam para os linfonodos cervicais pro- fundos, paraesofágicos, mediastinais posteriores e traqueobrônquicos. Os tumores do terço inferior disseminam para os linfonodos paraeso- fágicos, celíacos e do hilo esplênico. A disseminação a distância para fígado, pulmões e ossos é comum. Tumor do esôfago superior (n = 24) Tumor do esôfago médio (n = 116) Tumor do esôfago inferior (n = 65) 29,4% 27,3% 28,6% 31,8% 11,4% 20,7% 18,0% 32,8% 4,4% 2,0% 6,3% 9,8% 14,3% 27,4% 61,5% 21,2% 9,8% 15,0% Figura 11.4 Sítios de metástases linfonodais do câncer de esôfago de acordo com a localização. Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 201596 Manifestações clínicas Na maioria dos pacientes, os sintomas iniciais são a disfagia progressiva (sólidos > semissólidos > líquidos) e a perda ponderal em um curto intervalo de tempo. (70% dos casos) A queixa principal que é disfagia se ma- nifesta tardiamente, quando mais de 60% da cir- cunferência estiver acometida pelo tumor com o lúmem do órgão menor do que 10 a 12 mm. Quando presentes os sintomas, a doença é normal- mente incurável (como dissemos, para causar disfagia, pelo menos 60% da circunferência do órgão devem estar acometidos). Pode ainda haver odinofagia, dor torácica, regurgitação ou vômitos, hematêmese e rouquidão. A doença mais comumente espalha-se para linfo- nodos adjacentes e supraclaviculares, fígado, pulmão e pleura, podendo ocorrer fístulas traqueoesofageanas. Como em qualquer outro carcinoma epi- dermoide, pode haver hipercalcemia na au- sência de metástasses ósseas (PTH-like secreta- do por células tumorais). A hipercalcemia pode resultar em uma emergência oncológica quando os níveis de cálcio sérico estiverem ≥ 14 mg/dia ex- pressando-se por uma série de sinais e sintomas, dos quais os mais relevantes são, dor abdominal, constipação intestinal, poliúria, pancreatite me- tabólica, insuficiência renal aguda, embotamento do sensório, torpor, coma e alterações eletrocar- diográficas que resultam em encurtamento do intervalo QT. O envolvimento de linfonodos supraclaviculares pelo tumor recebe uma denominação específi ca, sinal de Troisier, gânglio de Virchow (esse achado semio- lógico é comum nos tumores de esôfago distal, estô- mago e pâncreas). Fases mais avançadas da doença podem propiciar manifestações decorrentes do comprometimento de estruturas adjacentes como tosse com expectoração produtiva (fístula esofagobrônquica e/ou aspiração), dor torácica e rouquidão (invasão de nervos laríngeos recorrentes com paralisia de pregas vocais). Diagnóstico e estadiamento O quadro clínico é bastante sugestivo de câncer de esôfago. A endoscopia digestiva alta permite a visu- alização do tumor, a medida de sua extensão e a bióp- sia da lesão. Áreas de displasia ou de tumores incipien- tes podem ser identifi cadas pela endoscopia por meio do uso de corantes, como o azul de toluidina ou o lugol, que coram o tecido normal e não a área do tumor. Nos casos de forte suspeita diagnóstica, o mí- nimo de seis amostras de tecido, do centro e dos bordos da lesão devem ser realizadas. Outros métodos endoscópicos, como a endosco- pia com magnifi cação de imagem e a tomografi a por coerência óptica, vêm sendo aplicadas mais recente- mente para o aprimoramento do diagnóstico de pe- quenas lesões, nem sempre identifi cadas pela endos- copia convencional (Tabela 11.2). Cromoendoscopia Corantes vitais Tipo de corante Corante Mecanismode coloração Coloração Uso clínico endoscópico Lugol Células com conteú- do glicogênico Ligação do iodo das células não queratinizadas Marrom ou amarelo- -róseo - Carcinoma de células escamosas - Epitélio colunar - Esofagites de refl uxo Azul de metileno Células intestinais ou metaplasia intestinal Absorção ativa para as células Azul - Epitélio especializado em esôfa- go de Barrett - Metaplasia intestinal em estô- mago - CA gástrico precoce (não cora) - Metaplasia gástrica no duodeno - Doença celíaca ou sprue tropical Azul de toluidina Núcleo das células colunares, gástricas e intestinais Difunde dentro das células Azul - CA de células escamosas do esôfago - Metaplasia gástrica ou intes- tinal Vermelho-congo Células gástricas produtoras de ácido Corantes por reação – pH < 3 resulta em mudança da cor De vermelho para azul-escuro ou preto em áreas secretoras de ácido - Mucosa gástrica secretora de áci- do, mesmo ectópica - CA gástrico (não cora) – pode combinar com azul de metileno Vermelho fenol Células infectadas por Helicobacter pylori pH alcalino, ureia em amônia e CO2. Mudança da cor Muda de amarelo para vermelho - Diagnóstico de infecção pelo Helicobacter pylori - A coloração mapeia a sua distri- buição no estômago 11 Carcinoma epidermoide de esôfago 97 Cromoendoscopia (cont.) Corantes de contraste Tipo de corante Corante Mecanismo de coloração Coloração Uso clínico endoscópico Índigo carmim Corante de superfície Penetra entre as células e sulcos, evidenciando a lesão Azul - Lesões de esôfago, estômago, duodeno e cólon - Esôfago de Barrett Corantes para tatuar Tipo de corante Corante Mecanismo de coloração Coloração Uso clínico endoscópico Tinta de nanquim Injeção no tecido Localização da lesão – permanente Preto Localização de pólipo ou CA Indocianina verde Injeção no tecido Marca o local da lesão Verde Localização de pólipo ou CA Índigo carmim Injeção no tecido Marca temporariamente o local da lesão Azul Localização de pólipo ou CA Tabela 11.2 Os métodos empregados para o estadia- mento têm por finalidade avaliar a profundida- de de invasão do tumor na parede esofágica (T), disseminação linfonodal (N) e a ocorrência de metástases à distância (M). Ultrassonografia endoscópica (EUS) A EUS é a base da avaliação do estadiamento de pré-tratamento do câncer de esôfago. Imagens de ultrassonografia endoscópica da parede esofágica normal e frequências típicas (7,5 a 12, ou mesmo 20 MHz) mostram o aspecto característico das diferen- tes camadas de eco na parede esofágica. Do ponto de vista histológico, o TGI é praticamente uniforme desde a orofaringe até o reto, contendo 5 cama- das a partir da luz: mucosa (1), lâmina própria (2), submucosa (3), muscular (4) e serosa/adventícia (5). A quarta camada, que representa a muscular própria, é de importância capital, já que permi- te a diferenciação de lesões T1-T2/T2-T3. A EUS permite ainda a subdivisão de T1 em T1 m, com aco- metimento exclusivo da mucosa, e T1sm onde ocorre invasão da submucosa, com implicações na indicação de ressecção endoscópica. A acurácia no estadiamento do tumor primário é de 63% a 84%. A sensibilidade e a especificidade são diretamente proporcionais ao T, atingindo 88% a 100% nos tumores T4. A avaliação de doença nodal locorregional tam- bém é possível com a EUS, sendo o exame mais sen- sível e específico na detecção de linfonodomegalia pe- riesofágica, mediastinal e celíaca. Há evidências de maior sensibilidade na detecção de doença nodal celíaca que intratorácica. As características avalia- das no estudo dos linfonodos são: tamanho, formato, contorno e ecogenicidade central. Linfonodos maio- res que 1,0 cm, arredondados, com limites bem delimitados, de ecogenicidade heterogênea e com centro hipoecoico são considerados suspei- tos. Quando estas quatro características estão presen- tes, a sensibilidade é de 89%, a especificidade de 75%, e a acurácia de 84%. Infelizmente estas características encontram-se reunidas em apenas 25% dos linfono- dos examinados. As principais limitações da EUS são os tu- mores estenosantes, maiores do que 5 cm e lo- calizados na JEG, além de sua dependênciaem função da experiência do examinador. Os tumo- res estenosantes não permitem o contato direto do transdutor com a lesão, diminuindo sua acurácia. É re- latado índice significativo de perfurações na tentativa de dilatação para realização de exame completo. A punção por agulha fina guiada pela EUS (EUS-PAAF) possibilita grande aumento na acurácia em predizer o envolvimento nodal, atingindo sensibilidade de 98% e especificida- de de 100%. Tomografia computadorizada e RNM A TC é normalmente a modalidade inicial de esta- diamento, uma vez que o diagnóstico foi estabelecido por endoscopia. A TC é eficaz em detectar metásta- se no fígado, pulmões e linfonodos periaórticos. A TC possui acurácia razoável na detecção de invasão de estruturas mediastinais por tumores avançados lo- cais e tem taxas de acurácia de até 90% na detecção de invasão aórtica, traqueobrônquica e pericárdica. Ape- sar dos avanços na tecnologia da TC, as camadas constituintes da parede esofágica não podem ser facilmente diferenciadas umas das outras, o que explica a baixa acurácia (50% a 60%) da TC em avaliar o estádio tumoral. A TC tem uma sensibilida- de de 50% a 79% na detecção de acometimento dos lin- fonodos com especificidades relatadas de 25% a 67%. A acurácia da TC na avaliação dos linfonodos ab- dominais periesofágicos é superior à detecção de adenopatia torácica. A TC (e mesmo a TC helicoi- Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 201598 dal) é insensível à detecção do acometimento dos linfonodos celíacos no câncer esofágico. Em um es- tudo prospectivo, valores preditivos positivos e negati- vos para TC helicoidal avaliando linfonodos celíacos foi de apenas 67% e 77%, respectivamente, utilizando-se como padrão-ouro a ultrassonografi a endoscópico com aspiração por agulha fi na (PAAF). Apesar de o rastrea- mento por ressonância magnética (RM) poder delinear facilmente as margens do esôfago preenchidas com ar da gordura mediastinal circundante, a RM não oferece vantagem signifi cativa sobre TC, mesmo com o uso de técnicas experimentais de RM endoscópica. Tomografi a com emissão de pósitrons A PEC-CT é recomendada com vistas ao estadia- mento, assim como no planejamento terapêutico e ava- liação de resposta. Baseia-se na injeção intravenosa de radiofármaco, na maioria dos casos molécula de glicose marcada com fl úor – 18F-fl uordeoxiglicose (FDG). A dis- tribuição do radiofármaco é proporcional à atividade me- ta-Mica (consumo de glicose no caso do FDG), podendo, assim, identifi car tecidos de alto catabolismo, caracterís- tica do tecido neoplásico. O seu emprego no estadiamen- to do câncer de esôfago é recente, porém vários estudos mostraram que a PET é sensível (78% a 95%) na de- tecção do tumor primário, mas não apresenta re- solução para determinar o grau de penetração (T). Na detecção de doença nodal regional, a PET tam- bém não apresenta resolução satisfatória, já que a captação do tumor primário impede a captação de pequenos focos em linfonodos metastáticos pró- ximos, sendo a sensibilidade de relatada de 28% a 45%. O principal emprego da PET é na detecção de doença metastática, alcançando sensibilidade de 74% e especifi cidade de 90%. Quando comparada com TC, a PET foi capaz de detectar até 20% de metásta- ses ocultas (falso-negativos do exame tomográfi co), evi- tando, assim, a exploração cirúrgica desnecessária e suas consequências nesta parcela de pacientes. Na evidência de doença metastática perdem o valor para estadiamento tanto a EUS, quanto a PET-CT. Outras modalidades de estadiamento Procedimentos minimamente invasivos como a laparoscopia e a mediastinoscopia têm recebido con- siderável atenção como modalidades de estadiamento pré-operatórias em pacientes com câncer esofágico e podem ser úteis em alguns pacientes. Marcadores tumorais Os marcadores tumorais CEA, CA19-9 e CA50 têm pouca sensibilidade diagnóstica. Após o estadia- mento, é possível identifi car a presença de linfonodos e de metástases. Figura 11.5 Esofagograma baritado em um paciente com queixa de tosse e disfagia, demonstrando obstrução completa do esôfago e fístula esofagotraqueal. Note a presença de bário na árvore brônquica. Figura 11.6 A: esofagograma baritado mostrando lesão ulcerada no terço médio do esôfago. B: espécime cirúrgico correspondendo à topo- grafi a da lesão radiológica. Figura 11.7 Estudo contrastado demonstrando falha de enchimento irregular, com ulceração central, no terõ médio do esôfago. 