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1 PRODUÇÃO DE TEXTOS E APROPRIAÇÃO DA ESCRITA 2 Caro(a) aluno(a), A Faculdade Anísio Teixeira (FAT), tem o interesse contínuo em proporcionar um ensino de qualidade, com estratégias de acesso aos saberes que conduzem ao conhecimento. Todos os projetos são fortemente comprometidos com o progresso educacional para o desempenho do aluno-profissional permissivo à busca do crescimento intelectual. Através do conhecimento, homens e mulheres se comunicam, têm acesso à informação, expressam opiniões, constroem visão de mundo, produzem cultura, é desejo desta Instituição, garantir a todos os alunos, o direito às informações necessárias para o exercício de suas variadas funções. Expressamos nossa satisfação em apresentar o seu novo material de estudo, totalmente reformulado e empenhado na facilitação de um construtor melhor para os respaldos teóricos e práticos exigidos ao longo do curso. Dispensem tempo específico para a leitura deste material, produzido com muita dedicação pelos Doutores, Mestres e Especialistas que compõem a equipe docente da Faculdade Anísio Teixeira (FAT). Leia com atenção os conteúdos aqui abordados, pois eles nortearão o princípio de suas ideias, que se iniciam com um intenso processo de reflexão, análise e síntese dos saberes. Desejamos sucesso nesta caminhada e esperamos, mais uma vez, alcançar o equilíbrio e contribuição profícua no processo de conhecimento de todos! Atenciosamente, Setor Pedagógico 3 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO .....................................................................................................................................................4 CAPÍTULO I - A ORIGEM DA ESCRITA OCIDENTAL ....... ........................................................................7 DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM. ................................................. .................................................8 COMO FUNCIONA A LINGUAGEM ESCRITA. .....................................................................................11 O DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA .............................................. .......................................................14 CAPÍTULO II - PERSPECTIVAS TEÓRICAS E PRÁTICAS ATUAIS DE ALFABETIZAÇÃO ........... 20 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO ...........................................................................................................22 A CONTRIBUIÇÃO DA ESCOLA E DA FAMÍLIA NO PROCESSO DO APRENDIZADO DA LEITURA E ESCRITA ......................................................................................................................................... 27 CAPÍTULO III - PRÁTICAS E METODOLOGIAS DE ENSINO ............................................................ 33 O TEXTO NA SALA DE AULA ....................................................................................................................... 34 O ESTUDO DA ORALIDADE ........................................................................................................................ 38 OS DISCURSOS E CARACTERÍSTICAS DO GÊNERO ........................................................................... 40 AS TIC (TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO) NA SALA DE AULA.............47 CAPÍTULO IV: MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO E SEUS EFEITOS NA LEITURA E ESCRITA.......51 PORQUE É PRECISO TER MÉTODO PARA ALFABETIZAR................................................................52 TIPOS DE MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO .........................................................................................53 SISTEMA DE ESCRITA ALFABÉTICA (SEA) E LETRAMENTO............................................................55 PRINCIPAIS ENTRAVES DECORRENTES DE MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO.........................59 O QUE SONDAR ANTES DE ALFABETIZAR............................................................................................60 TEORIA DA PSICOGÊNESE DA ESCRITA: UM MARCO NA EDUCAÇÃO....................................62 AS ETAPAS DA CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA (CF)............................................................................63 EDUCADOR CONSCIENTE, PLANEJAMENTO EFICIENTE................................................................65 REFERÊNCIAS ..................................................... ....................................................................................................67 4 APRESENTAÇÃO Não basta promover à criança apenas o acesso à leitura e escrita; é imprescindível que essa criança se torne leitor e produtor de textos; vindo a alfabetização tornar-se um instrumento pela conquista da cidadania e fator decisivo do seu exercício. Nesse sentido, é preciso focalizar a necessidade de dar ao aluno condições de ampliar o domínio da língua e da linguagem como um todo, uma vez que a aprendizagem é de suma importância para o exercício pleno da cidadania. A apropriação da escrita mexe com a consciência do indivíduo, desenvolve habilidades e competências imprescindíveis para a inclusão social e a inserção em um mundo cada vez mais conectado às novas tecnologias. Para isso, a apropriação da alfabetização e do letramento devem ser considerados processos específicos com metas definidas. À luz dos postulados de teóricos construtivistas (sobretudo das referências de Piaget, Vygotsky, Coll, Ferreiro e Teberosky) e também de outros teóricos que destacam a importância da interação social na aprendizagem da escrita (entre os quais Bakhtin), a análise de aspectos discursivos e de aspectos notacionais, evidenciados nos processos de elaboração textual, visa contribuir para a revisão das atuais práticas escolares de ensino da escrita, defendendo princípios didáticos pautados na interação, na concepção de escrita como objeto social e histórico de conhecimento e na complexidade da aprendizagem desse objeto. Piaget, através de sua pesquisa, buscou estabelecer o caminho de uma lógica infantil distinta da lógica dos adultos e propôs estágios pelos quais as crianças passariam em seu desenvolvimento. Emília Ferreiro e Ana Teberosky, 5 baseada na teoria piagetiana, descreveram níveis conceituais de compreensão da escrita a partir da observação das hipóteses desenvolvidas pelas crianças. Para as autoras, a contribuição de Vygotsky e Luria nos permite compreender que a língua que se escreve e que se lê não é um mero sistema de signos que contêm significações em si, há uma dimensão “discursiva”, ou seja, os textos acontecem em contextos específicos, datados, reais e interativos. Dessa forma, “levar em conta o uso social da escrita na escola significa valorizar os modos pelos quais diferentes tipos ou gêneros de textos circulam em nossa sociedade” (LAROCCA E SAVELI in LEITE (org.) 2001, p. 213). Nessa linha de raciocínio, as autoras nos remetem à importância das atividades linguísticas, ou seja, uma reflexão sobre o uso social da escrita (o que quero comunicar?; para quem?; com qual objetivo?), enfatizando assim, o papel da ação/reflexão do/a aluno/a no processo de conhecimento e a intervenção pedagógica docente – a mediação do “outro” mais experiente no processo de aprendizagem da língua escrita. Estamos num momento de estatísticas não muito boas sobre a alfabetização no Brasil. Mas temos que pensar historicamente. Um fato bastante importante é que a escola é recente na história da humanidade. Ela tem menos de 5 mil anos e a escrita, também, é muito recente. Porém, é mais recente ainda a universalização da educação fundamental, que só começa a se tornar uma realidade a partir do século passado. Então, estamos aprendendo muita coisa O Brasil está passando um momento, agora, que os outros países já passaram. Desta forma, mudanças são necessárias nas formas de ensinar, porém, isto não significa que precisemos inventar uma pedagogia absolutamente nova, porque vários aspectos dos processos necessários para a aprendizagem nãose modificaram. As atividades de estudo necessárias para a apropriação dos 6 conhecimentos escolares não se modificaram. É muito provável que tenhamos que intensificar mais ainda a utilização de algumas de nossas práticas para atender às especificidades do desenvolvimento da criança de hoje. Assim a Disciplina Produção de Texto: Apropriação da Escrita apresenta em seu material pesquisas recentes sobre o tema, trazendo perspectivas e reflexões. Sendo o enfoque principal a discussão sobre o processo de apropriação da escrita. Para isso, procurou-se inicialmente apresentar em linhas gerais a trajetória da língua escrita, revivendo origem, formação e desenvolvimento no ser humano. A proposta recorreu a vários autores contemporâneos e aos Parâmetros Curriculares Nacionais para fundamentar argumentações em torno de vários aspectos constitutivos da aprendizagem, tais como: o conceito de a discussão sobre gêneros textuais e tecnologias, a concepção interacionista de linguagem e a necessidade de formação continuada de professores. Nós, educadores, estamos diante de um desafio, ajudarmos a concretizar em todos os âmbitos essa nova perspectiva de ensino de língua que nasce nos anos 80 e que aponta para a linguagem como processo interativo e interdiscursivo, portanto, vivo, dinâmico e constituído a partir de um determinado contexto histórico e social. 