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Criatividade Coletiva - Arte e Educação no Século XXI - Ana Mae Barbosa

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Prévia do material em texto

Introdução
Ana Mae Barbosa
O desenvolvimento da criatividade era o objetivo principal do
ensino da arte dos anos 1960 aos anos 1980. Os anos 1960
foram marcados pela corrida espacial. O lançamento do
primeiro satélite artificial pelos russos (o Sputnik 1, em 1957)
antes dos Estados Unidos deixou os estadunidenses
estarrecidos e se perguntando: o que há de errado com nossa
educação? Alguns educadores reclamavam da falta de
estímulo criador na educação. A partir daí até os anos 1970, o
que se viu foram projetos, campanhas e verbas para
desenvolver a criatividade na educação, e as artes muito
ganharam no currículo com essa nova perspectiva. Contudo a
reação dos estudantes estadunidenses contra a guerra do
Vietnã no fim da década de 70, justamente a geração que fora
educada sob o signo do desenvolvimento da criatividade, fez
com que o governo restringisse as verbas para a educação
criadora a fim de evitar a formação de mentes críticas que se
voltassem contra os desígnios do próprio governo que os
havia estimulado a serem criativos e, portanto, críticos.
Desenvolvimento de criatividade é também desenvolvimento
de capacidade crítica; isso os pesquisadores
comportamentalistas já haviam descoberto.
Agora, no início da década de 2020, educadores de todo o
Ocidente recomeçam a falar da criatividade.
Este livro tem dez capítulos e uma entrevista. A entrevista
representa o elo perdido entre a primeira onda de interesse
sobre a criatividade e a segunda onda que se iniciou no século
XXI, isto é, entre a visão modernista de criatividade na arte-
educação e a visão atual. No intervalo das duas ondas, pelo
menos quinze anos se passaram. Os autores deste livro, de
países diferentes, têm às vezes uma visão de tempo que difere
uns dos outros, como diferem suas culturas, embora
estejamos tratando de países europeus e de países
colonizados pela Europa.
A entrevista com Malcolm Ross foi feita por mim em 1982,
ano em que vivi na Inglaterra na School of Art Education de
Birmingham, University of Central England, hoje
Universidade da Cidade de Birmingham.
Na Inglaterra daquela época, um dos últimos livros com
foco na criatividade foi o de Malcolm Ross, The Creative Arts.
Era o mais lido pelos alunos de pós-graduação na Inglaterra
quando lá ensinei em 1982. Era teoricamente muito bem
embasado, mas eu desconfiava que, na prática, ele resultava
naquilo que combatíamos no Brasil naquele tempo: a
polivalência. Procurei o autor para uma entrevista. Ele
recebeu a mim e a meu marido de maneira soberba, nos
convidou para almoçar e depois conversamos longamente.
Pacifiquei-me quando ele me explicou que recomendava o
ensino criador das artes integradas só na escola primária. Mas
Ross se mostrou muito apreensivo com o futuro do ensino das
artes no Reino Unido. Como defensor da arte para o
desenvolvimento da criatividade, via um certo tecnicismo e
uma separação entre a arte e a vida começarem a dominar. Ele
estava com toda razão.
A partir dos anos 1980, a aliança entre arte e design na
educação inglesa, que garantia conexão com o cotidiano e a
vida, além de dar bons resultados econômicos desde o século
XIX, foi se esgarçando por intermédio do currículo nacional.
Mas hoje se discute a possibilidade de retorno da relação
entre arte e design no currículo.
Em 1983, voltei da Inglaterra revoltada com a destruição
que se avizinhava no ensino da arte e do design e convencida
de que deveria ser realizada uma adequação de um projeto que
articulasse as duas áreas no ensino médio no Brasil,
respeitando nossas características culturais. Aliás, essa
articulação já fora tentada por Rui Barbosa, em seus projetos
educacionais, embora muito preliminarmente. Fiz, ao longo
da década de 1980, várias experiências com cursos de arte e
design, para professores da Secretaria de Educação,
ministrados na Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo-USP, contando com a ajuda de
Joyce Leal que, através da Federação das Indústrias,
conseguiu não só fazer com que o projeto interessasse a
designers como Luiz Cruz, mas também solucionasse
problemas práticos. Com a morte precoce de Luiz Cruz veio o
desânimo, e com os Parâmetros Curriculares Nacionais, a
completa desilusão.
A visão de ensino de arte de Malcolm Ross, embora
expressionista e, nesse sentido, datada, era também
antecipatória por ser voltada a uma das características da
pós-modernidade, a saber, o retorno da ligação da arte com a
vida. Esse retorno era discutido naquele ano de 1982 muito
animadamente no Centro de Estudos de Cultura
Contemporânea da Universidade de Birmingham, que tive o
privilégio de frequentar. Na ocasião, um grupo de intelectuais
contestadores, liderados por Richard Hoggard e Stuart Hall,
embasaram os estudos culturais e a hoje chamada cultura
visual. Richard Hoggard veio ao Brasil a meu convite dar um
curso no Museu de Arte Contemporânea da USP. Só tive a
dimensão da minha ousadia e da generosidade de Hoggard em
aceitar o convite, quando um amigo do British Council me
perguntou como eu tivera coragem de chamá-lo ao Brasil.
Esse mesmo amigo me recomendou entusiasmado para não
largar de Hoggard, porque ele era patrimônio cultural da
Inglaterra.
A entrevista com Malcolm Ross, professor da Universidade
de Exeter, naquele tempo o mais comentado arte-educador da
Inglaterra, serve aqui de parâmetro histórico para
entendermos os esforços da força-tarefa comandada por John
Steers a fim de reformular a educação de arte e design no
Reino Unido. Seu artigo demonstra a força da resistência e a
propriedade da reavaliação histórica sobre o pensamento em
relação à criatividade e ao ensino da arte e do design.
Segue-se neste livro o capítulo sobre a história do ensino
da arte baseado no objetivo de desenvolver a criatividade. O
texto foi escrito por Enid Zimmerman, professora emérita da
Indiana University School of Education, com vasta pesquisa
em torno da identificação, desenvolvimento, avaliação, e
excelência na educação de estudantes artisticamente
talentosos. Sua revisão bibliográfica da criatividade nos
prepara, em diversos momentos, para entender melhor os
atuais objetivos e ações direcionados ao desenvolvimento da
criatividade. Trata-se da história iluminando o presente.
No capítulo 4, Bernard Darras nos fala sobre a era da
industrialização da mudança e afirma:
A imaginação, a criatividade e a criação, que serviram para o crescimento e o
consumo da sociedade, devem, agora, contribuir para a ‘ecologização’ das nossas
comunidades e de todos os setores da educação, que devem unir esforços a fim de
criar um novo estilo de vida com e no mundo, bem como uma nova arte de viver
juntos.
E, por fim, pergunta: “Que contribuições podem nossas
disciplinas trazer a essa vida nova e a essa nova arte de
viver?”
Os capítulos seguintes tentam responder à pergunta de
Darras. Anne Harris nos fala do ativismo político e da
criatividade, Adolfo Albán Achinte nos aponta o caminho da
criação em comunidades e eu destaco o desenvolvimento da
criatividade coletiva. O ensino moderno da arte, que se
configurou em todo o mundo na ênfase expressionista,
pensava em criatividade individual. Hoje a criatividade
coletiva e os processos para desenvolvê-la são o foco da arte-
educação e do design. Mais uma razão para tentarmos no
Ensino Médio a associação entre arte e design. Os designers
estão mais avançados que os arte-educadores nas práticas
coletivas em direção ao desenvolvimento criador. Os
designers lentamente deixaram de se concentrar nos
interesses capitalistas e passaram a ter como objetivo as
necessidades do ser humano individual (human design). Hoje
pensam em influir positivamente nas mudanças da sociedade,
valorizando, com bastante ênfase, a criação coletiva.
Os capítulos 8 e 9, de duas jovens pesquisadoras, refletem
sobre a criatividade e assuntos de grande contribuição
científica para desenvolvimentos individuais e sociais.
Annelise Nani, que organizou comigo este livro, escreve
acerca da criatividade e da neurociência, e Ning Luo tratou,
em seu texto, de gênero e criatividade.Vanessa Lambert, por
sua vez, no capítulo 10, discute temas que envolvem o
processo criativo e a representatividade da mulher negra.
Fechando a obra com chave de ouro, publicamos Marie-
Françoise Chavanne, ex-presidente da Insea – The
International Society for Education Through Art. Nós nos
conhecemos em 1984, quando, como presidente da Insea,
visitou o Brasil; desde então a admiro. Em texto lido por ela
em uma mesa na qual também participei durante o congresso
“Création & Créativité: entre formation et recherche”, na
Université Paris Descartes, Sorbonne, em 2017, a autora
defende a necessidade da volta à criatividade.
Com a organização deste livro, quero comemorar o retorno
do interesse das pesquisas em relação à criatividade. O ensino
da arte e do design e os estudos visuais estão voltando a exigir
o desenvolvimento da criatividade como função principal da
educação e da compreensão da imagem. Esse novo interesse
voltado à criatividade da arte-educação não se baseia nos
mesmos princípios que comandavam a arte-educação dos
anos 1960. No passado, dos processos envolvidos na
criatividade, o ensino da arte valorizava principalmente a
originalidade e a fluência, a novidade e a produção de muitas
respostas a um problema. Hoje a elaboração, reelaboração,
reconstrução, ressignificação e flexibilidade como mudança
de categoria são processos nos quais mais investem os arte-
educadores. O ensino do design também busca inovação, que
tem mais a ver com a elaboração e ressignificação do que com
a transitória novidade.
A cultura visual americana (do Norte e do Sul) contribuiu
para o retorno à criatividade. Assimilada à arte-educação sem
grandes lutas, ao contrário do que aconteceu na Europa
Continental, combateu os valores hegemônicos, ampliou a
capacidade de análise da sociedade e de todas as mídias
visuais, mas centrou-se principalmente na crítica à imagem e
relegou o processo de criação através da produção de
imagens. O retorno à criatividade representa hoje o retorno ao
fazer criador e a adesão ao conceito expandido da arte. Na
Europa Continental, aconteceu o que Mieke Bal chamou de
guerra artificial entre os antigos e os novos. A turma da arte
acabou sendo generalizadamente desprezada pelo grupo da
cultura visual, que se apresenta como os novos. Os da arte
mudam em direção à desierarquização, mas são acusados de
antigos pelos da cultura visual. Um grupo liderado por
europeus plantou no Brasil a mesma “cizânia”, para usar um
termo muito caro às histórias em quadrinhos da personagem
Asterix.