11 Carcinoma epidermoide de esôfago 99 Figura 11.8 EDA evidenciando lesão infiltrativa e vegetante oblite- rando da luz do esôfago. A B C Figura 11.9 Câncer precoce de esôfago, tipo histológico epidermoide, tipo macroscópico 0-I+III, profundidade de invasão de submucosa; A: endoscopia convencional; B: cromoendoscopia; C: histologia. Figura 11.10 Tomografia computadorizada de tórax: aumento de vo- lume e espessamento parietal no nível do terço médio do esôfago. Figura 11.11 Este câncer esofágico circunferencial com 1,2 cm de profundidade atingiu todas as camadas da parede do esôfago e apresen- ta uma margem externa irregular, indicando penetração da adventícia (T3). A estrutura hipoecoica nitidamente demarcada com 1 cm logo adjacente ao tumor é compatível com uma metástase para um linfono- do regional (N1). A aorta descendente (Ao) está visivelmente separada do tumor. Figura 11.12 PET (tomografia com emissão de pósitron), em um pa- ciente com metástases decorrentes de um adenocarcinona da junção esofagogástrica. Observe as múltiplas áreas de lesões líticas no esque- leto, nos linfonodos e tecidual. Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 2015100 Estadiamento A classifi cação usada para o estadiamento é o TNM (T: extensão do tumor; N: linfonodos e M: metástases). Estadiamento do Tumor-Linfonodo-Metástase (TNM) de Carcinoma Esofágico Tumor Primário (T)* TX Tumor primário não pode ser avaliado T0 Nenhuma evidência de tumor primário Tis Displasia de alto grau† T1 Tumor invade lâmina própria, muscular da mucosa ou submucosa T1a Tumor invade lâmina própria ou muscular da mucosa T1b Tumor invade a submucosa T2 Tumor invade a muscular própria T3 Tumor invade a adventícia T4 Tumor invade estruturas adjacentes T4a Tumor ressecável invadindo pleura, pericárdio ou diafragma T4b Tumor irressecável invadindo outras estruturas adjacentes, como aorta, corpo vertebral, traqueia etc. Linfonodos Regionais (N)ⱡ NX Os linfonodos regionais não podem ser avaliados N0 Nenhuma metástase em linfonodo regional N1 Metástase em 1-2 dos linfonodos regionais N2 Metástase em 3-6 dos linfonodos regionais N3 Metástase em 7 ou mais linfonodos regionais Metástases Distantes (M) M0 Sem metástases distantes M1 Metástases distantes Agrupamento dos Estádios Estádio T N M Grau Localização do Tumor Carcinoma de Células Escamosas§ 0 Tis (HCG) N0 M0 1, X Qualquer IA T1 N0 M0 1, X Qualquer IB T1 T2-3 N0 N0 M0 M0 2-3 1, X Qualquer Inferior, X IIA T2-3 T2-3 N0 N0 M0 M0 1, X 2-3 Superior, médio Inferior, X IIB T2-3 T1-2 N0 N1 M0 M0 2-3 Qualquer Superior, médio Qualquer IIIA T1-2 T3 T4a N2 N1 N0 M0 M0 M0 Qualquer Qualquer Qualquer Qualquer Qualquer Qualquer IIIB T3 N2 M0 Qualquer Qualquer IIIC T4a T4b Qualquer N1-2 Qualquer N3 M0 M0 M0 Qualquer Qualquer Qualquer Qualquer Qualquer Qualquer IV Qualquer Qualquer M1 Qualquer Qualquer (*) 1. Pelo menos a dimensão máxima do tumor deve ser gravada. 2. Vários tumores exigem o sufi xo T (m). † Displasia de alto grau inclui todos os epitélios neoplásicos não invasivos que eram anteriormente denominados carcinoma in situ, um diagnóstico que já não é usado para mucosa colunar em qualquer lugar no trato gastrointestinal. ⱡ Número deve ser registrado para o número total de linfonodos regionais amostrados e o número total de nódulos com metástase relatados. § Ou misturados à histologia, incluindo um componente escamoso ou não especifi cado (NOS). ¶ Localização do local do câncer primárioé defi nida pela posição da margem superior (proximal) do tumor no esôfago. Tabela 11.3 11 Carcinoma epidermoide de esôfago 101 Embora pouco utilizada, vale lembrar que em 1997 Ellis propôs um sistema de estadiamento com base nos critérios definidos por Skinner que reestru- turam o estádio T (Tabela 11.5), é o sistema WNM (pe- netração da parede, linfonodo e metástase. Estadiamento Metástase-Nodal-Penetração de parede (WNM) do carcinoma do esôfago W: penetração de parede W0 Penetração mucosa da intramucosa W1 Penetração mucosa intramural W2 Penetração mucosa transmural N: linfonodos regionais Nx Linfonodos regionais não podem ser avaliados N0 Sem metástases para linfonodo regional N1 Quatro metástases para linfonodos ou menos N2 Mais de quatro metástases para linfonodos M: metástases distantes Mx Metástases distantes não podem ser avaliadas M0 Sem metástase distante M1 Metástases distantes presentes Grupo de Estádio W N M Estádio 0 W0 N0 M0 Grupo de Estádio W N M Estádio I W0 N1 M0 W1 N0 M0 Estádio II W1 N1 M0 W2 N0 M0 Estádio III W2 N1 M0 W1 N2 M0 W0 N2 M0 Estádio IV Qualquer W Qualquer N M1a Tabela 11.4 Figura 11.13 Comparação entre os sistemas de estadiamento TNM e WNM. Reestadiamento O interesse pelo reestadiamento tem sido cres- cente entre os especialistas. A EUS é uma das moda- lidades mais comuns para reestadiamento de câncer esofágico após quimiorradioterapia. No entanto, de maneira similar a outras modalidades de imagem mor- fológica, a EUS também pode ser ineficaz na discrimi- nação de um tumor viável após a formação de cicatriz e fibrose que se segue à quimiorradioterapia. Mais recen- temente a PET-FDG tem sido cada vez mais usada para o reestadiamento do câncer do esôfago. Em um estudo prospectivo, mostrou-se que a realização de PET-FDG após 2 semanas do início da quimiorradioterapia sis- têmica levou à identificação objetiva de uma resposta metabólica o tumor pela redução de SUV (medicadas seriadas da captura de FDG pelo tumor). Essa resposta previu uma eventual resposta clínica à quimiorradiote- rapia completa com um alto grau de acurácia. A EUS- -PAAF é outro método que permite avaliar a resposta pós-neoadjuvância, principalmente o status nodal. Câncer precoce de esôfago A Sociedade Japonesa de Pesquisa para Doen- ças do Esôfago classifica o câncer precoce de esôfago em duas categorias. Câncer precoce propriamente dito corresponde aos tumores limitados à ca- mada mucosa, necessariamente sem presença de metástases linfonodais. Câncer superficial de esôfago corresponde aos tumores que invadem a camada mucosa e submucosa, independentemen- te da presença ou não de metástases linfonodais. Essa distinção faz-se necessária devido à diferença na sobrevida relacionada à presença de metástases linfonodais. Os pacientes com cânceres superficiais tratados cirurgicamente, sem metástases, apresenta- ram 75% a 88% de sobrevida ao final de cinco anos, enquanto os que apresentavam metástases linfono- dais, 40% a 55%. Aspecto macroscópico do câncer superficial do esôfago 0-Is Polipoide, séssil 0-Ip Polipoide, pediculado 0-IIa Não polipoide, elevado 0-IIb Não polipoide, plano 0-IIc Não polipoide, deprimido 0-IIa + 0-IIc Lesão plana elevada com depressão central 0-IIc + 0-IIa Lesão deprimida com elevação na periferia 0-III Lesão escavada (ulcerada) Tabela 11.5 Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 2015102 Figura 11.14 Classifi cação histológica do câncer superfi cial de esôfago, conforme a Sociedade Japonesa para o Estudo das Doenças do Esôfago. Classifi cação histológica do câncer superfi cial de esôfago conforme a Sociedade Japonesa para o estudo das doenças do esôfago m1 Limitado ao epitélio. Pode atingir a membrana basal, mas não invade a lâmina própria. Não apresenta metástase linfonodal m2 Ultrapassa a membrana basal. Invade a lâmina pró- pria, mas não atinge a muscular da mucosa. Não apre- senta metástase linfonodal m3 Quando a muscular da mucosa está intacta, o m3 pode ser considerado neoplasia precoce. Caso contrário, o risco de metástases linfonodais é estimado em 8 a 9%, pois pode ocorrer infi ltração intraductal com compro- metimento das glândulas da camada submucosa sm1 Invade o terço superior da camada submucosa. Apre- senta cerca de 8% de metástases linfonodais. Em caso de ausência de invasão vascular ou perineural, a taxa de metástase linfonodal pode ser 0% sm2 Invade dois terços superiores da camada submucosa. Apresenta 22% de metástases linfonodais sm3 Invade toda a camada submucosa. Frequência de 36% a 44% de metástases linfonodais Tabela 11.6 Tratamento A ressecção cirúrgica permanece como o principal tratamento para a cura do câncer de esôfago, devendo ser indicada a todos os pacientes com bom status perfor- mance, reserva fi siológica e que apresentem doença em estágio inicial. A ausência ou a presença de tumor residual após o tratamento podem ser descritas pelo símbolo R. As res- secções são divididas, assim, em curativas e paliativas. A ressecção curativa (R0) é defi nida pela ausência de tumor residual macro ou microscópico após a cirurgia em qual- quer das margens cirúrgicas (proximal, distal e lateral), e a ressecção paliativa, pela presença de tumor residual microscópico (R1) ou macroscópico (R2) na área do tu- mor primário e seus linfonodos regionais (tumor locor- regional residual), bem como tumor residual em locais distantes (i. e., metástases remanescentes à distância). Avaliação do risco cirúrgico São recomendações as seguintes medidas para reduzir a morbimortalidade associada a esofagec- tomia: parar de fumar, por no mínimo, três se- manas antes do procedimento, estimular a de- ambulação no pré-operatório como preparo para a deambulação precoce no pós-operatório e utilizar cateter peridual de forma rotineira. A avaliação do risco cirúrgico é determinada pela seguinte rotina: 1. avaliação hematológica e bioquímica 2. gasometria arterial 3. espirometria 4. ECG e Ecocardiograma (este se necessário) 5. avaliação nutricional VEF1 < 800 ml/seg ou 30% do previsto: alto risco de compli- cações e de insufi ciência respiratória pós-operatória! É consenso que pacientes que apresentam grave ris- co nutricional se benefi ciam de suporte nutricional por um período de 10 a 14 dias antes de cirurgias de grande porte. Uma perda de mais de 10% de peso nos últi- mos seis meses ou 5% em um mês está associada a aumento signifi cativo na morbidade operatória e em geral se correlaciona bem com a natureza avançada da doença. O nível de albumina baixo está relacionada à aumento de complicações cirúrgicas, incluindo deiscên- cia anastomótica. Tratamento endoscópico As indicações se resumem a tumores bem dife- renciados, com invasão da lâmina própria, sem comprometimento da musculatura da mucosa (m1 ou m2) e comprometimento de menos da metade da circunferência luminar esofágica. As técnicas se dividem em mucosectomia e dissec- ção submucosa. Para lesões de até 1,5 cm a mucosec- tomia é bem aplicada e permite a ressecção da lesão em bloco, com uma menor taxa de complicações. Para lesões entre 1,5 a 3,0 cm a melhor indicação é dissecção submucosa que permite a retirada em bloco da lesão em vez de fragmentação promovida pela mucosec- tomia por lesões deste tamanho. Lesões maiores que 3-4 cm não são candidatas a ressecção endoscópica! 