7 CAPÍTULO I - A ORIGEM DA ESCRITA OCIDENTAL Podemos dizer que uma das grandes “invenções” da humanidade até hoje foi a escrita, que surge a partir da necessidade do homem de criar registros, armazenar dados, enfim, de preservar sua história. Os vestígios mais antigos da escrita são originários da região baixa da antiga Mesopotâmia e datam de mais 5500 anos. Primeiramente a escrita era formada por ideogramas que representavam uma palavra, assim sendo, eram necessários diversos signos pictóricos para representar tantos quantos objetos ou ideias fossem necessários. Numa segunda fase a escrita passa a adquirir valores fonéticos e menos signos são necessários para exprimir as ideias de um idioma. O alfabeto surge a partir da decomposição da palavra em sons simples, o primeiro povo a decodificar as palavras em sons e a criar signos para representá-los foram os fenícios. A escrita então evolui e passa a ser alfabética, e foi o alfabeto fenício arcaico, que surgiu pela primeira vez em Biblos, que deu origem a todos os alfabetos atuais. O alfabeto fenício expandiu-se até o Egito através de colônias fenícias fundadas no Chipre e no Norte da África e do Egito este alfabeto foi expandido para as regiões que não sofriam influências fenícias diretas. O alfabeto fenício arcaico foi o mais perfeito e difundido do mundo antigo e é anterior ao séc. XV a.C. Este alfabeto era constituído de 22 signos que permitiam escrever qualquer palavra, sua expansão foi rápida devido à sua simplicidade. Um fato importante para a nossa civilização foi a adoção deste alfabeto pelos gregos em aproximadamente VIII a.C. Os gregos incorporaram neste 8 alfabeto alguns sons vocálicos, e o alfabeto grego clássico que conhecemos é composto de 24 letras, vogais e consoantes. Deste alfabeto origina-se o alfabeto etrusco que junto com o alfabeto gótico da Idade Média (também originário do alfabeto grego clássico) dá origem ao nosso alfabeto latino, que dominou o mundo ocidental devido à expansão do Império Romano. DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM Segundo Maingueneau “A Aquisição Da Linguagem tenta explicar entre outras coisas o fato de as crianças, por volta dos 3 anos, serem capazes de fazer o uso produtivo - de suas línguas”. Desde pequenos já existe a comunicação, mas esta não é feita por meio oral. A linguagem é um sistema de símbolos culturais internalizados, e é utilizada com o fim último de comunicação social. Assim como no caso da inteligência e do pensamento, o seu desenvolvimento passa também por períodos até que a criança chegue à utilização de frases e múltiplas palavras. Ao nascer, a criança não entende o que lhe é dito. Somente aos poucos começa a atribuir um sentido ao que escuta. Do mesmo modo acontece com a produção da linguagem falada. O entendimento e a produção da linguagem falada evoluem. Existem diferentes tipos de linguagem: a corporal, a falada, a escrita e a gráfica. 9 Para se comunicar a criança utiliza, tanto a linguagem corporal (mímica, gestos, etc.) como a linguagem falada. Lógico que ela ainda não fala, mas já produz linguagem. O desenvolvimento da linguagem se divide em dois estádios: ➢ quando o bebê usa de modo comunicativo os sons, sem palavras ou gramática; ➢ quando usa palavras. No estágio pré-linguístico a criança, de princípio, usa o choro para se comunicar, podendo ser rica em expressão emocional. Logo ao nascer este choro ainda é indiferenciado, porque nem a mãe sabe o que ele significa, mas aos poucos começa a ficar cheio de significados e é possível, pelo menos para a mãe, saber se o bebê está chorando de fome, de cólica, por estar se sentindo desconfortável, por querer colo etc. É importante ressaltar que é a relação do bebê com sua mãe, ou com a pessoa que cuida dele, que lhe dá elementos para compreender seu choro. Além do choro, a criança começa a produzir o arrulho, que é a emissão de um som gutural, que sai da garganta, que se assemelha ao arrulho dos pombos. O balbucio ocorre de repente, por volta dos 6-10 meses, e caracteriza – se pela produção e repetição de sons de consoantes e vogais como PRÉ-LINGUÍSTICO LINGUÍSTICO 10 “ma – ma – ma – ma”, que muitas vezes é confundido com a primeira palavra do bebê. No desenvolvimento da linguagem, os bebês começam imitando casualmente os sons que ouvem, através da ecolalia. Por exemplo: os bebês repetem repetidas vezes os sons como o “da – da – da”, ou “ma – ma – ma – ma”. Por isso as crianças que têm problema de audição, não evoluem para além do balbucio, já que não são capazes de escutar. Por volta dos 10 meses, os bebês imitam deliberadamente os sons que ouvem, deixando clara a importância da estimulação externa para o desenvolvimento da linguagem. Ao final do primeiro ano, o bebê já tem certa noção de comunicação, uma idéia de referência e um conjunto de sinais para se comunicar com aqueles que cuidam dele. O estádio linguístico está pronto para se estabelecer. Sendo assim, contando com a maturação do aparelho fonador da criança e da sua aprendizagem anterior, ela começa a dizer suas primeiras palavras. A FALA LINGUÍSTICA se inicia geralmente no final do segundo ano, quando a criança pronuncia a mesma combinação de sons para se referir a uma pessoa, um objeto, um animal ou um acontecimento. Por exemplo, se a criança disser “apo” quando vir a água na mamadeira, no copo, na torneira, no banheiro etc., podemos afirmar que ela já está falando por meio de palavras. Espera-se se que aos 18 meses a criança já tenha um vocabulário de aproximadamente 50 palavras, no entanto ainda apresenta características da fala pré-linguística e não revela frustração se não for compreendida. Na fase inicial da fala linguística a criança costuma dizer uma única palavra, atribuindo a ela, no entanto, o valor de frase. Por exemplo, diz “ua”, apontando para porta de casa, expressando um pensamento completo; eu quero 11 ir pra rua. Essas palavras com valor de frases são chamadas holófrases. A partir daqui acontece uma “explosão de nomes”, e o vocabulário cresce muito. Entre os 2 e 3 anos as crianças começam a adquirir os primeiros fundamentos de sintaxe, começando assim a se preocupar com as regras gramaticais. Usam, para tanto, o que chamamos de super – regularização, que é uma aplicação das regras gramaticais a todos os casos, sem considerar as exceções. É por isso que as crianças que compram “pães”, trazem-nos nas “mães”. Aos 6 anos a criança fala utilizando frases longas, tentando utilizarcorretamente as normas gramaticais. COMO FUNCIONA A LINGUAGEM ESCRITA Nosso sistema de escrita funciona segundo um princípio alfabético: a quantidade de letras de uma palavra corresponde, grosso modo, ao número de sons que compõem a palavra. Entender o princípio alfabético não é o mesmo que conhecer os sons das letras. Uma criança pode saber que ao símbolo escrito E corresponde ao som [e], que ao símbolo L corresponde o som[l], mas, mesmo assim, ela pode não ter compreendido o mecanismo que permite formar uma palavra escrita. Algumas crianças chegam à escola com a compreensão do princípio alfabético. Outras pensam que o número de letras de uma palavra é igual ao número de sílabas de uma palavra, enquanto outras, sequer entenderam que as letras escritas têm relação com os sons das palavras. Devemos lembrar sempre que as crianças não chegam à escola com o mesmo nível de compreensão de leitura e escrita. 12 Como professores precisamos ter consciência de que os conhecimentos, para poderem ser ensinados, passam necessariamente por uma transformação em relação aos seus contextos de origem, porém, é muito importante evitar que nesta transformação percam seu significado, seu sentido original. Ao mesmo tempo em que se preserva o sentido do objeto do conhecimento é indispensável que se proteja o sentido deste saber do ponto de vista do sujeito que trata de reconstruir esse objeto, isto é: a criança. Por essa razão, a transposição didática deve implicar em fidelidade ao saber de origem assim como fidelidade às possibilidades do sujeito de atribuir um sentido ao dito saber. Deste modo ante um conhecimento complexo tendemos a delimitá-lo em conhecimentos parciais, porque partimos da suposição que a fragmentação facilita a compreensão. Mas, ao delimitá-los em fragmentos autônomos, provocamos sua descontextualização, porque na realidade os fragmentos que separamos fazem parte de complexos processos de interrelações e assim estamos desconectando a rede de problemáticas que lhes dão sentido completo. Assim, instauramos uma ruptura entre o modo de ensinar e o modo de aprender, pois que o sujeito que aprende não se depara com a realidade analisando um pedaço de cada vez, e sim, o faz, tratando de entender como funciona, analisando os aspectos que seus esquemas cognoscitivos lhe permitem observar, tratando de encontrar e dar um sentido ao que está fazendo. Como bem o demonstram as investigações de Ferreiro e Teberosky, assim como em outros âmbitos, no âmbito da língua escrita, a criança é um sujeito ativo que se depara com a realidade, construindo conhecimentos, criando teorias e hipóteses, comparando-as entre si e modificando-as. A melhor maneira de estudar a história da escrita e as várias tendências e fatores envolvidos nela consiste em descrever os estágios que nós observamos 13 quando uma criança desenvolve sua habilidade para escrever e os fatores que a habilitam a passar de um estágio para outro, superior. Em contraste com um certo número de outras funções psicológicas, A Escrita pode ser definida como: Escrever pressupõe, portanto, a habilidade para usar alguma insinuação (por exemplo, uma linha, uma mancha, um ponto) como signo funcional auxiliar, sem qualquer sentido, ou significado em si mesmo, mas apenas como uma operação auxiliar. Entender os conceitos e as teorias é de suma importância, mas tão importante é conhecer os fatos históricos que determinaram o modo de pensar, de agir e de alfabetizar dos homens. A alfabetização é tão antiga quanto os sistemas de escrita. Para que os sistemas de escrita continuem a ser usados, é preciso ensinar às novas gerações como fazê-lo. Quando esse elo se rompe, por abandono ou porque é trocado por outro modelo, a escrita antiga passa a ser um sistema sem decifração. Nesses casos, só com muito estudo, e também Uma função que se realiza, culturalmente, por mediação. A condição mais fundamental exigida para que a criança seja capaz de tomar nota de alguma noção, conceito ou frase é que algum estímulo, ou insinuação particular, que, em si mesmo, nada tem que está diretamente relacionado com esta ideia, conceito ou frase, é empregado como um signo auxiliar cuja percepção leva a criança a recordar a idéia etc., à qual ele se refere. 