Entretanto, em países “pop” como os Estados Unidos e o
Brasil, o país do Carnaval, essa desavença foi facilmente
diluída. Que arte-educador é contra a cultura visual no Brasil?
Nenhum!
Porém, ainda há dois guetos universitários que,
identificados com a cultura visual, são contra a arte, contra a
história, e eles acham que foram eles mesmos que
descobriram as relações entre a educação e o social no país de
Paulo Freire. Infelizmente a beligerância dos adeptos
sectários da cultura visual contra a arte na educação
enfraqueceu politicamente os arte-educadores e contribuiu
para a retirada da obrigatoriedade das artes no ensino médio.
O Ministério da Educação havia tentado retirar as artes do
currículo em 1996, mas os arte-educadores empreenderam
uma luta vitoriosa, telefonando e enviando telegramas aos
deputados e senadores que votariam a nova Lei de Diretrizes e
Bases da Educação. Fizemos até performances nas ruas e
protestos por ocasião da Bienal de São Paulo. Contudo, em
2018, perdemos a luta e a arte no currículo dos adolescentes,
pois estávamos enfraquecidos pelas fake news disseminadas
por oponentes da arte-educação e debilitados por conta da
atuação de alguns adeptos da cultura visual excludente no
Ministério da Educação e em comissões decisórias. O lema dos
oportunistas “dividir para reinar” enfraqueceu politicamente
a arte-educação no Brasil, mas, apesar disso, o ensino das
artes visuais se desenvolveu muito nos últimos trinta anos no
país graças aos cursos de pós-graduação que formaram
grande número de mestres e doutores, cujas pesquisas
iluminaram a arte nas escolas, e ao sistema de cotas nas
universidades públicas, que mudou a paisagem cultural de
nossas instituições.
Os últimos congressos da Federação de Arte Educadores do
Brasil, dos quais participei em 2021, 2020 e, de modo online,
em 2019-Manaus, mostraram que a cultura visual foi
integrada na arte-educação, ampliando positivamente o
campo de sentido da arte. O que temos hoje não é apenas
ensino de arte, mas também o estudo, nas salas de aula, da
imagem de qualquer categoria. No período da epidemia de
Coronavírus, por meio da internet tivemos o ensino da arte
como campo estendido.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
ROSS, Malcolm. The Creative Arts. London: Heinemann Educational Books, 1978.
1. Entrevista de Malcolm
Ross a Ana Mae Barbosa
Décadas atrás, Malcolm Ross era professor titular da
Faculdade de Educação da Universidade de Exeter, Inglaterra,
e famoso em todo o país por seus métodos pouco formais,
considerados muito eficientes para a aprendizagem. Naquela
época, a área de ensino de arte e design estava sendo
mobilizada pela preponderância dos estudos culturais e da
multiculturalidade.
O livro de Ross, The Creative Arts, foi um dos últimos a
abordar a criatividade no ensino das artes e fez um enorme
sucesso, pois trazia uma séria fundamentação teórica
retirando a criatividade da vala comum da mera rebeldia.
As décadas de 1960 e 1970 foram um período muito rico
para a educação dos países desenvolvidos, enquanto nós do
Terceiro Mundo, especialmente da América do Sul, vivíamos
tempos difíceis de ditadura, censura e perseguições que
atingiram as universidades e até escolas de educação infantil.
Expulsa da Universidade de Brasília, onde tentava fazer
uma escolinha de arte baseada em princípios da Bauhaus,
integrando arte, design e outras mídias com o objetivo de
desenvolver o processo criador de crianças, adolescentes e
professores, resolvi vir para São Paulo e me empenhar em
estudar. Não havia nem sequer mestrado em Ensino da Arte
no Brasil, por isso, entre 1971 e 1998, circulei entre Estados
Unidos e Inglaterra fazendo mestrado, doutorado, pós-
doutorado e ensinando em universidades as mais diversas
como Yale e The Ohio State.
Nos Estados Unidos, nos anos 1960 e 1970 foram criadas as
open classrooms, os museus para crianças, a pílula
anticoncepcional, o rock and roll e surgiu uma geração crítica,
os hippies e os ativistas contra a Guerra do Vietnã. A partir daí,
calaram sobre criatividade.
A educação criativa tinha formado jovens atuantes contra
os desígnios do Estado, e era preciso acabar com ela. Só agora
a partir das crises do capitalismo é que voltaram a investir na
criatividade, mas uma criatividade controlável expressa
através do movimento do design thinking passado pelo crivo
do neoliberalismo, quase sempre aliado ao mercado.
Na Inglaterra, eclodiu o multiculturalismo e os estudos
culturais, enfim o respeito à diversidade. Até que, a partir
dessas contribuições, nos vimos envolvidos na virada pós-
moderna na qual a criatividade foi relativizada em favor da
ideia da arte na educação como cultura.
O retorno à criatividade na educação para as artes ocorrido
no século XXI não repete nem os pressupostos, nem as
práticas das décadas de 1960 e 1970, mas repensa a
criatividade diferenciando-a do nonsense, do vale tudo e da
vaga sensibilidade. Quando entrevistei Malcolm Ross, eu
estava fazendo um pós-doutorado na School of Art Education
of the University of Central England, antiga Politécnica de
Birmingham. Eis a nossa conversa., {interrompida apenas
pelo almoço que ele ofereceu a mim e a meu marido.}
ANA MAE BARBOSA Gostaria de compreender a situação da
educação artística nas Faculdades de Educação aqui na
Inglaterra.
MALCOLM ROSS Bem, temos um curso de graduação, depois
temos o curso de pós-graduação e os avançados. No nível de
graduação, os estudantes podem optar por fazer como área
principal de estudo ou educação dramática, ou educaçãomusical, ou arte-educação e ensino de inglês. Desse modo,
eles terminarão tendo um título (degree) geral, que
chamamos de bacharel em educação, porém tendo se
especializado em arte, ou em música, ou em drama, ou em
ensino de inglês.
AMB E qual a duração do curso?
MR É um curso de quatro anos.
AMB E o ensino da educação artística começa desde o
primeiro ano?
MR Sim. Ficando bem claro que eles serão especialistas
naquele campo e que estudarão nele durante todo o seu
treinamento.
AMB Eles fazem arte, na prática?
MR Sim, fazem coisas, praticam, aprendem gravura, desenho,
pintura etc. Mas, é claro, apreendem a ensinar arte.
AMB Desde o começo?
MR Desde o começo. Então terão estudos gerais e
provavelmente também estudos complementares ou de apoio.
Creio que não temos, tradicionalmente, nesse nível ou mesmo
em qualquer outro nível, a espécie de interabordagem
interdisciplinar para a formação de professores de arte,
abordagem que eu pessoalmente gostaria que existisse.
AMB Como acha que poderia ser essa abordagem
interdisciplinar? Isso é motivo de muita discussão no Brasil.
Criamos algo totalmente maluco. Em vez de abordagem
interdisciplinar, nós criamos o polivalente. Treinamos nossos
professores por apenas dois anos. Após o segundo grau (atual
ensino médio), eles vão para a universidade e então são
treinados por dois anos, para ensinar nas escolas primárias e
secundárias, drama, dança, música, desenho geométrico e
artes plástica, tudo isso junto.
MR Fantástico.
AMB É totalmente impossível! Três linguagens em dois anos!
E é chamado de polivalente. Eu costumava dizer que era a
tradução da abordagem interdisciplinar para os países
subdesenvolvidos.
MR E qual a sua opinião sobre isso? Que é maluco, mas bom?
AMB Não!
MR Maluco, mas errado?
AMB Eles não podem estar preparados. Não poderão perceber
as semelhanças nem as diferenças entre as artes. E na escola,
a arte torna-se uma espécie de preparação para uma festa – a
festa do Natal, a festa do Dia das Mães. Mas concordo com a
abordagem interdisciplinar, porém acho que nessa
abordagem temos que estar muito bem preparados pelo
menos em uma área, e saber o suficiente sobre as outras
áreas, para poder nos comunicar, para saber cojulgar, para
trabalharmos juntos.
MR Eu não poderia imaginar uma maneira mais radical que
essa para começar. Mesmo a esse nível, não acontece muito
aqui. Não acontece neste campus particular, de modo algum.
Se você toma um lugar muito bom, como o Dartington
College…
AMB Estive lá, há dois anos.
MR Trabalho lá uma vez por semana, e gosto muito de lá.
AMB Fiquei fascinada com a abordagem social…
MR Sim, é interessante. Lá existe muito pouca comunicação
ou colaboração entre as três áreas principais de estudo:
drama, os estudos teatrais, desenvolvem-se por um caminho,
e a música e a arte por seus caminhos. Quando você vê os três
situados desse modo, no mesmo campus, tão próximos entre
si, é muito estranho que haja tão pouca interação entre eles.
AMB A área mais fraca é a de artes plásticas; teatro e música
são mais fortes.
MR Certo. Mas essas são as que conseguiram se estabelecer,
ter os seus títulos. A Arte sempre teve, tradicionalmente,
certos tipos de problemas, de um ou de outro tipo. Acho que
essas dificuldades que eles estão tendo com o Departamento
de Arte não são apenas devido a eles próprios, mas têm algo a
ver com a orientação política nacional, quanto ao número de
tais departamentos que devam existir no país e que possam
receber alunos novos já graduados. Assim sendo, mesmo que
Dartington conseguisse persuadir o Conselho Nacional de que
atingiu o nível certo para ser oferecido tais cursos, a política
do governo provavelmente não permitiria que tais cursos lhe
fossem oferecidos.