11 Carcinoma epidermoide de esôfago 103 Tratamento cirúrgico O tratamento ideal para pacientes com CEC é a esofagectomia. Este procedimento está associado a uma mortalidade entre 3% e 5% e morbidade de 30% a 40% em centros de grande volume ou seja, mais de 20 proce- dimentos por ano. Os pré-requisitos para os pacientes serem submetidos à cirurgia são: 1. performance status (PS) ≤ 1 2. tumor restrito ao esôfago sem invasão de estru- turas adjacentes (≤ T3) 3. ausência de metástases (M0) 4. ausência de contraindicações clínicas Na literatura, dois pontos de controvérsia despon- tam, a abordagemcirúrgica apropriada (transtorácica versus trans-hiatal) e a extensão da linfadenectomia. Atualmente considera-se a esofagectomia trans-hiatal (ETH) a ressecção cirúrgica mais segura. A ressecção trans-hiatal requer duas incisões, uma no pescoço e outra no abdome. O estômago e o esôfago são mo- bilizados através de uma incisão abdominal na linha média superior, evitando uma toracotomia. A mobilização do esô- fago é feita às cegas com manipulação manual por um hiato ampliado. O estômago é tubularizado e passado gentilmente pelo mediastino posterior, e uma anastomose esofagogás- trica cervical é realizada. Linfonodos acessíveis no pescoço, tórax inferior e abdome são removidos, mas não há tentativa adicional de realizar uma linfadenectomia extensa. A extensão das margens cirúrgicas é um outro fator que merece atenção. Dados apontam que, no mínimo, 10 cm de margem proximal e 5 cm de margem distal devem ser incluídos no espécime cirúrgico. Vantagens da ETH: reduz a taxa de deiscência anas- tomótica com o uso de grampeadores; se uma deiscência ocorre, a taxa de mortalidade, de 4%, é baixa em compara- ção com a observada na esofagectomia transtorácica. Desvantagens da ETH: taxa alta de estenose pós- -operatória, lesão de grandes vasos aéreos secundária a uma dissecção trans-hiatal cega e uma incapacidade de realizar uma dissecção completa de linfonodos. Em decorrência da rica drenagem linfática do esôfago, 80% dos pacientes apresentam linfonodos positivos no momento da cirurgia, sendo este o fa- tor prognóstico isolado mais importante. A ressecção em monobloco de linfonodos cervicais, mediastinais (incluindo o grupo superior), do tronco celíaco, da artéria hepática e da artéria esplênica (linfa- denectomia em três campos) tem sido citada por alguns como capaz de reduzir o risco de recidiva locorregional e minimizar erros de estadiamento, através de maior amostragem nodal, em até 30% e maior índice de ressec- ções R0. Seus defensores se fundamentam no achado de até 30% de metástases cervicais. O ônus da linfadenectomia em três campos é o au- mento da morbidade e do tempo cirúrgico, com reflexo na qualidade de vida a longo prazo, particularmente com lesão do nervo laríngeo recorrente, durante a linfadenec- tomia do mediastino superior. Apesar do exposto, es- tudos em contrário estão disponíveis abundantemente, principalmente da escola japonesa. A reconstrução mais comum é a do tubo gás- trico que, graças à vagotomia, pode apresentar gastroparesia. Sendo assim, a piloroplastia deve ser considerada, apesar de estudos sugerirem que tal pro- cedimento não é indispensável. Em caso de impossi- bilidade de confecção de tubo gástrico, a interposição colônia pode ser uma opção, dando-se preferência ao cólon transverso. Estudo pré-operatório da vascula- rização (arteriografia) e colonoscopia para tudo da mucosa devem ser realizados. A microcirurgia com utilização de segmento jejunal é outro procedimento possível, porém com maior morbidade. A esofagectomia transtorácica (cirurgia de Ivor- -Lewis) consiste em esofagectomia com anastomose do esôfago com o estômago intratorácico. O procedi- mento é realizado, através de dois acessos (laparoto- mia e toracotomia). Há um procedimento cirúrgico denominado opera- ção de Akiyama, que é realizada através de três acessos (laparotomia, toracotomia e cervicotomia). A toracoto- mia permite a realização de esofagectomia e linfadenec- tomia mediastinal ampla. A laparotomia permite a reali- zação de linfadenectomia celíaca e pancreática e preparo do estômago para substituir o esôfago. A reconstrução do trânsito é feita com anastomose do esôfago cervical e o estômago (esofagogastroplastia), que é passado por via retroesternal para a região cervical. Tu do terço superior e terço médio: esofagectomia transtorácica. Tu do terço inferior: esofagectomia trans-hiatal. → Linfadenectomia obrigatória, no mínimo, em dois campos, e em casos selecionados em três campos. Esofagectomia minimamente invasiva (EMI) A curva de aprendizado da equipe e do cirurgião especificamente (“cirurgião como fator prognósti- co”) têm demonstado que a técnica toracoscópica- -laparoscópica é segura e efetiva e oferece resultados comparáveis à dissecção, com benefícios adicionais de menor dor e tempo hospitalar. À medida que a po- pularidade da EMI ganha espaço, as curvas de apren- dizado se reduzirão e os resultados a longo prazo po- derão ser estabelecidos. Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 2015104 Complicações pós-operatórias As complicações mais comuns após uma esofagec- tomia são clínicas: arritmias atriais (23%), pneumonia (17%), insufi ciência respiratória (12%), pneumonia as- pirativa (3%), insufi ciência cardíaca congestiva (1,7%), insufi ciência renal (1,1%), insufi ciência hepática (0,8%); cirúrgicas: fístulas anastomóticas (3,5%), gastropare- sia (3%), hemorragia (2,2%), fístulas não anastomóticas (2,1%), quilotórax (1,7%), necrose do tubo (0,8%), sepse abdominal (0,4%). As fístulas são as complicações cirúrgicas mais associadas ao óbito. São precoces quando surgem até 72 horas (falha técnica) e tardias (até duas semanas), es- tas são as mais frequentes e refl etem isquemia, edema, tensão ou infecção local. As medidas consistem em dre- nagem, antibioticoterapia, suporte enteral nutricional e nos casos de fístula anastomótica torácica os stents eso- fágicos recobertos permitem boa resolução para casos selecionados: pacientes hemodinamicamente estáveis, ausência de necrose do tubo gástrico e deiscência inferior a um terço da circunferência da anastomose. Em relação as quilotórax, cuja incidência é de 1,7%, a conduta depende do débito. Débito < 1.000 ml/dia, tra- tamento conservador. Débito > 1.000 ml ou 10 ml/kg/ dia ou nos casos de falha do tratamento conservador, li- gadura do ducto torácico. Radioterapia (RXT) adjuvante Deve ser recomendada de forma restrita aos casos de margens comprometidas e doença residual. Na ressec- ção cirúrgica R0 não há evidência de benefício. Quimioterapia (QT) adjuvante Não deve ser recomendada nos casos de câncer de esôfago com ressecção R0. Nos casos de doença residu- al ou de margens de ressecção comprometidas, embora a QT adjuvante não tenha mostrado resultados satisfatórios isoladamente, o tratamento combinado parece ser melhor. Drogas: 5FU, cisplatina, etoposide, metotrexato, doxorru- bicina e paclitaxel, isolados ou combinados. RQT neoadjuvante O objetivo teórico é diminuir o volume tumoral (down sizing) para que uma abordagem cirúrgica per- mita a ressecção de tumores antes irressecáveis, além de erradicar ou controlar fios de micrometástases no- dais ou viscerais ainda não manifestas no momento da cirurgia. Após RQT de indução, a ressecção cirúrgica deve ser realizada entre 4 a 6 semanas após o término do tratamento combinado. Embora seja a abordagem preferencial para pacientes com doença T3/T4N1 ela não é universalmente aceita, sendo assim, o padrão de excelência na abordagem do câncer de esôfago ainda é o tratamento cirúrgico radical. RQT radical exclusiva Tumores avançados T3 ou T4, performance status ruim ou contraindicação clínica, são as indicações atuais. Protocolo Cisplatina 75mg/m2 (1º dia da semana 1, 5, 8 e 11) e 5-Fluo- rouracil 1000 mg/m2 (infusão contínua nos 4 primeiros dias de cada ciclo de cisplatina). Radioterapia > 30 Gy 15 frações em 3 semanas com reforço de 20 Gy:10 frações em 2 semanas. A RQT radical exclusiva comporta uma sobrevida em 5 anos de 10% a 30%, no entanto, o controle locor- regional é pobre, com taxas de recidiva local em torno de 40% a 60%. Esofagectomia de resgate Este procedimento fi ca reservado para pacientes selecionados com recidiva tumoral ou persistência de doença após a RQT radical exclusiva. A taxa de sobre- vida em 5 anos é de aproximadamente 25%. Tratamento paliativo Ao diagnóstico, metade dos pacientes já apresen- ta doença metastática. O tratamento paliativo ideal no câncer de esôfagodeve considerar não só a nutrição, mas também o retorno à deglutição e à degustação, com mínima visibilidade e máxima qualidade de vida. A quimiorradioterapia ou a radioterapia isolada po- dem ser usadas para alívio da disfagia, embora a toxici- dade e a duração do tratamento devam ser balanceadas em relação aos benefícios e à curta expectativa de vida. A braquiterapia é uma modalidade de radiotera- pia com duração de tratamento curto e taxa de respos- ta de até 90%, com duração em torno de 6 meses. As opções para aliviar a disfagia no CEC podem ser divididas em procedimentos endoscópicos e não endos- cópicos. É geralmente aceito que um procedimento ci- rúrgico não deve ser realizado na presença de metástases ou de doença local ou regional irressecável. Tratamentos endoscópicos paliativos para tumores avançados incluem colocação de prótese esofágica, terapia com laser, injeção intralesional de várias substâncias e terapia fotodinâmica. As duas técnicas mais comumente utilizadas são inserção 11 Carcinoma epidermoide de esôfago 105 de próteses ( metálicas ) e terapia com laser. Para tumores do terço médio e distal do esôfago, as próteses metálicas parcial ou completamente cobertas dão melhor resultado a longo prazo que as próteses descobertas. Para tumores do terço proximal, radioterapia paliativa é frequen- temente proposta, uma vez que próteses metálicas colocadas próximas ao esfíncter esofágico superior apresentam risco aumentado de complicações como perfuração, pneumonia de aspiração, migração pro- ximal e intolerância por sensação de corpo estra- nho. No entanto, novos tipos de prótese, mais maleáveis e com menor força radial, estão cada vez mais sendo utili- zados nos tumores do terço proximal. Fístulas esofagorrespiratórias representam complica- ção seria com risco de morte, que pode ser piorada pela radioterapia. Os sintomas mais comuns são tosse (56%), aspiração (37%) e febre (25%), frequentemente associados à infecção respiratória. A traqueia está envolvida em mais da metade dos casos. O uso de stents metálicos expansíveis vem alterando o tratamento desta enfermidade, que histori- camente teve o bypass gástrico como tentativa de restaurar a capacidade de deglutição sem broncoaspiração. Tais pró- teses metálicas expansíveis recobertas mostraram-se supe- riores aos seus correlatos plásticos, porém o procedimento não é isento de morbimortalidade. Complicações precoces ocorrem em 30% dos pacientes e incluem migração (4,3%), obstrução (6,1%), pneumonia aspirativa (4,9%), sangra- mento (4,3%), perfunração (1,8%) e dor (15,9%). Compli- cações tardias contabilizam 28% dos pacientes, incluindo migração (2,6%), obstrução (9,6%), pneumonia (2,6%), sangramento (7%), perfuração e dor (12,2%). Acompanhamento A recomendação consiste em: EDA anual e radio- grafia de tórax semestral. TC de tórax e abdome supe- rior deve ser individualizada de acordo com os dados clínicos. Confirmada a recidiva, as opções terapêuticas são limitadas, uma vez que a quimioterapia é ineficaz, a radioterapia já foi utilizada previamente, e na maio- ria das vezes os pacientes não toleram uma nova abor- dagem cirúrgica de grande porte. Prognóstico A taxa de sobrevida em 5 anos no grupo resse- cado não ultrapassa 30% a 35%. Já para o total de pa- cientes com câncer de esôfago, independentemente do tipo de tratamento, a taxa de sobrevida em 5 anos é de no máximo 20%. A taxa de sobrevida relativa em cinco anos para doença localmente avançada é de 17,1% e para doença metastática é de ape- nas 2,8%. Rastreamento Grandes populações com elevada incidência ou grupos de risco podem ser submetidos a métodos de ras- treamento. Os principais métodos utilizados são a citolo- gia esfoliativa por abrasão e a cromoscopia com biópsia. A citologia esfoliativa é um método de boa espe- cificidade (81% a 92%), porém de baixa sensibilidade (24% a 47%). Em grupos especiais de risco como: fumantes e etilistas do sexo masculino com mais de 50 anos, pa- cientes com afecções predisponentes (megaesôfago, estenose cáustica e esôfago de Barrett), e