14 com um pouco de sorte da parte dos decifradores dessas escritas abandonadas, as regras que envolvem tais sistemas voltam a ser conhecidas, permitindo assim que os textos antigos sejam lidos e que a escrita possa ser novamente utilizada. (CAGLIARI, 1998, p.12). Pelos estudos do autor, pode-se perceber que, quem inventou os sistemas de escrita sempre teve a preocupação de fornecer a chave da decifração juntamente com o próprio sistema. Os sistemas de escrita nunca tiveram nada de muito estranho ou misterioso em si, pelo contrário, sempre foram simples e práticos. Por essa razão, ensinar às novas gerações a usar o sistema de escrita sempre foi uma tarefa fácil e de certa forma banal. É preciso entender que nos dias de hoje, o sistema de escrita tem a sua decifração e muitos profissionais ainda não têm ou não sabem lidar bem com esse processo de decodificação do sistema pela criança, da mesma forma que o sistema na antiguidade era fácil, assim o sistema de hoje também pode ser fácil se o profissional tiver em suas mãos meios de tornar essa decodificação mais simples para a criança. Pensar que a apropriação da linguagem e da escrita é como um instrumento de liberdade e não de escravidão é uma necessidade, ressaltando que o ensino da Língua Portuguesa é, antes de tudo, o próprio instrumento para a conquista da liberdade e da inclusão social do ser humano. O DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA 15 As conceitualizações infantis sobre a língua escrita, afirmam que através dos resultados obtidos uma conclusão deve ser considerada: as crianças são facilmente alfabetizáveis foram os adultos que dificultaram o processo de alfabetização delas. (Ferreiro, 1999, p.17) Alguns princípios que as crianças descobrem e aprendem a controlar à medida que desenvolvem um sistema de escrita: • Os princípios funcionais desenvolvem-se á medida que a criança soluciona o problema de como escrever e para que escrever. A significação que a escrita tem em seu dia a dia terá consequências no desenvolvimento desses princípios e as funções específicas dependerão da necessidade que a criança sentira da linguagem escrita. • Os princípios linguísticos desenvolvem-se à medida que a criança resolve o problema da forma como a linguagem escrita esta elaborada para extrair significados na cultura. Nessas formas estão incluídas as regras ortográficas, grafo fônicas, sintáticas, semânticas e pragmáticas de linguagem escrita. • Os princípios relacionais desenvolvem-se á medida em que a criança resolve o problema de como a linguagem escrita chega a ser significativa. Assim, passa a compreender com a linguagem escrita representa as ideias e os conceitos que as pessoas, os objetos no mundo real e a linguagem oral possuem em uma determinada cultura. Autores como Emilia Ferreiro Ferreiro 16 (1987, p. 13-17), baseia-se em estudos e divide as etapas do processo de construção da escrita seguinte forma: • Nível pré-silábico: no início dessas construções, as tentativas das crianças dão-se no sentido de reprodução dos traços básicos da escrita que elas se deparam no cotidiano. O que vale é a intenção, pois, embora o traçado seja semelhante, cada um lê em seus rabiscos aquilo que quis escrever. Dessa maneira, cada um só pode interpretar a sua própria escrita, e não a dos outros. Nessa fase, a criança elabora a hipótese de que a escrita dos nomes é proporcional ao tamanho do objeto ou ser a que está se referindo. • Nível silábico: são construções cuja hipótese central é que para ler coisas diferentes é preciso usar formas diferentes. A criança procuracombinar de várias maneiras as poucas formas de letras que é capaz de reproduzir. Nessa fase, ao tentar escrever, a criança respeita duas exigências básicas: a quantidade de letras, nunca inferior a três, e a variedade entre elas não podem ser repetidas. São feitas construções numa tentativa de dar um valor sonoro a cada uma das letras que compõem a palavra. Surge a chamada hipótese silábica, isto é, cada grafia traçada corresponde a uma sílaba pronunciada, podendo ser usadas letras ou outro tipo de grafia. Há, nesse momento, um conflito entre hipótese silábica e a quantidade mínima de letras exigidas para que a escrita possa ser lida. A criança, nesse nível, trabalhando com a hipótese silábica, precisa usar duas formas gráficas para escrever palavras com duas sílabas, o que vai de encontro às suas idéias iniciais 17 de que são necessários pelo menos três caracteres. Esse conflito a faz caminhar em seu processo de alfabetização. Ainda nessa fase, a criança representa cada sílaba ou emissão oral por uma única letra, caminhando assim para outra fase. • Nível silábico-alfabético: aqui ocorre a transição da hipótese silábica para a alfabética. O conflito que se estabeleceu entre uma exigência interna da própria criança (o número mínimo de grafias) e a realidade das formas que o meio lhe oferece faz com que ela procure soluções. Ela, então, começa a perceber que escrever é representar progressivamente as partes sonoras das palavras, ainda que não o faça corretamente. • Nível alfabético: finalmente atinge-se o estágio da escrita alfabética, pela compreensão de que cada um dos caracteres da escrita corresponde valores menores que a sílaba, e que uma palavra, se tiver duas sílabas, exigindo, portanto, dois movimentos para ser pronunciadas, necessitará mais do que duas letras para ser escrita e a existência de uma regra produtiva que lhes permite, a partir desses elementos simples, formar uma representação de inúmeras sílabas. Chomsky defende a ideia de que a estrutura da linguagem é, em grande parte, Skinner afirma que a linguagem é aprendida inteiramente por meio de especificada biologicamente (nativista). experiência (empirista). 18 Piaget consegue chegar mais perto de uma compreensão do desenvolvimento da linguagem que atenda melhor a realidade observada. Segundo ele tanto o biológico quanto as interações com o mundo social são importantes para o desenvolvimento da linguagem (interacionista). É através do processo da leitura que a forma gráfica das palavras vai ficando registrada na memória visual. Assim a criança escreve “casa”, “caça” e “exemplo” e não escreve “caza”, “cassa” e “ezemplo” porque leu essas palavras em algum lugar e reteve suas formas gráficas. Se algum dia for solicitado a ela escrevê-las, poderá recordar sua forma gráfica e escrevê-las corretamente, caso contrário, fará hipóteses ortográficas. É importante ressaltar que podem ocorrer diferenças individuais quanto à idade em que cada uma das crianças passa por cada fase de evolução da escrita e essas diferenças têm a ver também com maior ou menor interesse e estimulação (principalmente na família) em relação à oferta de material significativo de leitura e escrita. Contudo, é também importante observar a evolução de todo esse processo e ficar atento a dificuldades específicas, que podem necessitar de ajuda profissional, principalmente quando a criança está em uma fase inicial do processo e a requisição escolar é de uma fase mais adiantada; nesses casos é necessário diagnosticar os fatores que podem estar interferindo para poder fazer com que a criança evolua e acompanhe o que é pedido para seu nível de escolaridade Deve ficar claro que a aprendizagem da leitura e escrita é um processo complexo que envolve vários sistemas e habilidades (linguísticas, perceptuais, 19 motoras, cognitivas) e, não se pode esperar, portanto, que um determinado fator seja o único responsável pela dificuldade para aprender. 20 CAPÍTULO II - PERSPECTIVAS TEÓRICAS E PRÁTICAS ATUAIS DE ALFABETIZAÇÃO A partir da década de 1980, com os estudos de Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1999), posturas teóricas sobre a alfabetização passaram a ser questionadas e revistas. Por um lado, a Teoria da Psicogênese da Escrita passa a considerar a natureza da escrita como sistema notacional e o processo de construção da criança sobre esse Sistema de Escrita Alfabética (doravante SEA). Por outro lado, teóricos da consciência fonológica relacionam a capacidade de reflexão metalinguística da criança ao seu sucesso/insucesso na alfabetização. A apropriação da notação alfabética, segundo Morais (2004), é explicada atualmente por essas duas linhas teóricas. Buscando um ponto de intercessão, ele aponta que no processo de apropriação da escrita alfabética a criança faz uso de habilidades metafonológicas para descobrir o que a escrita nota e como a escrita cria essas notações na elaboração de hipóteses silábicas e alfabéticas. Em suas análises, ele enfatiza que as mudanças vivenciadas evolutivamente na aquisição da escrita pela criança poderiam influenciar no desenvolvimento das habilidades metafonológicas. Um outro eixo que tem suscitado discussões a partir da década de 1990 é a necessidade de se alfabetizar letrando. Segundo Soares (2003b), alfabetização e letramento são processos interdependentes e específicos e não tratar a alfabetização com especificidade é desinventá-la. Morais (2003) enfatiza que, se queremos alfabetizar numa perspectiva de letramento, devemos proporcionar sistematicamente a apropriação da notação da escrita e do seu uso social real pela criança a fim de garantir que se tornem autonomamente letradas, 21 exercitando a capacidade de ler e escrever