Mas, voltando ao ponto original, sobre a preparação de
professores de arte, concordo com você, e espero que os
indivíduos tenham sua própria especialidade, e que saibam
algo em profundidade sobre uma área particular. Mas sinto
que os professores de arte deveriam ao menos ter consciência
de que têm muito em comum com outros professores de
outras artes, de modo que as artes sejam identificadas como
uma área particular do currículo, e que tenha uma espécie de
oferta particular de artes, para apresentar às crianças. Deveria
haver certa coerência, certa mutualidade, uma compreensão
mútua do que está se passando nas diferentes áreas, para que
o ensino de música, por exemplo, possa ser em certo sentido
semelhante ao ensino de teatro, que as crianças improvisem e
usem as mídias de modo bem pessoal, para que quando
passem, digamos, do teatro para a música, não se encontrem
em mundos inteiramente diversos, para que as duas coisas
não possam contradizer uma à outra. Tem que haver certo
entendimento comum entre todos nós, professores, a
respeito da função das artes dentro do currículo como um
todo, e da sua atração para as crianças experimentarem.
AMB Sim, deve haver uma conexão entre as diferentes formas
de arte.
MR Elas devem, ao menos, aderir à mesma filosofia.
AMB Sim.
MR A mesma noção do papel da arte na sociedade.
AMB Tive uma escola de arte no Brasil, [a Escolinha de Arte de
São Paulo], durante quase quatro anos [1968-1971]. Depois
decidi que realmente sou uma pessoa que precisa trabalhar
por um salário. Não posso ser dona de uma escola. A parte
financeira era uma loucura completa. Dávamos muitas bolsas,
o aluguel da casa aumentou muito. Tivemos que fechar a
escola. Tínhamos teatro, música, artes plásticas e dança. As
crianças tinham que experimentar tudo, meninos e meninas.
MR Que idade tinham os alunos?
AMB De dois anos e meio até dezoito.
MR Dois anos e meio?
AMB Sim, tínhamos uma experiência para preparar para
alfabetização. Através da arte, eliminávamos de cara a ideia
de desenvolvimento de motricidade através de exercícios
convencionais.
MR Para desenvolver o controle motor fazendo trabalhos
criativos?
AMB Sim, através de trabalhos criativos. Foi uma ótima
experiência, e agora ela está madura; a mesma professora,
[Madalena Freire], continuou a experiência em outra escola, e
este ano ela vai publicar um livro sobre os resultados: uma
experiência de dez anos. A abordagem era muito ligada a
Paulo Freire, pois todos nós éramos estudantes ativos de
Paulo Freire. Ele procurou nos dar certa orientação, de
Genebra para São Paulo, através de cartas, de livros que nos
enviava. A experiência foi difícil no que diz respeito à música
– a música não deu certo. Conseguimos trabalhar em
conjunto em teatro, expressão corporal, artes plásticas – mas
quanto à música, só conseguimos encontrar professores
treinados nos métodos de Kodali, de Or�. Era um tanto
instrumental para nós.
MR Não se aplicava à sua abordagem…
AMB Foi uma experiência violenta, para um trabalho
interdisciplinar. Eles não entendiam a nossa abordagem,
nossos propósitos, nosso objetivo.
MR Quem eram esses professores de música?
AMB Todos treinados, geralmente, em conservatórios de
música.
MR Professores de música brasileiros?
AMB Sim.
MR E lá a influência de Kodali e de Or� é grande?
AMB É muito grande. E alguns deles tinham tido bolsas de
estudo para a Alemanha para estudar Or�. Não sei como, mas
Kodali é muito usado no sul do Brasil, do Rio Grande do Sul
até São Paulo.
MR Obviamente eu não teria pensado que o método de Kodali
e mesmo o de Or� fossem adequados à sua cultura. Esse é o
problema.
AMB Pelo menos não foi adequado para o nosso objetivo.
MR Para o modo como queriam trabalhar.
AMB Para o modo como trabalhávamos.
MR Sim.
AMB Estávamos apenas tentando começar um estudo em
profundidade do campo de referências das crianças, para
desenvolver a aprendizagem a partir delas próprias, e não a
partir de fora. Não para fornecer um código, mas para ajudá-
las a encontrar seu próprio código, no mundo de arte dos
adultos.
MR Como resolveram o problema? Ou ainda não o
resolveram?
AMB Oh! Não resolvemos. Fechamos a escola antes disso.
Nunca resolvemos o problema do ensino da música. Tivemos
apenas um professor que trabalhava em uníssono conosco,
mas estava envolvido coma política de resistência à ditadura,
e teve de fugir[1].
MR Isso é espantoso. Meu próprio sentimento é que a música
– sinto pessoalmente cada vez mais – que a música é o início
de tudo. Sei que é absolutamente ridículo enfatizar uma forma
de arte mais que outra. Mas, para mim, neste momento pelo
menos, a música é o mais sensível e adaptável meio de todas
elas, realmente.
AMB Concordo, pois os adolescentes, por si mesmos, viram-
se para a música a fim de educar seus sentimentos. E no Brasil
a música popular é a mais bem-sucedida forma de arte, mais
democratizada e tem reconhecimento internacional.
MR E os pequeninos também. Até uma criança de dois anos e
meio é capaz de responder musicalmente, de usar a música da
maneira que eu entendo pelo menos, diretamente. Mães e
filhos, crianças cantam, dançam, dançam rock. É tudo parte
da experiência musical e, logicamente, nos dias de hoje, desde
bem pequenas, as crianças ouvem rádio, música, captando a
linguagem da música rapidamente. Fico espantado. Tenho
dois filhos pequenos e fico admirado como eles cantam tanto,
inventam tanta música. Não tinha pensado que crianças tão
pequenas fizessem isso: criancinhas de quatro, de três anos,
cantam o tempo todo. Meu trabalho em Dartington é
principalmente com música e improvisação.
AMB Fiquei fascinada com Dartington, com o ambiente. É
muito especial. Foi difícil me concentrar enquanto estava lá,
pois estava tão envolvida sensorialmente pela paisagem.
MR É muito lindo.
AMB Muito lindo e muito emocionante.
MR Sim, muito monástico, retirado do mundo. Um templo,
um paraíso.
AMB Agora compreendi como a educação artística é lecionada
aqui.
MR Temos cursos de pós-graduação, cursos adiantados. Em
resumo, nossos pós-graduados chegam com títulos especiais
em música, ou arte ou outra coisa. E a suposição é que eles
irão se especializar nessas áreas. Eles recebem ajuda de
caráter profissional, quando vêm para cá. Assim, serão
treinados – se chegam com um título em inglês, ou em teatro,
ou em educação artística –, irão se especializar em inglês, ou
em teatro, ou em educação artística. E então temos um curso
de educação geral. Trabalho bastante com pós-graduados.
Dou um curso interdisciplinar para eles chamado “As Artes na
Educação”. Nele, minha abordagem é quanto aos movimentos
em todos os tipos de diferentes meios, procurando extrair
certos princípios comuns básicos.
AMB É como resolver certos problemas com os diferentes
meios.
MR Correto! É como ter à mão os diferentes meios (mídias) –
pois se hoje você está com vontade de ir nessa direção, você
pode ir –, escrever, por exemplo, escrever música através de
colagem, ou de coisas visuais.
AMB Você leciona no nível de graduação ou só se dedica aos
pós-graduados?
MR Não, de jeito algum! Gosto muito de lecionar aos não
graduados, mas, em parte por uma condição histórica, não
trabalho muito nesse nível. Porque, logicamente, a equipe que
estava lecionando aos não graduados, em sua maioria
continua aqui, e a maioria ainda está lecionando, apesar de
ter sido absorvida pela organização da universidade. E
estamos ainda muito identificados com nossas antigas
responsabilidades. E vim para a universidade para trabalhar
com as unidades dos cursos adiantados, e a maior parte do
meu trabalho ainda é nessa área. Trabalho um pouco com os
pós-graduados e quase nada com os não graduados. Há
bastante gente fazendo um bom trabalho nessa área e eu não
sou necessário. Por outro lado, estou muito interessado em
desenvolver o programa de mestrado (master), que é o novo
curso que estou dando. Eu o iniciei há dois anos.
AMB É um mestrado em educação?
MR É um mestrado em arte-educação. Em educação criativa
de arte. O importante é ser em educação criativa de arte –
assim tenho músicos, dançarinos, escritores, toda sorte de
gente. E não é um curso em tempo integral.
Tradicionalmente, sempre demos cursos de tempo integral
aqui; pessoas, que foram dispensadas de suas escolas por um
ano, vêm para cá, fazem seus cursos e voltam com um título
mais alto. Mas por causa de falta de dinheiro, por causa da
idiota política do governo [já se iniciava a destruição
neoliberal de Margaret Thacher], existe uma ênfase em
dispensar apenas alguns poucos professores para os cursos
integrais – mas nunca os da área de artes. Esses professores
têm que ser professores de matemática, ciências etc. Estamos
apenas pensando em como será possível treinar mais
tecnólogos e melhorar o estado econômico do país.
AMB A arte tornou-se design…
MR A arte tornou-se design, o teatro tornou-se numa espécie
de engenharia social ou coisa parecida. E todas essas coisas
que estão acontecendo agora, obviamente, não concordo com
elas. Mas sofro de falta de alunos, porque eles simplesmente
não estão sendo dispensados. Assim, começamos um curso de
tempo parcial. Está indo muito bem. Normalmente, esses
cursos de mestrado têm por volta de oito estudantes para
cada orientador. No primeiro ano peguei dezesseis alunos, e
peguei outros doze no segundo ano. Isso quer dizer que tenho
cerca de 25, 26 alunos fazendo cursos de mestrado.
Atualmente, é o maior curso avançado na escola de educação.
É ridículo.
AMB Quantos orientandos?
MR Oriento os 26. Eu deveria ter no máximo doze, mas toda
essa gente queria vir, e acho muito difícil dizer não, porque
eles têm estado à espera por tanto tempo por uma
oportunidade de obter um título mais alto. E eles não têm
nenhuma chance de fazer cursos, e estão dispostos a pagar
por eles. Eles vêm de Wales, Cambridge, Liverpool,
Birmingham etc.
AMB Eles têm que vir aqui toda semana?
