Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Revisão de Literatura GOMES, Luiz Vidal Negreiro. Desenhismo. Santa Maria: Editora UFSM, 1996. p. 68 DESENHO É GEOMETRIA E FUNCIONALIDADE A Revolução Industrial trouxe não só novos modos e meios de se organizar o trabalho nas manufaturas, mas também novos usos para materiais e, principalmente, máquinas movidas a vapor. Tudo isso iria alterar significativamente o rumo dos valores estético-formais e técnico-funcionais dos produtos industriais da era moderna. p. 69 A produção industrial mecanizada significava preços baixos e altos lucros. A Grande Exposição de 1851 demonstrou como as indústrias humanas haviam mudado: não só os bens tradicionalmente manufaturados em várias partes do mundo foram expostos, mas também uma quantidade significativa de máquinas equipamentos e ferramentas para a produção de novos artefatos que fariam a cultura material da era industrial. (...) a indústria maquinofatureira se tornaria “a base do sustento, emprego e riqueza para milhões de seres humanos”. 2 p. 70 A indústria britânica não só carecia de pessoal preparado para um novo tipo de desenho industrial, mas também os legisladores e administradores da nação estavam distantes da tecnologia e da nova base econômica: a indústria mecanizada. Como Whitford escreveu, apenas “um pequeno número de pessoas com juízo ficou horrorizado com o que foi apresentado na Grande Exposição de 1851. Elas acreditavam que a máquina anunciava (entre os vários terrores) o eminente fracasso da individualidade e da habilidade humana”. Morris pensava que era desonesto produzir produtos maquinofaturados imitando aqueles produzidos pela mão do artesão; e Ruskin era contrário a qualquer uso de máquinas para a fabricação de bens, condenando, portanto, a introdução de qualquer equipamento da era industrial, a não ser aqueles que apenas ajudassem a diminuir a “ação muscular da mão humana”. Outro crítico (...) o desenhador-arquiteto alemão Gottfried Semper (...) acreditava que o progresso tecnológico era irreversível e expressava que deveriam ser criadas formas de se manter as tradicionais habilidades técnicas humanas, junto às novas tecnologias de produção industrial. Semper propôs um novo conceito educacional para um novo tipo de desenhador 3 que pudesse entender e explorar as particularidades das máquinas com arte e sensibilidade estética. Um dos organizadores da Exposição de 1851 (...) Henry Cole (...) considerava que os problemas trazidos pela indústria mecanizada para a produção em massa de produtos industriais só podiam ser resolvidos através de um tipo de educação especial, onde o estudo e o desenvolvimento das habilidades manuais desempenhariam um papel fundamental junto ao conhecimento das potencialidades tecnológicas. p. 71 - 72 A Revolução Industrial, contudo, tal como nos ensina Whitford, não trouxe apenas problemas de ordem sócio-econômica ou estético-cultural. Problemas de ordem prática (...) também eram evidentes. (...) em Viena, na Áustria, em 1903, foram fundadas oficinas, nas quais grupos de pessoas projetavam, desenhavam, produziam e vendiam artefatos de uso doméstico, tecidos estampados, papéis de parede etc. que logo vieram a ser identificados como um estilo simples e essencialmente geométrico. Na arquitetura, os austríacos também começaram a desenhar edifícios que, pela falta total de ornamentos, pareciam projetos fadados ao anonimato. A falta de decoração, ou melhor, a definição de novos princípios estético-funcionais, vai 4 ser a característica do desenho que dominou a cultura material do século XX. p. 72 Sob a ótica da Educação, o desenho que se ensinava àquela época era elemento-chave, inclusive no entendimento do papel da educação formal de indivíduos para a sociedade moderna. Muthesius (...) pôde pôr em prática uma das suas idéias: “o que esperamos dos produtos feitos à máquina é uma forma limpa e reduzida à sua essencial função”. Assim surgiu na Alemanha um dos pensamentos mais avançados sobre a educação dos que iriam trabalhar direta ou indiretamente para a nova indústria. p. 73 Rui Barbosa, no Brasil, (...) demonstrava também estar atento para a importância do ensino do desenho quando afirmou: “Todos os países, porém, que estreitaram essa vereda (a da industrialização), vão-se vendo obrigados a constituir centros superiores que unifiquem, fecundem, harmonizem o ensino do desenho, graduando uniformemente os métodos e fornecendo as escolas normais, as escolas industriais; aos vários ramos do trabalho artístico e fabril, um núcleo de professores capazes e de profissionais racionalmente educados”. 