pacientes com antecedente ou presença de tumores de cabeça e pescoço, emprega-se com periodicidade a endosco- pia com uso de corantes. A elevada detecção do câncer nesses grupos, que varia de 1,1% a 16,2%, demonstra a utilidade desse método. Adenocarcinoma da junção esôfagogástrica (AJEC) Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 2015106 Capítulo Adenocarcinoma da junção esôfagogástrica (AJEC) 12 Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 2015108 Introdução Enquanto a incidência do câncer gástrico de- clina gradualmente nos Estados Unidos, a inci- dência do AJEC está em ascensão rápida desde 1970. O aumento da incidência deste tumor está associado à metaplasia intestinal. O fator de risco mais importante é a DRGE e sua evolução para esôfago de Barrett (EB). Nos EUA o AJEC cor- responde a, aproximadamente 60% dos diag- nósticos, sendo o CEC responsável por 35%. Epidemiologia A incidência do adenocarcinoma de esôfago au- mentou 450% em brancos e 50% em negros nas últi- mas décadas, sendo responsável por mais da metade dos casos novos de câncer de esôfago nos EUA. O risco de desenvolver a neoplasia durante a vida é de 0,8% para homens e 0,3% para mulheres. É um tumor mais comum em brancos, e 90% dos casos ocorrem em homens (5ª a 6ª décadas de vida). Setenta e cinco a 90% dos casos locali- zam-se no esôfago distal. Etiologia e fatores de risco Dietas ricas em fibra, betacaroteno, folato e vita- minas C, E e B6, podem ser protetores, ao passo que dietas ricas em colesterol, proteínas animais e vitamina B12 podem estar associadas a um risco aumentado de adencarcinoma esofágico. O consumo de antioxidantes parece ter o efeito protetor contra o adenocarcinoma esofágico, mas não contra o adenocarcinoma gástrico. O fumo é considerado um fator de risco mo- derado para o adenocarcinoma esofágico, en- quanto o consumo de álcool não possui associa- ção com o mesmo. IMC acima de 25 kg/m2 é outro fator de risco. O aumento do tamanho da cintura abdominal foi associado ao aumento do risco de ade- nocarcinoma esofágico, independente do IMC. O EB é sem dúvida o principal fator de risco. O relato do risco anual de adenocarcinoma esofágico em pacientes com EB varia de 0,2% a 2%. O EB de seg- mento longo (≥ 3 cm) comporta maior risco. Fatores de risco específicos incluem a infecção pelo Helicobacter pylori (AJEC tipo III), predisposição genética e fatores dietéticos já expostos acima. Classificação Sievert e Stein em 1986, propuseram uma classi- ficação para AJEG com baso nos cri´terios anatômicos e topográficos. É atualmente aceita e reconhecida em todo o mundo. Esfíncter esofágico superior Esôfago cervical Segmento proximal Segmento médio Segmento inferior Es ôf ag o in tr at or ác ic o I 5 5 1 0 2 B II III Figura 11.1 A: divisão anátomo-oncológica do esôfago. B: classifica- ção do adenocarcinoma da JEG, segundo Siewert. I: tumores do esô- fago distal; II: tumores da região da cárdia (2 cm acima e abaixo da transição esofagogástrica-TEG); III: tumores subcárdicos. Classificação de Siewert Tipo I Tumores nos quais o centro da lesão está localizada de 1 a 5 cm acima da JEG, inde- pendente da invasão da JEG Adenocarcinoma de esôfago distal Tipo II Tumores que inva- dem a JEG, na qual o centro da lesão está localizado entre 1 cm acima e 2 cm abaixo da JEG Adenocarcinoma de cárdia verda- deiro Tipo III Tumores que inva- dem a JEG, na qual o centro da lesão está localizado entre 2 e 5 cm abaixo da JEG Adenocarcinoma subcárdico Tabela 12.1 12 Adenocarcinoma da junção esôfagogástrica (AJEC) 109 Quando mais do que 50% do tumor encontra- -se acima da JEG, trata-se como câncer de esôfago e, quando mais do que 50% do tumor encontra-se abaixo da JEG, trata-se como câncer gástrico. Patologia Quase todos os adenocarcinomas esofágicos surgem do esôfago de Barrett e ocorremtipicamente no terço dis- tal do esôfago, incluindo a junção esofagogástrica. Ade- nocarcinomas não relacionados ao esôfago de Barrett são extremamente raros e geralmente surgem de focos de he- teropatia gástrica no esôfago cervical. O adenocarcinoma esofágico pode ter uma aparência plana e simples ou pode ser polipoide, ulcerado ou infi ltrativo. A maioria é bem ou moderadamente diferenciada, geralmente compre- endendo glândulas císticas ou tubulares em nichos sólidos e agrupamentos irregulares, e frequente- mente em um padrão cerebriforme com considerá- vel estratifi cação. Em carcinomas pouco diferenciados, as células tumorais infi ltram a parede esofágica com len- çóis de glândulas malformadas, com proeminente estroma desmoplásico. Células em anel de sinete e células tu- morais pleomórfi cas podem estar presentes. Um dos problemas mais comuns encontrados por patologistas é a distinção entre um tumor de cárdia gástrica e um adeno- carcinoma esofágico. Nessas circunstâncias, a correlação do local da biópsia com marcos anatômicos endoscópicos é crucial. A incidência de metástase linfonodal em ade- nocarcinoma esofágico é relacionada à profundidade de infi ltração do tumor e parece ser igual ou menor do que no câncer epidermoide escamoso. Enquanto o acometimento do linfonodo é raro, com o adenocarcinoma limitado à mucosa esofágica, a taxa de metástase linfonodal para tumores que invadem a submucosa está relatada entre 27% e 41% para todos os pacientes, e de 67% a 78% para aqueles com tumores infi ltrantes na submucosa profunda. O envolvimento dos linfonodos celíaco e peri-hepático é mais comum em adenocarcinoma esofágico do que em car- cinoma epidermoide escamoso, devido à maior ocorrência daqueles tumores próximo à ou na junção gastroesofágica. Quadro clínico O principal sintoma é a disfagia, presente em 74% dos pacientes. Pode ocorrer regurgitação, odinofagia, emagrecimento, anemia e dor abdominal. Pacientes com adenocarcinoma apresentam-se menos desnutridos em comparação aos pacientes con carci- noma epidermoide. Também a invasão da via aérea é menos frequente. Até 40% não têm história de refl uxo gastroesofágico. Uma perda ponderal su- perior a 10% associas-se a pior prognóstico. Dispneia, disfonia, tosse e dor torácica podem signifi car doença avançada. No exame físico, é possível identifi car sinais de desnutrição, adenopatia supraclavicular (linfonodo de Virchow), hepatomegalia, ascite e derrame pleural. Acantose migricans é a manifestação paraneoplá- sica a ser considerada para este grupo de pacientes. Diagnóstico e estadiamento As abordagens diagnósticas e de estadiamento seguem as mesmas orientações descritas para o carci- noma epidermoide de esôfago. Estadiamento TNM – AICC, 2010 T – Tumor primário Tx Tumor primário não pode ser avaliado T0 Sem evidência de tumor primário Tis Displasia de alto grau (Carcinoma in situ) T1 Tumor invade lâmina própria, muscular da muscosa ou submucosa T1a Tumor invade lâmina própria ou muscular da mucosa T1b Tumor invade submusoca T2 Tumor invade muscular própria T3 Tumor invade adventícia T4 Tumor invade estruturas adjacentes T4a Tumor ressecável invadindo pleura, pericárdio ou diafragma T4b Tumor irressecável invadindo outras estruturas adjacentes, como aorta, corpo vertebral e traqueia N – linfonodos Nx Linfonodos regionais não podem ser avaliados N0 Ausência de metástase linfonodal N1 Metástase de 1-2 linfonodos N2 Metástase de 3-6 linfonodos N3 Metástase em 7 ou mais linfonodos M – metástase M0 Ausência de mestástase a distância M1 Mestástase a distância Estágio T N M G 0 Tis N0 M0 1, X IA T1 N0 M0 1-2, X IB T1 T2 N0 N0 M0 M0 3 1-2, X IIA T2 N0 M0 3 IIB T3 T1-2 N0 N1 M0 M0 Qualquer Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 2015110 Estadiamento TNM – AICC, 2010 (cont.) IIIA T1-2 T3 T4a N2 N1 N0 M0 M0 M0 Qualquer IIIB T3 N2 M0 Qualquer IIIC T4a T4b Qualquer T N1-2 Qualquer N3 M0 M0 M0 Qualquer IV Qualquer T Qualquer N M1 Qualquer Tabela 12.2 Tratamento Endoscópico A ressecção endoscópica é adequada em tu- mores T1m1-sm1, bem diferenciados, não depri- midos, e menores que 2 cm. Em produtos de ressecção endoscópicos, sm2 ou sm3, a cirurgia curativa é manda- tória pelo alto risco de acometimento linfonodal. Cirúrgico A cirurgia é o pilar do tratamento do AJEG. Os cuidados pré-operatórios são os mesmos aplicados aos pacientes portadores de CEC. A técnica cirúrgica padrão é fundamentada na topografia do tumor, de acordo com a classificação de Siewert, tendo por objetivo a ressecção completa da lesão e da cadeia linfática de drenagem. Tratamento cirúrgico do AJEG Tipo I – ressecção: esofagectomia subtotal + gastrectomia proximal via transtorácica. Em caso de contraindicação à to- racotomia ou alto risco cirúrgico, a abordagem trans-hiatal é uma alterativa. Linfadenectomia: em caso de acesso transtorácico, a linfa- denectomia em dois campos (abdominal e torácica) deve ser realizada. Se a abordagem trans-hiatal for realizada, deve- -se realizar, também, a linfadenectomia em dois campos por uma abertura do hiato diafragmático. Tipo II – ressecção: duas técnicas são aceitáveis, esofagectoma subtotal + gastrectomia proximal (via trans-torácica ou trans- -hiatal) ou esofagectomia distal + gastrectomia total (via ab- dominal). Acesso torácico esquerdo não é recomendado. Linfadenenectomia: em caso de acesso transtorácico, a lin- fadenectomia em dois campos (abdominal e torácico) deve ser realizada. Se a abordagemtrans-hiatal for realizada, de- ve-se realizar, também, a linfadenectomia em dois campos por uma abertura do hiato diafragmático. Tratamento cirúrgico do AJEG (cont.) Tipo III* – ressecção segue as regras do tratamento do cân- cer gástrico. Gastrectomia total e, se necessário, ressecção multiorgânica, para obter-se uma cirurgia R0. Acesso toráci- co esquerdo não é recomendado. Linfadenectomia: similar à dissecção para o câncer gástrico (dois com preservação esplenopancreática). Tabela 12.3 (*) Há um consenso geral de que a gastrectomia total com esofagectomia abdominal associada à linfadenectomia D2 deve ser o tratamento padrão para tumores Siewert III e adenocarcinomas gástri- cos. A linfadenectomia alargada (para-aórtica) aumenta a morbidade, não acrescentando melhora na sobrevida. Tratamento trimodal Como dissemos anteriormente, o elemento prin- cipal do tratamento do adenocarcinoma consiste na cirurgia, no entanto, grandes centros reconhecem que à luz dos dias atuais é impossível saber qual a melhor abordagem para os AJEG. Recomenda-se margem proximal de 10 cm e ressecção de 50% a dois terços do estômago pro- ximal para os tumores da junção esofagogástrica e reconstrução preferencial com cólon esquerdo. A esofagectomia trans-hiatal fica indicada para trata- mento paliativo. Tratamento paliativo Pacientes com lesões irressecáveis e/ou metás- tases à distância devem receber tratamento paliati- vo preferencialmente não cirúrgico, considerando a elevada mortalidade para o bypass (cerca de 20%). A cirurgia oferece o melhor tratamento a longo prazo para a disfagia em pacientes com doença localizada. Pacientes com doença irressecável podem ser trata- dos com radioterapia ou quimioterapia, com resul- tados semelhantes. O uso de strens pode estar indi- cado, com a ressalva de que não apresentam bons resultados quando além da junção esofagogástrica em função da alta incidência de refluxo gastresofá- gico. Pacientes com doença metastática podem re- ceber quimioterapia paliativa, com respostas transi- tórias em até 30% dos pacientes, porém a sobrevida média é inferior a 1 ano. Prognóstico As taxas de sobrevida em 5 anos aplicadas à classi- ficação de Sievert são: 40% para tumores tipo I, 30% para tumores tipo II e 25% para tumores tipo III. Os três prin- 12 Adenocarcinoma da junção esôfagogástrica (AJEC) 111 cipais fatores preditivos de recidiva após uma ressecção R0 são: envolvimento linfonodal, invasãotumoral além da muscular da mucosa e a experiência