MR Sim. O único jeito de podermos fazer um curso dessa
maneira foi eles vindo cinco fins de semana. Durante dois
anos. Também têm que fazer dois cursos de verão, que
constituem a residência, o contato mais direto. Nós
produzimos materiais como este formulário, gravamos fitas,
falamos no telefone, escrevemos longas cartas. Procuramos
nos manter em contato, como uma espécie de Open
University[2]. Eles fazem um número de tarefas durante esses
dois anos, que constituem o trabalho do curso, e então têm
que fazer uma longa dissertação. E provavelmente, para a
maioria deles, levará três anos para tirar o título. Podem tirá-
lo em dois anos se conseguirem fazer a dissertação a tempo.
Mas as chances de fazerem isso, quando trabalham em tempo
integral, são praticamente nulas. E muitos têm que pagar do
próprio bolso. Portanto, são muito dedicados, um pessoal
formidável. Estou muito feliz de trabalhar com eles. E
atualmente eles são minha principal responsabilidade.
Recebo ajuda de meus colegas com as aulas e outras coisas.
Porém tenho que orientá-los, verificar seus trabalhos,
aconselhá-los…
AMB Um trabalho grande.
MR Bem grande. Espero que se torne menor.
AMB Tenho dois alunos para mestrado e dois para
doutoramento.
MR Isso é razoável, assim você pode lecionar…
AMB Comecei a orientar estudantes – chamamos de
orientação, em vez de “tutoring” – comecei a orientar
estudantes apenas no ano passado. Conseguir o tempo
integral na minha escola é difícil, principalmente sendo
mulher, pois muitos homens que começaram a ensinar muito
depois de mim tiveram o tempo integral e eu não. Quando eu
me rebelava, diziam que eu tinha marido para me sustentar.
Como protesto, resolvi não orientar, embora a pós-graduação
em arte-educação tenha sido criada por mim. Operou-se uma
contradição: havia o curso, mas não havia orientador, pois eu
era a única doutora em arte-educação, e só doutores podem
orientar. Foi como consegui meu tempo integral. Podemos
receber só dois alunos por ano. O limite é de doze.
JOÃO ALEXANDRE BARBOSA[3]: Eu tenho dezessete.
MR E qual é a sua cadeira?
JAB Teoria Literária.
MR E vocês estão trabalhando no mesmo lugar?
AMB Na mesma universidade, mas ele na Faculdade de
Filosofia e Letras e eu na de Comunicações e Artes.
■ ■
AMB Como se sente… Acho que você é o mais produtivo
escritor em educação artística atualmente na Inglaterra.
Sendo o mais importante escritor sobre educação artística,
agora, como se sente lecionando arte num Departamentode
Educação, em vez de num Departamento de Educação
Artística? Você acredita que exista algum tipo de preconceito
em relação à arte, por parte dos professores da educação
geral?
MR Deus do céu! Vamos ver se entendi direito sua pergunta.
AMB Creio que são duas…
MR Você está querendo saber se eu sinto que, ao trabalhar
num lugar como este, existe um preconceito em relação às
artes? Acho que existe por aí, em quase todos os níveis, uma
discussão sobre educação no momento[4]. Não é uma
conspiração contra as artes; nem mesmo um preconceito em
relação às artes. É mais um sentimento de que existem outras
prioridades. E essas prioridades são de algum modo legítimas.
Ninguém quer ser pego dizendo que eles são contra as artes,
ou que eles entendem que não deveria haver lugar para as
artes na educação. Mas se você pega a maioria dos
pronunciamentos oficiais recentes do Conselho do
Departamento de Educação e Ciência, a estrutura para o
currículo, o seu papel no currículo escolar inteiro, você
conhece esses documentos e sabe que é preciso procurar
muito para achar neles alguma menção sobre as artes. E, no
entanto, eu li ontem um relatório muito interessante do
Comitê de Educação, Ciência e Arte, da Casa dos Comuns,
falando sobre o currículo escolar e sobre esses
pronunciamentos do Departamento de Educação Ciência e
Arte, dizendo que eles sentem muito o fato de as
humanidades e artes terem sido, aparentemente,
negligenciadas e ignoradas. Porque, eles fazem questão de
frisar, não pode haver educação civilizada que ignore as artes,
e de fato eles sugerem que muitos de nossos problemas
culturais nos dias de hoje, por exemplo, o despovoamento do
campo, poderiam, até certo ponto, serem corrigidos por uma
aplicação de dinheiro para apoiar atividades culturais e
atividades artísticas. E, aparentemente, nos EUA, está
havendo um reconhecimento desse tipo de relação entre a,
digamos, moral de uma comunidade e a disponibilidade de
atividades culturais e artísticas dentro dessa comunidade.
Portanto é como afirmar que é uma visão muito acanhada do
Departamento de Educação e Ciência não reconhecer de fato a
importância social das artes. Elas são interrelacionadas.
Pessoalmente, uma opinião bem pessoal, acho que a posição
do estudo, na instituição onde trabalho, dá preferência às
pessoas que trabalham, digamos, nas áreas onde os currículos
têm maior demanda, são mais reconhecidos, do que na área
das artes. Não há dúvida quanto a isso. Veja, não é um
preconceito consciente, não é uma política consciente.
Apenas existe o sentimento de que não podemos apoiar tudo
igualmente, e de que algumas coisas são mais comerciáveis –
podemos dizer assim? –, alguns outros cursos são mais
atraentes para os partidos locais e para orçamentos reduzidos
etc. A fim de manter este instituto funcionando e florescendo,
temos de fornecer o tipo de cursos que os partidos locais estão
preparados para apoiar, e francamente pouquíssimos
partidos locais colocam as artes entre suas prioridades.
Agora, quando vou para Dartington, sinto imediatamente que
estou falando com pessoas que entendem minha linguagem,
que sabem como desejo trabalhar, que respeitam o modo
como trabalho, e então você descobre que tem de trabalhar
num lugar como este para advogar a arte, com todo tipo de
dificuldades, que começam pelo fornecimento do local de
trabalho. Eu quero um piano na minha sala, preciso de um
determinado espaço de chão, tenho que poder armazenar
grandes folhas de papel; não há condições convenientes num
lugar como este. Você terá de lutar para conseguir… Ninguém
se opõe a você; dizem: daremos o que for possível. Mas talvez
seja preciso fazer muito por si próprio. Espera-se até mesmo
que eu recrute os alunos! E é tudo um pouco cansativo, a
maneira como um lugar desses funciona normalmente. Não
encontro antagonismo, nenhuma oposição direta, mas a não
ser que eu esteja disposto a fazer um esforço imenso, nada
aconteceria. Acho que o ponto principal é esse: nada
aconteceria. Não haveria curso de mestrado em artes, como
parte da política da instituição. Ninguém diria se eu não
dissesse, mas olhem para os nossos cursos: têm toda uma
área de estética que foi negligenciada, e me dispor a lecionar
nos fins de semana, e a entrar em toda essa espantosa…
negociação curricular…
AMB Gostaria que falasse sobre seus escritos. Que
repercussão, que influência acha que seus escritos em
educação artística, os livros que escreveu em educação
artística, têm sobre o ensino das artes?
MR Essa é uma pergunta muito dolorosa de se tentar
responder. Não tenho dados concretos sobre isso. A pergunta
geral: até que ponto os professores de arte leem livros sobre
educação artística? Certamente há professores que queimam
as pestanas de tanto ler livros. Quando eles voltam para cá,
para fazer cursos, ou quando fazem cursos em outras
universidades que conheço, como Dartington, ou em outra
qualquer, eles lerão as coisas que escrevi, do mesmo modo
como lerão Elliot Eisner, Lowenfeld etc. Eles lerão esses livros
e serão, até certo ponto, suponho, influenciados por eles. Mas
não estou certo quanto ao resto da vasta população de
professores. Apenas 5% da população de professores
frequenta cursos. Porém, suponho que você pode exercer
influência sobre o que acontece nas escolas de um modo
pouco menos direto, influenciando os orientadores, ou
aquelas pessoas que estão realmente lecionando para
professores; influenciando um pouco os fazedores da política,
e certamente os professores-chefes, os chefes de
departamentos nas escolas e as autoridades locais; inspetores
e conselheiros. Esses são os que precisam ler hoje em dia; eles
sabem disso e o fazem.
AMB Mas não liam…
MR Mas agora sim, eu acho. Porque tem havido uma
crescente pressão, nos últimos anos, para que as escolas
sejam claras sobre o que eles estão fazendo.
AMB O que fazem. Para dar demonstração teórica.
MR Para demonstração, é isso mesmo. Bem, não
simplesmente isso. A pressão tem sido para que elas prestem
contas, para que mostrem o que estão fazendo. Para pôr os
pais a par de que tipo de escola é. Para produzir uma espécie
de prospecto, no qual sejam descritos os tipos de cursos que
estão oferecendo. Tem havido uma pressão semelhante,
partindo do governo, sobre as autoridades locais, para que
estas façam uma declaração sobre o tipo de princípios que
esperam encontrar personificados nas escolas. E assim, por
todo o país você tem encontros em nível de partido local, com
os conselheiros se reunindo para tentar explicar
detalhadamente o que está sendo feito, ou o que pensam que
está acontecendo nas escolas; e no nível do ensino, nas
escolas individuais, e dentro das escolas, no plano do
departamento, as pessoas têm que fazer declarações sobre o
que estão fazendo. Portanto é aí que começam a procurar
livros, escritos, declarações, para encontrar ajuda a fim de
formular suas ideias.
AMB Qual de seus livros é considerado o mais importante?
MR Creio que tenho uma cópia dele por aqui. Sim, é The
Creative Arts.
AMB Está esgotado.
MR Vendeu bem, não é? Acho que The Creative Arts,
provavelmente porque, antes de tudo, ele atua como uma
espécie de… Acho que ele ajuda as pessoas a entenderem
melhor a arte… Pessoas que pensam que gostam de arte,
muitas vezes acham que os livros são esotéricos ou difíceis
demais, e talvez achem a maneira como escrevo mais
compreensível. E penso que as pessoas gostam da conexão
que estabeleço entre as noções expressas de artes visuais,
drama, música etc.
AMB Em geral, David Thistlewood e você são considerados
seguidores da obra de Herbert Read. O que acha disso?