textos com as características e finalidades que as pessoas letradas utilizam em nossa sociedade. Pesquisas apontam que após duas décadas de discussão envolvendo a alfabetização, ainda há muitos professores que usam cartilhas e métodos tradicionais de alfabetização na própria estrutura seriada e de ciclos; outros, simplesmente, não acreditam que haveria métodos na alfabetização, vindo está a ocorrer de forma espontânea. Essas posturas contrariam os princípios antes propalados por Vygotsky e Piaget que afirmam a aprendizagem como processo de uma relação interativa entre o sujeito e a cultura em que vive. Isso quer dizer que, ao lado dos processos cognitivos de elaboração absolutamente pessoal (ninguém aprende pelo outro), há um contexto que, não só fornece informações específicas ao aprendiz, como também motiva, dá sentido e “concretude” ao aprendido, e ainda condiciona suas possibilidades efetivas de aplicação e uso nas situações vividas. Entre o homem e os saberes próprios de sua cultura, há que se valorizar os inúmeros agentes mediadores da aprendizagem (não só o professor, nem só a escola, embora estes sejam agentes privilegiados pela sistemática pedagogicamente planejada, objetivos e intencionalidade assumida). Hoje, tão importante quanto conhecer o funcionamento do sistema de escrita é poder se engajar em práticas sociais letradas, respondendo aos inevitáveis apelos de uma cultura grafocêntrica. Assim, Enquanto a alfabetização se ocupa da aquisição da escrita por um indivíduo, ou grupo de indivíduos, o letramento focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição de uma sociedade (Tfouni, 1995, p. 20). 22 Ao permitir que o sujeito interprete, divirta-se, seduza, sistematize, confronte, induza, documente, informe, oriente-se, reivindique, e garanta a sua memória, o efetivo uso da escrita garante-lhe uma condição diferenciada na sua relação com o mundo, um estado não necessariamente conquistado por aquele que apenas domina o código (Soares, 1998). Por isso, aprender a ler e a escrever implica não apenas o conhecimento das letras e do modo de decodificá-las (ou de associá-las), mas a possibilidadede usar esse conhecimento em benefício de formas de expressão e comunicação, possíveis, reconhecidas, necessárias e legítimas em um determinado contexto cultural. ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO Levando-se em conta que essa conceituação tem sido pontuada por diferentes análises e enfoques, privilegiando, em alguns casos, a abordagem mecânica do processo de aquisição da língua escrita, fundamentada na racionalidade técnica, cuja preocupação central é o como fazer (que métodos e técnicas utilizar), ao invés de direcionar-se, também, para o aspecto de como o aluno aprende. E, em outros casos, destacando tanto o caráter processual, complexo, quanto à necessidade de articulação entre os diferentes enfoques sobre o tema, contribuição das diferentes áreas: 1. Linguística, 2. sociolinguística, 3. psicolinguística, dentre outras). 23 Na análise de Soares (1999), observamos referências às significativas mudanças em relação à concepção do que é a alfabetização a partir da década de 80 (século XX), fundamentadas nas contribuições das Ciências Linguísticas e na influência da teoria psicogenética da escrita (a partir das pesquisas de Emília Ferreiro, dando conta que criança aprende a escrever num processo de interação/ação com a língua escrita, construindo e testando hipóteses sobre a relação fala/ escrita). Consideremos a interferência desses dois fatores 1. A Influência Das Ciências Linguísticas 2. A Concepção Psicogenética Da Aprendizagem Da Escrita Em duas faces do processo ensino e aprendizagem da língua escrita, aqui destacadas para fins de melhor clareza da exposição, já que não representam momentos sucessivos, mas contemporâneos, não são processos independentes, mas inseparáveis: uma face é a aquisição do sistema de escrita [...]; a outra face é a ‘utilização’ do sistema de escrita para interação social, isto é, o desenvolvimento de habilidades de produzir textos. (Soares, 1999, p. 52). Apesar dos avanços significativos dos estudos sobre o processo de alfabetização, observa-se, em alguns casos, que a prática da escola parece distanciada da funcionalidade da escrita no contexto da sociedade, limitando-se aos usos mecânicos e descontextualizados. 24 Corroborando esse pensamento Vygotsky afirma: Até agora, a escrita ocupou um lugar muito estreito na prática escolar, em relação ao papel fundamental que ela desempenha no desenvolvimento cultural da criança. Ensina-se as crianças a desenhar letras e a construir palavras com elas, mas não se ensina a linguagem escrita. Enfatiza-se de tal forma a mecânica de ler o que está escrito que acaba-se obscurecendo a linguagem como tal (1998, p. 139). O processo de alfabetização, ao longo do tempo, tem sido organizado e orientado por metodologias propostas nas cartilhas. Essas metodologias supõem que os alfabetizandos detêm os mesmos conhecimentos e as mesmas experiências com a escrita, melhor dizendo, presumem que as crianças chegam à escola sem construções teórico-práticas a respeito do ler e do escrever. Por essa razão, a proposta escolar de alfabetização tem o mesmo ponto de partida sem considerar os diferentes níveis ou graus de inserção da criança no mundo letrado. A prática alfabetizadora deve levar a criança ao mundo letrado através do acesso a diferentes formas de leitura e de escrita, ampliando seus saberes linguísticos a partir do uso reflexivo da língua nas variadas situações de seu funcionamento. Uma outra consideração a ser feita é que “há diferentes tipos e níveis de letramento, dependendo das necessidades, das demandas do indivíduo e do seu meio, do contexto cultural” (Soares, 1998, p. 49). Portanto, o grau de 25 letramento pode variar em decorrência da variação das oportunidades de participação em práticas sociais de usos efetivos da leitura e da escrita. A aprendizagem da escrita é, portanto, processual e se constrói em ritmo diferente em cada indivíduo. Assim, é natural que, numa situação de alfabetização, as crianças estejam em níveis diferentes de alfabetismo. De acordo com (Vygotsky, 1998, p. 110). Assim, as interpretações da criança na apropriação da leitura e da escrita representam, de fato, o prenúncio de um conhecimento futuro. Decorrendo, daí, a importância de se considerar as experiências que os alunos possuem, melhor dizendo, é imprescindível que a escola perceba e aproveite os saberes que o educando construiu fora da escola, nos campos da cultura, do social e do linguístico. O ponto de partida dessa discussão é o fato de que o aprendizado das crianças começa muito antes de elas frequentarem a escola. Qualquer situação de aprendizagem com a qual a criança se defronta na escola tem sempre uma história prévia. Por exemplo, as crianças começam a estudar aritmética na escola, mas muito antes tiveram alguma experiência com quantidades – tiveram que lidar com operações de divisão, adição, subtração e determinação de tamanho. Consequentemente, as crianças têm sua própria aritmética pré-escolar, que somente os psicólogos míopes podem ignorar 26 Na sua idealização o professor espera um aluno atento, interessado, desejoso por aprender a ler. Tal criança imaginária já conhece as letras do seu nome e de seus familiares, tem a sua volta variados materiais de leitura e de escrita e observa como essas atividades fazem parte do social e do profissional de seus pais. Essa criança, naturalmente, existe, mas só é encontrada numa pequena camada da população e aprende a ler e a escrever antes e fora dela, tanto quanto dentro dela. (Golbert, 1988, p. 10). Portanto, compreender as idiossincrasias presentes na aprendizagem da escrita, pode assegurar ao professor determinadas e conscientes intervenções pedagógicas. Por exemplo, torna-se fácil para o alfabetizador entender que a escrita infantil possui uma lógica particular, resultante de suas experiências com o universo letrado, que não se relaciona com a lógica da escrita ortográfica. A análise da lógica da escrita infantil pode mostrar ao professor o caminho percorrido pela criança, evidenciando suas interpretações e hipóteses na leitura e na escrita, bem como indicar a ação didática adequada a cada situação. Na verdade, sem a adequada formação, na ótica do professor a lógica infantil na escrita passa a ser percebida como erro, devendo ser corrigida através de tarefas estereotipadas que envolvem apenas o treino, a repetição, sem permitir uma relação dinâmica entre o sujeito que escreve, ou tenta escrever, e a língua. Desse modo, entendemos que: Quanto às dificuldades enfrentadas pela criança nesse processo, se, anteriormente, eram consideradas erros que era preciso corrigir, e para isso os recursos eram, de novo, os exercícios ou “treinos” de imitação, repetição, associação, cópia; hoje, no quadro de uma nova concepção do processo 27 de aquisição do sistema de escrita os erros são considerados construtivos [...]