do cirurgião. Outros tumores epiteliais malignos Variantes de carcinoma epidermoide escamoso Uma variante do carcinoma epidermoide esca- moso, o carcinoma verrucoso, é caracterizada por um crescimento papilar exofítico e é composto microsco- picamente de células escamosas moderadamente di- ferenciadas com um estroma fi broso e mínima atipia citológica, acantose proeminente, hiperqueratose, ex- tensões epiteliais do tecido conjuntivo “inchadas” e in- fl amação coexistente. Esses tumores tendem a possuir crescimento lento e baixo potencial metastático, com prognóstico favorável. Uma variante mais comum do carcinoma epidermoide escamoso é o câncer escamoso basaloide, que é um tumor volumoso e cheio de estrei- tamentos ulcerados, de frequente diferenciação multi- fásica e pior prognóstico. Outra variante é o carcinossarcoma ou câncer polipoide, com um padrão de crescimento exofítico e comportamento biológico agressivo. Esses tumo- res, que devem surgir de metaplasia mesenquimal ou de células escamosas malignas, podem ser soli- tários ou múltiplos. Eles ocorrem mais comumente em homens, surgindo na meia-idade ou em idade avançada. O carcinoma adenoide cístico é uma for- ma rara de tumor que se apresenta de modo gros- seiro como um nódulo na submucosa formado das células ductais e basais e com um curso clínico ge- ralmente não agressivo. Carcinoma de pequenas células O esôfago é o local mais comum de estabele- cimento do carcinoma de pequenas células fora do pulmão, sendo responsável por 1% a 4% de todos os neoplasmas esofágicos. A metástase pre- coce é comum em tumores de pequenas células, aco- metendo mais comumente os linfonodos periesofági- cos e mediastinais e o fígado. Esses pacientes têm um prognóstico ruim, com uma taxa de sobrevida em 1 ano de apenas 10%. A ressecção cirúrgica é apropriada se a avaliação de estadiamento pré-operatória exclui metástase fora dos linfonodos. Melanoma maligno O melanoma esofágico primário é raro e estima-se ser responsável por 0,1% dos tumores esofágicos. Melanomas esofágicos primários geral- mente surgem como tumores polipoides. Quando eles crescem e ulceram, o sangramento e a odinofagia são os sintomas que se apresentam. A metástase precoce para linfonodos, fígado e pulmão é comum, conferin- do geralmente uma baixa taxa de sobrevida. ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA Capítulo 2 Capítulo Esofagites Infecciosas e Corpos Estranhos 13 ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA 13 Esofagites infecciosas e corpos estranhos 113 Introdução As esofagites podem ser causas de sangramento gastrointestinal. A grande maioria é causada pela do- ença do refl uxo gastroesofágico (DRGE). Entretanto, outras causas de esofagite podem ser encontradas, es- pecialmente em indivíduos imunocomprometidos, seja por quimioterapia, uso de imunossupressores ou pelo vírus da imunodefi ciência humana (HIV). Entre as cau- sas infecciosas mais frequentes estão as esofagites por Candida, por citomegalovírus (CMV), pelo vírus Herpes simplex (HSV) e as idiopáticas, associadas ao HIV. Inúme- ras são as causas infecciosas menos comuns de esofagi- tes, dentre elas estão as por micobactérias: Actinomyces, Cryptococcus, Histoplasma, mucormicose, Varicella zoster, vírus Epstein-Barr, Pneumocystis carinii e Leishmania. Ra- ros relatos de infecções esofágicas bacterianas ou por protozoários estão também descritos. Entre as causas não infecciosas, além da DRGE, podem ocorrer esofagi- tes por pílula, por trauma, como as causadas por sondas nasogástricas ou nasoentéricas, pela doença do enxerto versus hospedeiro (GVHD), pela ingestão de corrosivos ou ainda por radioterapia. Esofagites infecciosas As esofagites infecciosas compartilham diver- sos pontos em seus quadros clínicos. A maioria dos pacientes sintomáticos refere odinofagia e disfagia. A dor e a disfagia costumam ser piores à ingestão de sólidos ou ácidos, chegando, em casos acentuados, a ocasionar perda de peso e desidratação por limitação da ingestão oral. Outras manifestações, como dor es- pontânea, náusea, vômito, febre, obstrução esofágica e hemorragia digestiva, ocorrem em um menor núme- ro de casos. Fatores de risco para esofagites infecciosas Alterações no sistema imunológico • Infecção pelo HIV • Neoplasias • Corticosteroides • Transplante de órgãos • Imunossupressores: ciclofosfamida, azatioprina, clorambucil, metotrexato, OKT3, tacrolimus • Imunodefi ciências congênitas: candidíase mucocutânea crônica • Diabetes mellitus • Etilismo • Idade avançada Alterações da fl ora bacteriana • Antibioticoterapia • Hipocloridria: inibidores de secreção ácida do estômago, gastrectomia, atrofi a gástrica Fatores de risco para esofagites infecciosas (cont.) Alterações na estrutura e função do esôfago • Esclerose sistêmica progressiva • Megaesôfago chagásico • Acalasia • Estenoses: tumores, cáusticas • Divertículos Tabela 13.1 Esofagite por Candida A Candida albicans é o fungo predominante nas esofagites por Candida. O diagnóstico desse tipo de eso- fagite tornou-se mais frequente, possivelmente devido ao crescente número de pacientes imunodeprimidos por medicamentos ou após transplantes de órgãos, após qui- mioterapia ou portadores de HIV. Doenças como o dia- betes mellitus e neoplasias também são condições predis- ponentes, assim como o uso de antibacterianos. Além de fatores sistêmicos, contribuem para a infecção por Can- dida alterações da motilidade esofágica, levando a estase (acalasia, esclerose sistêmica) ou estenoses tumorais. Os achados endoscópicos variam conforme a gravidade do quadro. Pequenos grumos de coloração branca aderidos à mucosa e circundados por discreto enantema ou mucosa normal são encontrados nos ca- sos mais leves. O enantema, friabilidade e exsudação fi cam evidentes em quadros mais acentuados. Com a progressão da gravidade, ocorrem ulcerações, e o com- prometimento circunferencial do esôfago pelas placas se torna confl uente, podendo determinar estreita- mento e até obstrução esofágica por debris. Figura 13.1 Esofagite por Candida. A: este paciente com candidíase apresenta inúmeras lesões tipo placa bem delimitadas por mucosa nor- mal de permeio. A confi guração linear das placas é característica. Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 2015114 Figura 13.2 A: acalasia com infecção por cândida demonstrada por eso- fagografia com bário. B: fotografia endoscópica de um esôfago dilatado com detritos e placas de Candida (seta) em um paciente com acalasia. Classificação endoscópica de Wilcox para candidíase esofágica Grau 1: placas esparsas, comprometendo menos de 50% da mucosa esofágica Grau 2: placas esparsas, comprometendo mais de 50% da mucosa esofágica Grau 3: placas confluentes, reversíveis à insuflação, que co- brem circunferencialmente pelo menos 50% da mucosa Grau 4: placas circunferenciais, com estenose, não reversí- veis à insuflação Classificação endoscópica de Kodsi para candidíase esofágica Grau 1: pequenas placas esbranquiçadas (até 2 mm), esparsas, com hiperemia, porém sem evidência de edema ou ulceração em mucosa Grau 2: múltiplas placas esbranquiçadas, maiores do que 2 mm, com edema e hiperemia, sem ulcerações Grau 3: placas esbranquiçadas espessas, confluentes, linea- res ou nodulares, com hiperemia e ulceração Grau 4: achados do grau III acrescidos de friabilidade muco- sa e estenose esofágica Tabela 13.2 Tratamento da candidíase esofágica Medicamentos de ação sistêmica Fluconazola: 100-200 mg, VO, 1 x/dia por 2 semanas Cetoconazol: 200-400 mg, VO, 1 x/dia por 2 semanas Itraconazol: 100-200 mg, VO, 1 x/dia por 2 semanas Anfotericina Bb: 0,5 mg/kg/dia, IV, por 7-10 dias Casos resistentes a fluconazolc Fluconazol: 400-800 mg/dia, VO, 3-4 semanas Itraconazol: 200-400 mg/dia, VO, 3-4 semanas Anfotericina B: 0,5 mg/kg/dia, IV, 10-14 dias Profilaxia primáriad Fluconazol: 200 mg, VO, 2 x/dia Tratamento dacandidíase esofágica (cont.) Profilaxia secundária Fluconazol: 100-200 mg, VO, 1 x/dia Cetoconazol: 100-200 mg, VO, 1 x/dia Itraconazol: 100-200 mg, VO, 1 x/dia Tabela 13.3 aPrimeira escolha para tratamento de esofagite. bRe- comendado para pacientes com neutropenia. cResistência clínica a 200 mg de fluconazol por via oral. dIndicado nos primeiros 30 dias após transplante de medula óssea. Fluconazol é a droga de escolha para tratamen- to de esofagite por Candida sp. A dose recomendada é de 100 mg, uma vez ao dia, por duas a três semanas. Em casos de disfunção de granulócitos, como neutro- penia, recomenda-se uso de 100 a 200 mg, uma vez ao dia. Não depende de pH ácido do estômago para absorção e, nas doses habituais, não acarreta inibição do metabolismo hepático das drogas e da esteroido- gênese, como observado com o cetoconazol. Os efei- tos colaterais, que quase sempre são leves, incluem náusea, cefaleia e dor abdominal. Raramente causa hepatite. Estudos em pacientes portadores de AIDS demonstram resolução dos sintomas em cerca de 80% dos casos e melhora endoscópica em 75 a 90%. Itraconazol na dose diária de 100 a 200 mg tem eficácia semelhante ao fluconazol. É pouco utilizado nas infecções esofágicas, e os maiores efeitos colaterais con- sistem em distúrbios gastrointestinais, cefaleia e ton- turas. Raramente provoca hepatite, hipocalemia e im- potência. Não se observa inibição da esteroidogênese. Pacientes neutropênicos devem ser tratados com atenção especial em razão do maior risco de infecção disseminada. Esse grupo inclui pacientes submetidos a quimioterapia, transplante de medula óssea e portado- res de AIDS com neutropenia. Nesses casos, a droga de escolha é a anfotericina B intravenosa, na dose de 0,5 mg/kg/dia. Para infecções disseminadas, doses cumula- tivas de 1,5 a 2 g devem ser usadas por 6 a 12 semanas. Pacientes neutropênicos sem sinais de infecções sistêmicas devem ser tratados com anfotericina B intra- venosa por 7 a 10 dias. A anfotericina B é um derivado poliênico que se liga à membrana celular formando poros, interferindo na permeabilidade e nas funções de transporte. Uma das consequências é a hipocalemia, por perda de potássio intracelular. A especificidade relativa por fungos decorre da maior especificidade da droga por ergosterol do que colesterol, o principal esterol encontrado na membrana plasmática de animais. A toxicidade renal é o efeito cola- teral mais comum e grave. Outros efeitos incluem trom- bocitopenia, febre, calafrios e tromboflebites. Mais modernamente, tem sido utilizada a cas- pofungina com resultados equivalentes da anfoteri- cina B, com eventos adversos em frequência signifi- cativamente menor. 