5 Os alemães, entusiasmados com tantas possibilidades de integração entre a nova indústria e a arte, organizaram, tal co- mo os americanos, as suas escolas técnicas, bastante progres- sistas e práticas, fornecendo um tipo de educação onde o espíri- to do artesão-artífice da Baixa Idade Média ou do desenhador- artista do Renascimento não estava isolado da sociedade. Muthesius, além de interferir na educação, vai reunir esforços para lançar um novo conceito de “desenho-trabalho”: conseguiu persuadir empresários industriais alemães para se agruparem a desenhadores e, em conjunto (...), passarem a planejar e de- senvolver produtos industriais com um desenho genuinamente simples e funcional. p. 74 (...) Behrens estava bastante estimulado pelos avanços alcançados nas novas técnicas de produção da indústria mecanizada e nos novos conceitos e teorias de mercado. (...) Portanto, passa a desenvolver seus projetos baseado na tradição funcionalista (...) Como um bom funcionalista, não é de estranhar que Behrens considerasse que os desenhos para seus projetos visassem a servir propósitos utilitários e não decorativos e que a ênfase em seus desenhos estava nas boas proporções, e a decoração, quando necessária, era impessoal, expressa através de formas geométricas. Behrens acreditava que era possível e desejável levar a todas as camadas da 6 sociedade o gosto e o entendimento do padrão estético, que se iniciava com a nova indústria e dizia: “As leis da tecnologia não determinam a forma, e nisto é que repousa a possibilidade da beleza. Os valores estéticos podem ser realizados através dos meios da tecnologia somente se neles estiverem os instrumentos da criatividade artística, pois a única linguagem de uma cultura estabelecida e madura é a arte”. Vários autores têm creditado a Behrens a origem da área profissional do Desenho Industrial (...) p. 75 DESENHO É USO, ECONOMIA E ESTÉTICA Os Nazarenos acreditavam que as artes-do-desenho deveriam servir a propósitos morais e religiosos, uma vez que tais ideais tinham sido esquecidos em meados de século XVI. A Irmandade de São Lucas também desejava que a educação para as artes se fizesse não mais através das academias de arte renascentistas e sim em guildas medievais. Daí os PRB terem em mente um desejo de voltar o tempo atrás e capturar em seus trabalhos o espírito, a sinceridade e a simplicidade da arte italiana anterior ao pintor Rafael, a quem viam como a fonte inspiradora dos cânones do academicismo na pintura. (...) seus pensamentos estão diretamente ligados aos de Ruskin e Morris. 7 (...) as idéias e ideais dos Nazarenos vão ter continuidade através, principalmente, de dois de seus representantes: Peter von Cornelius (1783-1867) e Friedrich Overbeck (1789-1869). Cornelius (...) mudou-se para a Alemanha onde se cercou de grande número de pupilos e assistentes que fizeram o papel de levar não só o seu estilo, mas idéias educacionais a vários centros alemães. Overbeck manteve o seu estúdio em Roma tornando-o um ponto de encontro de artistas de vários países, (...) p.76 - 77 Irmandade Pré-Rafaelita foi o nomedado a um grupo de artistas britânicos que dividiam uma certa consternação sobre o que consideravam o estado moribundo das belas-artes na Inglaterra. (...) Ruskin vai ser um dos que defendeu os princípios da pintura pré-rafaelita quando esta ousava desafiar a pintura desenvolvida nas academias britânicas. (...) Augustus Pugin (1812-1852), um dos mentores do movimento Arts and Crafts, criticava por escrito as condições da educação na Normal School of Design, em Londres: “(...) Mas agora a Escola de Desenho na sua atual forma (...) é um estorvo para o despertar do verdadeiro gosto e sensibilidade das 8 cabeças dos estudantes, pervertidos em apenas copiar modelos ultrapassados (...) sem produzir um único artista capaz de desenhar qualquer coisa original e apropriada”. p. 77 Críticas (...) deram início a uma campanha para reformar a pri- meira Escola Normal de Desenho Inglesa. (...) As mudanças chegavam inclusive para mudar o nome da Escola Normal de Desenho para Escola Normal de Treinamento da Arte. As idéias de Redgrave sobre o Desenho fizeram com que a ex- escola de desenho desenvolvesse um tipo de educação líder, seja integrando a arte e o desenha à indústria e tecnologia, seja lançando teorias do desenho que seriam vanguarda: “a utilidade deve ser considerda antes de qualquer decoração; um mau desenho é aquele no qual se aplica tratamento indiscriminado a diferentes materiais e formas”. A vanguarda de Redgrave (...) adiantava uma idéia (...): um assunto de extrema dificuldade e que requer longa experiência na indústria é dizer se um desenho funciona. p.78 9 Crane, contudo, em 1901, vai fazer uma completa reorganização da instituição, dividindo-a em quatro escolas: arquitetura, pintura, escultura e desenho. Desde os tempos de Lethaby até os atuais, o RCA tem sido um verdadeiro centro de criatividade (...) para o aperfeiçoamento da educação da arte e do desenho contemporâneo. p. 79 - 80 Pye dá a entender claramente que ele é um funcionalista nato e que, ao usar o termo design, referia-se à natureza do desenho produzido para as indústrias manufatureiras e maquinofatureiras. “O desenho, em todos os seus campos, é uma profissão que tem que satisfazer seis requisitos básicos: quatro referentes ao uso, um à economia e outro à aparência” (...) Os requisitos básicos para qualquer desenho, segundo Pye, estavam assim especificados: 1: Classificação (...) 2. Geometria (...) 3. Resistência (...) 4. Acessibilidade (...) 5. Economia (...) 6. Aparência (...) p. 80 Na época em que Pye ampliou as conotações de desenho, o termo, em língua inglesa, já implicava não apenas o de- buxar ou o projetar, mas também o planejamento de qual- quer produção industrial. Desenho envolvia também a a- 10 daptação de bens industriais, fosse para alcançar um resul- tado esperado ou evitar os indesejados. A Teoria do Funcionalismo (...) tinha como princípio que os requisitos de utilidade e economia é que poderiam caracte- rizar um desenho ótimo. Os conceitos estético-formais de um produto industrial deveriam seguir as suas característi- cas técnico-funcionais. Em outras palavras: a forma seguia a função!
Compartilhar