. (Soares, 1999, p. 53). O papel do professor, nesta perspectiva, tomando o aluno como ser social que se apropria da escrita nas interações com diferentes interlocutores (mediadores), refere-se à organização de práticas interativas de ensino- aprendizagem, que provoquem o desenvolvimento de suas concepções sobre o objeto de conhecimento. Essa compreensão do aprendizado da escrita implica interpretar os erros ortográficos das crianças, na alfabetização, como conhecimento potencial acerca da escrita, indicando um conhecimento real a ser construído uma vez que: É importante, então, que o professor alfabetizador possa compreender a dinâmica da aprendizagem, percebendo o significado da prática escolar na condução desse processo e no desenvolvimento das funções psicológicas superiores da criança. De outro modo, a ênfase nos princípios da racionalidade técnica, pode limitar a escrita à mera habilidade motora, fragmentando e fossilizandoo saber escolar. Assim, o fato de não estar preparado, do ponto de vista teórico- metodológico, para o desenvolvimento das novas propostas, provocou e tem provocado sérios equívocos na prática pedagógica do professor alfabetizador. Esses equívocos referem-se ao papel do professor na sala de aula, que em razão da aplicabilidade de uma nova proposta, sem a sua adequada preparação, termina por deixar a turma entregue a situações espontâneas de aprendizagem. A CONTRIBUIÇÃO DA ESCOLA E DA FAMÍLIA NO PROCESSO DO APRENDIZADO DA LEITURA E ESCRITA 28 O processo de ler e escrever extrapola os muros escolares e passam a serem praticadas para muito além, passam a fazer parte da vida cotidiana. Por essa razão que Freire nos traz indagações muito mais do que respostas nos seus conceitos, principalmente de ler e escrever. Segundo FREIRE (2001; p.11) Como, então, ler um mundo do qual fazemos parte e do qual poucos participam? Como “justificar” práticas como desta família, que permanecem anônimas, por que são agricultores? Como fazer com que a leitura do mundo modifique a leitura da palavra e vice-versa? A tarefa, principalmente para os educadores, não é fácil, mas árdua e profunda. As crianças chegam à escola com a leitura do seu mundo particular. Respeitar o conhecimento que já possuem, é o primeiro para que o educador comece a construção de um pensamento mais crítico e elaborado. O próprio Paulo Freire coloca a leitura do seu primeiro mundo como indispensável para iniciar a leitura da palavra: (In: BRANDÃO, 2001; p.9). “a leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele” Os textos”, as “palavras”, as “letras” daquele contexto se encarnavam também no assobio do vento, nas nuvens do céu, nas suas cores...” 29 A tarefa do professor é construir aos poucos a passagem desse mundo particular para o mundo mais geral, ou seja, passar da ‘leitura simples’, ingênua para a leitura crítica do mundo. Porém, meu questionamento emerge: como fazer essa passagem se os educadores também precisam passar dessa leitura dócil para a leitura crítica, para, então, atingir os educandos? Vygotsky evidencia essa função da escola para o desenvolvimento do indivíduo através do ensino aprendizagem, demonstrando que é em seu interior, que serão substanciados os saberes cotidianos em saberes científicos, sendo que aqueles correspondem aos saberes construídos no âmbito extra-escolar e estes se referem aos saberes construídos no interior das escolas, o saber sistematizado, bem elaborado o saber socialmente “aceitável”, que sofrem modificações no âmbito escola e posteriormente se tornam instrumentos de interação e mudança social. REGO (1994) confirma essa inter-relação de saberes ao afirmar que: Ao interagir com esses conhecimentos, o ser humano se transforma: aprende a ler e escrever, a obter o domínio de formas complexas de cálculos, a construir significados a partir das informações descontextualizadas, ampliar seus conhecimentos, lidar com conceitos hierarquicamente relacionados são atividades extremamente importantes e complexas, que possibilitam novas formas de pensamento, de inserção e atuação em seu meio. Isso quer dizer que as atividades desenvolvidas e os conceitos aprendidos na escola (que Vygotsky chama de cientifico) introduzem novos modos de operação intelectual: abstrações e generalizações 30 mais amplas acerca da realidade (que por sua vez transformam os modos de utilização da linguagem), na medida em que a criança expande seus conhecimentos, modifica sua relação cognitiva com o mundo (...) (p. 104). A escola representa um aspecto importante no aprendizado da criança, mas na maioria dos casos ela não é o único local em que a criança aprende. A escola apresenta limites que não conseguem atender na localidade o processo educativo humano, por isso a presença do adulto, do outro, é relevante na apreensão do conhecimento. Nessa perspectiva REGO (1998) aponta que o desenvolvimento do aprendizado do aluno incide na participação do adulto, seja ele o professor, os pais, ou outros adultos que convivem com os alunos. Diante desses aspectos revelados, a criança constrói seus conhecimentos numa relação dialética com o mundo em que vive. Assim não é apenas a escola que contribui nesse aprendizado, mas é uma somatória de atividades que a criança vivência permitindo apropriar-se do conhecimento. Portanto, a escola assume papel destacado no processo educativo através da elaboração do conhecimento sistematizado que favorece o desenvolvimento do aluno, diante da sociedade. É a partir do domínio da leitura e escrita que o homem constrói a sua sobrevivência. É importante registrar que a criança, no transcurso do dia-a-dia, vivência usos de escrita, percebendo que se escreve para comunicar alguma coisa, para auxiliar a memória, para registrar informações. E que da mesma forma recorremos à escrita, através da leitura, para, também, obter-se informações, e buscar entretenimento. É hora, então, de a escola parar de simplesmente ensinar a escrita, para dar espaço a uma escrita dinâmica, 31 explorando as idéias, as emoções, as inquietações, escrevendo e deixando escrever. (Kramer, 2000). Consequentemente, a escola precisa pensar a alfabetização como processo dinâmico, como construção social, fundada nos diferentes modos de participação das crianças nas práticas culturais de uso da escrita, transcendendo a visão linear, fragmentada e descontextualizada presente nas salas de aula onde se ensina/aprende a ler e a escrever. Oliveira, acerca desta questão, reconhece que: Por isso, é de fundamental importância que, desde o início, a alfabetização se dê num contexto de interação pela escrita. Por razões idênticas, deveria ser banido da prática alfabetizadora todo e qualquer discurso (texto, frase, palavra, “exercício”) que não esteja relacionado com a vida real ou o imaginário das crianças, ou em outras palavras, que não esteja por elas carregado de sentido. (Oliveira, 1998, pp. 70-71). Segundo MARTINS (2000) a escola ao possibilitar o aprendizado da leitura e a escrita auxilia o homem a integrar-se na vida social. Educadores ao refletir sobre o papel da escola no processo de aquisição da leitura e da escrita apontam para a necessidade de elevar a qualidade dos recursos humanos para atender os alunos. 32 Entende-se que a escola através do acompanhamento sistemático do aprendizado dos alunos é possível desenvolver um trabalho qualitativo, capaz de elevar o nível de apreensão da leitura e escrita. Assim o papel que a escola representa na vida da criança é importante no sentido de oportunizar o acesso ao conhecimento em bases sistematizadas, visto que em nossa sociedade letrada é observado o valor dado à aquisição da leitura e escrita de modo que o contexto escolar é o espaço favorável à apreensão do conhecimento. Enfim, é necessário a escola proporcionar condições à criança se apropriar da leitura e escrita em dimensões favoráveis ao seu aprendizado qualitativo, pois o momento que se revela como fator importante o domínio dessas dimensões na vida humana é possível a escola cumprir seu papel em elevadas proporções, visando o desenvolvimento do homem na sociedade que vive. 33 CAPÍTULO III - PRÁTICAS E METODOLOGIAS DE ENSINO Antes, porém, de inserir qualquer discussão sobre o papel de nossos atores no processo educativo, é preciso lembrar que o ensino é antes de tudo "uma prática social, não só porque se concretiza na interação entre professores e alunos, mas também porque estes atores refletem a cultura e contextos sociais a que pertencem" (SACRISTÁN, 1995: 66). Portanto, a prática do professor é influenciada pelas diversas esferas de sua vida social e cultural e não somente profissional. Acrescente-se a isso o fato de quea educação é objeto de um amplo debate social, graças ao qual se constroem crenças e aspirações que formulam diferentes exigências em relação ao comportamento dos professores Diante desse quadro, é preciso reconhecer que a profissão docente não detém toda a responsabilidade sobre a atividade educativa, pois está sob a influência de fatores mais gerais (políticos, econômicos, culturais), revelando que a prática não se reduz à ação dos professores. O atual quadro educacional brasileiro que tem nos PCNs o eixo organizador desse sistema, confirma as palavras de Sacristán de que "para além do espaço concreto da prática (a sala de aula), o trabalho dos professores é condicionado pelos sistemas educativos e pelas organizações escolares em que estão inseridos" (p. 71). As mudanças nas práticas dos professores, de acordo com essa abordagem, estariam relacionadas ao processo de transposição didática que resulta em novas definições do saber a ensinar. A prática docente para o ensino da produção textual deve identificar a experiência vivida pelos alunos na sala de aula, buscando dar sentido ao que se pede a eles. 34 Pode-se afirmar que alfabetizar é menos impor modelos que permitir que os sujeitos desenvolvam suas formas de captar o simbólico social nos textos (e aí está incluído o sistema de escrita), a partir de sua subjetividade, com a sua marca, a sua assinatura. A construção da identidade individual no processo de produção de textos parece estar fundada na construção da identidade social. Toda essa discussão até agora fomentada nos remete a uma determinada concepção no ensino a partir dos autores suscitados. Trata-se de uma concepção como interação humana, portanto, constitui-se por intermédio das relações que o ser humano trava ao longo da sua história uns com os outros. Para tanto, é preciso que o professor identifique na sua realidade a curiosidade dos alunos, o que eles têm vontade de escrever, o que eles enxergam no mundo. Há inúmeras maneiras de focar o mesmo tema adequando-o à realidade de seus alunos. As características de um educador democrático são fundamentais no processo educativo porque permite ao alfabetizando inserir-se num processo criador, do qual o próprio alfabetizando é criador e sujeito ao mesmo tempo. O TEXTO NA SALA DE AULA A linguagem existe a serviço da comunicação e possui função de mediação nas práticas sociais. A mediação entre os homens se faz por intermédio da palavra e a capacidade humana de articular significados coletivos e compartilhá-los se dá por intermédio da linguagem. É muito importante que todo educador conceba a linguagem como um significado amplo e dinâmico que se relaciona plenamente com a participação social. 