MR Na verdade, fico muito feliz com isso. Estou fortemente
ligado à filosofia de Herbert Read. E isso me alegra… quero
dizer, fico muito lisonjeado, honrado, em pensar que sou
colocado nesse tipo de dimensão. Penso que está certo. Nosso
sentimento sempre foi de considerar a arte como uma
propriedade do indivíduo, que tem sua validade educacional,
simplesmente porque ela responde diretamente, ela vai ao
encontro das necessidades do indivíduo: homem emulher. O
que não significa que nossa ênfase seja sobre a
individualidade a qualquer preço. Não estamos afirmando que
o indivíduo seja contra a sociedade, contra os grupos
formados por ela. Na verdade, nossa noção de individualidade
deve abranger o sentido original desse termo, que é “in-
dividido”. O indivíduo é de fato a comunidade, o grupo não
dividido, do qual todos fazemos parte. E uma das coisas que
estou realmente interessado em promover nesse momento, é
algum tipo de noção das experiências de participação
(sharing) de arte: tanto na resposta à arte quanto na produção
da arte. Estou muito interessado em algumas das coisas que
os antropólogos têm escrito sobre arte comunitária, e sobre
essa noção de arte como uma espécie de área limítrofe entre o
sagrado e o secular. Algo através do qual os indivíduos, e
também os grupos de indivíduos, as comunidades, podem
estabelecer um sentido de totalidade, um sentido de
unicidade.
AMB Às vezes penso que estou de volta ao século XIX, porque
as discussões são quase as mesmas… A luta entre a educação
de arte e o design. Pode explicar sua posição?
MR É um meio termo entre…
AMB Conheço sua posição em relação à polêmica, mas
gostaria que fosse mais claro…
MR Na discussão entre arte e design temos tantos tipos de
diferentes tomadas de posição extremas, não é? Temos, por
exemplo, a facção a favor da arte, que acredita que a educação
artística consiste principalmente em levar as crianças a
entender sua herança cultural – as obras de arte no sentido
estrito do termo –, o produto dos últimos quinhentos anos da
Civilização Ocidental. E no extremo oposto, temos um tipo de
noção muito funcionalista… Temos uma espécie de
abordagem mais funcionalista, que pensa que o desenho, o
fazer marcas, pode servir para fins muito pragmáticos, muito
utilitários, que o desenho pode ser utilizável, que existem
“problemas” com o meio ambiente, as indústrias, ou com
qualquer outro campo, que podem ser resolvidos por certos
tipos de habilidades: olhar, fazer, articular, e que a maneira
de se justificar a arte na educação é dar-lhe essa espécie de
aplicação, muito útil, muito pragmática, prática. Há algo de
positivo em muitos desses argumentos, me parece. E, no
entanto, eu não gostaria de me definir por nenhuma das duas
direções. Acho que enfatizar, de um lado, uma visão de
educação artística que esteja ligada às grandes obras de arte e
à apreciação das grandes obras de arte; uma visão dessas
sugere que estamos tentando fornecer um público maior,
tornar nossas tradicionais obras de arte mais acessíveis às
classes operárias etc. Isso me parece arrogante, disparatado.
E a outra visão é secular demais para o meu gosto. Portanto, o
que estou tentando fazer é, suponho, não importa por qual
meio, encorajar as crianças e os alunos a desenvolver sua
percepção do caráter expressivo, do sentido, da sensualidade
– ou do sentido sensual dos fenômenos do mundo; objetos,
espaços, lugares, e também sinais e marcas e as coisas que
fazemos, as imagens…
AMB Você se interessa pela antropologia por causa da
maneira como ela entende o mundo?
MR Correto. Sim, as teorias dos engajamentos naquilo que a
antropologia chama de abismo regenerativo de uma
comunidade, a sua imersão regular é tão harmoniosa, tão
ritual que se torna regenerativa. Penso que as artes pertencem
a essa área, fazem parte, junto com o espiritual e o
ritualístico, dessa espécie de área regenerativa. E a propósito
disso, fiquei interessado em ler, outro dia, sobre os maias,
que não é uma coisa da qual eu entenda, mas que
provavelmente você entende melhor… Você sabe sobre a arte
maia, não?
AMB Sei…
MR E suspeito que a arte maia esteja impregnada com essa
noção regenerativa. Mas é uma maneira de ver o mundo.
Penso que existem três aspectos de relação com o mundo: um
é que toda percepção é ilusão, e que criamos nosso mundo
através de nossos atos de sensação. Mas o que produzimos,
aquilo a que nós respondemos, é uma ilusão, é uma
fabricação, é apenas uma sombra do real, noção semelhante à
platônica. Além desse mundo ilusório estão as essências, está
o mundo real. E o mundo real é uma espécie de promessa
oculta. Mas temos consciência de que ele está lá. A terceira
noção é uma noção de revelação, que nos permite, através do
espiritual, através da arte, através desse processo
regenerativo, perceber, ocasionalmente, essa realidade,
romper essa membrana de ilusão e sentir o real. E o meu
sentimento é de que a educação artística devia nos colocar em
contato com essa sensação de realidade, do nosso ser, o qual
não está operando pragmaticamente, ou em termos de
consciência, mas estamos permitindo que a consciência seja
inundada pela inconsciência. É a única maneira que podemos
falar sobre isso. Temos realmente que invocar essas espécies
de situações para as crianças, para as pessoas com quem
estamos trabalhando. Assim podemos participar em certos
tipos de danças, ou em certos tipos de experiências musicais.
Se você realmente rabisca com um pincel, ou segue com ele
por desenhos e padrões, a consciência se dissolve e você
começa a perceber formas, usando tipos de recursos e
dispositivos para experiências articuladoras que, de outra
forma, estariam fora de alcance ou não disponíveis. E quando
nos comportamos assim, nós sentimos uma qualidade de
envolvimento muito maior, sentimos que estamos usando
mais de nós próprios, e somos capazes, eu acho, de perceber e
organizar, sendo deliberados, pragmáticos, conscientes e
intencionais sobre ela. É permitir ao não proposital trabalhar,
permitir a intuição, permitir que se desenvolva o tácito, o
silencioso, o implícito. E para mim, a educação estética diz
respeito a sentir prazer; não apenas sentir, mas sentimento e
mente, o ser total.
AMB De certo modo, você faz certa diferenciação entre a
educação estética e a educação artística. Em seu livro, você
afirma: uma coisa é educação artística outra coisa é educação
para a arte.
MR Certo. Mas é uma simplificação, e uma simplificação
inteiramente vulgar. Mas sempre me preocupei com aquilo
que se chama de uma noção de arte mercadoria. Você pode
distinguir uma arte mercadoria e uma arte uso: a arte como
algo que você usa e a arte como algo que é apenas uma
mercadoria, a qual possuímos ou vendemos ou trocamos. O
valor de troca é oposto ao valor de uso. Acho que grande parte
da noção que o homem comum tem de arte diz respeito à arte
como uma mercadoria, como algo que pertence aos ricos, aos
burgueses, que você compra ou paga por, ou seleciona ou
guarda, e acho que muito da prática nas escolas está
relacionada com tais obras que têm sido veneradas, porque
possuem valor de raridade, ou porque parecem ser um tipo de
exemplo alternativo da excelência humana, de certa maneira,
e são objetos valorizados, raros e espantosos. Ao mesmo
tempo, estão tentando levar as pessoas a ver como essa
experiência é banal. Quão imediata, quão natural, quão
acessível ela é. Como se pode incorporar essa espécie de
decisões e julgamentos a cada aspecto da vida cotidiana. E, é
lógico, dar acesso àquelas ocasiões especiais, quando você
esquece tudo mais, e se entrega ao estético.
AMB Encontrei algo comum ao seu pensamento e ao de John
Dewey e Susane Langer. Você cita os dois frequentemente.
Gostaria de saber quais as influências mais importantes na
sua formação.
MR Na verdade não sei. Certamente Dewey, Read, são as
pessoas a quem mais devo. Depois, é claro, o período em que
trabalhei com Witkin[5] foi o momento em que as coisas
realmente se cristalizaram.
AMB Aquele projeto…
MR O projeto no qual trabalhamos juntos. Porque usamos
muito Langer. Read também é alguém que nós dois achamos
muito importante. Sua noção de significado e corpo me
ajudou bastante. Nos últimos anos, Read significou muito
para mim. A partir daí passei a seguir em outras direções. E
como eu disse, os antropólogos. E através deles estou
interessando por formas diferentes, em períodos anteriores
da arte. Estou interessado, por exemplo, na arte maia; e
particularmente interessado na arte mesopotâmica. Penso
que issodeve ser fascinante, o modo como a arte fazia parte
dessas comunidades. E de Gaston Bachelard, você gosta? Você
gosta de seus escritos? Acho maravilhoso. Não entendo muito
o que ele escreve. Considero sua Poética do Espaço legível. A
retórica poética é impossível; e a psicologia é árida; a
psicanálise também é árida, e não entendo alguns trechos. Ele
trata dos valores dos sonhos – ou algo assim. Sei o que essas
coisas significam, pois procurei invocar esses tipos de
experiências no meu trabalho prático com as crianças, com os
jovens e adolescentes com os quais trabalho aqui.
AMB Encontrei arte-terapeutas que mencionaram Bachelard.
Mas nunca encontrei um arte-educador, aqui na Inglaterra,
que o conhecesse. Você é o primeiro.
MR Eu o acho maravilhoso. E nesses últimos anos ele tem sido
uma espécie de figura-chave para mim. Muito do trabalho
prático que faço – trabalho muito mais de modo prático do
que teórico – dirijo sessões.
AMB Como dirige as sessões?
MR É difícil generalizar.
AMB Como fugir dos clássicos seminários?
MR Nenhum problema quanto a isso. Em primeiro lugar,
tento criar uma espécie de espaço especial, no limite.
Deixamos o mundo para trás. Deixamos para trás toda a
espécie de práticas… Durante as sessões…
AMB Durante os fins de semana?
MR Durante os fins de semana. E começamos apenas andando
por aí, e às vezes fechando os olhos; ou também pode
acontecer de cantarmos algo, ou ainda há a possibilidade de
começarmos a improvisar sons. Nós nos recordamos da
supremacia dos sentidos, dos meios e espaços. Começamos a
ver espaços novamente e a sentir o caráter emocional dos
materiais, do meio. Gosto muito de rabiscar (doodling) como
princípio. Em outras palavras, gosto de deixar as coisas
acontecerem. Gosto que as pessoas apenas comecem a
descobrir propostas no processo de ativar o meio. Isso é uma
espécie de retardamento da mente, esse ativar o meio, fazer o
meio trabalhar, comprometer-se com o meio. Não dizer que
você quer fazer algo ou escrever algo hoje, nem mesmo um
soneto – você não tem um tema, um assunto –, nem mesmo
sobre sua mãe, ou sobre a morte de uma flor, não, apenas
interaja com o meio, apenas comece a fazer esses rabiscos.