13 Esofagites infecciosas e corpos estranhos 115 Profi laxia A profi laxia para candidíase sistêmica é utilizada apenas após o transplante de medula óssea e em casos de neutropenia com alto risco para candidíase. O pe- ríodo de maior risco é no primeiro mês após o trans- plante e deve-se à neutropenia prolongada e à perda de integridade da barreira mucosa. A medicação utilizada é o fl uconazol, na dose de 200 mg, duas vezes ao dia, por um período de 30 dias após o transplante. Esofagite por citomegalovírus (CMV) Em estudos com pacientes com AIDS e sintomas esofágicos (disfagia ou odinofagia), o achado de esofa- gite por CMV é o segundo mais comum (11,2 a 30%), atrás somente da esofagite por Candida. As lesões esofágicas associadas ao CMV carac- terizam-se por erosões ou úlceras de extensão varia- da (menos de 1 cm a mais de 10 cm), superfi ciais, de forma serpiginosa e borda plana. Esta última caracte- rística a distingue endoscopicamente das lesões por herpes, tipicamente com bordas elevadas. Entretanto, úlceras mais profundas e com bordas elevadas podem ser encontradas especialmente em indivíduos grave- mente imunodeprimidos (fases avançadas da AIDS ou pós-transplante de medula óssea), quando o sangra- mento pode ser uma complicação. Tratamento Ganciclovir, um análogo do aciclovir, é efi caz no tratamento da infecção por CMV. O mecanismo de ação é semelhante ao aciclovir. O tratamento é feito com dose de 5 mg/kg, via intravenosa, a cada 12 ho- ras, durante três semanas. Na ausência de retinite, a maioria dos trabalhos não recomenda tratamento de manutenção. Os maiores efeito colaterais são a de- pressão da medula óssea e o potencial carcinogênico. Outra opção terapêutica é o foscarnet, um análogo não nucleosídeo sintético de pirofosfato, que inibe o DNA polimerase viral, em decorrência de sua união direta ao local de ligação do pirofosfato. As principais indicações são casos de resistência clínica e contraindicação ao gan- ciclovir. É administrado na dose de 60 mg/kg, por via in- travenosa, a cada 8 horas, por duas semanas. A efi cácia é semelhante ao ganciclovir, com melhora clínica em 80% dos casos. O principal efeito colateral é a insufi ciência re- nal, entretanto, reversível com a suspensão da medicação. Mais recentemente é a pescrição de Valganciclo- vir 900 mg, via oral, 2x por dia, por duas a três sema- nas, com dose de manutenção de 900 mg/dia, como alternativa terapêutica. Profi laxia Preconiza-se a profi laxia primária para pacientes transplantados soropositivos ou receptores de órgãos de doador soropositivo. Nos casos de transplante com doador soropositivo e receptor soronegativo para CMV, indica-se tratamento profi lático com ganciclovir in- travenoso, três a cinco vezes por semana, até 100 dias após o transplante de medula óssea e por três meses nos transplantes de órgãos sólidos. Nos casos de recep- tor previamente soropositivo, é utilizado o tratamento apenas quando houver evidência de replicação viral pela detecção de antigenemia pp65 em leucócitos superior a duas células, ou CMV-DNA por uso de reação em cadeia de polimerase (PCR, polimerase chain reaction). Em pacientes portadores de AIDS, indica-se pro- fi laxia secundária até que o número de linfócitos T CD4 + seja superior a 200 células/mm³. Esofagite herpética A esofagite pelo vírus Herpes simplex geralmente ocorre em pacientes com AIDS ou outras situações de imu- nossupressão signifi cativa, porém diversos relatos de eso- fagite herpética com curso autolimitado já foram descritos em crianças, adolescentes e adultos imunocompetentes. Os achados endoscópicos característicos são peque- nas úlceras superfi ciais, arredondadas, múltiplas, bem de- marcadas por bordas elevadas, ocorrendo especialmente no terço distal do esôfago. As úlceras apresentam fundo que contém pequena quantidade de tecido necrótico de coloração cinza ou amarelada. Algumas úlceras adquirem conformação característica, semelhantes à de um vulcão. Em torno das lesões, observa-se pequena área de enan- tema, e o restante da mucosa apresenta aspecto normal. Com a evolução, as úlceras podem coalescer, formando lesões maiores e de formas irregulares. Vesículas podem ser observadas em fases precoces da doença, porém são encontradas com pouca frequência, pois são substituídas pelas úlceras após curto período. Tratamento No caso de indivíduos imunocompetentes, al- guns autores sugerem apenas tratamento de supor- te com analgesia e dieta líquida. Outros autores, por outro lado, advogam que o tratamento de herpes tem efi cácia comprovada, na redução dos sintomas e na ci- catrização precoce das lesões. O tratamento de escolha é com aciclovir, na po- sologia de 400 mg por via oral, administrado cinco ve- zes ao dia, por 7 a 14 dias. Aciclovir é um análogo do nucleosídeo guanosina, fosforilado pela timidina qui- nase a trifosfato de aciclovir, a forma ativa que inibe o DNA polimerase viral, terminando a cadeia de nucle- otídeos. É bem tolerado e tem poucos efeitos adver- sos. Em pacientes com disfagia e odinofagia intensa e situações de maior comprometimento do estado geral, Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 2015116 preconiza-se o uso de aciclovir por via intravenosa, na posologia de 5 mg/kg, infundidaem 1 hora, a cada 8 horas, durante 7 a 14 dias. Outra opção terapêutica inclui o fanciclovir, na dose de 500 mg por via oral, duas vezes ao dia, durante 7 a 14 dias. O fanciclovir é metabolizado para penciclovir, o composto ativo. O penciclovir tem ação semelhante ao aciclovir. O foscarnet, um derivado de pirofosfato que inibe a DNA polimerase, é eficaz em HSV resistentes a aciclovir. É administrado lentamente, por via intravenosa, na dose de 60 mg/kg, a cada 8 horas, por 14 a 21 dias. É menos tolerado que o aciclovir, com presença de efeitos adversos como nefrotoxicidade, hipocalcemia e crises convulsivas. Profilaxia A profilaxia está indicada para pacientes imunode- primidos com alto risco de reativação da infecção: recep- tores de transplante soropositivos ou doador soropositivo para herpes e portadores de AIDS com infecções herpéti- cas de repetição. Nesses casos, recomenda-se aciclovir por via oral, na dose de 200 a 400 mg, quatro a cinco vezes ao dia, ou 800 mg, duas vezes ao dia. Em pacientes que não toleram medicação por via oral, a administração deve ser por via intravenosa. Nos transplantados, utiliza-se na fase de maior risco, ou seja, no período de 30 dias. Figura 13.3 Esofagite herpética. Este paciente tem várias úlceras bem delimitadas (seta) no esófago médio. As pregas estão levemente espessadas. As úlceras superficiais bem delimitadas são características da esofagite herpética. A: ulceração esofágica secundária à tetraciclina, com a seta apontando para a área de ulcerações demonstrada por esofa- gografia com bário. B: imagem endoscópica de queimadura do esôfago induzida por tetraciclina. Esofagite do HIV Lesões da mucosa esofágica têm sido relaciona- das ao HIV. Após duas semanas da exposição ao vírus, os pacientes apresentam sintomas da soroconversão: febre, mialgia, rash cutâneo maculopapular, anorexia, náuseas, disfagia e odinofagia. Outras manifestações incluem perda de peso, lesões dolorosas na orofaringe, diarreia e sangramento do trato gastrointestinal. Diagnóstico Na esofagoscopia dos pacientes portadores de AIDS, são frequentes os achados de úlceras idiopáti- cas (aftoides). Estas últimas são definidas quando, por meio de diferentes testes diagnósticos, não é possível identificar nenhum agente infeccioso. Podem estar as- sociadas a úlceras aftoides na orofaringe. Os pacientes apresentam pequenas ulcerações com bordas hiperemiadas, medindo de 0,3 a 1,5 cm, bem delimitadas, com formas ovais ou arredonda- das, podendo localizar-se em todo o esôfago ou so- mente no terço médio. A mucosa entre as úlceras é normal, podendo o HIV ser o agente etiológico iso- lado das margens das úlceras. A microscopia eletrônica das margens das úlceras demonstra partículas virais com características morfoló- gicas dos retrovírus. Tratamento As úlceras associadas ao HIV não respondem à te- rapêutica antiviral ou antifúngica. Corticoterapia sistê- mica associa-se à resolução temporária dos sintomas e das lesões. A cicatrização das úlceras após corticoterapia costuma ser lenta, e os sintomas quase sempre recorrem quando a terapêutica é suspensa. Tratamento por mais de 30 dias é necessário na maioria dos casos. A terapia local com sucralfato e dexametasona é uma alternativa para melhora da sintomatologia. Figura 13.4 Esofagite do HIV. A: a esofagografia com contraste sim- ples mostra uma úlcera relativamente plana e gigante (seta) no perfil do esôfago distal. B: em outro paciente a esofagografia com duplo con- traste mostra uma úlcera gigante de frente (setas), com um fino halo de edema radiotransparente em volta da úlcera. As úlceras causadas pelo citomegalovírus podem produzir achados radiográficos idênticos, de modo que são necessários escovados endoscópicos, peças de biópsias por culturas para diferenciar essas infecções. 13 Esofagites infecciosas e corpos estranhos 117 Infecções por micobactérias Apesar de infrequentes, inúmeros relatos de casos de manifestações esofágicas da tuberculose vêm sendo descritos. Outras micobacterioses são também relata- das, porém com frequência ainda menor. Na maioria dos casos, lesões pulmonares, cervicais ou mediasti- nais em contiguidade às esofágicas foram descritas. O achado endoscópico mais comum é uma úlcera, de bor- da bem defi nida e fundo necrótico. Lesões vegetantes, ulcerovegetantes ou estenosantes ocorrem com menor frequência, podendo ser confundidas com neoplasias. Também estão descritas hemorragias graves e fístulas traqueoesofágicas, esofagopleurais, aortoesofágicas ou esofagomediastinais. Lesões esofágicas da doença do enxerto versus hospedeiro (GVHD) A GVHD é uma das maiores causas de morbidade e mortalidade nos pacientes submetidos a transplante de medula óssea (TMO). Outros receptores de órgãos também podem apresentar manifestações da doença, porém com frequência bastante menor. A GVHD aguda ocorre nos primeiros cem dias e acomete especialmente o fígado, a pele e o trato gastrointestinal abaixo da jun- ção gastroesofágica. Por esse motivo, no período inicial após o TMO, lesões esofágicas de etiologia infecciosa devem ser buscadas como prováveis diagnósticos. Ao contrário da GVHD aguda, em que o esô- fago é poupado, na GVHD crônica, o esôfago é o segmento do trato gastrointestinal mais frequen- temente acometido. Os pacientes com comprome- timento esofágico pela GVHD podem ser assinto- máticos ou podem apresentar sintomas como dor retroesternal, disfagia e odinofagia. O tempo médio até o início das manifestações é de 250 dias, poden- do, porém, iniciar tão precocemente como no 70º dia pós-TMO ou tão tardiamente como 2 anos após o transplante. O esôfago proximal é o segmento mais afetado, poupando o segmento distal. Pode haver confluência entre as lesões orais e faríngeas e as esofágicas. O achado endoscópico mais precoce e observado com maior frequência é a descamação da mucosa esofágica associada ao enantema. Qua- dros avançados e de maior gravidade apresentam enantema intenso, exsudação e desprendimento de amplos segmentos de mucosa esofágica. Pode haver a formação de septos, membranas ou anéis que po- dem determinar disfagia significativa. Esofagite por pílula A esofagite por pílula ou lesão esofágica induzida por medicação já foi relatada com o uso de mais de uma centena de variadas medicações de diferentes classes. Potencialmente, pode ocorrer quando qualquer medi- cação administrada na forma de comprimidos, drágeas ou cápsulas, em vez de passar rapidamente pelo esôfago até o estômago, para em algum ponto do órgão, dissol- vendo-se e causando o contato da medicação altamente concentrada com a parede do esôfago. Os sintomas iniciam de forma abrupta, predomi- nantemente com odinofagia, acompanhada ou não de disfagia e dor retroesternal. A maioria dos casos tem sintomas autolimitados, porém hemorragia, formação de septos, estenose, perfuração e penetração em es- truturas adjacentes já foram relatadas. A endoscopia, quando realizada, costuma ser anormal na maioria dos casos, revelando a lesão cau- sadora do sintoma. Qualquer segmento do esô- fago pode ser sede das lesões, porém os estrei- tamentos fi siológicos correspondentes ao arco aórtico, na junção dos terços proximal e médio, e ao átrio esquerdo são áreas de maior risco. São identifi cadas uma ou mais úlceras, geralmente rasas e bem delimitadas, com edema e enantema circunja- centes. Podem ocorrer as chamadas kissing ulcers, que são úlceras simétricas em paredes esofágicas opostas. Merece especial destaque, por sua frequência e gravidade, a esofagite por alendronato. Além das lesões comuns a outras medicações descritas anteriormente, a esofagite por alendronato pode comprometer circun- ferencialmente o órgão, causando ulceração e intenso processo exsudativo infl amatório. Figura 13.5 Esofagograma baritado com área de ulceração secundá- ria a tetraciclina (seta). Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 2015118 Medicações mais comumente associadascom injúria esofágica Antibióticos Tetraciclina Doxyciclina Clindamicina Penicilina Agentes antivirais Zalcitibina Zidovudina Nelfanavir Bisfosfonatos Alendronato Etidronato Pamidronato Agentes quimioterápicos Dactinomicina Bleomicina Citarabina Daunorubicina 5-fluorouracil Methotrexate Vincristina AINH Aspirina Naproxeno Ibuprofeno Outros medicamentos Quinidina Cloreto de potássio Sulfato ferroso Ácido ascórbico Multivitaminas Teofilina Tabela 13.4 Esofagite eosinofílica A esofagite eosinofílica (EE) é uma doen ça be- nigna, caracterizada por intensa in filtração eosinofí- lica da mucosa esofágica, que se diferencia das demais gastroenteropatias eosinofílicas (GEs) pela ausência de infiltração eosinofílica anormal nos demais seg- mentos do trato digestório. De provável etiologia alérgica, a EE tem sido associada a diversas condições atópicas, como asma, rinoconjuntivite, dermatite e alergias alimentares. Postula-se que os mecanismos de imunorreativi- dade envolvidos sejam o do tipo IV (mediação ce- lular) e, em menor proporção, o do tipo I (mediação hu moral pela imunoglobulina E). No Brasil, a esofagite eosinofílica tem sido diag- nosticada com crescente frequência, à medida que aumenta a familiarização dos endoscopistas com seus achados, os quais anteriormen te não eram considera- dos de interesse ou eram atribuídos a outras patolo- gias como a DRGE e a monilíase. A importância do reconhecimento da EE reside na possibilidade da ins tituição de tratamento específico e na prevenção da possível evolução para estenose. Além disso, terapêuticas equi vocadas, como cirurgias antirre- fluxo po dem ser evitadas. Apresentação clínica Na criança, a apresentação clínica da EE é muito semelhante à da DRGE. Observa-se, sobretudo, dor epigástrica, rejeição alimentar, vômitos e retardo do crescimento. No adulto, disfagia, dor torácica e impactação alimentar são as manifestações mais comuns, presentes em 29 a 83% dos pacientes. Em geral, são queixas antigas, por vezes com anos de evolução. Outros sintomas, incluindo sintomas típi- cos de refluxo, globus, empachamento, dor epigástrica, náuseas e vômitos ocorreram entre 13 e 60% dos ca- sos. A associação de EE com doenças alér gicas é mar- cante na infância. Casos de asma, alergia alimentar, rinoconjuntivi te e atopia entre familiares associam-se entre 35 a 75%. Em adultos, a asso ciação com aler- gia alimentar e atopia é menos frequente, va- riando entre 25 e 46%. Eosinofilia e elevação das taxas de IgE no sangue periférico ocorrem entre 5 e 62%, e testes alérgicos cutâ neos, como pri- ckly patch e Radio Allergo-Sorbent Test (RAST), são positivos entre 40 e 70% dos pacientes. Aspectos endoscópicos Alterações endoscópicas estão presentes em quase todos os casos de EE, embora possam ser sutis e frequen- temente passar despercebidas. Elas po dem incluir uma ou mais combinações dos seguintes achados: fino pontilhado exsudativo brancacento (white specks), sulcos longitudinais (furrows), ondula ções transversais delgadas (felinização do esôfago) ou grosseiras (corrugations), mu- cosa granulosa e frágil (crepe paper), estenoses tubulares li- sas e anéis de Schatzki. As estenoses parecem representar estágios mais avançados da doença, podendo ser segmen- tares, mais frequentemente proximais, ou acometer mais difusamente o órgão, caracterizando o esôfago de peque- no calibre (EPC). Essas le sões comumente se associam à ocorrência de longas lacerações longitudinais da mucosa por dilatações terapêuticas ou pela própria passagem do endoscópio. Achados característicos de DRGE, como erosões lineares distais e epitélio de Barrett, po- dem ocorrer em cerca de 30% dos pacientes. Aspectos radiológicos O esofagograma convencional tem bai xa sensibi- lidade na detecção de altera ções de mucosa e de calibre associadas à EE. No entanto, quando realizado sob flu- oroscopia e com a técnica da refeição baritada (marsh- mallow misturado ao bário), demonstra boa acurácia, sobre tudo para as alterações de calibre como o EPC. 13 Esofagites infecciosas e corpos estranhos 119 Aspectos histopatológicos O diagnóstico da EE é estabelecido pelo achado de infi ltração eosinofílica acen tuada na mucosa esofágica, na ausência de eosinofi lia patológica em outros seg mentos do trato diges- tório. O infi ltrado eosinofílico pode comprometer difusa mente o esôfago ou poupar alguns seg mentos. Portanto, a fi m de se evitar o risco de um diagnóstico falso-negativo, é recomendável a obtenção de biópsias esofágicas em pelo menos dois níveis (terço distal e terço médio ou superior). Para afastar outras formas de GEs, devem-se in- cluir biópsias do estômago e do duodeno. Embora ainda não haja con senso, a maioria dos estudos aceita que infi ltrações > 20 eosinófi los por campo de grande aumento consolidam o diagnóstico de EE, enquan- to in fi ltrações < 10 e limitadas ao terço distal asso- ciam-se com a DRGE. Hiperplasia da camada basal, alon gamento papilar, microabscessos eosinofílicos e fi brose da lâmina pró- pria são outras alterações que compõem o quadro his- topatológico. Os microabs cessos eosinofílicos, que correspondem aos white specks vistos ao exame endos cópico, estão associados a uma elevada espe- cifi cidade diagnóstica. Figura 13.6 Achados endoscópicos frequentes na esofagite eosi- nofílica. A: sulcos longitudinais (furrows); B: pontilhado brancacento (white specks); C: ondulações transversais delgadas (felinização); D: mucosa granulosa e frágil (crêpe paper) com lacerações superfi ciais pela passagem do endoscópio; E: estenose tubular lisa (esôfago de pequeno calibre); F: ondulações transversais grosseiras (corrugations). Tratamento Não existem ensaios controlados para o trata- mento da EE. As opções terapêu ticas vigentes, base- adas em pequenas séries ou em relatos de casos, se enqua dram em duas categorias: (1) exclusão dos es- tímulos antigênicos e (2) terapia imunomoduladora. A primeira pode ser subdividida em genérica ou específi ca. A genérica pro move a eliminação indiscri- minada de todos os potenciais antígenos alimenta res envolvidos e consiste na introdução de dieta elementar de aminoácidos. A específi ca baseia-se na eliminação de antígenos identifi cados por meio de tes tes alérgicos. Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 2015120 Tratamento da esofagite eosinofílica Clínico Exclusão antigênica Genérica Dieta elementar Específica Baseada em testes alérgicos (prickly patch skin tests) Terapia imunomoduladora Corticoides tópicos Fluticasona spray 500-1.000 µg 2x/d, 6-8 sem. Corticoides sistêmicos Metilprednisolona 1,5 mg/kg/dia, 4 sem. Inibidores de leucotrienos Montelucaste início gradual, 10-100 mg/1 x dia até alívio dos sintomas, manutenção 20-40 mg/dia Anticorpos monoclonais Mepolizumabe Endoscópico Dilatação com Savary-Gilliard em casos selecionados de estenoses Tabela 13.5 A terapia imunomoduladora é feita com cor- ticosteroides, tópicos ou sis têmicos, inibidores de leucotrienos e anticorpos monoclonais. A aborda- gem inicial usualmente é feita com fluticaso na spray 250 µg, 2 a 4 jatos 2 vezes ao dia por 8 semanas. O paciente deve ser orientado a aplicar o jato na boca após inspi- ração e a deglutir em seguida. Após as aplicações, deve fazer bochechos e gargarejos com água, permanecendo de 2 a 3 horas sem se alimentar. O efeito colateral mais frequente é a monilíase orofaríngea, que, em geral, pode ser evi tada com as lavagens bucais. Corticos teroides sis- têmicos têm sido utilizados com boa resposta em crian- ças, sendo escassos os dados referentes ao seu uso em adultos. Recidivas em um ano após a suspensão do tra- tamento com corti costeroides são relatadas em 50 a 60% dos casos. Embora não diminuam a densidade eosinofí- lica na mucosa eso fágica, os inibidores de leucotrienos têm se mostrado bastante eficazes no controle dos sinto- mas da EE. Den tre eles, o montelucaste tem sido o mais comumente utilizado, na dose inicial de10 mg, uma vez ao dia, podendo esta ser ajustada até 100 mg/dia. Uma vez alivia dos os sintomas, a dose é reduzida para níveis de manutenção entre 20 e 40 mg/d. Ao contrário dos corticosteroides, o montelucaste tem sido empregado por períodos mais prolongados (> 1 ano). No entanto, a recorrência precoce dos sintomas com suspensão ou diminui ção das doses ocorre em cerca 75% dos casos. Em casos resistentes aos corticosteroides e a outras formas de tratamento medicamentoso, a terapia imunológica com anticorpos monoclo nais (mepolizumabe) tem se mostrado promissora em estudos preliminares. Nossa experiência tem demonstrado que, independentemente do tratamento medicamentoso empregado, a dieta de exclusão com base nos antígenos iden tificados em testes alérgicos (prickly patch skin tests para antígenos alimen- tares) parece contribuir para a prevenção de recidivas e deve, sempre que possível, ser implementada. Esofagite por radiação Ocorre por causa da radioterapia no tórax em níveis de dose excedendo 30 Gy (3.000 rads). A eso- fagite actínica aguda é muito comum, ocorrendo no final da segunda semana de tratamento, e a maioria melhora após a interrupção da terapia. Com níveis superiores a 60 Gy, podem ocorrer esofagi- te grave e ulceração, levando a hemorragia, perfuração ou fístula. A radioterapia danifica diretamente o DNA da célula ou indiretamente através da produção de radi- cais livres, resultando na morte celular. O efeito bio- lógico pode se tornar evidente tardiamente, ou seja, apresentar período de latência. Quimioterapia concomitante com agentes citotó- xicos (por exemplo: doxorrubicina [Adriamicina]) pode potencializar a lesão causada pela radiação. Dor subes- ternal, odinofagia e disfagia são típicas. Um estudo de deglutição de bário e endoscopia podem demonstrar a extensão e a gravidade da inflamação da mucosa, ulcera- ção e estenose luminal; a endoscopia tem o benefício adi- cional da biópsia para exclusão de esofagite infecciosa. Será de utilidade uma dieta líquida ou a administração de líquidos intravenosos, juntamente com os tratamentos descritos para esofagite induzida por pílulas. No caso de haver constrição (geralmente 4 a 6 meses após o término do tratamento), talvez seja necessário um tratamento de dilatação por vela (bougienage) ou mesmo esofagectomia com uma interposição colônica ou jejunal. Corpo estranho A impactação de corpos estranhos no esôfago é um dos problemas mais comuns entre as emergências atendidas nos serviços de endoscopia. Cerca de 90% dos objetos que passam pelo esôfago e chegam ao es- tômago são eliminados pelas fezes e dispensam qual- quer intervenção médica. Mesmo assim, essa maioria merece atenção pela ansiedade que gera no paciente (e nos familiares, principalmente no caso de criança), enquanto o objeto não é eliminado. A maioria dos corpos estranhos que fica impac- tada no esôfago o faz em seus estreitamentos anatô- micos ou em regiões patologicamente estenosadas. Apesar de a ingestão de corpos estranhos ocorrer em qualquer faixa etária, as crianças representam 80% deste universo. As moedas são os objetos mais comu- mente ingeridos. É interessante assinalar que há um consenso entre os endoscopistas que, em determina- 13 Esofagites infecciosas e corpos estranhos 121 cas e moedas. Nas crianças, esse estudo é essencial, e muitos autores sugerem que elas devam ser sub- metidas a radiografias da base da cabeça ao ânus. Alguns sugerem a inclusão do estudo contrastado do esôfago para a localização dos corpos radiotrans- parentes. Esse exame, entretanto, prejudica a en- doscopia, e nós concordamos com aqueles que não o realizam. A endoscopia deve ser feita imediatamente, não só pelo