35 Trabalhar a linguagem em situação de ensino não é ensinar as palavras, mas seus significados culturais e sociais. O conceito de que o texto é a base do ensino e da aprendizagem de Língua Portuguesa vem sendo aceita no Brasil há muitos anos. Durante muito tempo, esta abordagem textual foi aplicada ao ensino de maneiras diferentes. A princípio, a ideia era tomar o texto como objeto de ensino, no entanto o texto em sala de aula foi usado para outras funções. Muitos educadores não abordam o texto na sua dimensão textual-discursiva, ou seja, não possuem “uma concepção sóciointeracionista de linguagem centrada na problemática da irterlocução” (Brandão 2001, p. 17). Existe no Brasil uma situação bastante alarmante a respeito da formação de leitores, conforme afirma Rojo e Cordeiro (2004: p.10): “as práticas escolares brasileiras tendem a formar leitores, com apenas capacidades mais básicas de leitura, ligadas à extração simples de informação de textos relativamente simples” (p.10) O acúmulo de equivocadas maneiras de se tomar o texto como objeto de estudo provocou uma mudança no que se diz respeito ao enfoque dado aos textos e seus usos em sala de aula. Passou-se a existir, então, uma necessidade de “enfocar, em sala de aula, o texto em seu funcionamento e em seu contexto de produção/leitura, evidenciando as significações geradas mais do que as propriedades formais que dão suporte a funcionamentos cognitivos” (p.10). A leitura vai guiando os caminhos para um novo horizonte. A cada palavra nova nasce uma significativa imagem. Uma imagem que provoca permanente curiosidade proporcionando a criação e a recriação da linguagem metafórica. 36 O ensino da leitura assume uma grande importância nas aulas de língua. O aluno deve ser preparado para ser um bom leitor. O bom leitor não é apenas o que compreende mais e melhor os textos que lê, mas o que sente prazer e gosto pela leitura. A capacidade de desfrutar a leitura é uma característica intrínseca do bom leitor. Sem o leitor, o texto é um significante sem significado. É preciso que o aluno compreenda a significação do texto em sua profundidade para ser capaz de entender o processo de construção e reconstrução do texto. Na atividade de interpretação de textos, supõe-se que o produto determina intenções e captação que marcam a compreensão adequada, permitindo ao leitor a distinção das duas marcas: o querer dizer e o querer fazer. As referências argumentativas do texto são pistas que o produtor possibilita não só a reconstrução do enunciado, mas também as condições para o interlocutor apreender as intenções implícitas no texto. Cada leitor apresenta uma vivência própria do mundo, uma gama de conhecimentos políticos, históricos, culturais e sociais que são fatores importantes para o processo de recriação do texto. A cada leitura nova o leitor descobre novos horizontes na interpretação e compreensão do texto. Essa experiência motiva o leitor e desperta nele um prazer maior pela leitura e pela busca de novos significados. A descoberta de que pode manipular as referências argumentativas realizadas pelo produtor e que de algum modo pode trabalhar sua própria visão do mundo, faz do leitor não só um indivíduo manobrado e conduzido por ideias pré determinadas, mas também de um produtor que manipula referências argumentativas personalizadas. O texto em sala de aula pode ser bem proveitoso, se for trabalhado de forma a atingir a todos, ou seja, muitos professores impõem o que querem de seus alunos sem dar a esses espaços para exporem suas ideias, ou seja, quase não 37 existe troca de conhecimento entre os alunos, pois eles esperam tudo do professor. Jolibert (1994) afirma que o essencial para que os alunos se tornem escritores é que passem por experiências como: Existe uma grande interação entre leitura e escrita, pois é necessário dominar a leitura para escrever e dominar a escrita para ler (JOLIBERT, 1994). A escrita e a leitura vêm antes da escola, pois a criança constantemente vê-se interessada em saber o que está escrito num cartaz, como também em saber escrever seu nome, o de seus pais. O professor deve incentivar a expansão produtiva do aluno, levando-o a movimentar as variantes e as modalidades linguísticas desencadeando processos de contextualização dos recursos da linguagem. As atividades pedagógicas devem ser incentivadas como grande investimento de recursos teóricos e práticos sob um olhar renovado e muito mais comprometido com a produção textual em sala de aula. • Saber que a escrita serve para qualquer coisa, se comunicar, contar e conservar histórias, criar histórias; • Perceber que a escrita lhe dá poder para se comunicar com o restante do mundo; • Perceber o prazer que a produção de um texto escrito pode lhe proporcionar; • Entender a produção de texto não como um trabalho enfadonho, mas como uma forma de buscar sua autonomia enquanto indivíduo. 38 O ESTUDO DA ORALIDADE É sabido que o trabalho docente assenta-se sob uma relação tripartida: o aluno, o professor e o conhecimento. Ao professor, em especial, há várias possibilidades de cumprir seu papel social na relação de ensino. No que tangeao processo de ensino da língua escrita portuguesa, qualquer que seja o nível de ensino, as atividades docentes precisam estar pautadas no ensino da variedade da linguagem – a escrita, sob o fio de seus eixos condutores: oralidade, leitura, produção de textos e análise linguística Como a oralidade é entendida pelo professor? Como a estabelece na relação de ensino? Esse entendimento decorre de que fatores? É possível localizá-los? A oralidade, ao lado dos outros elementos linguísticos, embora seja tema recorrente e que qualquer professor tem ciência de sua relevância social e no processo alfabetizador da criança, um trabalho realizado com professores alfabetizadores revelou que a oralidade na sala de aula, um dos eixos norteadores do ensino da língua, nem sempre se constitui enquanto tal. A alfabetização, entendida como o momento de apropriação da leitura e da escrita de modo sistemático e organizado, orienta-se melhor nas salas de aula quando a oralidade é o meio oportunizado para a troca de experiências, para falar das expectativas, mostrar modos de ver o mundo e, inclusive, para perceber o que a criança conhece sobre escola, escrita, leitura etc. Na concepção de alguns professores, o espaço cedido para contar, perguntar, interagir oralmente, não obedece a uma hora determinada. Permite- se que seja a qualquer tempo, desde que a criança se manifeste em direção a isso, pois esses momentos são entendidos como necessários para a criança poder 39 desenvolver-se oralmente, relacionar-se, “libertar-se” e aprender melhor. Essa condição possibilita vencer a timidez, desenvolver a capacidade de raciocínio ou de posicionamento frente a algum fato e/ou situação. Nesses momentos, as crianças são encorajadas pelo professor a buscarem outros modos de ver suas possibilidades de atuação social. eu contar, deixa eu contar’.” As enunciações, de modo geral, atestam o já afirmado por Geraldi (2002, p. 06), “focalizar a linguagem a partir do processo interlocutivo e com este olhar pensar o processo educacional exige instaurá-lo sobre a singularidade dos sujeitos em contínua constituição e sobre a precariedade da própria temporalidade, que o específico do momento implica.” Essa forma de focalizar a linguagem, além de remeter a um processo diferenciado de ensino, exige o entendimento de que a linguagem na escola, como em qualquer outro espaço, é um lugar de constituição dos sujeitos na e pela linguagem. E, numa perspectiva de interação verbal, é necessário ter que admitir que (...) os sujeitos se constituem como tais na medida em que interagem com os outros, sua consciência e seu conhecimento de mundo resultam como ‘produto’ deste mesmo processo. Neste sentido, o sujeito é social já que a linguagem não é o trabalho de um artesão, mas trabalho social e histórico seu e dos outros e é para os outros e com os outros que ela se constitui. Também não há um sujeito dado, pronto, que entra na interação, mas um sujeito se completando e se construindo nas suas falas; [admitir] que interações não se dão fora de um contexto social e histórico mais amplo; na verdade, elas se tornam possíveis enquanto acontecimentos singulares, no interior e nos limites de uma determinada formação social, sofrendo as interferências, os controles e as seleções impostas por esta. Também não são, em relação a estas condições, inocentes. São produtivas e históricas e 40 como tais, acontecendo no interior e nos limites do social, constroem por sua vez limites novos. (GERALDI, 2002, p. 06-07). OS DISCURSOS E CARACTERÍSTICAS DO GÊNERO O trabalho com textos em sala de aula ganhou um enfoque especial no momento em que os PCNs de Língua Portuguesa evidenciaram a sua importância. Concomitantemente com a proposta de leitura e produção de textos, surge a necessidade de se trabalhar os gêneros discursivos e textuais. É papel do professor deve apresentar e trabalhar com os alunos os tipos e os gêneros textuais que fazem parte do cotidiano. É fundamental que os estudantes