Uma das melhores sessões que tive no último período com os
meus pós-graduandos foi fazendo música. Eles desconheciam
inteiramente essa maneira de trabalhar. Havia apenas um
músico lá, uma jovem, que abandonou o curso no final dessa
sessão e nunca mais voltou. Na minha opinião, foi a melhor
sessão de música que eu já havia feito até então. E deu início
aos trabalhos do período de maneira maravilhosa. Mas
comecei só dizendo para todos eles – “apenas andem pelo
espaço, e agora escutem os sons no espaço enquanto andam”.
Agora comecem a procurar as coisas que produzem sons, ou
que vocês podem produzir sons com elas. Escutem, e
encostem suas cabeças nelas. Ponham suas cabeças junto
delas e as ouçam. Assim nós ligamos nossos ouvidos;
tornamo-nos todos ouvidos. Então começamos a tagarelar
um pouco. Agora, um pouco de silêncio. Quando eu me deixo
ir desse modo, eu penso: “agora nós vamos ter silêncio em
meio às vozes”. Daí usamos alguns objetos de som natural,
mais alguns instrumentos. E apenas sentamos em volta e
deixamos partir o barco. Então eu propus três exercícios
relacionados com as cores. E disse ao grupo: “faremos um
pouco de música vermelha, um pouco de música verde e um
pouco de música azul”. E foi só quando chegamos à música
azul que a coisa pegou. E foi maravilhoso! É como se você
tivesse que fazer uma porção de marcas e gestos muito
óbvios, e dar-lhes um clique. Então uma porção de
nervosismo está fora do caminho, porque as pessoas estão
repletas de silêncio e também de espaço. Pensam que devem
fazer alguma coisa com eles. Mas o que eventualmente se
estabelece é uma espantosamente fina, tênue, espécie de pele,
de membrana de som – com as pessoas adicionando
pedacinhos, num padrão que seria impossível de predizer, ou
de fazer uma notação. Mas nessa membrana de som nós
vivemos a música! E você não conseguiria dizer onde acabava
a música e nós começávamos. E terminar uma experiência
como essa é saber que você restabeleceu contato com a fonte
desse tipo de energia e sentido. E você olha para a cara das
pessoas, e elas estão diferentes.
AMB E a musicista que saiu, nunca explicou por quê?
MR Eu nunca mais a vi. Achei que ela era útil. Estava
trabalhando com o interior de um piano, muito direitinho.
Pode ser que não tenha sido por causa da sessão de música.
Sou cético quanto a isso, pois tenho tido mais dificuldade com
os músicos, com M maiúsculo, do que com qualquer outro
grupo de pessoas com quem eu tenha que trabalhar ou falar.
Os músicos me consideram um verdadeiro castigo…
AMB Que tipo de educação artística você teve?
MR Em inglês. Escrever teatro particularmente. Teatro é a
forma de arte com que trabalhei – representei e dirigi um
pouco.
AMB Gostei muito do seu conceito de criatividade. A ideia é de
que a criatividade é um modo de conhecimento. Vai um pouco
contra Guilford, que concebe a criatividade como produção; a
completa operação para a produção. Concordo com você, e
sempre achei que a maneira de adquirir conhecimento pode
ser criativo ou não criativo. Conhece Silvano Arietti? Ele
escreveu um livro chamado Creativity. Acho que trabalha em
Nova York.
MR Como se escreve o nome do autor?
AMB Silvano A-r-i-e-t-t-i.
MR Muito obrigado.
AMB Sua abordagem é semelhante à dele.
MR Vou comprá-lo.
AMB Minha próxima pergunta é sobre a necessidade que o
professor de arte tem de aceitar a arte popular dos
adolescentes. Acha que é um meio de se comunicar com as
noções de arte que os alunos trazem?
MR Acho que fico dividido sobre esse problema. Tenho dois
sentimentos conflitantes sobre isso.
AMB Acho que seus interesses antropológicos têm algo contra
essa posição.
MR Têm sim. Veja, para um professor de música, que fica
genuinamente animado pela música pop, que pessoalmente a
considera atraente e algo que poderia apreciar, então
partilhar isso com as crianças, me parece bom. Não vejo por
que não. E para as crianças fazerem sua própria música pop,
dançar pop, tem que ser bom, tem que ser direito. O que me
preocupa, e onde ponho muitas objeções, é o professor
tradicional de música pegar a música pop e transformá-la em
música de escola tradicional ao analisá-la. É uma espécie de
suborno. Mas o que eles tentam fazer é submetê-la a todos os
velhos processos tradicionais de análise, musicologia etc.
Assim, fazemos um projeto de música pop.
AMB Mas respeitando o contexto?
MR Sim, retirada de seu contexto social e pessoal torna-se
apenas um exercício acadêmico. E as crianças acham isso
muito aborrecido; não querem sentar-se e ficar olhando,
mesmo que o professor de música termine por elogiar e
apreciar o trabalho de um Beatle. Assistir sentado a uma
análise que compara os Beatles com Schubert, e que mostra
como a música dos Beatles também emprega os mesmos tipos
de estratagemas técnicos é acadêmico e também
condescendente. Quando são as crianças que usam a música, é
bem diferente; e, eu diria, artística, esteticamente expressa
mais. Assim não se deve fazer isso, e estragar a música deles,
para eles. Do mesmo modo que não se deve, numa escola
primária, convidá-las a ler livros sobre a origem da trompa, e
fazer desenhos e escrever sua história, em vez de tocar a
bendita trompa, e dançar ou rabiscar ou fazer música. Existe
também uma ideia de que nós vamos nos sentar e escutar os
garotos e depois eles vão escutar a nossa música; faremos
uma espécie de negociação tácita com eles. Os professores de
música precisam compreender a legitimidade, o papel
legítimo dessa música, digamos, nas vidas dos jovens
africanos, dos jovens jamaicanos e dos jovens ocidentais.
Devem estar prontos para apoiar esse tipo de atividade,
quando ela tem valor, quando os envolve. É sobre isso que
estão acostumados a falar quando estão juntos. E se envolver
nessa espécie de música é ajudar as crianças a participar mais
ativamente.
AMB Você acha que existe uma diferença entreeducação das
sensações e educação emocional?
MR Sim. Vou lhe dizer o que penso. Eu estava fazendo uma
sessão de movimento. Na verdade, era uma sessão de
movimento e ciência. É uma coisa linda de se fazer. Você
vagueia pelo espaço, os olhos fechados, fazendo palavras,
inventando palavras, sons: lá-lá-lá, bou-bau. E as outras
pessoas fazem o mesmo. E se torna muito visual, de algum
modo, mesmo de olhos fechados. A gente se torna ciente,
visualmente, de uma nova espécie de espaço, de sons criados,
de texturas. E quem está fazendo isso precisa de muita
concentração para ir bastante longe nessa viagem. E dez
minutos depois de ter começado essa sessão, entra um
professor de música e diz: “Co�, Hum – Será que podia…
Fulano de tal está aqui?” Fui depressa até ele e disse: “Não,
acho que não.” E ele: “Alguém sabe onde está Fulano de tal?”
E pronto. Acabou-se tudo. A suposição é que você poderia
entrar em qualquer de suas aulas e interrompê-lo desse
modo, a qualquer hora, sem estragar a experiência na qual ele
está envolvido. Deve ser isso, se ele faz isso na minha aula…
AMB Ou ele pensa que não está acontecendo nada em sua
aula!
MR Ele supõe que não está acontecendo nada. Portanto, ele
pode me interromper! É isso mesmo. Sei que, de maneira
geral, eu poderia entrar em suas aulas e apenas parar um
instante dizendo: “Será que eu poderia dar um aviso?” Eu
poderia interromper e não haveria problema. Porque ele não
está operando da maneira que eu opero. É tudo muito
consciente, muito linear, estruturado e acadêmico. Nós
estamos falando sobre, estamos olhando para, estamos
fazendo marcas, estamos usando símbolos objetivos,
abstratos. Você pode parar isso a qualquer momento. Mas
tente parar o que estou fazendo, a qualquer instante, e
gritarei de dor verdadeira, de angústia. Algo assim aconteceu
numa sessão em que tomei parte. Havia alguém dirigindo a
sessão. E eu estava longe, participando de algo. Ele parou a
sessão e disse: “Acho que vamos parar agora, porque tem três
pessoas lá fora, paradas. Acho que elas não estão se
divertindo, e estou preocupado com o que estão pensando.” E
nós todos dissemos como nos sentíamos. E eu disse: “Eu sinto
como se tivesse sido puxado pelas raízes, e arrastado gritando
de volta a alguma espécie de mundo que eu havia deixado.” E
todos olharam para mim: “Ele está exagerando de novo. Ele
está maluco. Ele é sempre tão dramático! Ele não pode estar
se sentindo assim.” Mas eu disse: “Eu me sinto assim! Eu
estava trabalhando em outro meio, em outra dimensão de
pensar, que era muito importante para mim, e onde eu estava
aprendendo algo, e onde eu ia receber algo talvez. E vocês me
fazem abandonar tudo por isso aqui? Bem, eu largo tudo, mas
é como me acordar no meio de um sonho; vocês me acordam,
vocês dizem: ‘Acorde! Acorde!’ E eu: ‘Sim! Sim!’ Vocês
compreendem? Ok, eu acordo.” Esse é o efeito no meu ser, na
minha consciência. E, provavelmente, ficarei flutuando no ar
por horas. Sou sensível demais, demais. Mas é assim que
quero trabalhar em minhas sessões e com as crianças. Quero
que a educação de arte seja sobre como obter essa espécie de
elevação para um outro mundo, onde você pode fazer figuras,
de acordo com essas outras leis não ritmadas. E onde você
pode usar forças, ideias, um sentido de forma, e onde um
sentido do significado da arte opera. Mas existem outros
muito mais intuitivos do que anteriormente. A maioria dos
estudantes de arte faz trabalhos para as faculdades e, em
casa, fazem trabalhos para si próprios.