seu valor diagnóstico, mas também por permitir intervenção terapêutica. O endos- copista deve estar sempre preparado tecnicamente e dispor de acessórios apropriados para extrair o corpo estranho na endoscopia inicial. Caso o objeto não seja visto no esôfago, é obrigatório o exame completo, in- cluindo estômago e duodeno. Figura 13.7 Úlcera esofágica com estenose. Figura 13.8 Candidíase esofágica. dos períodos da economia brasileira, quando as moedas eram pouco usadas, diminuiu muito esse tipo de atendi- mento emergencial nos prontos-socorros infantis. Ago- ra, com sua utilização mais frequente, os acidentes vol- taram a aumentar. Outros objetos das mais diferentes e, por vezes, bizarras naturezas podem ser encontrados e são citados em inúmeros levantamentos da literatura. À exceção dos pacientes psiquiátricos, é raro que os adul- tos ingiram propositalmente corpos estranhos. Entre as ingestões acidentais de objetos, nos adul- tos, merecem destaque as próteses dentárias, os objetos ocupacionais (agulhas, botões, parafusos, tampas de canetas e clipes) e as causas iatrogênicas (instrumentos dentários, equipamento de biópsias nebulizadores etc.). Entre os adultos, entretanto, a impactação mais co- mum é a de alimentos, e esses diferem dos corpos es- tranhos por impactarem geralmente em local de doença esofagiana, por serem mais comuns no esôfago distal e ocorrerem mais nas pessoas idosas. Qualquer bolo alimentar sólido pode obstruir o esô- fago. Fragmentos de carne e ossos são disparadamente os mais comuns. O uso de prótese dentária facilita esse tipo de acidente pela diminuição da sensibilidade do palato e da mastigação incompleta. Defi ciências visuais e alcoolis- mo também estão relacionados a esse tipo de acidente. Os comprimidos, quando permanecem por algum tempo em contato com o esôfago, também podem provocar lesões. O mecanismo, neste caso, é a agressão química por contato, merecendo citação especial as lesões do terço médio por anti-infl amatórios não esteroides e aspirina. Quadro clínico Sob o aspecto clínico, os sintomas mais comuns associados à impactação de qualquer tipo de corpo estra- nho são a disfagia, a odinofagia e a salivação aumentada. No caso de objetos pontiagudos, é frequente que haja a sensação de sua presença, particularmente no pescoço, e que ela persista mesmo após sua retirada ou migração. Cerca de 5% dos pacientes com corpos estranhos no esôfago apresentarão obstrução das vias aéreas. Quando um bolo alimentar fi ca impactado na região do músculo cricofaríngeo, pode haver compressão da traqueia, com quadro emergencial decorrente da obstrução. A maioria dos adultos procura socorro nas primei- ras 12 h após a ingestão. Entre as crianças, porém, não é desprezível o número de casos cujo diagnóstico é feito meses após a ingestão. Diagnóstico e tratamento O diagnóstico é feito, na maioria das vezes, pela história clínica. O seu objetivo é determinar o tipo e o tamanho do objeto, sua localização precisa e a presença de complicações. A impactação perto da junção esofago- gástrica pode causar dor retroesternal do tipo anginoide. Os raios X simples são úteis em muitos pacien- tes, sobretudo se a história indica ingestão de cor- pos rádio-opacos, como próteses dentárias metáli- Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 2015122 Figura 13.9 A: úlcera esofágica por CMV com sangramento; B: úlce- ra esofágica por CMV. Figura 13.10 Esofagite ulcerada por herpes-vírus. Figura 13.11 Úlcera associada ao HIV. Figura 13.12 Esofagite ulcerada por alendronato. Esofagite cáustica Ocorre como resultado de ingestão acidental em crianças e por tentativas de suicídio em adultos. O corrosivo alcalino costuma determinar as lesões de pior prognóstico devido às caracterís- ticas da ação química cáustica, promovendo necro- se de liquefação. A extensão da lesão dependerá da concentração do corrosivo e do tempo de exposição da mucosa. Já o corrosivo ácido provoca necrose de coagulação, propiciando a formação de uma camada de escara protetora que impede a pene- tração profunda do ácido na parede do esôfago. A Tabela 12.6 resume os parâmetros de gravidade em relação ao agente corrosivo. 13 Esofagites infecciosas e corpos estranhos 123 Parâmetros degravidade em relação ao agente corrosivo Tipo de corrosivo: álcalis > ácidos > alvejantes/detergentes (hipocloritos, peroxidos, fosfatos) Concentração do produto e pH: pior quanto mais concentra- do e mais próximo do pH 14 Tempo de exposição: pior quanto maior for o tempo de ex- posição Forma de apresentação: sólido pior que líquido Tabela 13.6 Independentemente da natureza da substância química, os produtos na forma líquida ou viscosa sofrem a ação espasmódica de alguns esfíncte- res, tais como o músculo cricofaríngeo (esfíncter superior do esôfago), o esfíncter inferior do esô- fago e o piloro. Assim sendo, podem ocorrer lesões químicas (nas queimaduras), respectivamente, no oro- faringe, nas vias aéreas, no esôfago e no estômago. O acometimento gástrico simultâneo é su- perior a 90% e o duodenal inferior a 30%. Quadro clínico Os sinais e os sintomas após ingestão de agen- te corrosivo incluem queimaduras em lábios, palato e orofaringe, podendo manifestar-se como úlceras extensas e dolorosas, salivação, disfagia, odinofagia, náusea, vômitos, dor retroesternal, hematêmese, dor abdominal e melena. Sinais e sintomas graves da esofagite corrosiva Obstrução de vias áreas Aspiração Perfuração Estridor Tosse Dor Agitação Hipóxia Taquicardia Cianose Febre Febre Hipóxia Leucocitose Leucocitose Choque Tabela 13.7 Com 10 dias de lesão cáustica o tecido de granula- ção começa a substituir o epitélio necrótico e em até 21 dias fi broblastos são produzidos por estruturas epiteliais. O quadro clínico é didaticamente dividido em fase aguda (com duração em torno de 10 dias), desde a ingestão até o desaparecimento dos sintomas infl amatórios; cura aparente ou fase traiçoeira (4 a 8 semanas) iniciando-se após o desprendimento do te- cido necrosado; e a fase de estenose cicatricial (su- perior a 8 semanas) com reaparecimento da disfagia. Sintomas tardios, relacionados com a estenose, incluem disfagia, impactação de alimentos e emagre- cimento. As estenoses são mais frequentes com lesões dos tipos 2b e 3. O carcinoma espinocelular é estimado a ser 1.000 vezes mais frequentes, portanto, recomen- da-se vigilância endoscópica, iniciando 20 anos após a ingestão. A utilização da cromoscopia com Lu- gol é utilizada na detecção de neoplasia precoce. Diagnóstico e tratamento Felizmente a maioria dos acidentes apresenta evolução mais branda, com sintomas e quadro clínico restrita à lesão corrosiva dos órgãos afetados. Nestes pacientes, o foco deve ser a tomada de condutas clínicas com a fi nalidade de evitar futura estenose do esôfago. O estudo endoscópico é atualmente considerado imprescindível na orientação destas condutas. A endoscopia deve ser realizada nas primeiras 36 horas, quando o risco de perfuração é menor, devendo ser evitada quando passadas as 48 horas. A exploração endoscópica permite classifi car os pacientes segundo seu potencial de gravidade. As lesões de grau 1 e 2a ge- ralmente não evoluem para estenose, as 2b podem este- nosar em 15-30% e mais de 90% das lesões classifi cadas em 3a e 3b evoluem com estenose. Os exames de imagem referidos devem ser re- alizados com contraste iodado, quando há suspeita fundamentada de perfuração. As informações quanto ao sítio e tamanho da perfuração esofágica, volume de extravasamento do contraste e bloqueio ou não da perfuração no mediastino, obtidas pelo esofagograma com contraste iodado ou pela tomografi a computado- rizada, podem mudar o padrão de tratamento, assim como via de acesso nos casos cirúrgicos. Graduação da severidade conforme endoscopia revisada por ZAGAR (1999) Grau Achado Grau 0 Normal Grau 1 Edema e hiperemia da mucosa Grau 2a Friabilidade, hemorragia, erosão, bolhas, úlcera superfi cial Grau 2b Grau 2a mais ulceração profunda ou circunferencial Grau 3a Áreas pequenas com erosões e raras áreas de necrose Grau 3b Necrose extensa Tabela 13.8 Dessa forma, o racional do tratamento, após a avaliação endoscópica da severidade deve ser: Grau 1 e 2a: alta para os pacientes aptos em deglu- tir suas secreções e ingerir líquidos pela boca. Antibiótico e bloqueador de bomba de prótons aos pacientes 2a; Grau 2b: internar paciente, administrar cor- ticoide em dose única, antibiótico e bloqueador de bomba de prótons por tempo prolongado e suporte Clínica Cirúrgica | Esôfago SJT Residência Médica - 2015124 nutricional com nutrição parenteral total, mantendo ingesta zero via oral até o sétimo dia quando conforme tolerância haverá início e progressão da dieta oral; Grau 3a e 3b: internar o paciente, administrar cor- ticoide em dose única (só para os pacientes 3a), antibiótico de largo espectro e bloqueador de bomba de prótons por tempo prolongado e suporte nutricional com nutrição pa- renteral total prolongado, até que as lesões gastrointesti- nais regridam e a ingestão oral possa ser iniciada e gradati- vamente estimulada. Os casos de perfuração e/ou necrose esofágica e gástrica requerem tratamento cirúrgico. Independente do grau de severidade deve ser con- traindicado: emético, catártico, ingestão de substância neutralizante, sondagem esofágica e lavagem gástrica. Em relação ao tratamento dos estreitamentos de esôfago, a 1ª opção é tentar manter em programa de dilatação por sondas, em alguns casos, sendo possível orientar o próprio paciente para que faça a dilatação em casa, com sonda de Maloney. Entretanto, não se deve deixar de fazer avaliação endoscópica anual do esôfago com sequela para monitorar os efeitos do re- fluxo gastroesofágico (geralmente, ocorre diminuição ou perda na contratilidade do esôfago) por conta da possibilidade de associação com malignidade. Em estreitamentos localizados, existe a possi- bilidade de colocação de prótese esofágica. O trata- mento cirúrgico pode ser considerado em dois mo- mentos: durante a fase aguda, na avaliação inicial, ao constatar perfuração esofágica e comprometi- mento extenso; e na fase de seguimento, quando o tratamento conservador não permitiu a restituição da permeabilidade normal do trânsito (comprome- timento extenso ou intensa fibrose), ou por com- plicação/perfuração durante as dilatações, ou por associação com malignidade. Quando necessária na fase aguda, de acor- do com o exposto anteriormente é realizada uma esofagectomia ou esofagogastrectomia com esofa- gostomia e gastrostomia ou jejunostomia. Para re- construção posterior do trânsito (pós-aguda ou no seguimento), a interposição do estômago é prefe- rencial, porém, se existir comprometimento gástri- co, opta-se pela interposição do colo. Orientação terapêutica de acordo com grau endoscópico de lesão química de esôfago Grau 1 e 2a • Observação clínica por 24 horas • Hidratação parentenal • Alimentação oral precoce • Bloqueadores de secreção gástrica • Antiácidos ou protetor gástrico Grau 2b e 3a • Hidratação parentenal • Bloqueadores de secreção gástrica • Antiácidos ou protetor gástrico • NPT/SNE (sonda nasoenteral) • Antibioticoterapia • Corticoides Grau 3b • Hidratação parentenal • Bloqueadores de secreção gástrica • Antibioticoterapia • Cirurgia precoce Tabela 12.9 referências Averbach M, et al. Atlas de endoscopia digestiva da SOBED. Rio de Janeiro: Revinter, 2011. Coelho J. Manual de clínica cirúrgica - cirurgia geral e especialidades. vols. 1 e 2. Rio de Janeiro: Atheneu; 2009. Feldman M, Friedman LS, Brandt LJ. Sleisenger & Fordtran: tratado gastrointestinal e doenças do fígado. 9ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2014. Figueiredo EMA, et al. Tratado de oncologia. Rio de Janeiro: Revinter; 2013. 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