compreendam que texto não são somente aquelas composições escritas tradicionais com a qual se trabalha na escola – descrição, narração e dissertação – mas sim que o texto é produzido diariamente em todos os momentos em que nos comunicamos, tanto na forma escrita como na oral. Nota-se que na escola, a diferença entre tipos e gêneros textuais ainda não está clara nem para os alunos nem para os professores. Para definir esse aspecto teórico e terminológico, Marcuschi (2002:22) apresenta uma breve definição das duas noções: Tipos Textuais Gêneros Textuais 1. Constructos teóricos definidos por propriedades linguísticas intrínsecas; 1. Realizações linguísticas concretas definidas por propriedades sócio- comunicativas; 41 2. Constituem sequências linguísticas ou sequências de enunciados no interior dos gêneros e não são textos empíricos; 2. Constituem textos empiricamente realizados cumprindo funções em situações comunicativas; 3. Sua nomeação abrange um conjunto limitado de categorias teóricas determinadas por aspectos lexicais, sintáticos, relações lógicas, tempo verbal; 3. Sua nomeação abrange um conjunto aberto e praticamente ilimitado de designações concretas determinadas pelo canal, estilo, conteúdo, composição e função; 4. Designações teóricas dos tipos: narração, argumentação, descrição, injunção e exposição; 4. Exemplos de gêneros: telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal, aula expositiva, romance, reunião de condomínio, lista de compras, conversa espontânea, cardápio, receita culinária, inquérito policial etc. Geralmente, a expressão “tipo de texto” é usada erroneamente para designar o que é um gênero textual. Marcuschi (2002:25) comprova muito bem essa observação quando afirma que “Quando alguém diz, por exemplo, a carta pessoal é um tipo de texto informal, ele não está empregando o termo “tipo de texto” de maneira correta [...]”, pois se trata de um gênero textual. 42 Um ponto muito importante que Marcuschi (2002:25) destaca é que “em todos os gêneros também se está realizando tipos textuais, podendo ocorrer que o mesmo gênero realize dois ou mais tipos. Assim, um texto é em geral tipologicamente variado (heterogêneo)”. Os tipos textuais são definidos por seus traços linguísticos predominantes: aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas. Por isso um tipo textual é dado por um conjunto de traços que formam uma sequência e não um texto. De acordo com Marcuschi (2002:27), “quando se nomeia um certo texto como “narrativo”, “descritivo” ou “argumentativo”, não está nomeando o gênero e sim o predomínio de um tipo de sequência de base. Trabalhar os gêneros textuais em sala de aula é uma excelente oportunidade de se lidar com a língua nos seus mais diversos usos do cotidiano. Se a comunicação se realiza por intermédio dos textos, deve-se possibilitar aos estudantes a oportunidade de produzir e compreender textos de maneira adequada a cada situação de interação comunicativa. A melhor alternativa para trabalhar o ensino de gêneros textuais é envolver os alunos em situações concretas de uso da língua, de modo que consigam, de forma criativa e consciente, escolher meios adequados aos fins que se deseja alcançar. É necessário ter a consciência de que a escola é um “autêntico lugar de comunicação” e as situações escolares “são ocasiões de produção e recepção de textos” (Schneuwly e Dolz, 2004, p. 78). Ao explorar a diversidade textual, o professor aproxima o aluno das situações originais de produção dos textos não escolares. Essa aproximação proporciona condições para que o aprendiz compreenda o funcionamento dos gêneros textuais, apropriando-se, a partir disso, de suas peculiaridades, o que facilita o domínio que deverá ter sobre eles. Além disso, o trabalho com gêneros 43 contribui para o aprendizado de prática de leitura, de produção textual e de compreensão.Koch (2002, p. 53) argumenta que a competência discursiva dos falantes/ouvintes leva-os à detecção do que é adequado ou inadequado em cada uma das práticas sociais. Para a autora, essa competência estimula a diferenciação de determinados gêneros de textos, portanto, há o conhecimento, pelo menos indutivo, de estratégias de construção e interpretação de um texto. Dessa forma, os gêneros textuais podem ser considerados a materialização das várias práticas sociais que permeiam a sociedade, articulados de tal forma que são imprescindíveis à vida em sociedade. Em síntese, os gêneros são a efetiva realização da linguagem oral ou escrita. Nos PCN’s, com as diretrizes para o ensino fundamental de Língua Portuguesa, ressalta-se que a leitura e a produção de textos, tanto orais quanto escritos, são as práticas discursivas que, combinadas com a reflexão sobre as estruturas da língua, devem ser priorizadas no trabalho com a língua materna. O documento salienta que o trabalho com a Língua Portuguesa deve proporcionar aos indivíduos envolvidos nos processos de ensino e aprendizagem o conhecimento necessário para interagir produtivamente com seus pares em diferentes atividades discursivas. Assim, é apontado que no processo de ensino e aprendizagem dos diferentes ciclos do ensino fundamental espera-se que o aluno amplie o domínio ativo do discurso nas diversas situações comunicativas, sobretudo nas instâncias públicas de uso da linguagem, de modo a possibilitar sua inserção efetiva no mundo da escrita, ampliando suas possibilidades de participação social no exercício da cidadania (PCN-EF, 1999, p. 32). 44 Tanto as práticas de ensino quanto as práticas de aprendizagem de Língua Portuguesa, portanto, devem ser consideradas processos ativos, uma vez que assim se pode trabalhar a concepção de linguagem como uma ação orientada por um propósito comunicativo específico, que se realiza em diferentes grupos. Essa ideia parte da concepção de texto como um construto social organizado dentro de um gênero determinado pela atividade social, conforme pode ser lido no excerto a seguir: Todo texto se organiza dentro de determinado gênero em função das intenções comunicativas, como parte das condições de produção dos discursos, as quais geram usos sociais que os determinam (PCN-EF, 1999, p. 21). Os PCN’s de Língua Portuguesa propõem a utilização dos gêneros textuais para a efetivação dos processos de ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa, partindo do pressuposto básico de que o texto é um construto social fruto da interação social que apresenta diferentes formas de acordo com seus desígnios sociais. Nesse aspecto, a justificativa para o desenvolvimento da prática de ensino no contexto escolar sob a ótica dos gêneros textuais que perpassa todo o documento é: Toda educação verdadeiramente comprometida como exercício da cidadania precisa criar condições para o desenvolvimento da capacidade de uso eficaz da linguagem 45 que satisfaça suas necessidades pessoais – que podem estar relacionadas às ações efetivas do cotidiano, à transmissão e busca de informação, ao exercício da reflexão (PCN-EF, 1999, p. 30). Percebe-se, nessa citação, que os autores dos PCN’s entendem que a interação pela linguagem compreende a efetiva concretização das práticas sociais, o que vem ao encontro da teoria dos gêneros textuais. Os professores devem, portanto, desenvolver uma prática de ensino que privilegie o questionamento dessas regras e dos comportamentos linguísticos, de acordo com as diversidades sociais. Assim, um dos objetivos dos Parâmetros Curriculares de Língua Portuguesa do ensino fundamental é trabalhar o conhecimento necessário sobre as diferentes formas de realização da linguagem na sociedade, a fim de que os sujeitos envolvidos no processo de aprendizagem possam se comunicar produtivamente nos grupos sociais de que participam e participarão. Por isso, sugere-se aos professores que ensinem seus alunos a utilizar-se da linguagem na escuta e produção de textos orais e na leitura e produção de textos escritos de modo a atender as múltiplas demandas sociais, responder a diferentes propósitos comunicativos e expressivos, e considerar as diferentes condições de produção do discurso (PCN-EF, 1999, p. 33). A leitura de diferentes gêneros possibilita verificar as várias possibilidades de realização da linguagem que cumprem objetivos entre seres que interagem em sociais, específicos e em situações particulares. Assim, é salientado que “a noção de gênero, constitutiva do texto, precisa ser tomada como objeto de ensino” (PCN, EF, 1999 p. 23). 46 A produção textual é outro importante aspecto, salientado pelos PCN’s, que merece muita atenção, pois os textos produzidos pelos alunos, em sala de aula, as chamadas redações, podem, de acordo com o que é postulado no documento, ser usadas como recurso de ensino para trabalhar a língua, propriamente dita, passando de mera atividade de escrita, cujos objetivos são apenas avaliativos, a instrumento voltado ao ensino. Assim, é apontado que tomando como ponto de partida o texto produzido pelo aluno, o professor pode trabalhar tanto os aspectos relacionados às características estruturais dos diversos tipos textuais como também aspectos gramaticais que possam instrumentalizar o aluno no domínio da modalidade escrita da língua, aspectos fundamentais da prática (PCN-EF, p. 48). Essa ideia é defendida por Geraldi (2006), no artigo Prática de leitura na escola, que sugere a leitura de textos, produção de textos e análise linguística como as atividades norteadoras da prática de ensino de Língua Portuguesa. Para o autor, as atividades devem estar interligadas, objetivando ultrapassar a artificialidade com que é trabalhada a linguagem no contexto educacional, possibilitando um manejo efetivo da língua em suas diferentes formas de realização. Marcuschi (2002, p. 35) considera o trabalho com gêneros textuais “uma oportunidade de se lidar com a linguagem em seus mais diversos usos autênticos no dia a dia”. Para o autor, nada do que fizermos linguisticamente está fora de ser feito em algum gênero. Nessa perspectiva, o estudo dos gêneros possibilita compreender melhor o que acontece com a linguagem quando a utilizamos em uma determinada interação (MEURER & MOTTA-ROTH, 2002). 