AMB E às vezes, no colégio, eles fazem o trabalho que agrada
o professor. É incrível como as crianças nos usam. Eu me
lembro de a minha filha dizer: “Eu sei, para a escola faço esse
tipo de desenho, porque é o que a professora gosta.”
MR Isso mesmo. E em casa eles fazem o que gostam.
AMB Bem, acho que já perguntei demais.
MR Sim, mais do que demais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ROSS, Malcolm. The Creative Arts. London: Heinemann Educational Books, 1978.
WITKIN, Robert Winston. The Intelligence of Feeling. London: Heinmann
Educational Books, 1974.
2. Criatividade: Ilusões,
Realidades e Novas
Oportunidades[6]
John Steers
INTRODUÇÃO
Tenho idade suficiente para me lembrar de que a criatividade
estava no topo da agenda educacional nos anos 1960 e no
princípio dos 1970, mas depois parece que desapareceu. Os
que ensinam as artes acreditavam piamente que a criatividade
estava no centro de tudo o que faziam – alguns até chegavam
a pensar que só eles tinham essa prerrogativa no currículo.
Dez anos depois o tópico reapareceu com um apoio retórico
crescente, de tal modo que está hoje no centro da política
educativa. Com certeza é uma notícia muito boa mas, e isso é
a minha questão essencial, como é que as artes podem
promover a criatividade dentro dos moldes inflexíveis do
sistema escolar contemporâneo?
A criatividade é difícil de definir. Uma definição
aproximada foi tentada por Rob Pope. Ele propôs que
criatividade era a ‘‘capacidade de produzir, fazer, ou tornar
algo em uma coisa nova e válida tanto para si como para os
outros”[7]. Podemos pegar centenas de definições de
criatividade e depressa percebemos que ela pode ser pensada
como um ato, um conceito, uma estratégia ou até uma
ideologia tácita. Seja tomada em uma dessas acepções ou em
uma combinação de várias acepções, ou em todas elas, sugiro
que não se limite a criatividade aos que em certo período de
tempo foram considerados gênios. Trata-se de um atributo
humano comum. A maioria das pessoas resolve problemas de
todas as espécies no seu dia a dia com algum grau de
criatividade.
CRIATIVIDADE NAS ESCOLAS I
Claro que há alguns exemplos excelentes de ensino criativo
das artes e, para onde quer que olhemos no mundo, podemos
encontrar excelentes professores de artes que devem ser
reconhecidos. Mas estamos enganados se pensarmos que isso
é norma. Muitas preocupações graves têm sido expressas
durante várias décadas sobre ortodoxias dominantes nas
abordagens ao ensino das artes. Ortodoxia é a antítese de
criatividade. Ao longo dos últimos vinte anos, muitos autores
de artigos da revista britânica International Journal of Art &
Design Education têm chamado a atenção dos leitores para
assuntos que devem ser reequacionados, para a necessidade
de se repensar a educação da arte e do design. Essas chamadas
de atenção refletem sobre a necessidade de se reformar o
currículo, e parece que as críticas têm muito em comum[8].
Investigações recentes mostraram que o entendimento dos
professores sobre o que vem a ser “criatividade” varia
muito[9]. O modo como a criatividade deveria fazer parte do
currículo escolar também é sujeito a diferentes
interpretações. Alguns professores identificam a criatividade
com áreas particulares do currículo, outros argumentam que
ela é sinônimo de resolução de problemas, imaginação e
capacidades de pensamento lateral/divergente.
Possivelmente poderemos concordar que embora a
criatividade não seja a única prerrogativa das artes, estas
deveriam ter um papel significante no currículo em relação ao
assunto.
Na Inglaterra, o declínio do interesse pela criatividade
coincidiu com o desenvolvimento do currículo nacional na
segunda metade dos anos 1980, e com a introdução de exames
nacionais mais prescritivos. Isso pareceu ter retirado todo
incentivo às abordagens inovadoras do currículo, houve um
sentimento de que o problema do que ensinar fora finalmente
codificado e portanto não era necessário procurar mais nada.
Parece que nunca houve verdadeiramente uma intenção de
inibir a criatividade em vez de promovê-la, mas, na vaga dos
programas rígidos que enfatizavam o modelo das
capacidades/competências-chave[10], foi o que aconteceu.
Alunos criativos precisam de professores criativos que não
tenham medo de correr riscos. Infelizmente, isso pressupõe
uma visão e um envolvimento excepcional num sistema
educacional altamente estratificado, que incita ao
conformismo do currículo estandardizado, com a sua
avaliação estandardizada, tarefas de avaliação e metas de
avaliação estandardizadas, rankingde escolas, iniciativas
constantes para subir os resultados, regimes de inspeção
intimidatórios, magros recursos e formação profissional
limitada.
Tais condições restringem severamente os professores,
impedindo-os de assumir riscos e olhando para eles como
simples operacionais: eles “executam o currículo”. Parece
que há muito poucas recompensas, se houver alguma, para as
iniciativas criativas: tal indicador não era evidente nas listas
de verificação usadas pelos inspetores das escolas para quem
não interessa referir o grau de educação criativa na
aprendizagem e na avaliação.
É frequente dizer que muitos professores, especialmente
os professores de artes, estão predispostos para a
criatividade; eles precisam tratar o currículo com
desenvoltura para eles mesmos e para os jovens. Porém, tal
como Arthur Cropley escreveu: “os professores que
fomentam a criatividade são os que promovem a
‘flexibilidade’, que aceitam ‘sugestões alternativas’ e que
encorajam ‘a expressão de ideias’”[11]. Infelizmente, num
sistema educativo altamente monitorado, aqueles que
assumem riscos podem ser uma minoria e existe a tendência
contraditória para convencer os professores a adotar o
sistema de prescrição segura para que os alunos tenham boas
notas nos exames. Os alunos são treinados a responder por
segurança, replicando respostas de anos anteriores nos
exames, e a criatividade que se pode encontrar nos trabalhos
dos alunos é realmente a do professor que fez o projeto e não
dos alunos. Esse tipo de abordagens frequentemente ajuda os
alunos a produzir trabalhos que podem ser bem classificados
nos exames externos. Isso é muito importante porque os
professores são avaliados unicamente através da
percentagem das notas altas nos resultados dos exames
nacionais. Esse tipo de situação de prescrição assídua e de
diretivas do professor recolhe dividendos, mas a
consequência é que o trabalho obtido tipifica a ortodoxia do
estilo “School art” que é perpetuado. Até o O�ce for
Standards in Education percebeu o perigo evidente em
algumas escolas onde o desenvolvimento dos programas para
os alunos entre onze e quatorze anos não era mais do que uma
preparação para os exames que eles teriam que fazer aos
dezesseis anos[12]. Eles salientaram que o currículo nacional
estava prestes a se tornar um estilo particular de trabalho
associado às boas notas nos exames.
A anedota seguinte ilustra talvez o que algumas pessoas
com autoridade pensam da criatividade. O fato aconteceu
durante uma mesa redonda num programa de televisão sobre
criatividade, onde um membro da mesa e eu estávamos
extrapolando sobre a importância da criatividade. Um orador
que pertencia a um dos “examination boards”[13] estava
visivelmente agitado e acabou por dizer que estes estavam
muito interessados em promover mais criatividade: “eles
querem ver mais criatividade”. E enfatizou a frase
“criatividade é muito importante”. Mas, continuou ele, “a
criatividade tem de ser cuidadosamente controlada! E é
frequentemente controlada”.
Claro que a criatividade pode ser problemática. Ela não
está associada só ao aparecimento de ideias inventivas,
inovadoras e imaginativas, mas também a ideias que podem
ser radicais, heréticas ou revolucionárias. Quais são os limites
da criatividade nas escolas? Deveriam existir limites à
criatividade nas escolas? Deveriam existir mais alguns limites
para além daqueles impostos pela decência comum e pelas
práticas da segurança e saúde?
CRIATIVIDADE NAS ESCOLAS II
Existem aspectos que devem ser encarados na sala de aula ou
estúdio de criação e que podem estar em conflito com o éthos
de muitas escolas, instituições sociais que dão muito valor a
um certo grau de conformismo. Os indivíduos criativos
1.
2.
3.
4.
5.
6.
podem revelar características, capacidades e habilidades que
os professores têm dificuldade em gerir. Por exemplo:
Tolerância pela ambiguidade: quantas vezes cortamos
coisas para eliminar incertezas?
Jogar com ideias, materiais e processos: quantas vezes
dissemos aos alunos para pararem de fazer disparates e
fazer apenas o que lhes tinha sido pedido para fazer?
Habilidades para concentração e persistência, continuar a
insistir num e preocupar-se com um problema em vez de
procurar soluções prematuras: quantas vezes dizemos
aos alunos que o trabalho tem que ser acabado no prazo?
Vontade de explorar associações insólitas e ideias
aparentemente desconexas: quantas vezes dizemos
“volta ao seu trabalho, não foi isso que eu disse para você
fazer, para de perder tempo”.
A autoconsciência e coragem para prosseguir com as suas
ideias contra uma possível oposição: quantas vezes
interpretamos isso como mau comportamento e
insubordinação?
Confiança, autoestima para assumir riscos intuitivos e
intelectuais (se calhar, a essência da criatividade está no
“pensamento arriscado”): então, por que muitas vezes
dizemos que é melhor jogar pelo seguro, ficar nas rotinas
estabelecidas, não arriscar a sorte?
Poderemos honestamente dizer que a nossa principal
finalidade é promover ativamente a criatividade em cada
criança?
Dewulf e Baillie identificaram quatro elementos no
processo criativo:
Preparação – na qual o problema ou questão é definida,
reformulada e redefinida, partindo de fatos dados para
chegar a fatos compreendidos.
Geração – partindo dos caminhos habituais do pensamento,
listando conceitos associados, brainstorming.
Incubação – um estímulo subconsciente, normalmente depois
de um período de relaxamento ou atenção relaxada.
Verificação – onde as ideias são analisadas, arrumadas e
avaliadas, passando ao planejamento da ação e
implementação[14].
A criatividade não pode ser reduzida a uma fórmula:
normalmente há um longo período de incubação antes que as
ideias surjam naquele momento elusivo do “Eureka!”
A serendipity[15] desempenha um papel-chave no
desenvolvimento de produtos criativos. Requer um tipo de
“espaço” raro nas escolas dirigidas por objetivos que
dificilmente poderão deixar entrar o acidental das
descobertas inesperadas que surgem às vezes quando são
procuradas outras coisas completamente diferentes.
É importante salientar que a criatividade não é um
processo linear e normalmente é consequência da interação
de vários elementos, de várias fases que são revistas e
revisitadas, por exemplo, quando se encontram becos sem
saída. Isso sugere que o tempo é uma componente-chave do
espaço criativo se queremos que o fluxo criativo floresça.
Como poderemos acomodar isso com os horários escolares,
em que na melhor das hipóteses as artes têm uma hora entre
uma hora de matemática e uma hora de história, semana após
semana?
Existem outras preocupações igualmente importantes
tanto para professores como para alunos, uma atmosfera
forte de confiança mútua e suporte afetivo. Os alunos
desejarão assumir riscos criativos se acharem que as suas
ideias serão esmagadas logo que forem pronunciadas? O uso
construtivo de métodos sensíveis de questionamento é
essencial para promover desafios intelectuais. Devemos
deixar os alunos desenvolver um sentido real de autoria das
tarefas, problemas ou trabalhos e devemos fomentar a sua
autoconfiança através de um feedback positivo.
Seguramente, a falta de preocupação com a criatividade ou
a falta de oferta de oportunidades apropriadas no currículo
não é um problema recente. Muito antes do Currículo
Nacional Inglês, Leslie Perry dizia que a criatividade não era
uma chave dourada para o sucesso da aprendizagem para
todos os alunos. Afirmava que a chave estava na mediação
entre conhecimento e criatividade, nas ligações da
criatividade com o conhecimento, hábitos e outros aspectos
perfeitamente razoáveis do currículo:
Aqueles que transmitem o conhecimento somente a partir de processos de
memória deveriam ter em conta que o conhecimento é o produto de processos
criativos ocorridos no passado. Aqueles que ensinam processos criativos sem ter
em conta o papel do passado deveriam estar cientes de que a criatividade do
passado foi preservada e é continuada no presente através do conhecimento
aprendido.Seguramente se adotarmos o papel da criatividade como o que pode
aparecer, então aparece o que pode e não chegam muitas coisas. O currículo perde
a estrutura e a forma e temos turmas cheias de alunos apáticos. Se o conhecimento
é o que puder aparecer, então teremos um fosso entre memória e compreensão, o
que acarretará em falta de vitalidade, e então teremos turmas cheias de alunos
apáticos.[16]
Há um outro aspecto-chave da criatividade nas escolas.
Deverá ser avaliado? E poderá ser avaliado? Howard Gardner
questionou a validade dos testes de criatividade afirmando
que a criatividade não é a mesma coisa que inteligência –
embora esses dois traços estejam correlacionados, um
indíviduo pode ser bem mais criativo do que inteligente ou
bem mais inteligente do que criativo[17]. Muito antes Gardner,
Ellis Paul Torrance tinha levantado questões similares.
Segundo Torrance: “se quiséssemos identificar crianças
dotadas a partir de testes de inteligência teríamos que
eliminar aproximadamente 70% das mais criativas”[18]. Ele
notou que os professores classificavam melhor as crianças
com altos resultados nos testes de QI, mas diziam que as
crianças criativas aprendiam tanto quanto as mais
inteligentes sem fazer tanto esforço. Por quê? Ele suspeitou
que as crianças criativas estavam aprendendo e pensanado
quando parecia que só estavam brincando. Tais alunos são
difíceis de gerir na sala de aula, porque frequentemente
seguem as suas prioridades, fazem o que querem e quando
querem em vez de seguir as prioridades e atividades ditadas
pelo professor. O que lhes acontece depois? Qual a
consequência?
Parece que o processo criativo pode ser avaliado tal como
Lars Lindström demonstrou, desde que sejam usados
instrumentos de avaliação sensíveis e autênticos, integrando
evidência variada; mas precisamos nos assegurar de que a
avaliação não tenha inflência sobre o currículo[19].
Está claro que o éthos no qual a criatividade floresce nem
sempre se adapta às prescrições do currículo nacional,
sistema de avaliação e sistema de inspecção. Para finalizar,
vejamos este conselho de um professor da Califórnia:
E agora vamos ao que interessa: a criatividade requer perícia; mas não sabemos
muito bem o que é isso. Se colocarmos demasiada ênfase na especialização,
restringimos o campo. Imaginemos o impossível: muitas ideias a princípio, ideias
no ar durante os primeiros pensamentos, podem parecer malucas. Têm que impor
as suas ideias senão pensarão que suas ideias são disparatadas. As ideias malucas
permanecerão disparatadas se não sobreviverem à crítica. Finalmente, sejam
persistentes; os grandes problemas raramente se resolvem nas primeiras
tentativas, mas lembrem-se de fazer pausas, elaborem um pouco para voltar a
tentar de modo mais arejado.[20]
NOVAS OPORTUNIDADES
As boas notícias são que os tempos estão mudando depressa
no Reino Unido. As mudanças podiam parecer imperceptíveis
a princípio, mas apresentam agora verdadeiras oportunidades
e desafios para os professores de artes. Em 1997, o governo
trabalhista já havia demonstrado algum interesse nas
indústrias criativas e em sua importância crescente para a
economia britânica. O relatório do governo All Our Futures:
Creativity, Culture and Education (Todos os Nossos Futuros:
Criatividade, Cultura e Educação) foi publicado em 1999 e
incluía uma grande lista de recomendações para a reforma
educativa. O primeiro-ministro Tony Blair disse: “Nossa
finalidade deve ser criar uma nação onde os talentos criativos
de todos sejam utilizados para gerar uma verdadeira
economia de empresas para o século XXI, onde irão competir
cérebros e não músculos.”[21] Mas esse relatório parece que
teve muito pouco impacto na revisão do currículo em 2000.
Algum tempo depois, o governo investia mais de 100 milhões
de libras no “Creative Partnerships”, um projeto piloto que
queria investigar o impacto do aumento de oportunidades
criativas e culturais no ensino/aprendizagem nas escolas. O
então Secretário de Estado da Educação declarou: “A
criatividade não é um acréscimo, deve ser vital e fazer parte
integral da experiência das crianças nas escolas. A
investigação demonstrou que, se assim for, podemos
contribuir para uma melhoria da aprendizagem e aumento
dos padrões ao longo da escola no seu todo.”[22]
Quase ao mesmo tempo, a QCA – Qualifications and
Curriculum Authority (Autoridade de Qualificações e
Currículo) lançou um debate nacional para consultar opiniões
a respeito do futuro do currículo. Os contribuidores dessa
empreitada foram convidados tendo como base a ideia de que
deveriam preparar um desafiante currículo para o século XXI.
Reconheceu-se que as mudanças na sociedade, o impacto das
novas tecnologias, a nova compreensão da aprendizagem,
globalização e preocupações de política pública deveriam ser
levadas em conta. As preocupações levantadas centraram-se
em criar mais espaço para aprendizagem personalizada e
desenvolvimento pessoal, menos prescrição, mais inovação,
mais motivação dos alunos e claro aumento dos padrões e
melhoria das capacidades e competências essenciais.
A maneira como foi desenvolvido o novo currículo foi a
mais colaborativa até agora. As Associações profissionais em
cada disciplina tiveram um lugar e estiveram envolvidas na
feitura dos novos programas e dos exames. O resultado foi a
mais coerente visão que surgiu até agora sobre o currículo. Ela
foi baseada em finalidades e valores claros e será
implementada a partir de setembro de 2008. Oferece mais
flexibilidade, menos prescrição, mais autonomia para os
professores. Proporciona espaço para ensino individualizado,
desenvolvimento pessoal e desenvolvimento do programa
Every Child Matters (Cada Criança Importa). Há mais
oportunidades para coerência e relevância, ligando a
aprendizagem à vida fora da escola e promovendo
transdisciplinariedade. Embora haja mais ênfase nas
capacidades[23], não se trata de capacidades funcionais, mas
de capacidades alargadas para a aprendizagem e para a vida. O
novo currículo oferece oportunidades reais para a renovação e
revigoração através de maior decisão local e flexibilidade.
Um aspecto interessante é a maneira como a criatividade
atravessa todo o currículo – não apenas as artes. As
finalidades gerais incluem o desenvolvimento de aprendizes
de sucesso criativos capazes de identificar e resolver
problemas. O lugar do pensamento criativo e crítico no
currículo é proeminente nas dimensões transdisciplinares.
Segundo a Qualifications and Curriculum Authority,
a criatividade envolve o uso da imaginação e intelecto para gerar ideias,
perspectivas e soluções para problemas e desafios. Aliadas ao pensamento crítico,
que envolve avaliação e raciocínio, as atividades criativas podem produzir
resultados originais, expressivos e com valor; a criatividade e o pensamento crítico
desenvolvem nos jovens capacidades para terem ideias originais e produzir ações
válidas. Experimentar as maravilhas do gênio humano nas artes, ciências,
tecnologias pode despertar entusiasmos individuais que contribuirão para a
realização pessoal.
A criatividade pode ser uma atividade individual ou de grupo. Ao participar de
atividades criativas, os jovens podem desenvolver capacidades para construir e
gerir as suas vidas na sociedade. Cada um de nós tem potencial para atividades
criativas e essas atividades podem ter um impacto positivo na autoestima,
equilíbrio emocional e realização pessoal. Podem desbloquear o potencial dos
indivíduos e das comunidades para resolver problemas pessoais, locais e globais. A
criatividade é possível em todas as áreas da atividade humana, desde o mais
excepcional até o mais comum aspecto da vida quotidiana. A criatividade e o
pensamento crítico não são disciplinas do currículo, mas são aspectos cruciais da
aprendizagem e devem atravessar o currículo e a vida da escola.[24]
A QCA continua sugerindo que, para desenvolver a
criatividade e o pensamento crítico, eles devem ter
oportunidades ao longo do currículo para:
usar a imaginação a fim de explorar possibilidades;
gerar ideias,

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