47 Vistos dessa forma, os gêneros textuais podem ser apreendidos como ferramentas indispensáveis de socialização, usados para compreender, expressar e interagir nas diferentes formas de comunicação social de que participamos. Pode-se argumentar que o trabalho com gêneros propicia aos alunos um envolvimento concreto em situações reais de uso da linguagem, de maneira que possam escolher meios adequados aos fins que se almeja alcançar na produção de gêneros. Assim, evidencia-se que a escola é o lugar ideal para o desenvolvimento de competências comunicativas e as situações escolares “são ocasiões de produção e recepção de textos” diferentes práticas sociais. A prática de ensino nas escolas por meio do trabalho com gêneros textuais, portanto, fornece aos alunos os conhecimentos linguísticos e textuais necessários para atuar reflexivamente em diferentes atividades comunicativas, uma vez que os alunos estariam praticando e refletindo em sala de aula com base em textos originais que veiculam na sociedade. AS TIC (TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO) NA SALA DE AULA Atualmente, Informação e Comunicação são sinônimos de poder: ter a capacidade de comunicar significa poder aceder a informações, e interagir para a obtenção de novos dados. O computador e os seus periféricos, designados por Tecnologias de Informação e Comunicação são, sem dúvida, um meio essencial e privilegiado para aceder, trocar e disponibilizar Informação, reunindo todas as condições do 48 multimídia, para as quais o tempo e a distância deixam de ter significado, pela transmissão praticamenteinstantânea de dados. A expansão do acesso ao uso de computadores, de telemóveis e de sistemas de leitura áudio tem modificado o quadro em que a escola pode pensar a integração das TIC nas suas práticas. A disponibilidade de computadores portáteis pessoais criou-se um conjunto de oportunidades que permitem pensar em cenários de aprendizagem diversos – mantendo sempre a ideia forte de que a parte importante deste esforço é a dimensão pedagógica e não a dimensão tecnológica Os avanços das tecnologias de informação e comunicação (TICs), a par da globalização e do aumento da competitividade, têm estado, sem dúvida, a contribuir para uma mudança significativa em termos das competências exigidas às pessoas. Hoje em dia as Tecnologias de Informação e Comunicação estão constantemente presentes no universo dos professores, ora porque competem com eles, ora porque são preciosas ajudas. Se, por um lado, grande parte do insucesso escolar é atribuído às grandes solicitações a que os alunos estão sujeitos (que “roubam” a sua atenção e a desviam das tarefas escolares), também é igualmente verdade que a televisão e os computadores são fundamentais no processo ensino-aprendizagem, quer como ponto de partida quer como ponto de chegada. Se é evidente o fascínio do aluno pelos computadores, é necessário aproveitar então esse fato na reconquista da sua atenção e interesse, para a construção de uma escola mais dinâmica e motivadora. Integrar as TIC na escola e na sala de aula significa viver as atividades escolares com a consciência de que existem meios (informáticos) aos quais se podem recorrer sempre que isso se perspective como pertinente, mas mantendo 49 a ideia de que haverá tarefas e momentos em que as estratégias de trabalho na sala de aula poderão sugerir simplesmente não ligar os computadores As TICs podem proporcionar potencialidades imprescindíveis à educação. O que, gradualmente, está a conduzir ao redirecionamento do sistema educativo e da própria formação. Neste contexto, cada vez mais, teremos de articular a escola com a sociedade de informação e do conhecimento, oferecendo condições para que todos possam selecionar, ordenar, gerir e utilizar novos produtos imprescindíveis ao ensino-aprendizagem. A integração das TIC na atividade escolar passa necessariamente pela naturalização do uso das TIC por parte do professor tal como acontece com todos os recursos que habitualmente usa nas aulas (livros, fichas de trabalho, lápis, etc.). Essa naturalização dá-se progressivamente, passo a passo, e requer o reconhecimento da utilidade das TIC na atividade docente, o reconhecimento de que o uso das TIC tem um sentido transformador em algumas práticas letivas, ou seja, que as TIC não devem ser usadas para simplesmente reforçar as formas de trabalho anteriores. O aluno chega à escola transportando consigo a imagem de um mundo que ultrapassa os limites do núcleo familiar, do Professor e da própria escola. Mas informação não é conhecimento e o aluno continua a necessitar da orientação de alguém que já trabalhou ou tem condições para trabalhar essa informação. Nada pode substituir a riqueza do diálogo pedagógico. É necessário aproveitar pedagogicamente tal oportunidade, fazendo-a reverter positivamente a favor das aprendizagens dos alunos. Isto não significa apenas integrar os computadores em atividades curriculares específicas mas inclui também procurar criar ambientes de aprendizagem estimulantes, abertos, que apelem à autonomia e responsabilidade dos alunos e ao assumir um papel 50 ativo, por parte dos mesmos nas suas aprendizagens e nas aprendizagens dos colegas – e em que os computadores constituem recursos de trabalho que potenciam a colaboração e a partilha. O professor não deve esperar que os computadores contenham exatamente as propostas de que precisa para trabalhar com os seus alunos. A sua expectativa relativamente à utilidade dos computadores que os alunos têm na sala de aula deve residir na ideia de que são recursos que o professor precisa conhecer, explorar e adaptar aos seus objetivos – sabendo-se que, tal como qualquer outro recurso, eles ajudarão a transformar as suas próprias práticas na sala de aula. 51 CAPÍTULO IV: MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO E SEUS EFEITOS NA LEITURA E ESCRITA Comunicar-se é uma necessidade do ser humano. Martins e Spechela (2012) ressaltam que, ao longo dos períodos históricos, houve a necessidade de registrar e passar adiante os conhecimentos adquiridos, a partir disso surge a leitura e a escrita com a intenção de transmitir esse conhecimento. No início de forma primitiva, bastando saber compreender o que significavam os códigos e repetir modelos padronizados. A educação é uma das maiores riquezas de um país. Um ensino de qualidade se inicia nos primeiros anos escolares, com o processo de alfabetização. Fernandes (2010) ressalta que a educação possui grandes objetivos, “ensinar a aprender, ensinar a fazer, ensinar a ser, ensinar a conviver em paz, desenvolver a inteligência e ensinar a transformar informações em conhecimento”. Considera-se a alfabetização um instrumento principal para a aquisição da aprendizagem, desenvolvimento do pensamento crítico, construção do conhecimento, desenvolvimento das competências e habilidades necessários ao longo da vida, bem como obter acesso à informação. O ser humano alfabetizado e letrado domina diferentes usos da comunicação, seja através da leitura ou escrita, participando efetivamente da cultura letrada e, como consequência, da efetiva inserção social. O professor que toma em mãos a responsabilidade de dar seguimento ao conhecimento já iniciado na vida cotidiana de cada indivíduo, contribui para que os alunos possam viver e conviver de forma autônoma. 52 Este trabalho traz uma reflexão sobre a importância dos métodos de alfabetização para garantir os direitos de aprendizagens dos alunos. Para essa reflexão, foram apresentados os tipos de métodos e os entraves deles decorrentes, a relação entre as etapas da consciência fonológica e as fases da escrita no processo de alfabetização, bem como o que sondar antes de iniciar a alfabetização e o letramento. O papel do mediador em todo o este processo também foi objeto de reflexão deste trabalho. PORQUE É PRECISO TER MÉTODO PARA ALFABETIZAR A alfabetização é uma das principais fases da vida de um indivíduo. É a partir dela que ele passa a ter domínio do Sistema de Escrita Alfabética (SEA), passa a compreender a relação entre a fala e a escrita, e então, abrem-se novos caminhos, possibilitando para que o aprendizado faça sentido e seja significativo na vida de cada um. As últimas pesquisas divulgadas apontam que a alfabetização dos brasileiros apresenta níveis baixos em relação à compreensão da leitura e da escrita. De acordo com o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA, 2018), o Brasil apresentava baixa proficiência em leitura, bem como em Matemática e Ciências, quando comparados a 78 outros países participantes da avaliação. Almeida (2019) afirma que o analfabetismo exclui uma parcela da população do acesso às informações mais básicas, mas que uma alfabetização com qualidade é direito de todas as pessoas. A autora destaca que: 53 Para ter sucesso em um processo, é preciso ter clareza da meta a ser alcançada, planejamento das etapas a seguir e procedimentos adequados para atingi-la. Fica evidenciada a necessidade de um método eficaz de alfabetização que transforme a realidade atendendo professores e alunos. É comum aos educadores no cotidiano escolar pensarem qual o melhor método para se alfabetizar e que garanta uma alfabetização de qualidade, para que as crianças se apropriem dos conhecimentos da leitura e da escrita. Segundo Soares (2016), atualmente é inequívoca a compreensão de que, para se aprender a ler e escrever, os processos fonológicos devem ser
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